Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Estórias dos Cachorros de Dona Pandá

Novelinha em capítulos


Capítulo 1
 
Dona Pandá quer contar estorinhas de seus cachorros. Quando lhe lembrei de sua promessa de seguir os itens relevantes (aqueles do quadro), ela me garantiu que vai terminar de falar desses 12 itens, mas quer também contar uns causos de suas ferinhas.
Então, vocês já sabem, nada segura essa jovem sexagenária em termos de falação e lá vamos nós.

Há uma boa senhora que cuida de cães enjeitados e os leva para a Rodovia Bunjiro Nakao, perto de Vargem Grande, ficando lá todos os finais  de semana, na busca de um lar para os seus protegidos. Ela aceita donativos para ajudar na compra de rações e outras despesas.

Dona Pandá foi lá e havia muitos filhotes: um, com três meses, todo preto, grande para a idade, muito magro e com um rabo comprido e fino, bem feio. Ele virou de frente para Dona Pandá, balançou e abaixou a cabeça, olhando-a com os olhos pidões. Estava escolhido.
A procura passou, em seguida, a ser por uma fêmea. Na gaiola ao lado, uma cadelinha gorduchinha, de apenas um mês, conquistou imediatamente o lugar.
Bem em frente de onde estavam as gaiolas dos cães da senhora Ana, havia uma loja de ração. Lá foram comprados os objetos de primeira necessidade: os comedouros, coleiras, guias para passeios, ossinhos e petiscos e ração especial para filhotes. Enquanto Dona Pandá fora comprar esses itens, a cadelinha estava sendo cobiçada por uma família, cujo pai chegou a sugerir uma troca, mas a escolha já estava sacramentada.

Dona Pandá e Vanderlei, seu auxiliar, levaram os pequenos para o carro. Ela disse: - Ele vai se chamar Bei, igual ao cachorro da minha infância. - A que o rapaz logo retrucou: - Então, ela se chama Bia - . Bei e Bia formaram um belo casal de  cachorros mestiços, cruzamento de pastor com alguma outra raça de grande porte.

No dia seguinte, antes de sequer terem tempo para a visita ao veterinário, Bei apresentou um quadro preocupante, vomitava e evacuava sem parar. Dona Pandá não titubeou, colocou-os no carro e rumou para São Paulo, onde conhecia uma veterinária extremamente competente, Dra Pao, cuja clínica fica na Rua Cerro Corá, no Bairro da Lapa. O diagnóstico foi terrível: parvovirose.

Dra Pao e sua equipe de veterinárias não pouparam esforços na tentativa de salvar o filhote. Seguindo sua orientação, Dona Pandá levava os cachorrinhos às 7hs. Bei ficava até as 19hs e Bia, após receber a aplicação de remédios e nutrientes auxiliares para evitar que fosse contaminada, retornava à casa. A médica optou por esse esquema para que o cãozinho sentisse o afeto da família e da companheirinha. O acerto dessa opção ficou demonstrado numa noite quando Bei, muito mal, entregou os pontos, abandonou. Dona Pandá, auxiliada por seu filho, cuja energia, ao lidar com animais, é extraordinariamente positiva, colocou Bei em seu colo e começou a acariciá-lo e a falar baixinho com ele. Bia foi se chegando, encostando-se no companheiro, enfiava a cabecinha por baixo dele como a lhe persuadir a lutar pela vida. Passaram a noite tendo a certeza de que perderiam o pequeno. Houve um momento em que Bia resmungou, fungou ou gemeu ou os três, o certo é que Bei abriu os olhinhos e, em seguida, pareceu descansar. Ela também se encolheu e dormiu. A partir daí houve uma melhora crescente, embora demasiada lenta.

Bei ainda estava sob a ameaça de grande perigo quando Dona Pandá teve que viajar rapidamente porque sua mãe também caíra gravemente enferma. Os cachorrinhos ficaram sob os cuidados do filho e da nora de Dona Pandá. Acontece que também eles têm duas cachorras que, na chegada dos filhotes, foram levadas para outro lugar, evitando qualquer contato, pois essa doença é perigosamente contagiosa. Por orientação da Dra. Pao, tudo era esterilizado com cloro, inclusive as solas dos sapatos. As roupas infectadas pelo contato com o cachorrinho foram descartadas. O casal de cuidadores dos filhotes teve um trabalhão para dar conta dos quatro - dois em cada lugar - até Dona Pandá poder retornar e assumir a função.

