Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

As prioridades do orçamento para 2012



A Folha Online mostra a aprovação do Orçamento para 2012, pelo Congresso Nacional. A proposta prevê a destinação de R$ 1,014 trilhão para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública no ano que vem, o que representa 47,19% de todo o orçamento. Enquanto isso, serão destinados apenas 18,22% para a Previdência Social, 3,98% para a saúde, 3,18% para a Educação, e 0,25% para a Reforma Agrária, conforme se vê no gráfico a seguir.

Apesar de grande mobilização dos aposentados (reivindicando aumento real para as aposentadorias maiores que um salário mínimo) e dos servidores públicos do Judiciário (pela recomposição de perdas inflacionárias), o governo não acatou nenhum destes pleitos, alegando “falta de recursos” e a crise internacional. Desta forma, o governo “combate” a crise da mesma forma que os países do Norte: cortando gastos sociais para salvar o setor financeiro.

Brasil: o envelhecimento e a qualidade de vida


O Brasil está envelhecendo melhor. Parcela crescente da população, os idosos brasileiros tendem a ser felizes e terem cada vez melhores condições de vida


Por Marco Antonio L, do IG/Redação Delas


Com o amadurecimento da população brasileira, o país vai ter que se preparar para novas demandas. De acordo com o último Censo do IBGE, divulgado em abril de 2011, a população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, chegou a 7,4% em 2010.

Veja alguns dos serviços, como a faculdade da terceira idade, que estão se tornando fundamentais para manter a saúde física e psicológica dessa parcela da população. Há também cada vez mais histórias de idosos que aproveitam essa fase da vida para realizar sonhos e cuidar de projetos pessoais. Veja o que foi destaque nesse assunto em 2011. 

Idosos estão envelhecendo melhor

No livro Novos Velhos, lançado em 2011, a jornalista Léa Maria Reis, do Rio de Janeiro, revela que os idosos brasileiros estão mais ativos, produtivos e ajudam a movimentar a economia do País. Os quase 20 anos entre a idade média de aposentadoria, 55 anos, e a expectativa de vida, 73 anos, é uma nova vida que a terceira idade tem enfrentado. 

Redes sociais ajudam o idoso a manter a mente ativa

Ferramentas como Orkut, Facebook e Twitter, normalmente associadas aos mais jovens, podem trazer diversos benefícios na socialização de idosos, além de trazer benefícios para as conexões cerebrais. 

Brasileiros estão mais felizes na terceira idade


Uma pesquisa divulgada do Programa de Novas Dinâmicas do Envelhecimento aponta que os brasileiros estão mais felizes quando chegam na terceira idade. Segundo o estudo, a maioria dos idosos brasileiros se considera “satisfeita” ou “muito satisfeita” com suas condições de vida, com o respeito que recebem dos familiares e com o relacionamento mantido com outras pessoas.

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É possível ser independente na terceira idade?

Com expectativa de vida cada vez maior, idosos brasileiros precisam se programar financeiramente para a vida depois da aposentadoria. Para mulheres, pesam os 7,6 anos a mais de expectativa de vida e a possibilidade de lidar com uma separação.

Vida nova na terceira idade: eles mostram que tudo é possível


Cincoo pessoas que se descobriram e criaram uma nova vida depois dos 60 anos: uma modelo de lingerie, um atleta, uma estudante compulsiva, um casamento tardio e a viagem de aventura dos sonhos são realizações que mostram que a terceira idade tem cada vez menos limites. 

Plástica depois dos 70 e até 80 anos vira moda nos EUA


Silicone e lifting nos seios, lipoaspirações e plásticas no rosto viraram febre entre mulheres americanas. Dispostas, com saúde e condições financeiras, elas não têm receio de entrar na faca em busca de um rosto e um corpo mais jovens.

Hora do recreio é o trunfo de faculdade da terceira idade


Panelinhas, paquera, bagunça e até a primeira cola da vida fazem parte do dia a dia dos idosos estudantes. O propósito das faculdades da terceira idade não é apenas atualizar conhecimentos: especialistas apontam que o estímulo da convivência – a socialização – é essencial.

Fonte: Blog do Nassif

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Salve Rogério Saleme


Em seu aniversário – não sabíamos, então, que  seria o último – fui comemorar com ele, 70 anos. Não sei se bem vividos, mas foram do seu jeito, é possível que se tivesse maior cuidado com sua saúde, deixando de fumar, alimentando-se com respeito a seu organismo e sei lá mais o quê ainda estivesse aqui, conosco. É possível?  Não seria ele. Não nos faria rir, nem alguém diria que a família ficou sem graça.

Nem sempre gostei muito dele. Logo que o conheci  - minha irmã o trouxe para a família, como seu amado-amante, o companheiro de sua vida – tive dificuldades de chegar até ele e ele não se chegou a mim. Achava suas piadas esquisitas, não eram  acadêmicas, eram piadas de observador do cotidiano, retiradas da ocasião vivida, de quem quer viver, aproveitando sua vida e escolhendo sua  melhor parte à sua maneira. Não tinha interesse  em passar imagens, o que não podia era perder a piada. Ah! Também não perdia os amigos. Estes provaram isto no inconsolável demonstrado durante dias e dias após sua ida.  

Percebi que a solidariedade  era dominada intimamente  por ele que também  sabia amar discreta e lealmente. Seu amor  por sua companheira e a cumplicidade dos dois foram uma lição para os jovens com quem conviveram. 

 Foi receptivo quando de minha tentativa de  chegada a ele e nos tornamos amigos-aliados. Mostrou-me alguns de meus pontos cegos, segurou algumas escadas para que a broxa não caísse de minha mão, levou-me a ter boa vontade  e menos preguiça com outras pessoas não tão admiráveis, o que facilitou  minha convivência. Fez-me descobrir quão mais fácil é ser amena que intolerável. 

