Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

"A linguagem é mais do que sangue"


 A linguagem seletiva do mensalão

Quando pouco ainda se falava sobre “história conceitual”, isto é, sobre a semântica histórica de conceitos e palavras, foi publicado o indispensável Palavras-Chave (um vocabulário de cultura e sociedade) [1ª edição 1976; tradução brasileira Boitempo, 2007], do ex-professor de Cambridge, Raymond Williams (1921-1988).

Por Venício de Lima*

Ao analisar as mudanças na significação de 130 palavras-chave como ciência, democracia, ideologia, liberal, mídia, popular e revolução, Williams argumentava que as questões de significação de uma palavra estão inexoravelmente vinculadas aos problemas em cuja discussão ela esta sendo utilizada. E, mais ainda, que o uso dos diferentes significados de palavras identifica formas diversas de pensar e ver o mundo. Para ele, a apropriação de um determinado significado que serve a um argumento específico exclui aqueles outros significados que são inconvenientes ao argumento. Trata-se, portanto, de uma questão de poder.

Anos mais tarde, através do precioso Language and Hegemony in Gramsci do cientista político estadunidense, radicado no Canadá, Peter Ives (1ª edição 2004), soube-se que o filósofo sardenho desenvolveu o conceito de hegemonia – a formação e a organização do consentimento – a partir de seus estudos de linguística. Poucos se lembram de que, por ocasião da unificação italiana (1861), apenas entre 2,5% e 12% da população falavam a mesma língua. Daí serem previsíveis as enormes implicações sociais e políticas da unificação linguística, sobretudo o enorme poder de ajustamento e conformidade em torno da institucionalização de uma língua única que se tornaria a língua italiana.

Na verdade, não só as palavras mudam de significação ao longo do tempo, como palavras novas são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.

Mais recentemente, a leitura tardia do impressionante LTI – A linguagem do Terceiro Reich(1ª. edição 1947, tradução brasileira Contraponto, 2009), do filólogo alemão Victor Klemperer (1881-1960), dissipou qualquer dúvida que ainda restasse sobre a importância fundamental das palavras, da linguagem, do vocabulário para a conformação de uma determinada maneira de pensar. Está lá:

“O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconscientemente e mecanicamente. (...) A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. (...) Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar” (p.55).

Vale a epígrafe do LTI retirada de Franz Rosenzweig (1886-1929): “A linguagem é mais do que sangue”.

Balanço do ano

As referências a Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer são apresentadas aqui para justificar a escolha que fiz diante da necessidade de produzir um balanço de 2013 em relação ao setor de mídia.

O que de mais importante aconteceu no nosso país de 2005 para cá – vale dizer, ao longo dos últimos oito anos – e se consolidou em 2013 com as várias semanas de julgamento televisionado, ao vivo, no Supremo Tribunal Federal?

Estou convencido de que foi a formação de uma linguagem nova, seletiva e específica, com a participação determinante da grande mídia, dentro da qual parcela dos brasileiros passaram a “ver” os réus da Ação Penal nº 470, em particular aqueles ligados ao Partido dos Trabalhadores.

Ainda em 2006 (cf. capítulo 1 de Mídia: crise política e poder no Brasil; Editora Fundação Perseu Abramo) argumentei que uma das consequências mais visíveis da crise política foi o aparecimento na grande mídia de uma série de novas palavras/expressões como mensalão, mensaleiros, partidos do mensalão, CPI do mensalão, valerioduto,CPI chapa-branca, silêncio dos intelectuais, homem da mala,doleiro do PT, conexão cubana, operação Paraguai, conexão Lisboa, república de Ribeirão Preto, operação pizza, dança da pizza, dentre outros.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Fábio Kerche também chamou atenção para a recuperação pela grande mídia de dois conceitos clássicos de nossa sociologia política – coronelismo e populismo –, que passaram a ser utilizados na cobertura da crise política com nova significação desvinculada de suas raízes e especificidades históricas (cf. “Simplificações conceituais” in Folha de S.Paulo, 23/3/2006, p. A-3).

O verdadeiro significado dessas novas palavras/expressões, dizia à época, só pode ser compreendido dentro dos contextos concretos em que surgiram e passaram a ser utilizadas. São tentativas de expressar, de maneira simplificada, questões complexas, ambíguas e de interpretação múltipla e polêmica (aberta). Elas buscam reduzir (fechar) um variado leque de significados a apenas um único “significado guarda-chuva” facilmente assimilável. Uma espécie de rótulo.

Exaustivamente repetidas na cobertura política tanto da mídia impressa como da eletrônica, essas palavras/expressões vão perdendo sua ambiguidade original pela associação continuada a apenas um conjunto de significados. É dessa forma que elas acabam sendo incorporadas ao vocabulário cotidiano do cidadão comum.

Mas elas passam também a ser utilizadas, por exemplo, nas pesquisas de “opinião pública”, muitas vezes realizadas por institutos controlados pela própria grande mídia. Esse movimento circular viciado produz não só aferições contaminadas da “opinião pública” como induz o cidadão comum a uma percepção simplificada e muitas vezes equivocada do que realmente se passa.

Relacionei ainda as omissões e/ou as saliências na cobertura que a grande mídia oferecia da crise política – evidentes já àquela época –, protegendo a si mesma em relação à destinação de recursos publicitários e/ou favorecendo politicamente à oposição político-partidária ao governo Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Algumas dessas omissões foram objeto de denúncia do jornalista Carlos Dorneles, então na Rede Globo (13/10/2005) e do ombudsman da Folha de S.Paulo (23/10/2005).

De 2005 a 2013

Nos últimos oito anos, o comportamento da grande mídia não se alterou. Ao contrário. A crise política foi se transformando no “maior escândalo de corrupção da historia do país” e confirmou-se o padrão de seletividade (omissão e/ou saliência) na cobertura jornalística, identificado desde 2005.

Até 2005, “mensalão” era apenas “o imposto que pode ser recolhido pelo contribuinte que tenha mais de uma fonte pagadora. Se o contribuinte recebe, por exemplo, aposentadoria e salário e não deseja acumular os impostos que irão resultar num valor muito alto a pagar na declaração mensal, ele pode antecipar este pagamento por meio de parcela mensal” (ver aqui).

Nos últimos anos “mensalão” passou a ser “um esquema de corrupção” e tornou-se “mensalão do PT”, enquanto situações idênticas e anteriores, raramente mencionadas, foram identificadas pela geografia e não pelo partido político (“mensalão mineiro”). Como resultado foi se construindo sistematicamente uma associação generalizada, seletiva e deliberada entre corrupção e os governos Lula e o PT, ou melhor, seus filiados e/ou simpatizantes.