Bei recebeu alta da clínica e, juntamente com sua dona e a companheirinha, voltou para a chácara, onde o esperava nova aventura perigosa.


Capítulo 2

Dona Pandá tem o hábito de ler antes de dormir. Vai para a cama, senta-se bem confortável e pega um dos seus livros de cabeceira – ela está sempre com uns três livros iniciados – e vai intercalando a leitura com algumas reflexões. Isto significa que quanto mais instigante o autor, mais sua leitura demora a se completar. Numa noite, lá pela uma hora, seu pensamento, que havia saído do livro para perambular em outras plagas, foi rudemente interrompido pelo gemido de Bia. Preocupada. Dona Pandá abriu a porta de seu quarto, que dá para uma sacada de onde pode ver boa parte do quintal e vislumbrou uma sombra masculina correndo com algo no colo. Desceu correndo a escada de seu quarto e ao chegar na varanda – quarto de dormir dos cachorrinhos – encontrou a cadelinha chorando com um “galo” enorme na cabeça e o Bei era o algo no colo do ladrão. Em desespero, Dona Pandá saiu correndo para ver se conseguia ver o cachorrinho. Estava a uns 100 metros da casa quando se lembrou de que lá estava dormindo uma amiga, visita do final de semana. Se a intenção do ladrão era tirar a dona da casa e ter a porta aberta, havia conseguido seu objetivo. Voltou, então, e encontrou a amiga já na varanda, assustada com o barulho. As duas, depois de percorrerem boa parte da chácara, pegaram o carro e foram andar pela redondeza ainda na esperança de que o ladrão, percebendo uma possível perseguição, abandonasse  o animalzinho. Nada viram.

Na manhã seguinte, nossa persistente senhora novamente percorreu as cercanias da chácara, perguntando pelo cachorrinho para quem encontrava pelo caminho.
- Bom dia. Você viu um cachorrinho de três meses, preto com um rabo muito feio? – Normalmente depois da resposta negativa, ela acrescentava: - Você avisa por aí que é um animal doente. Ele teve uma doença muito ruim, ainda não se recuperou e o pior é que é muito contagiosa. Pega só de encostar no cachorro e pode até matar. Ele ficou 10 dias no soro e ainda corre perigo.Gastei uma nota preta na clinica veterinária.

 A informação era bem intencionada, porém não tão verdadeira. Ela dava a entender que o cachorro havia tido uma doença muito contagiosa inclusive para os humanos. A parvovirose é de fato muito contagiosa para os animais.

A cadelinha acompanhava a dona na sua tristeza. É possível que esse episódio tenha sido responsável por algumas características atuais  da Bia, dengosa e voluntariosa, pois passou o dia no colo, com bolsa de gelo na cabeça e massagens no pescoço.Foi um dia tétrico na chácara.
À tarde, por volta das 17h, uma vizinha veio contar que havia descoberto quem roubara o filhote. Em seguida, ele apareceu vindo pelo fundo da chácara, mostrando a vulnerabilidade da cerca que deveria proteger o terreno. Aí está outra consequência desse episódio. Bei ficou sabendo de duas coisas, cujas consequências foram, no mínimo, bastante trabalhosas. A cerca era mais fraca que ele e havia um pântano no terreno vizinho que passou a ser o seu lugar do desejo  e também da Bia, pois eles são ótimos na socialização de informações. Bom, essas são outras aventuras.


Capítulo 3


Após a recuperação dos três - Bei da tétrica parvovirose, Bia do “galo” na cabeça e Dona Pandá do grande susto –, a veterinária Cláudia Barbosa, cuja clínica fica no bairro vizinho, foi chamada para vacinar  os dois novos moradores da Chácara. Foram meticulosamente examinados e vacinados. Cláudia confirmou o que a Pao já avisara: Bei ficou com o sistema imunológico comprometido. Este fato não amenizou a gravidade de suas traquinagens, pois cresceu bastante, com muita força e agilidade, acompanhado nessas características e em quase tudo por sua companheira.
Um belo dia, Bei demonstrando ter aprendido o caminho do ladrão, desapareceu levando – se não foi a tiracolo – a tirarabo Bia. Dona Pandá e seu ajudante procuraram por toda a chácara, chamando os dois. Somente depois de todos os vizinhos das outras chácaras terem ouvido muitos gritos, os fugitivos foram detectados.  Os narizes dos dois humanos detectaram primeiro a presença dos sujismundos antes que seus olhos pudessem vê-los. O cheiro pestilento, parecido com o de carniça, espalhava pelo ar e os pelos pretos adquiriram uma cor de barro  escuro, pegajoso, nojento. Eles haviam passado para o terreno do vizinho e se enfurnado no brejo de barro podre. Foram direto para debaixo da mangueira de água fria, aqueles dengosos que só tomavam banho quente! Banho com muito xampu, várias vezes, e ,ainda assim, as toalhas ficaram sujas e pouco perfumadas. Cachorros para o canil e humanos para a cerca a fim de tampar o buraco por onde os primeiros haviam fugido.