De alguns hábitos não abria mão. Era incapaz de comprar qualquer coisa se não conseguisse um desconto. Não importava o quanto, era uma questão de honra. Pechinchar lhe era automático, uma diversão, segunda natureza. Precisava honrar a fama de seus ancestrais. Havia uma “fazenda do meu avô, lá na Síria”, onde Itu ficaria com inveja de toda a grandeza e fartura. Essa “fazenda” foi responsável por muitas risadas , pois sua imaginação criava fantasias divertidíssimas, sem qualquer compromisso com o verossímil. Na “fazenda do meu avô” o pomar abastecia 10 cidades; as abóboras não cabiam numa caminhonete e os cavalos eram  ensinados, cumprimentavam os visitantes.

Após o almoço, seu sono era regulamentar. Costumava dizer que com sono nunca brigou, o que o levava a dormir e, pela madrugada, se levantar, fazer algumas coisas, como ver televisão,  cozinhar e, depois, novamente, dormir. 

Fumava muito, mesmo depois da séria advertência de seu médico sobre a precariedade de seus pulmões. Tinha uma posição um tanto estranha para ficar: em pé, debruçado sobre uma almofada, num balcão, onde, ficava fumando e conversando com as pessoas. 

Era um eficiente administrador de recursos materiais e humanos. Sabia conquistar quem com ele trabalhasse. Sem um diploma superior, foi, por puro mérito, diretor do Conservatório e da Impressa da Universidade Federal de Minas Gerais de onde também foi Pro-reitor adjunto. Os lugares, onde esteve na linha de frente foram alterados, marcados por sua brilhante gestão. Na UFMG, era querido tanto quanto na “roda do Aliba-bar”, no bairro onde morava ou na cidade praiana onde passava suas férias.

Sua família faz coro com os amigos que o pranteiam desconsoladamente. Sua falta é sentida e o será por muito tempo. Todos ainda esperam que uma piada seja contada e a lembrança de sua ausência transforma o riso em pranto que nem sempre pode ser solto. Uns querendo não contribuir com a tristeza de outros e todos sentindo a amargura de sua falta.

Sua companheira, mulher forte, valente, discreta e elegante tem segurado, nos ombros e nas gentis palavras, as lágrimas dos que vem com a intenção de prestar a ela seu apoio. Muitos desabam sem conseguir o controle da tão funda quanto inesperada dor.

Hoje, as passagens que levariam o casal para as férias, na praia querida, viraram cinzas  que só adubaram  ainda mais a dor  da frustração. As lembranças começam a  sussurrar  seu nome, sua voz, seus costumes e os cheiros de sua comida. Rogério era um conhecer dos sabores. Ele administrava também os temperos e sabia apreciá-los.

A você, meu amigo, minha homenagem.  A você, minha irmã, meu coração.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Samba, suor e sensibilidade


Beth Carvalho 

       A reportagem da Revista do Brasil foi encontrar Beth Carvalho em um seminário no Rio de Janeiro promovido por quatro fundações voltadas à pesquisa – ligadas ao PT, PCdoB, PDT e PSB. Ali se discutiam desdobramentos da crise do capitalismo. Isso, por si só, já diz muito da artista. Nesta entrevista, ela mesma diz mais. Passar algumas horas ao seu lado é tomar um banho de carioquismo e brasileirismo.