“Mensaleiro” passou a designar qualquer envolvido na Ação Penal nº 470, independentemente de ter sido ou não comprovada a prática criminosa de pagamento e/ou recebimento de mensalidades em dinheiro “sujo” com o objetivo de se alterar o resultado nas votações de projetos de lei no Congresso Nacional.

A generalização seletiva tornou-se a prática deliberada e rotineira da grande mídia e, aos poucos, as palavras “petista” – designação de filiado ao Partido dos Trabalhadores – e “mensaleiro”, se transformaram em palavrões equivalentes a “comunista”, “subversivo” ou “terrorista” na época da ditadura militar (1964-1985). “Petista” e “mensaleiro” tornaram-se, implicitamente, inimigos públicos e sinônimos de corruptos e desonestos.

O escárnio em relação aos “mensaleiros petistas” atingiu o seu auge com a prisão espetaculosa de alguns dos réus, por determinação do presidente do STF, no simbólico feriado da Proclamação da República (15 de novembro), antes do transito em julgado da Ação Penal nº 470, com ampla cobertura ao vivo das principais emissoras de televisão. Ofereceu-se assim a oportunidade para que articulistas da grande mídia passassem a citar seletivamente os nomes dos petistas detidos precedidos do adjetivo “presidiário”.

Da mesma forma, o que poderia ser questionado como uma prisão arbitrária (antes do trânsito em julgado; exposição desnecessária em périplo aéreo por três cidades do país; regime fechado para condenados em regime aberto; substituição arbitrária do juiz da vara de execuções penais de Brasília, etc.) foi se transformando em “um privilégio dos mensaleiros petistas”.

Na cobertura oferecida pela grande mídia esses “privilégios” foram identificados pelas visitas incialmente permitidas em dias diferentes daqueles dos demais detidos no complexo da Papuda; pela solicitação de regime diferenciado em função da saúde precária de um dos “mensaleiros petistas” e pela remuneração elevada do emprego oferecido (em seguida descartado) a outro.

Sinais de intolerância

Não é necessário mencionar aqui as inúmeras e pendentes questões – inclusive jurídicas – envolvendo o polêmico julgamento da Ação Penal nº 470 e os interesses político-partidários em jogo relativos a situações idênticas e anteriores que, todavia, ainda não mereceram a atenção correspondente do Poder Judiciário e, muito menos, da grande mídia.

O ano de 2013 certamente poderá ser lembrado como aquele em que ocorreu o julgamento da Ação Penal nº 470 e pelo desmesurado papel que a grande mídia desempenhou em todo o processo. Um vocabulário seletivo específico e uma linguagem correspondente se consolidaram em relação aos eventos nomeados pela nova palavra “mensalão”.

Tendo como referência os ensinamentos de Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer, vale a pergunta: até que ponto este vocabulário e esta linguagem influenciam a maneira pela qual alguns dos envolvidos passaram a ser “vistos” pela população brasileira (ou parte dela) e contribuem para criar um clima político não democrático, de intolerância, de ódio e de recusa intransigente a sequer ouvir qualquer posição diferente da sua?

Para além da formação seletiva de um vocabulário e de uma linguagem específicas, bastaria relembrar as declarações do ministro Celso Melo por ocasião do julgamento dos embargos infringentes: “Nunca a mídia foi tão ostensiva para subjugar um juiz” (ver aqui).

Vale a pena repetir com Victor Klemperer:

“Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”.

* Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG.

Nossa Fonte: Vermelho

"A linguagem é mais do que sangue"


 A linguagem seletiva do mensalão

Quando pouco ainda se falava sobre “história conceitual”, isto é, sobre a semântica histórica de conceitos e palavras, foi publicado o indispensável Palavras-Chave (um vocabulário de cultura e sociedade) [1ª edição 1976; tradução brasileira Boitempo, 2007], do ex-professor de Cambridge, Raymond Williams (1921-1988).

Por Venício de Lima*

Ao analisar as mudanças na significação de 130 palavras-chave como ciência, democracia, ideologia, liberal, mídia, popular e revolução, Williams argumentava que as questões de significação de uma palavra estão inexoravelmente vinculadas aos problemas em cuja discussão ela esta sendo utilizada. E, mais ainda, que o uso dos diferentes significados de palavras identifica formas diversas de pensar e ver o mundo. Para ele, a apropriação de um determinado significado que serve a um argumento específico exclui aqueles outros significados que são inconvenientes ao argumento. Trata-se, portanto, de uma questão de poder.

Anos mais tarde, através do precioso Language and Hegemony in Gramsci do cientista político estadunidense, radicado no Canadá, Peter Ives (1ª edição 2004), soube-se que o filósofo sardenho desenvolveu o conceito de hegemonia – a formação e a organização do consentimento – a partir de seus estudos de linguística. Poucos se lembram de que, por ocasião da unificação italiana (1861), apenas entre 2,5% e 12% da população falavam a mesma língua. Daí serem previsíveis as enormes implicações sociais e políticas da unificação linguística, sobretudo o enorme poder de ajustamento e conformidade em torno da institucionalização de uma língua única que se tornaria a língua italiana.

Na verdade, não só as palavras mudam de significação ao longo do tempo, como palavras novas são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.

Mais recentemente, a leitura tardia do impressionante LTI – A linguagem do Terceiro Reich(1ª. edição 1947, tradução brasileira Contraponto, 2009), do filólogo alemão Victor Klemperer (1881-1960), dissipou qualquer dúvida que ainda restasse sobre a importância fundamental das palavras, da linguagem, do vocabulário para a conformação de uma determinada maneira de pensar. Está lá:

“O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconscientemente e mecanicamente. (...) A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. (...) Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar” (p.55).

Vale a epígrafe do LTI retirada de Franz Rosenzweig (1886-1929): “A linguagem é mais do que sangue”.

Balanço do ano

As referências a Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer são apresentadas aqui para justificar a escolha que fiz diante da necessidade de produzir um balanço de 2013 em relação ao setor de mídia.

O que de mais importante aconteceu no nosso país de 2005 para cá – vale dizer, ao longo dos últimos oito anos – e se consolidou em 2013 com as várias semanas de julgamento televisionado, ao vivo, no Supremo Tribunal Federal?

