Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 9 de outubro de 2011

Infraero: a privatização continua em marcha!


Paulo Kliass

O “lobby” para transferir as atividades aeroportuárias ao setor
privado é antigo. Para tanto, contam com a irresponsável política de
redução dos investimentos da Infraero provocada pelos cortes
orçamentários há décadas. Eis que se apresenta a grande oportunidade
que não poderia ser perdida! A Copa do Mundo de 2014.
Paulo Kliass
As surpresas desconfortáveis que a História nos apresenta, depois da
chegada de governos supostamente mais à esquerda ao poder, são bem
antigas. Dentre os muitos casos conhecidos, há dois que podemos
considerar como paradigmáticos e que passaram a ser referência para
esse tipo de dificuldade política, derivada de um abandono dos
programas para os quais os governos haviam sido eleitos. Refiro-me às
vitórias encabeçadas pelos socialistas na França com François
Mitterrand e na Espanha com Felipe Gonzalez, lá no longínquo início da
década de 80 do século e do milênio passados.
As vitórias eleitorais de Margaret Thatcher na Inglaterra e Reagan nos
Estados Unidos, ocorridas pouco tempo antes, haviam aberto a
possibilidade de se implementar, como política de governo desses
países, as idéias ultra-liberais em termos de política econômica.
Forjou-se o que passou a ser conhecido como Consenso de Washington –
na verdade, um programa coordenado daquilo que hoje convencionou-se
chamar de neoliberalismo.
Um dos elementos mais simbólicos dessa tentativa de se fazer “tábula
rasa” da experiência do “Estado do Bem Estar Social” e dos tímidos
ensaios de políticas keynesianas foi o tratamento conferido à presença
do Estado na economia – seja pela via direta de empresas públicas,
seja pela via dos mecanismos de regulamentação e intervenção indireta.
Recuperar a ortodoxia “autenticamente liberal” significava, portanto,
desconstruir em termos políticos e ideológicos todo e qualquer
resquício dessa opção maculadora dos princípios do “laissez faire,
laissez passer”. De acordo com essa visão radical do liberalismo, o
Estado encarnava todos os males de que as sociedades padeciam. Era
preciso acabar com toda essa estrutura e todo esse instrumental que
foram sendo desenhados e construídos a partir da Grande Depressão de
29 e, principalmente, depois do final da Segunda Guerra Mundial.
A opção de política pública que melhor expressava essa reviravolta
liberalizante consistia na venda das empresas públicas ou na concessão
de tais alternativas de empreendimento ao setor privado. Em uma única
palavra: a privatização. O recurso a esse ou aquele argumento variava
de acordo com o contexto do país ou com a conjuntura vivida.
Ineficiência da ação pública face à suposta competência do setor
privado. Necessidade de reduzir as dívidas públicas, o que serias
viabilizado pelos montantes obtidos com as vendas do patrimônio
estatal. Necessidade de conferir a tais setores da economia a vigência
plena das regras da “liberdade de mercado”. Opção por implementar
políticas públicas que satisfizessem aos interesses de importantes
grupos do capital privado. Enfim, o que importava era assegurar a
transferência ao capital privado a propriedade ou a gestão de setores
ou empresas que antes eram de natureza pública.
Corta! Pano rápido! Pulemos a longa seqüência das cenas relativas aos
processos de privatização na grande maioria dos países do Terceiro
Mundo ao longo dos anos 80 e 90, as chamadas décadas perdidas.
Saltemos os capítulos a respeito da implementação de política
econômica liberal e ortodoxa durante boa parte dos mandatos de Lula.
Registremos a crise do capital financeiro internacional a partir de
2008 e o questionamento dos fundamentos ideológicos da devastação
neoliberal, opção até então colocada em marcha pelos quatro cantos do
planeta. Evitemos comentar a implementação das medidas ortodoxas,
inclusive de privatização de empresas públicas, pelo governo
socialista de Papandreou na Grécia de hoje. E chegamos, enfim, à posse
de Dilma em janeiro passado.
Havia uma grande expectativa criada logo nos primeiros meses de seu
governo, quando a Presidenta passou a dar sinais de que faria uma
opção de política econômica menos comprometida com os rigores da