      É uma mulher perspicaz, crítica, de posições francas. Ao mesmo tempo, dona de alegria e energia contagiantes. No estacionamento, nos restaurantes ou no próprio ambiente do seminário, é assediada e estimulada: “Continue firme, guerreira” é o que mais ouve. Vai a todo lugar do Rio, na zona sul ou na zona norte, dirigindo seu carro e sem medo das madrugadas. “O povo me protege”, diz.
      Após um longo período de recuperação de delicada cirurgia, Beth sacode a poeira e dá a volta por cima. Dá uma atenção aguda às coisas da política, hoje especialmente à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora nas favelas cariocas. Lamenta muito que os programas sociais dos governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1995) tenham sido interrompidos e crê que seu Rio de Janeiro seria muito diferente hoje se tivessem continuado.
       Do samba e do povo brasileiro, “trabalhador e talentoso”, fala apaixonadamente. Seu novo disco traz 15 canções inéditas de compositores da nova geração e também Nelson Cavaquinho e Chico Buarque. “Nelson e Cartola são geniais, mas tem gente renovando o samba”, avisa. O CD Nosso Samba Tá na Rua é dedicado a dona Ivone Lara, que aos 94 anos continua compondo e cantando, lembrando que ela cantou nos corais de Villa-Lobos, criados na era Vargas. O álbum tem o sabor da mistura. E irradia a felicidade que Beth vive agora, ao voltar aos palcos e às ruas. “Todos os meus discos são um discurso pelo samba”, proclama.
       Revista do Brasil: Quando Beth Carvalho olha pra trás, qual é a primeira lembrança de ter botado o pé na carreira musical?Beth Carvalho: O ambiente em casa sempre foi muito musical. Minha vó tocava violão e bandolim. Meu pai adorava   cantar, era um homem moderno, me deu discos de João Gilberto e Dorival Caymmi. Minha mãe adorava ópera e cantava músicas do Orlando Silva. Minha irmã Vânia Carvalho também canta muito bem, até gravou um disco de samba.
      Eu cheguei a estudar piano, dava aulas de violão, frequentei as rodas da turma da bossa nova. Tanto a música como a política vêm do berço. Meu pai era de esquerda, foi perseguido pela ditadura, era varguista, brizolista, janguista e também admirava muito o (Luiz Carlos) Prestes. Minha mãe sempre estava do lado dos pobres. Esse era o ambiente em casa, boa música e política de esquerda.
     Revista do Brasil: Quando você desponta com Andança no 3º Festival Internacional da Canção, em 1968, abriu-se uma cortina na sua vida?
Beth Carvalho: Ficamos em terceiro lugar com Andança. Mas ficar atrás do Tom (Jobim) e do Chico (Buarque), com Sabiá, e do (Geraldo) Vandré, com Caminhando, era como vencer. Éramos novatos, só ficamos atrás de monstros sagrados, e portanto radiantes. Andança colou no coração do povo. Uma toada moderna, mas é uma toada.
    Revista do Brasil: O novo disco Nosso Samba Tá na Rua traz um leque de compositores, de Nelson Cavaquinho a uma novíssima geração de sambistas. Como é sua relação com esses compositores?
Beth Carvalho: É total. Acyr Marques, autor de Coisa de Pele, poeta genial, era motorista de ônibus. Zeca Pagodinho era feirante e foi apontador do bicho. Almir Guineto era lixeiro da Comlurb. Marquinhos PQD, paraquedista. Essa gente está criando brilhantemente, tudo gente do povo, tem o proletariado na veia, sua visão do mundo. 
       Minha relação com os compositores é profunda, não sei me relacionar superficialmente com ninguém. Talvez eu seja a intérprete que mais teve relações profundas com os compositores. E eles me amam também porque me consideram a intérprete deles. Quanto eu interpreto, interpreto o compositor, sou fidelíssima ao que ele faz. Claro que tem o meu eu, em algumas músicas me identifico com aquela história. Outras não têm a ver comigo, mas eu interpreto o autor. Eles ficam muito felizes porque se sentem representados, eu não deturpo o que fazem.
    Revista do Brasil: O samba está se renovando, tem uma nova geração surgindo?Beth Carvalho: Está se renovando completamente. Eu defendo à beça essa gente nova, porque há uma turma que só dá valor a Nelson Cavaquinho e Cartola, que são geniais, e fica aí. E assim como Cartola, que era pedreiro, e o Nelson, que era soldado da PM, esses mais novos têm origem proletária. Precisamos valorizar também os que estão aí criando, renovando o samba.
    Revista do Brasil: Você é carioca, da Gamboa (bairro da região central), e aqui nasceram dois estilos que dialogam muito entre si, o samba e o choro.
Beth Carvalho: O choro é uma grande escola, deu Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, uma desbravadora, revolucionária, que enfrentou preconceitos da elite e o próprio marido para fazer música e vincular-se aos músicos negros e de origem humilde. Só que eu acho que alguns têm preconceito em relação à percussão. Fico chateada, pois ela é a alma do negócio, no samba, no forró, no baião. E olhe que eu sou de harmonia, toco violão e cavaquinho, dou o maior valor à harmonia, mas a percussão, principalmente no samba, é o que enriquece profundamente.
     Revista do Brasil: Esse clima de felicidade do novo CD expressa a superação de um momento difícil, de problemas de saúde? O Zeca Pagodinho até lhe deu um rosário verde e rosa...
Beth Carvalho: Também, e principalmente. Mas eu já tenho esse espírito naturalmente. Sou uma pessoa pra cima, não tenho tendência a ficar deprimida, não é meu temperamento. Realmente, o que passei foi bastante doloroso, muito sério, mas tive tanto amor das pessoas por mim, dos meus amigos, meus parentes, dos compositores, do meio artístico... Durante esses dois anos que passei de cama, não fiquei um dia sequer sem receber visita! Quando saí dali tava de alma lavada, o resultado da operação deu certo, pois existia o risco de eu não mais voltar a andar. Havia essa possibilidade. Então, botei o bloco na rua mesmo, Nosso Samba Tá na Rua! E gravei um samba lindíssimo, que acho que é o meu estado de espírito agora, chamado Tô Feliz Demais, do Edinho do Samba, compositor da nova geração, que tem uma frase que acho fantástica: “Desta vez a felicidade exagerou comigo”.
     Revista do Brasil: Qual é a marca principal do novo CD?
Beth Carvalho: É a valorização do povo brasileiro, sempre. O compositor de samba é, em sua maioria, seu representante legítimo, com raras exceções. E eu sempre valorizei muito as qualidades do povo brasileiro. Trabalhador, talentoso, criativo. Uma capacidade de improvisação enorme, um talento enorme. Veja o repente nordestino, é uma maravilha! Uma vez ouvi uma frase tão bonita: “O povo não decora a sua casa, enfeita”. Lindo! Desde criança eu tenho essa coisa com os mais pobres, os menos favorecidos. Não sei se foi a criação que recebi em casa, minha família sempre favoreceu os pobres, sem demagogia. Esse CD é mais uma vez uma homenagem e uma declaração de amor pelo povo, por meio do samba.
     Revista do Brasil: Como pintou esse nome?
Beth Carvalho: É como se fosse uma passeata que estou fazendo com o samba, colocando o samba na rua com vários temas. O CD tem o tema da negritude, tem sambas carnavalescos, de bloco, os clássicos como Nelson Cavaquinho e Chico Buarque, tem o tema feminino e a presença da Mangueira, que é a minha escola. E é uma passeata. Alegre, com energia, com a marca do povo. 
       Cada disco que faço é um discurso pelo samba. A música Nosso Samba Tá na Rua é uma obra-prima. Genial quando diz “vem de Deus esse som que a gente faz, nosso samba tá na rua” ou “de presente o moleque pede ao pai um cavaco, um pandeiro e ele sai, nosso samba tá na rua”. Então, é um discurso pelo samba. E com vários estilos, samba de bloco, partido-alto, samba-canção. Além disso, eu sempre procuro abordar vários temas, e isso depende muito do compositor, mas nesse disco a gente conseguiu.