Uma nova cerca foi implantada logo após a casa, com o objetivo de separar a parte mais usada da chácara daquela por onde os bichinhos,que não estavam mais tão inhos, fugiram.


Dois dias após o término da  cerca, pela manhã, ao abrir a porta de seu quarto que dá para uma varanda, Dona Pandá viu, do outro lado daquela que deveria ser a segurança da sua tranquilidade, o Bei. Ela desceu correndo, abriu o portão e percebeu que não havia visto a Bia. O cachorro, em vez de passar o portão em direção do canil, seguiu no sentido contrário. Dona Pandá simplesmente o acompanhou, pressentindo que não iria gostar dos próximos minutos. Enquanto gritava Biiiaaa, viu a cadela do outro lado, no terreno vizinho, ou seja, no brejo.  Estava imunda e toda feliz se esbaldando no lamaçal mal cheiroso, seu lugar de desejo  e também da Bia, pois eles são ótimos na socialização de informações. Bom, essas são outras aventuras.


Capítulo  4


O cotidiano da chácara começa às 8 hs quando os cachorros são convidados a ir para o canil a fim de descansarem do árduo trabalho noturno. Dona Pandá abriu a porta que dá para uma varanda multiuso, onde os cães têm suas camas e, às vezes, até dormem, e lá estava Bei todo coberto com os horríveis espinhos de algum ouriço. O cachorro demonstrava um grande sofrimento, babava e olhava para sua dona com os olhos tristes e desesperados. Dona Pandá absorveu todo esse desespero, pegou um alicate e começou a tirar os espinhos. O cão gemia e começou a empurrá-la com a pata, procurando fugir. Na total ignorância, Dona Pandá só pensava em livrá-lo daquele sofrimento e continuou a arrancar os espinhos, no 14º, Bei, que é um animal de porte grande, rosnou e a empurrou 


Como já vimos, nossa jovem sexagenária não é de desistir e continuou na dolorosa tarefa até que um pedaço de sua orelha direita ficou dependurado, quase arrancado pelos afiados dentes do Bei. Ela levou muito susto  e, enfim, conseguiu perceber que estava fazendo alguma bobagem estúpida. Levou o cachorro para o canil e foi lavar a orelha, colocou uma gaze para segurar o sangue e ligou para o veterinário. Este, entendendo a gravidade das circunstâncias, chegou rapidinho e levou Bei para sua clínica, explicando que esses espinhos são retirados somente com anestesia. . Eles têm uma espécie de anzol na ponta e ao serem puxados, ferem mais, causando fortes dores. Disse mesmo que Bei devia gostar muito de Dona Pandá para tolerar a retirada de 14 espinhos e só arrancar um pedacinho de sua orelha. 
  
Bia ficou quietinha o tempo todo, deitada,  num canto. Parecia sentir as dores do companheiro e olhava toda temerosa para o veterinário. Ela, por duas vezes, apareceu com um espinho na bunda, mostrando que sabe quando fugir. Infelizmente, porém não consegue passar sua sabedoria para o macho que não admite invasores de qualquer tipo, tamanho ou natureza em seu território, ainda que o custo seja a cara cheia de espinhos.


Dona Pandá insistiu para o veterinário fazer um curativo na sua orelha e, como resposta, foi repreendida: “Você já fez uma grande besteira e quer que eu faça outra maior ainda. Precisa é de um cirurgião”. O moço estava bravo!


Lá foi nossa metediça velhinha em busca de um hospital. Ela concordou em pular essa parte que é bem pouco corriqueira. Resumindo, recebeu alguns pontos e teve que, durante, 15 dias, ir diariamente fazer curativo, no Posto de Saúde.


Depois de ver outras vezes Bei cheio de espinhos, Dona Pandá resolveu fazer mais uma cerca. Separou  600m² ao redor da casa, onde nõo há nenhuma árvore frutífera e passou a deixar os cachorros presos nesse espaço, durante a noite. Sua fantasia fica cada vez mais fantasiosa.