ortodoxia vigente até então. Mas foi necessário que eclodisse o
aprofundamento da crise financeira no espaço europeu para que o COPOM,
finalmente, decidisse pela redução de tímidos 0,5% na Taxa SELIC,
depois de uma seqüência de altas em 5 reuniões consecutivas desde o
início do novo governo. Aguarda-se com ansiedade a confirmação da
tendência de redução substantiva da taxa na próxima reunião, a
realizar-se em 18 e 19 de outubro.
Mas todo mundo sabe que nem só de política monetária (taxa de juros)
vive a política econômica. E um de seus aspectos relevantes refere-se
às opções que o governante realiza para a consecução dos preceitos
constitucionais, para fazer valer os direitos dos cidadãos e para
alcançar as metas de melhoria da qualidade de vida.
Chama a atenção a persistência em se manter no bojo da agenda
governamental projetos de privatização de atividades cuja natureza é,
inquestionavelmente, pública. Já não se trata mais da venda explícita
das grandes estatais, como ocorreu nas décadas de 80 e 90, quando
empresas estratégicas e com elevado potencial foram transferidas ao
setor privado a preços irrisórios. Não, agora o jogo é mais sutil.
Dada a impossibilidade política de criar condições para privatizar
conglomerados como Petrobrás ou Banco do Brasil, o setor privado
orienta a sua ação com o intuito de convencer os governantes a
respeito de uma agenda de privatização que promova menos estardalhaço.
Como se estivessem em um compasso de espera, em uma postura defensiva,
esperando passar essa fase de crítica generalizada aos preceitos do
neoliberalismo.
Há três exemplos dessa nova manifestação do processo privatizante que
merecem nossa atenção. Isso porque operam em setores que têm grande
importância estratégica para o País e que apresentam potencial de
rentabilidade também significativo. Refiro-me aos seguintes sistemas;
i) os aeroportos; ii) as rodovias federais ; e iii) o fornecimento de
acesso à rede de internet. Todos eles apresentam em comum o fato de
serem serviços públicos, cuja responsabilidade de assegurar o
fornecimento à população cabe, em última instância, ao Estado
brasileiro. Infelizmente, por problemas de espaço, vou tratar aqui
apenas do primeiro deles.
O “lobby” para transferir as atividades aeroportuárias ao setor
privado é antigo. Para tanto, contam com a irresponsável política de
redução dos investimentos da Infraero provocada pelos cortes
orçamentários há décadas. Assim, a cada ano, nos períodos de maior
afluência aos aeroportos, a grande imprensa já tem pautado o destaque
de cobertura, na expectativa do novo “apagão aéreo” e na incansável
tentativa de responsabilizar a natureza pública da gestão como a única
responsável dos inúmeros problemas (e eles são reais! - é necessário
reconhecer) enfrentados nos aeroportos. Há vários anos que se observa
o movimento de “vai e vem”, oscilando entre ceder a operação dos
aeroportos ao setor privado ou mantê-la na órbita do governo federal.
Mas eis que se apresenta a grande oportunidade que não poderia ser
perdida! A Copa do Mundo de 2014. Esse é o grande momento para
pressionar o governo e conseguir a liberação tão desejada. E o
argumento que mais pesa é o de que não podemos correr o risco de
“passar vergonha” durante o mês em que as principais seleções de
futebol do planeta aqui se apresentarão. E vêm à tona, mais uma vez,
os antigos projetos que já estavam em discussão interna nos gabinetes.
O governo decidiu por ceder ao setor privado a operação dos aeroportos
de Brasília (DF), Guarulhos (SP) e Viracopos (SP). Além disso,
estariam em fase avançada estudos para realizar o mesmo, um pouco mais
à frente, com os aeroportos de Galeão (RJ) e Confins (MG). [1]
O modelo adotado foi a constituição de uma empresa responsável pelas
atividades, no formato que se convencionou classificar como Sociedade
de Propósito Específico (SPE). A composição da empresa que ganhar a
licitação permitirá que o capital privado fique com 51% da propriedade
e os 49% restantes poderão ficar com a própria Infraero. Nada é
mencionado a respeito da origem dos vultosos recursos necessários para
as obras de infra-estrutura e equipamentos. Provavelmente, virão de