Estou convencido de que foi a formação de uma linguagem nova, seletiva e específica, com a participação determinante da grande mídia, dentro da qual parcela dos brasileiros passaram a “ver” os réus da Ação Penal nº 470, em particular aqueles ligados ao Partido dos Trabalhadores.

Ainda em 2006 (cf. capítulo 1 de Mídia: crise política e poder no Brasil; Editora Fundação Perseu Abramo) argumentei que uma das consequências mais visíveis da crise política foi o aparecimento na grande mídia de uma série de novas palavras/expressões como mensalão, mensaleiros, partidos do mensalão, CPI do mensalão, valerioduto,CPI chapa-branca, silêncio dos intelectuais, homem da mala,doleiro do PT, conexão cubana, operação Paraguai, conexão Lisboa, república de Ribeirão Preto, operação pizza, dança da pizza, dentre outros.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Fábio Kerche também chamou atenção para a recuperação pela grande mídia de dois conceitos clássicos de nossa sociologia política – coronelismo e populismo –, que passaram a ser utilizados na cobertura da crise política com nova significação desvinculada de suas raízes e especificidades históricas (cf. “Simplificações conceituais” in Folha de S.Paulo, 23/3/2006, p. A-3).

O verdadeiro significado dessas novas palavras/expressões, dizia à época, só pode ser compreendido dentro dos contextos concretos em que surgiram e passaram a ser utilizadas. São tentativas de expressar, de maneira simplificada, questões complexas, ambíguas e de interpretação múltipla e polêmica (aberta). Elas buscam reduzir (fechar) um variado leque de significados a apenas um único “significado guarda-chuva” facilmente assimilável. Uma espécie de rótulo.

Exaustivamente repetidas na cobertura política tanto da mídia impressa como da eletrônica, essas palavras/expressões vão perdendo sua ambiguidade original pela associação continuada a apenas um conjunto de significados. É dessa forma que elas acabam sendo incorporadas ao vocabulário cotidiano do cidadão comum.

Mas elas passam também a ser utilizadas, por exemplo, nas pesquisas de “opinião pública”, muitas vezes realizadas por institutos controlados pela própria grande mídia. Esse movimento circular viciado produz não só aferições contaminadas da “opinião pública” como induz o cidadão comum a uma percepção simplificada e muitas vezes equivocada do que realmente se passa.

Relacionei ainda as omissões e/ou as saliências na cobertura que a grande mídia oferecia da crise política – evidentes já àquela época –, protegendo a si mesma em relação à destinação de recursos publicitários e/ou favorecendo politicamente à oposição político-partidária ao governo Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Algumas dessas omissões foram objeto de denúncia do jornalista Carlos Dorneles, então na Rede Globo (13/10/2005) e do ombudsman da Folha de S.Paulo (23/10/2005).

De 2005 a 2013

Nos últimos oito anos, o comportamento da grande mídia não se alterou. Ao contrário. A crise política foi se transformando no “maior escândalo de corrupção da historia do país” e confirmou-se o padrão de seletividade (omissão e/ou saliência) na cobertura jornalística, identificado desde 2005.

Até 2005, “mensalão” era apenas “o imposto que pode ser recolhido pelo contribuinte que tenha mais de uma fonte pagadora. Se o contribuinte recebe, por exemplo, aposentadoria e salário e não deseja acumular os impostos que irão resultar num valor muito alto a pagar na declaração mensal, ele pode antecipar este pagamento por meio de parcela mensal” (ver aqui).

Nos últimos anos “mensalão” passou a ser “um esquema de corrupção” e tornou-se “mensalão do PT”, enquanto situações idênticas e anteriores, raramente mencionadas, foram identificadas pela geografia e não pelo partido político (“mensalão mineiro”). Como resultado foi se construindo sistematicamente uma associação generalizada, seletiva e deliberada entre corrupção e os governos Lula e o PT, ou melhor, seus filiados e/ou simpatizantes.

“Mensaleiro” passou a designar qualquer envolvido na Ação Penal nº 470, independentemente de ter sido ou não comprovada a prática criminosa de pagamento e/ou recebimento de mensalidades em dinheiro “sujo” com o objetivo de se alterar o resultado nas votações de projetos de lei no Congresso Nacional.

A generalização seletiva tornou-se a prática deliberada e rotineira da grande mídia e, aos poucos, as palavras “petista” – designação de filiado ao Partido dos Trabalhadores – e “mensaleiro”, se transformaram em palavrões equivalentes a “comunista”, “subversivo” ou “terrorista” na época da ditadura militar (1964-1985). “Petista” e “mensaleiro” tornaram-se, implicitamente, inimigos públicos e sinônimos de corruptos e desonestos.

O escárnio em relação aos “mensaleiros petistas” atingiu o seu auge com a prisão espetaculosa de alguns dos réus, por determinação do presidente do STF, no simbólico feriado da Proclamação da República (15 de novembro), antes do transito em julgado da Ação Penal nº 470, com ampla cobertura ao vivo das principais emissoras de televisão. Ofereceu-se assim a oportunidade para que articulistas da grande mídia passassem a citar seletivamente os nomes dos petistas detidos precedidos do adjetivo “presidiário”.

Da mesma forma, o que poderia ser questionado como uma prisão arbitrária (antes do trânsito em julgado; exposição desnecessária em périplo aéreo por três cidades do país; regime fechado para condenados em regime aberto; substituição arbitrária do juiz da vara de execuções penais de Brasília, etc.) foi se transformando em “um privilégio dos mensaleiros petistas”.

Na cobertura oferecida pela grande mídia esses “privilégios” foram identificados pelas visitas incialmente permitidas em dias diferentes daqueles dos demais detidos no complexo da Papuda; pela solicitação de regime diferenciado em função da saúde precária de um dos “mensaleiros petistas” e pela remuneração elevada do emprego oferecido (em seguida descartado) a outro.

Sinais de intolerância

Não é necessário mencionar aqui as inúmeras e pendentes questões – inclusive jurídicas – envolvendo o polêmico julgamento da Ação Penal nº 470 e os interesses político-partidários em jogo relativos a situações idênticas e anteriores que, todavia, ainda não mereceram a atenção correspondente do Poder Judiciário e, muito menos, da grande mídia.

O ano de 2013 certamente poderá ser lembrado como aquele em que ocorreu o julgamento da Ação Penal nº 470 e pelo desmesurado papel que a grande mídia desempenhou em todo o processo. Um vocabulário seletivo específico e uma linguagem correspondente se consolidaram em relação aos eventos nomeados pela nova palavra “mensalão”.