    Revista do Brasil: Uma música começa com o coral cantando “Mandela”. Qual o significado da escolha?
Beth Carvalho: É minha enorme admiração pelo (Nelson) Mandela, uma exaltação à negritude. E descreve de uma maneira muito original as coisas da cultura africana, da cultura negra, da culinária etc., fala de camarão com chuchu. Fala também “olha que negro é lua africana, é o sol que vem de Havana, é o fim da minha dor” (cantarola). Quando eu gravo essas coisas é também pra bater de frente com o racismo que existe.
    Revista do Brasil: Como você analisa a política de cultura?Beth Carvalho: No geral, percebo que há um esforço bem-intencionado. Mas a herança é tão pesada que precisamos fortalecer e apoiar muito mais a cultura brasileira, os criadores, a arte popular. Há um esmagamento do nosso cinema, os filmes norte-americanos controlam mais de 90% da exibição. Nosso povo não se vê nas telas. Há uma reação, mas falta muito. Há poucas bibliotecas, são mal equipadas, nossa taxa de leitura é baixíssima. Nosso povo, que é praticamente proibido da leitura de jornal. Faz falta um jornal popular, nacional e democrático no Brasil, como foi o Última Hora, criado pelo Vargas, que também nacionalizou a Rádio Nacional, criou a Rádio Mauá, que tinha, inclusive, a participação dos sindicatos de trabalhadores. Também foi o Vargas quem criou o Instituto Nacional de Cinema Educativo, sob a direção de Roquete Pinto e Humberto Mauro, e o Instituto Nacional de Música, chamando o Villa-Lobos para dirigir. Aliás, a dona Ivone Lara, a quem dedico o novo CD, cantou nos corais do Villa-Lobos. Ela é dona dos “laraiás” mais bonitos do Brasil...
    Revista do Brasil: O que achou de Lula ter retificado sua opinião sobre Vargas, elogiando-o como um grande presidente?
Beth Carvalho: Uma questão de justiça. É por isso que eu gosto do Lula. Afinal, eu gravei um disco inteiro, com o João Nogueira, com músicas da era Vargas, que tentaram destruir (O Grande Presidente, de 1989, durante a campanha do Brizola). Em boa medida, muita coisa está sendo retomada, como a indústria naval, que já foi a segunda do mundo com o Vargas e agora está criando empregos, soberania.
      Foi ou não na era Vargas que nasceram a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a Siderúrgica de Volta Redonda, os direitos trabalhistas, o direito de voto para a mulher, a licença-maternidade, o Teatro Experimental do Negro, quando os negros entraram pela primeira vez no Teatro Municipal do Rio? Acho que o Lula está corretíssimo. Eu fico triste porque percebo que estão tentando acabar com a Voz do Brasil, que leva informação aos brasileiros que não podem ler jornal e que vivem nos grotões. Isso também foi o Vargas quem criou.
    Revista do Brasil: Você teve uma profunda amizade política com Leonel Brizola (1922-2004), que faria 90 anos em janeiro. Como você avalia a política sem sua presença?Beth Carvalho: Lamento demais, até hoje, a perda do Brizola. É como se fosse um pai para mim. É como a perda de Getúlio Vargas. Eu tinha 10 anos quando o Vargas morreu e eu chorava copiosamente. Meu pai até me chamou: “Minha filha, peraí...” Eu sentia a dor do povo. E a perda do Brizola foi mais dura, porque convivi com ele. A nação perdeu um grande líder. Um homem preocupado com o povo brasileiro, amava o povo, honesto, preocupado com as crianças, com a educação, que é o caminho mais importante do país – sem educação a gente não vai para lugar algum. Se tivessem continuado os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública, com jornada integral e diversidade de atividades, ideia de Darcy Ribeiro introduzida nas gestões de Brizola, no Rio), não teríamos hoje uma geração de crack, teríamos uma geração de Cieps. É muito difícil surgir outro Brizola.
    Revista do Brasil: Você se relacionou e se relaciona com homens como Fidel, Chávez, Brizola, Lula e na música com Nelson Cavaquinho, Cartola, Tom Jobim, e destaca que homens assim só nascem um a cada século. Qual é sua reflexão sobre isso?Beth Carvalho: Há os gigantes na política e na cultura, lutadores de toda uma época, que transformam a realidade do seu povo, como o Fidel, o Chávez, o Vargas, o Brizola, o Lula. Mas líderes como esses são uma raridade. Na música também. Um Tom não nasce a qualquer momento. Veja a qualidade musical do Nelson Cavaquinho. E era pobre. Cantava, às vezes, por um prato de comida. E quando tinha dinheiro dividia com amigos necessitados. 
       Durante a Jovem Guarda, Nelson passou muita privação. Cartola também, um gênio daquele trabalhando como pedreiro, lavador de carro, servindo cafezinho. E doando ao povo pedras preciosas musicais. É por isso que eu valorizo muito projetos como o Ciep. O menino pobre, que morava na favela, ia para o Ciep e era tratado com dignidade. Tinha educação, dentista, música, esporte, capoeira, piscina, tomava banho, comia decentemente. Em casa tem de comer em pé ou sentado no chão. Lugar para estudar também não tem, são obrigados a viver amontoados, num cômodo só. O Brizola enxergou isso porque amava o povo. A continuidade desse projeto faria nascer uma nova consciência, favoreceria o nascimento de novos líderes. Considero um crime o que fizeram contra os Cieps.
   Revista do Brasil: Qual é a ideia que fica quando se percebe que o imperialismo continua fazendo ameaças aos povos, inclusive uma cobiça recente sobre as riquezas do Brasil, o pré-sal?
Beth Carvalho: Eu fico muito assustada porque sei que eles são capazes de tudo. Até de uma intervenção militar. São capazes disso. Fizeram isso com outros países, por que não fariam com o nosso? Eu admiro profundamente esses líderes porque são homens que lutam pelo seu país, defendem seu povo com unhas e dentes, são patriotas. É uma luta muito difícil porque o imperialismo não é brincadeira, não. A direita milita 24 horas por dia. Acho engraçado quando eles falam da militância da esquerda. A militância da direita é 24 horas por dia. Mas eu tenho esperança no futuro, no socialismo.
    Revista do Brasil: Como você avalia a nova América Latina e o projeto de integração do continente?
Beth Carvalho: Beleza! A integração, porém, não deve se limitar ao lado econômico e comercial. É preciso avançar também no campo cultural. Acho a missão da Telesur importantíssima, pois a mídia imperial sempre tenta nos separar, trabalha para dificultar a comunicação entre os povos, leva ao desconhecimento de nossa história comum. Já a Telesur promove o conhecimento de nossos heróis, de Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Abreu e Lima a José Martí, Bolívar, Pancho Villa, com saci-pererê, com negrinho do pastoreio. Estou trabalhando num projeto para gravar as canções revolucionárias de cada país, em forma de samba.
    Revista do Brasil: Carioca, sambista e brizolista, qual é sua análise sobre as UPPs nas favelas do Rio?
Beth Carvalho: Creio que é necessário levar o poder público a todo o país, ao contrário da linha do neoliberalismo, que reduziu a presença do Estado, dos serviços públicos. O resultado nós conhecemos. Mas não basta a intervenção militar, muito menos se não for sistemática, agir eventualmente não adianta. Tem de levar escola, saúde, criar trabalho, melhorar a urbanização, o abastecimento de água, a coleta de lixo, as moradias, e também fazer a titulação dos lotes. 
       Acho ainda que o movimento estudantil tinha de estar lá no morro junto do povo, desenvolvendo programas, levando a universidade para perto do povo, servindo ao povo. O Brizola foi injustamente criticado. Ele fez os Cieps, instalou os elevadores em vários morros. Agora o Lula e a Dilma instalaram os teleféricos no Morro do Alemão. Isso é positivo, é um sinal de respeito. O poder público tem de estar permanentemente lá. Se os estudantes subissem com programas, numa aliança com o povo, ajudaria.
Fonte: Revista do Brasil