fonte pública – por exemplo, o BNDES – com linhas de crédito a juros
altamente subsidiados. No que se refere às taxas a serem cobradas
pelos serviços oferecidos tampouco se fala, apesar delas serem uma das
principais fontes de receita da atividade. Cabe lembrar aqui a
elevação expressiva das tarifas cobradas pelas empresas de energia
elétrica e telefonia, fenômeno que ocorreu logo após a privatização da
época de Fernando Henrique Cardoso.
Gestão aeroportuária é atribuição altamente estratégica e com um
conteúdo de segurança nacional que não deve ser negligenciado. Ao
invés de optar pelo caminho da melhoria do padrão gerencial existente
(o que é uma necessidade urgente!), o governo rendeu-se mais uma vez
ao discurso viesado de que a gestão privada é sempre mais eficiente do
que a gestão pública. E ainda abre o perigoso precedente, tal como
consta no edital, de permitir a participação de empresas estrangeiras
na gestão aeroportuária. Uma loucura! Outro detalhe interessante é que
as experiências privatizantes vão começar justamente pelos aeroportos
de maior potencial de rentabilidade e lucratividade. Com certeza, não
se trata de mera coincidência. São aqueles que apresentam a maior
movimentação de passageiros e aeronaves, todos localizados na região
de maior desenvolvimento econômico e na capital do País. Parece
repetir-se a conhecida estória de ceder ao capital privado o filé
mignon, enquanto o setor público fica com a carne de pescoço. Ou seja,
permanece encarregado pela operação dos aeroportos de menor movimento
de aeronaves/passageiros e menor capacidade de arrecadação.
Os números relativos aos 3 aeroportos a serem privatizados refletem
bem a realidade do que vai ser subtraído do setor público. Eles são
responsáveis por 30% do total dos passageiros, 57% do total das cargas
e 19% das aeronaves em todo o País. Com isso, fica evidente que a
Infraero vai perder as fatias mais importantes de sua fonte de
receitas, pois os demais 63 aeroportos apresentam baixo faturamento,
que tem como principal fonte as taxas aeroportuárias. Se a
administração aeroportuária é um setor assim tão interessante e as
empresas têm mesmo essa preocupação com sua função social, por que não
constam do pacote aeroportos como os de Altamira (PA), Tefé (AM) ou
Cruzeiro do Sul (AC) ? Afinal, trata-se de cidades importantes, em
região de grande dificuldade de acesso e transporte, onde a aviação
cumpre papel fundamental.
O governo ensaia fugir da polêmica, argumentando que não se trata de
“privatização” e sim de “concessão”. Ora, a concessão é uma das
inúmeras formas de privatização! Não se está vendendo o patrimônio do
aeroporto, mas cedendo por prazos que - imagina-se - serão bastante
generosos para os que pretendam administrá-los. É mais uma tentativa
da tal parceria-público-privada (PPP), onde o Estado entra com todos
os custos e riscos, cabendo ao capital privado usufruir das benesses
da lucratividade obtida com a prestação de um serviço público.
Outro argumento sempre apresentado é a falta de recursos públicos para
fazer as obras de modernização e os investimentos tão necessários nos
aeroportos. Ora, mas onde o grupo privado que vier a vencer a
licitação vai buscar empréstimos para essa tarefa? Com toda a certeza,
junto ao BNDES, ou seja, fundos públicos a juros subsidiados, com a
conta sendo paga pelo conjunto da sociedade. Nesse caso, se o dinheiro
está mesmo disponível, a própria Infraero poderia ser a beneficiária
desse crédito em condições privilegiadas.
O edital está em regime de audiência pública até o final do mês de
outubro [2]. Assim, em princípio, existe o espaço para crítica e
aperfeiçoamento do modelo. É necessário ampliar o debate e informar a
população a respeito. Aos partidos políticos, às entidades da
sociedade civil, ao movimento sindical e demais organizações que não
concordam com tal proposta, cabe a manifestação e apresentação de
alternativas.
NOTAS
(1) Pouca gente ficou sabendo, mas o primeiro aeroporto da Infraero já
foi privatizado em agosto recente, o de São Gonçalo do Amarante (RN),
a 40 km de Natal. Trata-se da menor distância em direção ao continente
europeu.
(2) Ver: http://www2.anac.gov.br/transparencia/audienciasPublicasEmAndamento.asp


Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.

Nossa fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5239

Samba paulista dialoga com o “progréssio"


Nos anos 1950 e 1960, os arranha-céus tomaram de assalto as ruas da capital paulista. Os trabalhadores -- unidos por atividades sindicais, movimento negro e rodas de samba -- reagiram criativamente, compondo letras que escancararam o braço de ferro entre a urbanização e a população mais pobre: a última levou a pior e foi expulsa das regiões centrais para a periferia. 


Por Christiane Marcondes (Vermelho)


samba paulista
a voz do samba
 Arquiteto, professor e urbanista Marcos Virgílio da Silva resgatou o fato histórico em uma tese de mestrado, ilustrada pelas letras desses sambas e os “causos” dos seus compositores

A pesquisa mostra que, no começo dos 1950, as esquinas e becos paulistas eram musicais. Principalmente as esquinas no Brás, no chamado “Bixiga”, originalmente Bela Vista, e no centro. Não havia a sombra da indústria fonográfica para assanhar vaidades e os músicos de rua tocavam por puro deleite. Muita letra dessa produção popular, notadamente assinada por compositores negros e pobres, denunciava a repressão policial: a batucada foi proibida por lei na época. Marcos Virgílio conta que os grupos iam para as ruas tocar e a polícia chegava, dispersando.

Mesmo assim, a turma do samba consagrou seus espaços. Por exemplo, o Largo da Banana, na Barra Funda. Os trabalhadores ferroviários encerravam jornada e iam batucar no local até que o viaduto do Pacaembu atropelou a alegria. Os sambistas se mudaram.

Um deles, Geraldo Filme, fez do limão uma inspiração e lançou duas músicas: O último sambista e Vou sambar noutro lugar. A letra da segunda diz em alto e bom som: “não tem mais lugar pro samba, vou embora da Barra Funda”.

Samba da Barra Funda - Geraldo Filme 

Na baixa dos engraxates
Marcos diz que essa expulsão na Barra Funda é emblemática, porque o Largo da Banana era um local de referência do samba, mas a dispersão já vinha de antes. Quando foi aberta a avenida 9 de julho, no final dos anos 1930, uma multidão de negros musicais foi varrida das imediações do córrego da Saracura, próximo à Praça da Bandeira. Parte dos sambistas formou uma frente de resistência e continuou no Bexiga, dando origem à escola de samba Vai-Vai. 

Outra parte migrou para a zona lesta da cidade, fixando-se no Peruche, onde fundaram a Unidos do Peruche.

Avançando na história, chegamos à Praça da Sé, restaurada no quarto centenário de São Paulo, em 1954. Com a construção da catedral, os engraxates que encerravam expediente na cadência do samba, usando as ferramentas de trabalho como instrumentos, foram tocar ou calar em outras vizinhanças. 

A lembrança do samba tocado em caixa de graxa ficou intocável na homenagem de Germano Mathias, que emprestou o toque dos engraxates a algumas criações suas. Mathias integrou a geração de sambistas estudados por Marcos Virgílio. Muitos desses músicos se perderam no espaço e no tempo, mas suas músicas ficaram como registro do desaparecimento desses núcleos socioculturais.