Tendo como referência os ensinamentos de Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer, vale a pergunta: até que ponto este vocabulário e esta linguagem influenciam a maneira pela qual alguns dos envolvidos passaram a ser “vistos” pela população brasileira (ou parte dela) e contribuem para criar um clima político não democrático, de intolerância, de ódio e de recusa intransigente a sequer ouvir qualquer posição diferente da sua?

Para além da formação seletiva de um vocabulário e de uma linguagem específicas, bastaria relembrar as declarações do ministro Celso Melo por ocasião do julgamento dos embargos infringentes: “Nunca a mídia foi tão ostensiva para subjugar um juiz” (ver aqui).

Vale a pena repetir com Victor Klemperer:

“Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”.

* Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG.

Nossa Fonte: Vermelho

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Natal em Cuba: razões para comemorar

O socialismo continuará na ilha, e o propósito é que seja próspero e sustentável, segundo os lineamentos aprovados pelo Partido Comunista de Cuba e que marcam o processo de mudanças na nação caribenha.

Trata-se de outro momento histórico no processo revolucionário cubano, que se tem sustentado na unidade da nação e na resistência à hostilidade de sucessivas administrações dos Estados Unidos.


Líder da Revolução Cubana, Fidel Castro recebeu Nicolás Maduro em Havana no último sábado

Não foi fácil chegar até aqui. Cuba tem suportado o bloqueio mais longo da história, pelo qual se nega ao país investimentos, financiamento, avanços tecnológicos, medicamentos e alimentos.

Os cubanos pagaram ademais um alto preço: mais de três mil pessoas morreram e semelhante quantidade ficou ferida ou mutilada por atos terroristas financiados e apoiados pelos EUA. Ataques armados, sabotagens, atentados aos líderes da Revolução, agressões biológicas, planos de subversão interna e de isolamento externo fizeram parte do arsenal contra a pequena ilha caribenha.

Mas nada disto desviou um milímetro a trajetória do processo cubano que transformou quartéis em escolas, impulsionou a reforma agrária, liquidou o latifúndio e nacionalizou setores vitais da economia.

Não foi casual que o líder histórico dos cubanos, Fidel Castro, declarou em abril de 1961 o caráter socialista da Revolução, em vésperas da invasão mercenária pela Baía dos Porcos, cuja derrota foi qualificada em Cuba como a primeira derrota do imperialismo ianque na América Latina.

Desde então o caminho tem estado cheio de obstáculos, mas também de avanços e conquistas que hoje, em meio a dificuldades econômicas, se mantêm, e o propósito é torna-la mais eficientes.

Reprodução Cuba Magazine

Encontro histórico entre Barack Obama e Raúl Castro

Cuba encerrou o ano com a menor mortalidade infantil e materna de sua história, obra de um sistema de saúde pública que não só chega a todos os rincões do país, mas que se estende a numerosas nações.

A maior das Antilhas está entre os 50 países com maior proporção de pessoas com 60 anos ou mais, o que é interpretado como resultado da política de desenvolvimento social e direitos humanos.

Grande parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio está cumprida nesta terra, cuja vizinhança com a maior potência do planeta é uma espada de Dâmocles, em particular pela política de bloqueio.

Mesmo assim, seus indicadores situam Cuba como um país de elevado desenvolvimento humano, que ocupa o 51º lugar entre 187 países.

Por sua parte, a Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (Unesco) coloca Cuba no 14º lugar no mundo em seu Índice de Desenvolvimento da Educação para Todos.

De um país anteriormente de monocultura da cana de açúcar, a economia cubana se sustenta hoje mais em seu capital humano, especialistas em saúde, educação e outros que fazem dos serviços a fonte mais importante de receitas.

As transformações apontam a empresa socialista como a pedra angular do sistema econômico, mas abrem espaços a outras formas de produção que incluem as cooperativas e o trabalho por conta própria.

Uma particularidade é que os mais de 400 mil trabalhadores por conta própria têm garantida a seguridade social, diferentemente de outras nações onde os que vivem da chamada economia informal não têm esse direito.

A atualização da política migratória, o novo Código do Trabalho, a criação da Zona de Desenvolvimento Especial de Mariel (no oeste), a entrega de terras em usufruto, são algumas das medidas e passos das mudanças sem pausa, mas sem pressa, que têm lugar na ilha.

Ao mesmo tempo, o marco legal e institucional do país para a atualização do modelo econômico se constrói sobre a base da justiça social e da solidariedade.

Vinculado a toda esta atividade, Cuba conseguiu este ano importantes avanços na renegociação de sua dívida externa, em particular o acordo com a Rússia a respeito do perdão do débito existente com a antiga União Soviética.

O presidente Raúl Castro tem sido enfático na posição de princípios de honrar os compromissos financeiros do país, cuja credibilidade na matéria cresceu e abre novas possibilidades de investimentos e financiamento.

Segundo as autoridades, os dois próximos anos serão decisivos para o processo de atualização, com a consolidação de experimentos e a aplicação de outros, incluídos os primeiros passos para a unificação monetária e cambial que permitirá melhores controles dos parâmetros da economia.

Enquanto isso, os cubanos têm por estes dias razões para celebrar e esse espírito se respira nas ruas, centros de trabalho e estudo onde as felicitações, trocas de presentes e comemorações mostram confiança no futuro.

Assim ocorreu neste 24 de dezembro, onde o tema predominante é a celebração do Natal em família, antessala da despedida de 2013 e da chegada do 56º ano da Revolução.

(*) Texto originalmente publicado no portal Cubadebate / Blog da Resistência e republicado pelo Portal Vermelho

Os novos “vândalos” do Brasil

foto da notícia
O rolezinho, a novidade deste Natal, mostra que, quando a juventude pobre e negra das periferias de São Paulo ocupa os shoppings anunciando que quer fazer parte da festa do consumo, a resposta é a de sempre: criminalização. Mas o que estes jovens estão, de fato, “roubando” da classe média brasileira?
Veja a íntegra desta análise em: brasil.elpais.com 

sábado, 21 de dezembro de 2013

A cantilena conhecida e, infelizmente para o Brasil, ainda ouvida


Cavalos de troia
 Jeferson Miola - de Porto Alegre para o Correio do Brasil




A cantilena é por demais conhecida

A cantilena é por demais conhecida.Independentemente da realidade objetiva e da situação concreta da economia, os ventríloquos do capital financeiro repetem sempre a mesma receita que, a juízo deles, o governo deveria seguir: cuidar mais da inflação do que do desenvolvimento, (ii) ampliar o superávit fiscal e (iii) aumentar os juros.