domingo, 25 de dezembro de 2011

Eliseu Visconti, a Modernidade antecipada

24 DE DEZEMBRO DE 2011 - 9H05 
Obra de Eliseu Visconti
Obra de Eliseu Visconti

Mazé Leite (Vermelho) 

     Essa pintura acima e muitas outras farão parte da próxima grande exposição organizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo: "Eliseu Visconti - a modernidade antecipada". Serão cerca de 250 obras, entre pinturas, desenhos, cerâmica e documentos. 

      Esta exposição celebra o ano da Itália no Brasil, que teve início em outubro deste ano e que conta com uma programação rica de eventos que expressam a Cultura dos dois países. Entre os grandes nomes da pintura que estarão aqui no Brasil em 2012, está o de Caravaggio, pintor barroco italiano, como já anunciamos aqui.
     A última exposição retrospectiva de Visconti (que nasceu em Salerno, Itália, em 1866 e morreu no Rio de Janeiro, em 1944) foi realizada em 1949 no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. Esta mostra trará, então, toda a produção de Visconti, que é difícil de ver hoje em dia, pois muitas de suas obras são guardadas em coleções particulares. "Esta mostra tem por propósito recuperar a obra de Visconti, situando-o como grande expoente da arte brasileira no período crítico da primeira República”, é o que diz um dos curadores, Rafael Cardoso.
     A exposição será organizada em períodos e temas desenvolvidos por Visconti, entre 1888 e 1944. São pinturas de Paisagem, Retratos, Nus, com destaque para a importante produção do artista nas vertentes Simbolista e Impressionista, estilos em que é reconhecido como um dos maiores mestres da arte brasileira. Também estarão expostos cerca de 25 auto-retratos, incluindo cenas de Visconti com a família. 
     Eliseu Visconti foi, entre as décadas de 1890 e 1920, um dos artistas mais importantes do Brasil e um dos que mais participou de exposições estrangeiras, conquistando prêmios na França, nos Estados Unidos e no Chile. “A carreira artística de Visconti desenrolou-se no momento fundamental da história brasileira que se estende desde os últimos anos do Segundo Reinado até a Segunda Guerra Mundial. Ele pertence a uma geração que fez, em vida, a ponte entre o Brasil imperial e o Brasil moderno. Hoje sua obra integra as principais coleções particulares e públicas do país." É o que diz a também curadora da mostra Mirian Seraphin, que acrescenta que "há exatos 100 anos – no mês de dezembro de 1911 –, quatro obras, 'A Providência Guia Cabral' (1899), 'Maternidade' (1906), 'A Carta' (1906) e 'Retrato da Minha Filha' (1909), de Eliseu Visconti foram expostas pela primeira vez no prédio que hoje abriga a Pinacoteca do Estado de São Paulo, antes Liceu de Artes e Ofícios, na Primeira Exposição Brasileira de Belas Artes”.
     Vale muito a pena ir visitar essa exposição com a obra de Eliseu Visconti.

Serviço: Eliseu Visconti- A modernidade antecipada
Local: Pinacoteca de São Paulo - Praça da Luz, 2 - de 10 de dezembro de 2011 a 26 de fevereiro de 2012 - De terça a domingo, 10h às 17h30 - Ingresso: R$ 6 reais (meia-entrada R$ 3,00)

sábado, 24 de dezembro de 2011

A NATUREZA


Autoria: 