“Eles são predominantemente negros, e há alguns como o Adoniran e o grupo Demônios da Garoa, que têm ligação com os italianos do Bixiga, mas a associação mais forte é com a classe trabalhadora. O Jorge Costa, por exemplo,é alagoano e encontrou a sua turma em São Paulo”, explica Marcos. 

Fronteiras da elite

Já o Paulo Vanzolini, segundo Marcos, é um caso à parte, porque integrava uma elite intelectual. Ele é um exemplo de que o samba paulista transcendeu as camadas populares, aliás, ultrapassou as fronteiras dos bares burgueses: Vanzolini freqüentava a boemia ao lado dos trabalhadores, foi um dos grandes cronistas da cidade.

O samba “Suicídio” revela sua empatia com a má sorte dos pobres e miseráveis, conta a saga de um coitado que decidiu se suicidar, em vão. Fez várias tentativas, em diferentes e clássicos pontos da cidade, mas acabou sobrevivendo. Com muito bom humor. O mesmo bom humor com que os trabalhadores enfrentaram despejos, a proibição da batucada e a urbanização selvagem de São Paulo. E enfrentaram, finalmente, o fim da era de ouro do samba paulista “de trabalhador”.

Samba do suicídio - Paulo Vanzolini


Uma brasa no caminho

No final dos anos 1960, Adoniran Barbosa compõe o samba “Rua dos Gusmões”, fazendo menção a um endereço próximo à Praça da República. Na letra, a mulher sugere ao marido que deixe o samba e vá fazer iê-iê-iê. Qualquer semelhança com a realidade sociocultural da época não é mera coincidência: o samba paulistano havia sido destronado pelo novo ritmo e o próprio Adoniran estava “fora do ar”. Ele se aposentou no rádio, passando de ator a cantor, mas cerca de dois anos antes de encerrar carreira viveu o ostracismo, tinha emprego, mas não tinha espaço na grade de programação.

Adoniran faz nova reclamação em outro samba, “Já fui uma brasa”, no qual mostra simpatia pela moçada do iê-iê-iê, mas defende um espaço para a sua criação: “já fui uma brasa, se me soprarem, posso acender de novo”.
Na nova composição, mostra claramente que não queria concorrer, mas somar, e continuar produzindo sua música.

Já fui uma brasa - Adoniran Barbosa



Não adiantou espernear, o samba de Adoniran – que serviu de trilha sonora para a urbanização paulista – saiu da moda no final dos anos 1960. Ele bem que tentou continuar em cena, se inscreveu nos festivais de música, que estavam ganhando fama, e perdeu. Com ele, outros perderam a parada, caso de Germano Mathias, que chegou a morar dois anos no Rio, depois perdeu tudo, foi despejado de quarto de aluguel na Praça da Luz, e do Henricão, fundador da Vai Vai, que virou frentista de posto de gasolina e encarou miséria na velhice. Mas o samba de São Paulo não morreu, mudou de lugar!

O samba na avenida

A ideia para a pesquisa surgiu de um controvertido estereótipo, assim descrito no trabalho de Marcos Virgílio: “A cidade que assumiu no Brasil, ao longo do século XX, uma posição de inegável protagonismo político e econômico, não goza do mesmo prestígio no que diz respeito à sua cena musical popular – especialmente no que diz respeito ao samba”. 

O arquiteto, professor e urbanista Marcos Virgílio da Silva resgatou o fato histórico em uma tese de mestrado, ilustrada pelas letras desses sambas e os “causos” dos seus compositores

Marcos, que nem sabe tocar instrumento, mas é admirador confesso do ritmo, foi em busca de argumentos que comprovassem a vocação paulista para o samba. E, assim, investigou o processo de urbanização da cidade de São Paulo, nas décadas de 1950 e 1960, numa perspectiva “a partir de baixo” (from below), seguindo uma linha metodológica que remonta ao marxismo britânico.