Faça chuva, faça sol, a receita é sempre a mesma. E exatamente nessa ordem: [1º] compensar o aumento dos preços via contenção dos salários, para aumentar a concentração da renda e a lucratividade do capital; [2º] reduzir investimentos estatais, dilapidar a máquina pública e desfinanciar as políticas públicas para “economizar” e, assim, ampliar o “dinheiro livre” para alimentar o apetite insaciável do capital financeiro; e [3º] aumentar a taxa de juros para canalizar maior parcela da renda pública ao capital financeiro especulativo – nacional e internacional.

Esses postulados econômicos neoliberais são defendidos como leis férreas que deveriam ser adotados cegamente pelo governo. Caso contrário – conforme reza a chantagem dos especuladores – o país seria atingido pela maldição do rebaixamento do grau de investimento. E, dessa maneira, perderia atratividade, confirmando a profecia do caos econômico, com o capital financeiro “abandonando” o país.

Para os ventríloquos do capital financeiro, o Brasil está permanentemente no fio da navalha, com a economia sempre à beira dum abismo. Junto com a mídia conservadora, aludem dificuldades terríveis da economia; muito superiores às reais. E abstraem a conjuntura internacional, da gravíssima crise gerada na Europa e nos EUA. Com isso, ocultam o contexto de excepcionalidade da economia mundial, para também ocultarem a capacidade que o país vem tendo – com a escolha de políticas heterodoxas -, de transitar com relativo êxito, a despeito dessa complexa realidade.

O governo vinha numa trajetória de declínio dos juros a patamares históricos. Essa trajetória, entretanto, foi interrompida pelo terrorismo da orgia financeira, com o governo sucumbindo outra vez às suas chantagens.

A aparência de uma ciência econômica sofisticada não consegue esconder a verdadeira picaretagem por trás dos movimentos especulativos. Não existe nenhuma racionalidade econômica e menos ainda razão ética na postulação dos financistas – mas sim o objetivo predador da multiplicação financeira através da usura.

O provável fracasso eleitoral das candidaturas conservadoras em 2014 obrigou o capital financeiro a antecipar sua estratégia para assegurar seus interesses. No último período, o discurso conservador brada por duas exigências: maior superávit fiscal, apesar da absurda desoneração de setores do grande capital que faz o governo; e independência do Banco Central, como sinônimo de garantia de aumento de juros.

Na realidade, são duas vertentes para a reprodução exponencial do capital financeiro: maior superávit significa [1] menos direitos sociais e mais dinheiro público para o pagamento dos títulos dos rentistas, e [2] aumento da remuneração do capital financeiro [e de sua força reprodutiva] com o maior sacrifício do povo através da maior “poupança fiscal”.

Quando se entrega a cabeça do Ministro da Economia e se pede a cabeça do Secretário do Tesouro Nacional para “tranquilizar o mercado”, se está sendo no mínimo “magnânimo” com o rentismo, cedendo-lhe terreno no “território” do poder econômico que disputa com o governo.

Nessa disputa, não faltam os cavalos de Tróia. Como o ex-Ministro da Fazenda [que também foi Chefe da Casa Civil com mandato atalhado por um escândalo] e o ex-Presidente do Banco Central, que defendem abertamente políticas contrárias à trajetória tentada pelo governo. Publicam artigos, na maior das vezes falam em off, concedem entrevistas e dissertam suas certezas sobre juros ascendentes, superávit primário idem, contenção de “gastos” públicos e proposição ao “Congresso a independência legal do Banco Central” [FSP, 15/12/2013, página A2, artigo “Rumo ao grau de potência”, de Henrique Meirelles.

Aliás, não faltam cavalos de Tróia na vida, na economia e na política. Quando a Presidenta Dilma, depois de perscrutar as ruas de junho propôs corretamente o plebiscito para reformar o corrupto sistema político e eleitoral, teve como contrapartida a afronta desleal de um deputado que já não deveria estar no PT, apesar de já ter sido líder do Partido e do governo no Congresso.


Jeferson Miola, é integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

2014, o ano das mudanças positivas

Esta foto  - pingo de ouro - foi tirada por mim com a intenção de enviar a meus queridos amigos leitores um pouco da beleza e da energia positiva desta flor e da árvore que lhe dá morada - é uma produtiva amoreira. Assim, quero muito que a beleza da flor e a força da árvore sejam impregnadas em vocês para que o próximo ano esteja carregado do belo, da criatividade, da coragem, e da paz. Que nosso Brasil seja protegido pelas força do Universo e que a Terra seja respeitada.




Um pouco da História não contada


Mandela morreu. Por que ocultar a verdade sobre o apartheid?
Fidel Castro Ruz (1)


A luta contra o apartheid foi longa, difícil e dolorosa e Cuba e os comunistas foram importantes aliados durante a Guerra Fria

Talvez o império tenha acreditado que o nosso povo não honraria sua palavra quando, nos dias incertos do século passado, afirmamos que mesmo que a União Soviética desaparecesse, Cuba seguiria lutando.

A Segunda Guerra Mundial eclodiu quando, no dia 1 de setembro de 1939, o nazi-fascismo invadiu a Polônia e caiu como um raio sobre o povo heroico da União Soviética, que deu 27 milhões de vidas para preservar a humanidade daquela brutal matança que pôs fim à vida de mais de 50 milhões de pessoas.

A guerra é, por outro lado, a única atividade no curso da história que o gênero humano nunca foi capaz de evitar; o que levou Einstein a responder que não sabia como seria a Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta seria a paus e pedras.

Somados os meios disponíveis, as duas potências mais poderosas, Estados Unidos e Rússia, dispõem de mais de 20 mil – vinte mil – ogivas nucleares. A humanidade deveria saber bem que, três dias depois de ascensão de John F. Kennedy à presidência de seu país, no dia 20 de janeiro de 1961, um bombardeiro B-52 dos Estados Unidos, em um voo de rotina, que transportava duas bombas atômicas com uma capacidade destrutiva 260 vezes maior que a utilizada em Hiroshima, sofreu um acidente que precipitou o aparato em direção ao chão. Em tais casos, equipamentos automáticos sofisticados aplicam medidas que impedem a explosão das bombas. A primeira atingiu o chão sem risco algum; três dos quatro mecanismos da segunda falharam, e o quarto, em estado crítico, funcionou por pouco; a bomba não explodiu por acaso.

