Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Vamos dançar valsa?


Estava em minha bancada de trabalho e ouvi uma conversa que me fez parar e prestar atenção nas falas alheias. Não era uma conversa ao pé do ouvido, pelo contrário falavam num tom acima do costume.

- As senhoras querem um chá? – Perguntei ao passar por elas no meu caminho para a cozinha.
- Chá só se for gelado. Está um bocado quente. Você poderia colocar sua engenhosa imaginação para funcionar e nos trazer algo mais criativo, como por exemplo, uma cerveja do Alívio Gelado, geladaça! – Respondeu Dona Pandá que, só então, se lembrou de me apresentar à sua amiga.
- Vina, esta é minha assistente, Maria. Maria, esta é minha amiga de centena de anos, a senhora Etelvina Cruz.

Quando a senhora Etelvina falou “muito prazer”, percebi que ela era a responsável pelo tom acima. 
Fui tratar de ver, na geladeira, a cerveja do Alívio Gelado. (Quando Dona Pandá quer alguma bebida muito gelada, ela diz que é do Alívio Gelado, a pequena empresa entregadora de cerveja gelada do seu filho). Mesmo distante, acompanhei o que se passava na sala.

Dona Pandá explicava que sua amiga deveria colocar um aparelho auditivo.
- Mas Pandá, não tenho condições, minha única fonte de renda é a aposentadoria do INSS... preciso lhe dizer qual é minha faixa no Imposto de Renda?
- Não. Conheço bem este pedaço. Vou lhe ensinar o caminho das pedras. Vá a Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa e agende uma consulta com o clínico para ele encaminhá-la ao otorrino.
- SUS! - Gritou a amiga, com uma expressão indignada.
- Ah! Você está vendo o meu aparelho? Coloquei pelo SUS. Excelente. Tive que esperar um bocado, porém valeu a pena. As fonos são competentes e atenciosas.
- Ih! Vou morrer de esperar.
- Por que você não faz assim: enquanto não morre, começa o processo na sua UBS? Olhe, você corre o risco de ter o aparelho antes.

 – Eu estava entrando com a cerveja e pude ver a expressão de espanto misturado com raiva de Dona Etelvina que, buscando, lá no fundo de sua vivência, a sabedoria da boa amizade, deu uma gostosa risada.

- Poxa! Pandá, não é que você tem razão.
- Sabe, Vina, essa tal velhice é mesmo uma merda! Você sente uma dor aqui, ali e acolá, vai ao médico e ele lhe diz: “Nada grave, não precisa se preocupar” e você, idiotamente, pergunta: “mas o que é? ” Ele, com a cara da indiferença de quem ignora o que é chegar lá, lhe sentencia: “nada, é da idade” E, claro, você sai de lá pensando: “Então, estou na idade das dores”.

- É verdade, já me aconteceu isto mesmo. E dizem que é a melhor idade...
- Acho que envelhecer nada tem de encantador. Por isto temos a obrigação conosco de aproveitar tudo o que podemos, inclusive os resultados da tecnologia para amenizar os desconfortos e mesmo para nos dar um bocado a mais de prazer. Prazer sim é encantador! Também usar a sabedoria de quem já conhece a situação e dar a volta é encantador...

- Uma coisa que tem acontecido comigo e, deve ser a sabedoria de que você está falando, é a seleção de enfrentamentos. Não brigo tanto mais. Não acredito mais que sou capaz de mudar alguém, sobretudo aqueles que não querem mudar, nem ouvir. Não perco meu tempo já que ele é pouco.

- Agora, que esta “Caracu” está deliciosa, está. Está ajudando a mandar a idade das dores pra lá e ficar com a idade dos prazeres. Estou pensando em fazer uma lista. A cada desconforto, dor ou algo ruim trazido pela idade, colocar um prazer. Por exemplo, se tenho dificuldade de pular o carnaval, vou dançar valsa.