Dependemos da natureza não só para a nossa sobrevivência física.
Também necessitamos da natureza para que nos ensine o caminho para casa, o caminho para sairmos da prisão de nossas mentes.
Nós nos perdemos no fazer, no pensar, no recordar, no antecipar; estamos perdidos em um complexo labirinto, em um mundo de problemas.
Esquecemos aquilo que as rochas, as plantas e os animais já sabem.
Nos esquecemos de Ser, de sermos nós mesmos, de estar em silêncio, de estar onde está a vida: Aqui e Agora.
Focalizar a atenção em uma pedra, em uma árvore ou em um animal, não significa “pensar neles”, mas simplesmente percebê-los, dar-se conta deles.
Então eles te transmitem algo de sua essência.
Sente quão profundamente descansam no Ser, completamente unificados com o que são e onde estão.
Ao perceber isto, tu também entras em um lugar de profundo repouso dentro de ti mesmo.
Quando caminhares ou descansares na natureza, honra este reino, permanecendo aí plenamente. Acalma-te. Olha. Escuta.
Observa como cada planta e cada animal são completamente eles mesmos.
Diferentemente dos humanos, não estão divididos em dois.
Não vivem por meio de imagens mentais de si mesmos, e por isso não precisam preocupar-se em proteger e potencializar estas imagens.
Todas as coisas naturais, além de estarem unificadas consigo mesmas, estão unificadas com a totalidade.
Não se afastaram da totalidade exigindo uma existência separada: “eu”, o grande criador de conflitos.
Tu não criastes teu corpo, nem és capaz de controlar as funções corporais.
Em teu corpo opera uma inteligência maior que a mente humana.
É a mesma inteligência que sustenta tudo na natureza.
Para aproximar-te ao máximo desta inteligência, torna-te consciente de teu próprio campo energético interno, sente a vida, a presença que anima o organismo.
Quando percebes a natureza apenas com a mente, por meio do pensamento, não podes sentir sua plenitude de vida, seu ser.
Unicamente vês a forma e não estás consciente da vida que a anima, do mistério sagrado.
O pensamento reduz a natureza a um bem de consumo, a um meio para conseguir benefícios, conhecimento, ou a algum outro propósito prático.
Observa, sente um animal, uma flor, uma árvore, e vê como descansam no Ser.
Cada um deles é ele mesmo.
Eles têm uma enorme dignidade, inocência, santidade.
No momento em que olhas além dos rótulos mentais, sentes a dimensão inefável da natureza, que não pode ser compreendida pelo pensamento.
É uma harmonia, uma sacralidade que além de preencher a totalidade da natureza, também está dentro de ti.
O ar que respiras é natural, como o próprio processo de respirar.
Dirige a atenção à tua respiração e percebe que não és tu quem respira.
A respiração é natural.
Conecta-te com a natureza do modo mais íntimo e interno percebendo a tua própria respiração e aprendendo a manter tua atenção nela.
Este é um exercício que cura e energiza consideravelmente.
Produz uma mudança de consciência que te permite ultrapassar o mundo conceitual do pensamento e atingir a consciência incondicionada.
Precisas que a natureza te ensine e te ajude a reconectar-te com teu Ser.
Não estás separado da natureza.
Todos somos parte da Vida Única que se manifesta em incontáveis formas em todo o universo, formas que estão, todas elas, completamente interconectadas.
Quando reconheces a santidade, a beleza, a incrível quietude e dignidade que existem em uma flor ou em uma árvore, acrescentas algo a esta flor ou a esta árvore.
Pensar é uma etapa na evolução da vida.
A natureza existe em uma quietude inocente que é anterior à aparição do pensamento.
Quando os seres humanos se aquietam, vão além do pensamento.
A quietude que está além do pensamento contém uma dimensão maior de conhecimento, de consciência.
A natureza pode levar-te à quietude.
Este é o presente dela para ti.
Quando percebes a natureza e te unes a ela no campo da quietude, este se enche com tua consciência.
Este é o teu presente para a natureza.
Através de ti, a natureza toma consciência de si mesma.
É como se a natureza tivesse ficado à tua espera durante milhões de anos para adquirir esta consciência.

Colaboração: Maria José Rezende 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Stéphane Hessel: 'Os bancos estão contra a democracia'

 

Aos 94 anos, depois de lutar na Resistência, sobreviver aos campos nazistas e escrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel publicou um livrinho de 32 páginas, "Indignem-se", que teve eco global. Em entrevista ao Página/12 ele fala sobre sua obra e critica o ultra liberalismo predador, a servidão da classe política ao sistema financeiro, a anexação da política pela tecnocracia financeira, as indústrias que destroem o planeta e a ocupação israelense da Palestina.