Nenhum acontecimento presente ou passado do qual eu me lembre ou tenha ouvido falar impactou tanto a opinião pública mundial como a morte de Mandela; e não por suas riquezas, mas pela qualidade humana e a nobreza de seus sentimentos e ideias.

Ao longo da história, até apenas um século e meio atrás, e antes que as máquinas e robôs, a um custo mínimo de energia, se ocupassem de nossas tarefas, não existiriam nenhum dos fenômenos que hoje comovem a humanidade e regem inexoravelmente cada uma das pessoas: homens ou mulheres, crianças ou idosos, jovens e adultos, agricultores e trabalhadores fabris, manuais ou intelectuais. A tendência dominante é a de se instalar nas cidades, onde a criação de empregos, transporte a as condições elementares de vida demandam enormes investimentos em detrimento da produção de alimentos e outras formas de vida mais razoáveis.

Três potências fizeram artefatos aterrissarem na Lua do nosso planeta. No mesmo dia em que Nelson Mandela, envolto na bandeira de sua pátria, foi enterrado no pátio da humilde casa onde nasceu 95 anos atrás, um módulo sofisticado da República Popular da China descia em um espaço iluminado da nossa Lua. A coincidência de ambos os acontecimentos foi absolutamente casual.

Milhões de cientistas investigam materiais e radiações na Terra e no espaço; por meio deles sabe-se que Titã, uma das luas de Saturno, acumulou 40 — quarenta — vezes mais petróleo que o existente no nosso planeta quando começou a exploração do mesmo há apenas 125 anos, e, no ritmo atual de consumo, durará apenas mais um século.

Os fraternais sentimentos de irmandade profunda entre o povo cubano e a pátria de NelsonMandela nasceram de um fato que nem sequer foi mencionado, e do qual não tínhamos dito uma palavra ao longo de muitos anos; Mandela porque era um apóstolo da paz e não desejava ferir ninguém; Cuba porque jamais realizou ação alguma em busca de glória ou prestígio.

Quando a Revolução trinfou em Cuba fomos solidários com as colônias portuguesas na África, desde os primeiros anos; os Movimentos de Libertação desse continente punham em xeque o colonialismo e o imperialismo, depois da Segunda Guerra Mundial e da libertação da República Popular da China — o país mais povoado do mundo —, depois do triunfo glorioso da Revolução Socialista Russa.

As revoluções sociais sacudiam as fundações da velha ordem. Os povoadores do planeta, em 1960, chegavam a 3 bilhões de habitantes. Paralelamente, cresceu o poder das grandes empresas transnacionais, quase todas nas mãos dos Estados Unidos, cuja moeda, apoiada no monopólio do ouro, e a indústria intacta pela distância das frentes de batalha, se fez dona da economia mundial. (O então presidente dos Estados Unidos), Richard Nixon, revogou unilateralmente o respaldo da sua moeda no ouro, e as empresas de seu país se apoderaram dos principais recursos e matérias-primas do planeta, que adquiriram com papéis.

Até aqui nada que não se conheça.

Mas, por que tentam esconder que o regime do apartheid, que tanto fez a África sofrer e indignou a imensa maioria das nações no mundo, era fruto da Europa colonial e foi transformado em potência nuclear pelos Estados Unidos e por Israel, regime que Cuba, um país que apoiava as colônias portuguesas na África que lutavam por sua independência condenou abertamente?

Nosso povo, que tinha sido cedido pela Espanha para os Estados Unidos depois da heroica luta de mais de 30 anos, nunca se resignou ao regime escravocrata que lhe foi imposto durante quase 500 anos.

Da Namíbia, ocupada pela África do Sul, partiram em 1975 as tropas racistas, apoiadas por tanques rápidos com canhões de 90 milímetros, que penetraram mais de mil quilômetros até as proximidades de Luanda, onde um Batalhão de Tropas Especiais cubanas — enviadas pelo ar — e várias tripulações também cubanas em tanques soviéticos que estavam lá sem efetivos, puderam contê-las. Isso aconteceu em novembro de 1975, 13 anos antes da Batalha de Cuito Cuanavale.

Já disse que não fazíamos nada em busca de prestígio ou qualquer benefício. Mas é um fato muito real que Mandela foi um homem íntegro, profundo e radicalmente socialista, que, com grande estoicismo, suportou 27 anos de prisão solitária. Eu sempre admirei sua honra, sua modéstia e seu enorme mérito.

Cuba cumpria com seus deveres internacionais rigorosamente. Defendia pontos-chave e treinava a cada ano milhares de combatentes angolanos no manejo das armas. A União Soviética fornecia as armas. No entanto, naquela época, não compartilhávamos da ideia do assessor principal da parte dos fornecedores de equipamento militar. Milhares de angolanos jovens e saudáveis ingressavam constantemente nas unidades de seu incipiente exército. O assessor principal não era, contudo, um (Georgui) Jukov (comandante-em-chefe das Forças Armadas Soviéticas durante a Segunda Guerra Mundial), um (Konstantin) Rokossovsky (comandante da União Soviética e posterior ministro de Defesa da Polônia), um (Rodion) Malinosvky (sargento durante a Segunda Guerra Mundial e posterior ministro da Defesa da União Soviética) ou outros muitos que encheram de glória a estratégia militar soviética. Sua ideia obsessiva era enviar brigadas angolanas com as melhores armas ao território onde supostamente residia o governo tribal de (Jonas) Savimbi, um mercenário a serviço dos Estados Unidos e da África do Sul, que era o mesmo que enviar as forças que combatiam em Stalingrado à fronteira da Espanha falangista que tinha enviado mais de 100 mil soldados para lutarem contra União Soviética. Naquele ano estava sendo produzida uma operação desse tipo.

O inimigo avançava sobre as forças de várias brigadas angolanas, atingidas nas proximidades do local para onde eram enviadas, a 1,5 mil quilômetros, aproximadamente, de Luanda. Dali, vinham perseguidas pelas forças da África do Sul em direção a Cuito Cuanavale, antiga base militar da OTAN, a cerca de 100 quilômetros da primeira Brigada de Tanques cubana.

Nesse instante crítico, o presidente de Angola solicitou o apoio das tropas cubanas. O chefe das nossas forças no sul, general Leopoldo Cintra Frías, nos comunicou o pedido, algo que era habitual. Nossa resposta firme foi que prestaríamos esse apoio se todas as forças e equipes angolanos dessa frente se subordinassem às ordens cubanas no sul de Angola. Todo mundo compreendia que nosso pedido era um requisito para transformar a antiga base no campo ideal para atingir as forças racistas da África do Sul.