As letras das músicas, na verdade, ilustram o tema, que é a urbanização a “urbanização, cultura e experiência popular” em João Rubinato, o nosso querido Adoniran, e outros sambistas paulistanos. Aliás, nem tão paulistanos, como já foi dito, há até alagoano na cena musical, e se não são conterrâneos por certo são contemporâneos e todos, nomes emblemáticos na produção do samba paulistano nessa época. 

A tese de Marcos dedicou especial atenção aos sambas de compositores e intérpretes como João Rubinato (Adoniran Barbosa), Paulo Vanzolini, Germano Mathias, Geraldo Filme, Noite Ilustrada, Jorge Costa, Osvaldinho da Cuíca e Demônios da Garoa.

Sobre a derrocada do samba popular no final dos anos 1960, Marcos a avalia por outro prisma: “Em 1968, houve o primeiro carnaval oficial de São Paulo. A prefeitura passou a garantir espaço, apoio financeiro e divulgação dessa festa popular. Eu defendo que o samba paulista teve influência nessa decisão e defendo que foi uma conquista. Pela primeira vez, em São Paulo, o samba deixa de ser objeto de repressão e ganha a liberdade de expressão”, conclui. 

Saiba mais:
VIRGÍLIO, M. S. Debaixo do 'pogréssio': urbanização, cultura e experiência popular em João Rubinato e outros sambistas paulistanos (1951-1969). 2011. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
Nossa fonte: Vermelho


SALVE CHE GUEVARA



Che Guevara e os mortos que nunca morrem

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia. Assim seria ele hoje. Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che. E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. O artigo é de Eric Nepomuceno.

       No dia em que executaram o Che Guevara em La Higuera, uma aldeola perdida nos confins da Bolívia, Julio Cortázar – que na época trabalhava como tradutor na Unesco – estava em Argel. Naquele tempo – 9 de outubro de 1967 – as notícias demoravam muito mais que hoje para andar pelo mundo, e mais ainda para ir de La Higuera a Argel. 
     Vinte dias depois, já de volta a Paris, onde vivia, Cortázar escreveu uma carta ao poeta cubano Roberto Fernández Retamar contando o que sentia: “Deixei os dias passarem como num pesadelo, comprando um jornal atrás do outro, sem querer me convencer, olhando essas fotos que todos nós olhamos, lendo as mesmas palavras e entrando, uma hora atrás da outra, no mais duro conformismo... A verdade é que escrever hoje, e diante disso, me parece a mais banal das artes, uma espécie de refúgio, de quase dissimulação, a substituição do insubstituível. O Che morreu, e não me resta mais do que o silêncio”.
     Mas escreveu: 

Yo tuve un hermano 
que iba por los montes 
mientras yo dormía. 
Lo quise a mi modo, 
le tomé su voz 
libre como el agua, 
caminé de a ratos 
cerca de su sombra. 
No nos vimos nunca 
pero no importaba, 
mi hermano despierto 
mientras yo dormía, 
mi hermano mostrándome 
detrás de la noche 
su estrella elegida.