     A revolta não tem idade nem condição. Nos seus afáveis, lúcidos e combativos 94 anos, Stéphane Hessel encarna um momento único na história política humana: ter conseguido desencadear um movimento mundial de contestação democrática e cidadã com um livro de escassas 32 páginas: "Indignem-se". O livro foi lançado na França em outubro de 2010 e em março de 2011 se converteu no alicerce do movimento espanhol dos indignados. 
      O quase um século de vida de Stéphane Hessel se conectou primeiro com a juventude espanhola que ocupou a Puerta del Sol e depois com os demais protagonistas da indignação que se tornou planetária: Paris, Londres, Roma, México, Bruxelas, Nova York, Washington, Tel-Aviv, Nova Déli, São Paulo. Em cada canto do mundo e sob diferentes denominações, a mensagem de Hessel encontrou um eco inimaginável.
      Seu livro, entretanto, não contém nenhum discurso ideológico, menos ainda algum chamado à excitação revolucionária. Indignem-se é, ao mesmo tempo, um convite a tomar consciência sobre a forma calamitosa em que estamos sendo governados, uma restauração nobre e humanista dos valores fundamentais da democracia, um balde de água fria sobre a adormecida consciência dos europeus convertidos em consumidores obedientes e uma dura defesa do papel do Estado como regulador. Não deve existir na história editorial um livro tão curto com um alcance tão extenso.
      Quem olhe a mobilização mundial dos indignados pode pensar que Hessel escreveu uma espécie de panfleto revolucionário, mas nada é mais estranho a essa idéia. "Indignem-se" e os indignados se inscrevem em uma corrente totalmente contrária a que se desatou nas revoltas de Maio de 68. Aquela geração estava contra o Estado. Ao contrário, o livro de Hessel e seus adeptos reivindicam o retorno do Estado, de sua capacidade de regular. Nada reflete melhor esse objetivo que um dos slogans mais famosos que surgiram na Puerta del Sol: “Nós não somos anti-sistema, o sistema é anti-nós”.
      Em sua casa de Paris, Hessel fala com uma convicção na qual a juventude e a energia explodem em cada frase. Hessel tem uma história pessoal digna de uma novela e é um homem de dois séculos. Diplomata humanista, membro da Resistência contra a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial, sobrevivente de vários campos de concentração, ativo protagonista da redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, descendente da luta contra essas duas grandes calamidades do século XX que foram o fascismo e o comunismo soviético. O nascente século XXI fez dele um influente ensaísta.
      Quando seu livro saiu na França, as línguas afiadas do sistema liberal desceram sobre ele um aluvião de burlas: “o vovozinho Hessel”, o “Papai Noel das boas consciências”, diziam no rádio e na televisão os marionetes para desqualificá-lo. Muitos intelectuais franceses disseram que essa obra era um catálogo de banalidades, criticaram seu aparente simplismo, sua superficialidade filosófica, o acusaram de idiota e de anti-semita. Até o primeiro-ministro francês, François Fillon, desqualificou a obra dizendo que “a indignação em si não é um modo de pensamento”. Mas o livro seguiu outro caminho. Mais de dois milhões de exemplares vendidos na França, meio milhão na Espanha, traduções em dezenas de países e difusão massiva na Internet.
      O ultra liberalismo predador, a corrupção, a impunidade, a servidão da classe política ao sistema financeiro, a anexação da política pela tecnocracia financeira, as indústrias que destroem o planeta, a ocupação israelense da Palestina, em suma, os grandes devastadores do planeta e das sociedades humanas encontraram nas palavras de Hessel um inimigo inesperado, um “argumentário” de enunciados básicos, profundamente humanista e de uma eficácia imediata. Sem outra armadura além de um passado político de social-democrata reformista e um livro de 32 páginas, Hessel opôs ao pensamento liberal consumista e ao consenso um dos antídotos que eles mais temem, ou seja, a ação.
      Não se trata de uma obra de reflexão política ou filosófica, mas de uma radiografia da desarticulação dos Estados, de um chamado à ação para que o Estado e a democracia voltem a ser o que foram. O livro de Hessel se articula em torno da ação, que é precisamente ao que conduz à indignação: resposta e ação contra uma situação, contra o outro. O que Hessel qualifica como mon petit livre é uma obra curiosa: não há nenhuma novidade nela, mas tudo o que diz é uma espécie de síntese do que a maior parte do planeta pensa e sente cada manhã quando se levanta: exasperação e indignação.
– Você foi, de alguma maneira, o homem do ano. Seu livro foi sucesso mundial e acabou se convertendo no foco do movimento planetário dos indignados. Houve, de fato, duas revoluções quase simultâneas no mundo, uma nos países árabes e a que você desencadeou em escala planetária.
– Nunca previ que o livro tivesse um êxito semelhante. Ao escrevê-lo, havia pensado em meus compatriotas para dizer a eles que o modo no qual estão sendo governados propõe interrogações e que era preciso indignar-se diante dos problemas mal solucionados. Mas não esperava que o livro fosse lançado em mais de quarenta países nos quatro pontos cardeais. Mas eu não me atribuo nenhuma responsabilidade no movimento mundial dos indignados. Foi uma coincidência que o meu livro tenha aparecido no mesmo momento em que a indignação se expandia pelo mundo. Eu só convidei as pessoas a refletirem sobre o que elas acham inaceitável. Acho que a circulação tão ampla do livro se deve ao fato de que vivemos um momento muito particular da história de nossas sociedades e, em particular, desta sociedade global na qual estamos imersos há dez anos. Hoje vivemos em sociedades interdependentes, interconectadas. Isto muda a perspectiva. Os problemas aos que estamos confrontados são mundiais.
–As reações que seu livro desencadeou provam que existe sempre uma pureza moral intacta na humanidade?
O que permanece intacto são os valores da democracia. Depois da Segunda Guerra Mundial resolvemos problemas fundamentais dos valores humanos. Já sabemos quais são esses valores fundamentais que devemos tratar de preservar. Mas quando isto deixa de ter vigência, quando há rupturas na forma de resolver os problemas, como ocorreu após os atentados de 11 de setembro, da guerra no Afeganistão e no Iraque e a crise econômica e financeira dos últimos quatro anos, tomamos consciência de que as coisas não podem continuar assim. Devemos nos indignar e nos comprometer para que a sociedade mundial adote um novo curso.
– Quem é responsável de todo este desastre? O liberalismo ultrajante, a tecnocracia, a cegueira das elites?
– Os governos, em particular os governos democráticos, sofreram uma pressão por parte das forças do mercado à qual não souberam resistir. Essas forças econômicas e financeiras são muito egoístas, só buscam o beneficio em todas as formas possíveis sem levar em conta o impacto que essa busca desenfreada do lucro tem nas sociedades. Não lhes importa nem a dívida dos governos, nem os ganhos medíocres das pessoas. Eu atribuo a responsabilidade de tudo isto às forças financeiras. Seu egoísmo e sua especulação exacerbada são também responsáveis pela deterioração do nosso planeta. As forças que estão por trás do petróleo, da energia não-renovável nos conduzem a uma direção muito perigosa. 