Em menos de 24 horas, chegou de Angola a resposta positiva.

Decidiu-se pelo envio imediato de uma Brigada de Tanques cubana até esse ponto. Várias outras estavam na mesma linha em sentido oeste. O obstáculo principal foi a lama e a umidade da terra em época de chuva, que deveria ser checada metro a metro para evitar minas terrestres. Foi igualmente enviado a Cuito o efetivo para operar os tanques sem tripulação e os canhões que necessitavam dele.

A base estava separada do território que se situa ao leste pelo caudaloso e rápido rio Cuito, sobre o qual havia uma única ponte. O exército racista a atacava desesperadamente; um avião teleguiado repleto de explosivos conseguiu acertá-la e inutilizá-la. Os tanques angolanos em retirada, que podiam se mover, cruzaram por um ponto mais ao norte. Os que não estavam em condições adequadas foram enterrados, com suas armas apontando para o leste; uma densa faixa de minas terrestres e antitanques transformaram a linha em uma armadilha mortal do outro lado do rio. Quando as forças racistas reiniciaram a investida e se chocaram contra aquela muralha, todas as peças de artilharia e os tanques das brigadas revolucionárias disparavam de seus pontos de localização na região de Cuito.

Um papel especial foi reservado para os caças Mig-23 que, a cerca de mil quilômetros por hora e a 100 — cem — metros de altura, eram capazes de distinguir se os artilheiros eram negros ou brancos, e disparavam incessantemente contra eles.

Quando o inimigo desgastado e imobilizado iniciou a retirada, as forças revolucionárias se prepararam para os combates finais.

Numerosas brigadas angolanas e cubanas se moveram rapidamente numa distância adequada até o oeste, onde estavam as únicas vias amplas por onde sempre os sul-africanos começavam suas ações contra Angola. O aeroporto, entretanto, estava aproximadamente a 300 — trezentos — quilômetros da fronteira com a Namíbia, ocupada tolamente pelo exército do apartheid.

Enquanto as tropas se reorganizavam e se reequipavam, decidiu-se com toda urgência construir uma pista de aterrisagem para os Mig-23. Nossos pilotos estava usando os equipamentos aéreos entregues pela União Soviética para Angola, cujos pilotos não tinham tido o tempo necessário para sua adequada instrução. Vários equipamentos aéreos estavam de fora devido a baixas que, às vezes, eram causadas por nossos próprios artilheiros ou operadores de meios antiaéreos. Os sul-africanos ocupavam ainda uma parte da rodovia principal que leva da borda do planalto de Angola até a Namíbia. Nas pontes sobre o caudaloso rio Cunene, entre o sul de Angola e o norte da Namíbia, começaram nesse momento com o joguinho de disparos de canhões de 14 milímetros que davam a seus projéteis um alcance de cerca de 40 quilômetros. O problema principal estava no fato de que os racistas sul-africanos possuíam, segundo nossos cálculos, de 10 a 12 armas nucleares. Tinham realizado testes inclusive nos mares e nas áreas congeladas do sul. O presidente Ronald Reagan tinha dado sua autorização, e entre os equipamentos entregues por Israel estava o dispositivo necessário pra fazer explodir a carga nuclear. Nossa resposta foi organizar o efetivo em grupos de combate de não mais de 1000 — mil — homens, que tinham de marchar à noite por uma grande extensão de terreno e dotados de carros de combate antiaéreos.

As armas nucleares da África do Sul, de acordo com relatos fidedignos, não podiam ser carregadas por aviões Mirage, requeriam bombardeiros pesados tipo Canberra. Mas, em todo caso, a defesa antiaérea de nossas forças dispunha de numerosos tipos de foguetes que podiam atingir e destruir alvos aéreos a até centenas de quilômetros de nossas tropas.
Adicionalmente, uma represa de 80 milhões de metros cúbicos de água, situada no território angolano, tinha sido ocupada e minada por combatentes cubanos e angolanos. A explosão daquela represa teria sido equivalente a várias armas nucleares.

Não obstante, uma hidrelétrica que usava as fortes correntes do rio Cunene, antes de chegar à fronteira com a Namíbia, estava sendo utilizada por um destacamento do exército sul-africano.

Quando, em seu novo teatro de operações, os racistas começaram a disparar os canhões de 140 milímetros, os Mig-23 atacaram com força aquele destacamento de soldados brancos, e os sobreviventes abandonaram o lugar deixando inclusive algumas posições críticas à revelia de próprio comando. Tal era a situação quando as forças cubanas e angolanas avançavam em direção às linhas inimigas.

Soube que Katiuska Blanco, autora de vários relatos históricos, junto a outros jornalistas e fotojornalistas, estava ali. A situação era tensa, mas ninguém perdeu a calma.

Foi então que chegaram notícias de que o inimigo estava disposto a negociar. Tinha-se conseguido pôr fim à aventura imperialista e racista; em um continente que em 30 anos terá a população superior à da China e da Índia juntas.

O papel da delegação de Cuba, com o falecimento de nosso irmão e amigo Nelson Mandela, será inesquecível.

Felicito o companheiro Raúl (Castro, presidente de Cuba) por seu brilhante desempenho e, em especial, pela firmeza e dignidade quando, com gesto amável, mas firme, cumprimentou o chefe de governo dos Estados Unidos e lhe disse, em inglês: “Senhor presidente, eu sou Castro”.

Quando a minha própria saúde colocou um limite para a minha capacidade física, não vacilei um minuto em expressar minha opinião sobre quem eu acredito que poderia assumir a responsabilidade. Uma vida é um minuto na história dos povos, e penso que quem assume hoje tal responsabilidade requer a experiência e autoridade necessárias para optar entre um número crescente, quase infinito, de variantes.

O imperialismo sempre reservará várias cartas para subjugar nossa ilha ainda que tenha que despovoá-la, privando-a de homens e de mulheres jovens, oferecendo-lhe migalhas dos bens e recursos naturais que saqueia do mundo.

Que falem agora os porta-vozes do império sobre como e porque surgiu o apartheid.

(1)Fidel Castro Ruz é advogado, líder revolucionário, ex-presidente de Cuba e militante do Partido Comunista Cubano.