      A ansiedade de Cortázar, a angústia de saber que não havia outra saída a não ser aceitar a verdade, a neblina do pesadelo do qual ninguém conseguia despertar e sair, tudo isso se repetiu, naquele 9 de outubro de 1967, por gente espalhada pelo mundo afora – gente que, como ele, nunca havia conhecido o Che.
      Passados exatos 44 anos da tarde em que o Che foi morto, o que me vem à memória são as palavras de Cortázar, o poema que recordo em sua voz grave e definitiva: “Eu tive um irmão, não nos encontramos nunca mas não importava, meu irmão desperto enquanto eu dormia, meu irmão me mostrando atrás da noite sua estrela escolhida”.
      No dia anterior, 8 de outubro de 1967, um Ernesto Guevara magro, maltratado, isolado do mundo e da vida, com uma perna ferida por uma bala e carregando uma arma travada, se rendeu. Parecia um mendigo, um peregrino dos próprios sonhos, estava magro, a magreza estranha dos místicos e dos desamparados. Foi levado para um casebre onde funcionava a escola rural de La Higuera. No dia seguinte foi interrogado. Primeiro, por um tenente boliviano chamado Andrés Selich. Depois, por um coronel, também boliviano, chamado Joaquín Zenteno Anaya, e por um cubano chamado Félix Rodríguez, agente da CIA. Veio, então, a ordem final: o general René Barrientos, presidente da Bolívia, mandou liquidar o assunto. 
     O escolhido para executá-la foi um soldadinho chamado Mario Terán. A instrução final: não atirar no rosto. Só do pescoço para baixo. Primeiro o soldadinho acertou braços e pernas do Che. Depois, o peito. O último dos onze disparos foi dado à uma e dez da tarde daquela segunda-feira, 9 de outubro de 1967. Quatro meses e 16 dias antes, o Che havia cumprido 39 anos de idade. Sua última imagem: o corpo magro, estendido no tanque de lavar roupa de um casebre miserável de uma aldeola miserável de um país miserável da América Latina. Seu rosto definitivo, seus olhos abertos – olhando para um futuro que ele sonhou, mas não veria, olhando para cada um de nós. Seus olhos abertos para sempre.
     Quarenta e quatro anos depois daquela segunda-feira, o homem novo sonhado por ele não aconteceu. Suas idéias teriam cabida no mundo de hoje? Como ele veria o que aconteceu e acontece? O que teria sido dele ao saber que se transformou numa espécie de ícone de sonhos românticos que perderam seu lugar? Haveria lugar para o Che Guevara nesse mundo que parece se esfarelar, mas ainda assim persiste, insiste em acreditar num futuro de justiça e harmonia? Um lugar para ele nesses tempos de avareza, cobiça, egoísmo? 
     Deveria haver. Deve haver. O Che virou um ícone banalizado, um rosto belo estampado em camisetas. Mas ele saberia, ele sabe, que foi muito mais do que isso. O que havia, o que há por trás desse rosto? Essa, a pergunta que prevalece. 
      O Che viveu uma vida breve. Passaram-se mais anos da sua morte do que os anos da vida que coube a ele viver. E a pergunta continua, persistente e teimosa como ele soube ser. Como seria o Che Guevara nesses nossos dias de espanto? Pois teria sabido mudar algumas idéias sem mudar um milímetro de seus princípios. 
     Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia. 
     Assim seria ele hoje.
     Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che. 
     E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. Como o Che
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CARTA MAIOR deste domingo: confiram no site:

www.cartamaior.com.br 
*Indignados de vários países começam a acampar em 
Bruxelas, capital da União 
Européia onde acontece no próximo sábado a marcha 'Unidos pela transformação global'**social democracia européia enfrenta a hora da verdade: PS francês escolhe hoje sua alternativa a Sarkozy (leia a reportagem do correspondente em Paris, Eduardo Febbro) ** na Espanha, com eleições marcadas para 12 novembro, Zapatero vê o PP do direitista Aznar crescer na mesma proporção em que o PSOE recua na sua rendição ao neoliberalismo** Merkel e Sakozy tentam hoje sinalizar um acordo para a salvação dos bancos da UE que preserve as açoes do setor nas bolsas nesta 2ª feira** agencias de risco reduziram as notas de uma dezena de bancos na 6ª feira

OUTUBRO: UM NOVO MARCADOR HISTÓRICO?

Colapso do neoliberalismo passa a ser decidido nas ruas. Primeira semana de outubro reúne ingredientes que sugerem um ponto de mutação: greve geral na Grécia põe em xeque a solução ortodoxa para a crise; ascensão fulminante dos indignados nos EUA instala a contestação ao neoliberalismo no coração do sistema financeiro internacional e pauta a sucessão de Obama. Passeatas de desempregados na Espanha afrontam a rendição socialdemocrata aos 'livres mercados'.
(Carta Maior; Domingo,09/10/ 2011)