     O socialismo democrático teve seu momento de glória depois da Segunda Guerra Mundial. Durante muitos anos tivemos o que se chama Estados de providência. Isto derivou em uma boa fórmula para regular as relações entre os cidadãos e o Estado. Mas depois nos distanciamos desse caminho sob a influência da ideologia neoliberal. Milton Friedman e a Escola de Chicago disseram: “deixem a economia com as mãos livres, não deixem que o Estado intervenha”. Foi um caminho equivocado e hoje nos damos conta de que nos encerramos em um caminho sem saída. O que aconteceu na Grécia, Itália, Portugal e Espanha nos prova que não é dando cada vez mais força ao mercado que se chega a uma solução. Não. Essa tarefa compete aos governos, são eles que devem impor regras aos bancos e às forças financeiras para limitar a sobre exploração das riquezas que eles detêm e a acumulação de benefícios imensos enquanto os Estados se endividam. Devemos reconhecer que os bancos estão contra a democracia. Isso não é aceitável.
– É chocante comprovar a indiferença da classe política ante a revolta dos indignados. Os dirigentes de Paris, Londres, Estados Unidos, em suma, ali onde estourou este movimento, se omitiram diante das reivindicações dos indignados.
– Sim, é verdade. Por enquanto se subestimou a força desta revolta e desta indignação. Os dirigentes disseram uns aos outros: isto nós já vimos antes, em Maio de 68, etc., etc. Acho que os governos se equivocaram. Mas o fato de que os cidadãos protestem pela forma em que estão sendo governados é algo muito novo e essa novidade não se deterá. Predigo que os governos se verão cada vez mais pressionados pelos protestos contra a maneira em que os Estados são governados. Os governos se empenham em manter o sistema intacto. Entretanto, o questionamento coletivo do funcionamento do sistema nunca foi tão forte como agora. Na Europa atravessamos um momento muito denso de questionamento, tal como aconteceu antes na América Latina. Eu estou muito orgulhoso pela forma como a Argentina soube superar a gravidade da crise. Isto prova que é possível atuar e que os cidadãos são capazes de mudar o curso das coisas.
–De alguma maneira, você acendeu a chama de uma espécie de revolução democrática. Entretanto, não convocou uma revolução. Qual é então o caminho para romper o cerco no qual vivemos? Qual é a base do renascimento de um mundo mais justo?
– Devemos transmitir duas coisas às novas gerações: a confiança na possibilidade de melhorar as coisas. As novas gerações não devem perder a esperança. Em segundo lugar, devemos fazê-los tomar consciência de tudo o que está se fazendo atualmente e que está no sentido correto. Penso no Brasil, por exemplo, onde houve muitos progressos, penso na presidenta Cristina Fernández de Kirchner, que também fez as coisas progredirem muito, penso também em tudo o que se realiza no campo da economia social e solidária em tantos e tantos países. Em tudo isto há novas perspectivas para encarar a educação, os problemas da desigualdade, os problemas ligados à água. Tem gente que trabalha muito e não devemos subestimar seus esforços, inclusive se o que se consegue é pouco por causa da pressão do mundo financeiro. São etapas necessárias. 
      Acho que, cada vez mais, os cidadãos e as cidadãs do mundo estão entendendo que o seu papel pode ser mais decisivo na hora de fazer entender aos governos, que são responsáveis pela vigência dos grandes valores, que esses mesmos governos estão deixando de lado. Há um risco implícito: que os governos autoritários acabem empregando a violência para calar as revoltas. Mas acho que isso já não é mais possível. A forma pela qual os tunisianos e os egípcios se livraram de seus governos autoritários mostra duas coisas: uma, que é possível; dois, que com esses governos não se progride. O progresso só é possível se for aprofundada a democracia. Nos últimos 20 anos a América Latina progrediu muitíssimo graças ao aprofundamento da democracia. 
      Em escala mundial, mesmo com as coisas que se conseguiram, mesmo com os avanços que se obtiveram com a economia social e solidária, tudo isto é extremamente lento. A indignação se justifica nisso: os esforços realizados são insuficientes, os governos foram débeis e até os partidos políticos da esquerda sucumbiram ante a ideologia neoliberal. Por isso devemos nos indignar. Se os meios de comunicação, se os cidadãos e as organizações de defesa dos direitos humanos forem suficientemente potentes para exercer uma pressão sobre os governos as coisas podem começar a mudar amanhã.
– Pode-se mudar o mundo sem revoluções violentas? 
Se olharmos para o passado, veremos que os caminhos não-violentos foram mais eficazes que os violentos. O espírito revolucionário que empolgou o começo do século XX, a revolução soviética, por exemplo, conduziram ao fracasso. Homens como o checo Vaclav Havel, Nelson Mandela ou Mijail Gorbachov demonstraram que, sem violência, podem-se obter modificações profundas. A revolução cidadã que assistimos hoje pode servir a essa causa. Reconheço que o poder mata, mas esse mesmo poder se vai quando a força não-violenta ganha. As revoluções árabes nos demonstraram a validade disto: não foi a violência quem fez cair os regimes de Túnis e do Egito. Não, nada disso. Foi a determinação não violenta das pessoas.
– Em que momento você acha que o mundo se desviou de sua rota e perdeu sua base democrática?
– O momento mais grave se situa nos atentados de 11 de setembro de 2001. A queda das torres de Manhattan desencadeou uma reação do presidente estadunidense George W. Bush extremamente prejudicial: a guerra no Afeganistão, por exemplo, foi um episodio no qual se cometeu horrores espantosos. As conseqüências para a economia mundial foram igualmente muito duras. Foram gastas somas consideráveis em armas e na guerra em vez de colocá-las à disposição do progresso econômico e social.
– Você marca com muita profundidade um dos problemas que permanecem abertos como uma ferida na consciência do mundo: o conflito israelense-palestino.
– Este conflito dura há 60 anos e ainda não se encontrou a maneira de reconciliar estes dois povos. Quando se vai à Palestina voltamos traumatizados pela forma como os israelenses maltratam seus vizinhos. A Palestina tem direito a um Estado. Mas também tem que reconhecer que, ano após ano, presenciamos como aumenta o grupo de países que estão contra o governo israelense, por sua incapacidade de encontrar uma solução. Pudemos constatar isso com a quantidade de países que apoiaram o presidente palestino Mahmud Abbas, quando pediu, diante das Nações Unidas, que a Palestina seja reconhecida como um Estado de pleno direito no seio da ONU.
– Seu livro, suas entrevistas e mesmo este diálogo demonstram que, apesar do desastre, você não perdeu a esperança na aventura humana.
Não, pelo contrário. Acho que diante das gravíssimas crises que atravessamos, de repente o ser humano acorda. Isso aconteceu muitas vezes ao longo dos séculos e desejo que volte a ocorrer agora.
– “Indignação” é hoje uma palavra-chave. Quando você escreveu o livro, foi essa palavra a que o guiou?
A palavra indignação surgiu como uma definição do que se pode esperar das pessoas quando abrem os olhos e vêem o inaceitável. Pode-se adormecer um ser humano, mas não matá-lo. Em nós há uma capacidade de generosidade, de ação positiva e construtiva que pode despertar quando assistimos a violação dos valores. A palavra “dignidade” figura dentro da palavra “indignidade”. A dignidade humana desperta quando é encurralada. O liberalismo bem que tentou anestesiar essas duas capacidades humanas - a dignidade e a indignação-, mas não conseguiu.

Tradução: Libório Júnior