Publicado, originariamente, no site cubano de notícias Cuba Debate

Nossa fonte: Correio do Brasil

sábado, 14 de dezembro de 2013

Uma nova vitória do Brasil na OMC


Mauro Santayana (em seu blog)

Uma das mais importantes vitórias brasileiras, no contexto geopolítico, nos últimos anos, foi a conquista da Diretoria Geral da OMC - Organização Mundial do Comércio, pelo diplomata Roberto Azevedo, em dezembro do anos passado.

Embora sua eleição tenha sido classificada pelos perdedores, mais como triunfo do próprio candidato do que do país em que nasceu, tratou-se, na verdade, de uma vitória eminentemente nacional.

Apesar da férrea oposição das grandes potências ocidentais, os EUA e a União Europeia – na Europa, só Portugal nos apoiou - Roberto Azevedo foi eleito com uma frente de mais de 20 votos entre os de 159 países de todas as regiões do mundo.

Diplomata experiente, trabalhando há anos na OMC como representante do Brasil, Azevedo e a equipe brasileira na OMC, já haviam colocado os Estados Unidos e a Europa de joelhos em outras ocasiões: a vitória brasileira e a derrota dos EUA nos contenciosos do suco de laranja e do algodão – que ajudou muito países em desenvolvimento; a vitória do Brasil contra a União Europeia nos casos do açúcar e do frango congelado, e contra o Canadá, devido a subsídios ilegais (Embraer x Bombardier) à exportação de aviões.

Não satisfeito em derrotar de forma decisiva o candidato mexicano Hermínio Blanco, os EUA e a Europa, na sua eleição para a OMC, Roberto Azevedo alcançou, na semana passada, uma emblemática vitória, não apenas para si mesmo e para a organização que dirige, mas também para o Brasil, do ponto de vista diplomático e geopolítico.

Em um encontro da Organização Mundial do Comércio em Bali, na Indonésia, conseguiu destravar as negociações comerciais da Rodada Doha, que sofriam um impasse histórico há anos, e fez com que a OMC alcançasse o primeiro acordo global de comércio - um objetivo que era perseguido desde sua fundação, em 1995.

Depois de dias de difíceis negociações, quando o acordo caminhava para sua finalização, foi preciso enfrentar forte resistência da Índia, que não queria abrir mão de subsidiar sua agricultura, para garantir alimentos locais para a população mais pobre, e de Cuba, que, junto com outros países bolivarianos, exigia que os Estados Unidos levantassem o embargo econômico sobre seu território, como condição para assinar a declaração final.

No final do processo, ficou claro que nenhum outro país, ou representante, que não o Brasil – sócio da Índia no IBAS e no BRICS, e responsável pelo financiamento e construção do novo Porto de Mariel em Cuba – ou Azevedo, poderia remover as resistências indianas e cubanas e alcançar o mínimo de consenso necessário para se alcançar o entendimento.

Depois, as pessoas se perguntam por que o Brasil trata bem países como Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, ou outros, ainda menos favorecidos, do continente africano. Não é apenas pelo fato de fazermos bons negócios -somos superavitários com a maioria deles – mas também porque é assim – com diplomacia, equilíbrio e inteligência - que se constrói e mantêm uma posição de liderança. E, como vimos pelo acordo de Bali, assinado por 159 nações, uma forte influência global, o que não é pouco.

Nossa fonte: Vermelho

domingo, 8 de dezembro de 2013

Salve Manuela D'Avila


Manuela D’Ávila responde a agressão machista de deputado tucano



A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) responde a agressão machista do PSDB

A polêmica que dominou a semana, no Congresso, após uma declaração do deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP), de cunho machista, terminou neste sábado com a divulgação de um vídeo da deputada Manuela D’Ávila (RS), líder do Partido Comunista do Brasil na Câmara. Na véspera, a bancada do PCdoB divulgou nota na qual repudiou as declarações do parlamentar tucano, dirigidas à líder Manuela D´Ávila durante audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em que se discutia com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o caso de cartel e de corrupção de que são acusados os governos tucanos de São Paulo.

Leia a íntegra da nota:

No dia em que a Câmara dos Deputados reuniu uma Comissão Geral para discutir a violência contra a mulher no Brasil, a bancada do PCdoB foi surpreendida por declarações preconceituosas e machistas proferidas pelo deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) contra a líder do nosso Partido, Manuela D’Ávila.

A manifestação ofensiva foi feita durante audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em que se discutia com o senhor ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o caso de cartel e decorrupção relacionado à Siemens e a outras empresas multinacionais, à vida pessoal sem qualquer justificativa, mais se assemelhando à atitude de alguém a quem faltam argumentos para o debate.

O PCdoB repudia o machismo enfrentado por todas as mulheres em seu cotidiano. Manuela estava se manifestando como líder do partido, cumprindo a sua obrigação de debater um assunto de interesse público, que há mais de 30 dias é destaque na imprensa. Este tipo de atitude não é apenas uma ofensa à deputada Manuela; ele representa um comportamento de que são vítimas cotidianamente as mulheres em nosso país.

O nosso Partido vai aproveitar esse comportamento lamentável do deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) para reforçar a luta contra a discriminação e o preconceito que ainda permanecem na nossa sociedade machista.

Sala das Sessões, 4 de dezembro de 2013.

Em vídeo

Nesta manhã, em um vídeo distribuído nas redes sociais, Manuela D’Ávila responde a “uma grosseria machista do deputado Duarte Nogueira, ruralista e líder da bancada do PSDB”, afirma. “Na ida do ministro José Eduardo Cardozo à Câmara dos Deputados para tratar do cartel que envolve o governo de São Paulo, Siemens e Alston, o tucano insinuou que Manuela teria referendado a fala de Cardozo porque, segundo ele, ‘o coração tem razões, que a própria razão desconhece”, acrescenta o texto que antecede o vídeo.

“Ou seja, desqualificou a posição da deputada pelo fato de ela ser ex-namorada do ministro”, acrescenta. A parlamentar foi à Tribuna da Casa e proferiu um discurso contra o machismo.

“Foi algo semelhante ao troco dado por Dilma ao senador Agripino Maia, quando este disse que se Dilma mentia na ditadura também poderia estar mentido ali na Câmara em seu depoimento. O mínimo que se pode dizer é que o deputado Duarte Nogueira foi depenado por uma mulher, jovem e corajosa. Para um tipo machista como ele, não deve ser nada fácil. Não deixe de assistir”, escreveu o jornalista Renato Rovai, em sua página pessoal na internet.

Nossa fonte: Correio do Brasil

Assista, no site do  Correio do Brasil, ao vídeo de Manuela D’Ávila.