Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Clube da Esquina vira história em quadrinhos


     Na década de 1960, alguns garotos se encontram de modo quase improvisado e diário na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. O tempo passa e eles se tornam artistas famosos e reconhecidos na música brasileira. Todos os identificam como membros do Clube da Esquina, expressão utilizada por Dona Maricota, mãe de dois dos garotos, Marcio e Lô Borges, que adota praticamente outro menino, Milton Nascimento, apelidado Bituca. 



     Outros participantes importantes são Beto Guedes, Fernando Brant, Wagner Tiso, Toninho Horta e Ronaldo Bastos. Todos eles acabam de virar personagens do livro em quadrinhos “Histórias do Clube da Esquina”, que conta com roteiro e desenhos de Lauro Ferreira e arte-final e cores de Omar Viñole.
     A história em quadrinhos adota o modelo dos documentários em que os próprios participantes do movimento relatam o que aconteceu de modo intercalado com registros históricos. Outra característica interessante dessa produção é que, logo no início, ela posiciona aqueles artistas mineiros na linha evolutiva da música brasileira, contextualizando o que ocorria na mesma época. 
      Ou seja, os festivais de música popular da televisão, a Tropicália e a Jovem Guarda. Nesse sentido, um quadrinho em específico chama a atenção: uma repórter aparece perguntando a Milton Nascimento o que é mais importante para ele na vida e escutando como resposta: as pessoas e a música.
      Claro que não dá para contar toda a história de um movimento musical e do trabalho artístico de tanta gente talentosa em menos de 50 páginas – menos do que uma revista em quadrinhos convencional. Por isso, os autores selecionaram algumas canções e alguns discos que consideravam mais representativos daquele momento. 
      Assim aparece a história da canção “Travessia”, que lançou Milton Nascimento; “Trem Azul”, de Lô Borges; “Para Lennon e McCartney”, de Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant; e “Manoel, o Audaz”, de Toninho Horta e Fernando Brant, inspirado no jipe Land Rover 1951 do segundo compositor. 
     Não são esquecidos os discos “Clube da Esquina" 1 e 2, “Milagre dos Peix es”,  enfrentou muitos problemas com a censura federal; e “Txai”, baseado no contato de Milton Nascimento com os índios Ashaninka. Também merece registro a presença das saborosas histórias de Dona Olympia Angélica de Almeida Cotta, que ficou conhecida como “a primeira hippie do Brasil”, por sempre andar pelas ruas de Ouro Preto usando roupas coloridas, chapéus com muitas flores e portando um cajado com balas e bombons. E a visita do então presidente Juscelino Kubitscheck a Belo Horizonte, quando ele se encontrou com os jovens músicos. 
No final, a história retorna para o presente, marcando o reencontro de todos os amigos do Clube da Esquina, cantando felizes “Clube da Esquina nº 2”: “Por que se chamava moço / Também se chamava estrada/ Viagem de ventania/ Nem lembra se olhou prá trás / Ao primeiro passo, o aço, o aço / Por que se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem”. 
     Portanto, confirmando a premissa do último verso da canção, “Histórias do Clube da Esquina” não se pretende uma obra definitiva sobre o movimento musical mineiro e justamente por isso é extremamente prazeroso, divertido e prende o leitor do primeiro ao último quadrinho.
Fonte: Rede Brasil Atual      Nossa fonte: Vermelho


O capitalismo em crise e os meios de superá-la



     Tenho uma recomendação a fazer a quem luta pelo socialismo. A todos e todas sem exceção. Este é um bom momento para estudar o capitalismo realmente existente. Abandonemos as fantasias cordatas: é mesmo útil saber em que mundo é que se tem os pés assentados, conhecer o poder e as ambições do capital, reconhecer as dificuldades e a vertigem da grande depressão. E, já agora, começar por ler o que a finança escreve sobre si própria. Não há melhor professor do que a realidade. O artigo é de Francisco Louçã.

     Em 2009, o Financial Times publicou uma série de artigos de debate sobre um tema comum: o “futuro do capitalismo”. A crise financeira anterior e a recessão desse ano de 2009 levaram o jornal a convidar especialistas, governantes e analistas a discutirem este tema. Três anos depois, o mesmo diário convida-nos a lermos um novo debate, desta vez sobre “o capitalismo em crise”. A mudança do enunciado do tema é por si só reveladora da aflição.
     O FT foi fundado em 1888, há portanto 124 anos. Vende agora mais de dois milhões de exemplares por dia, é impresso em 24 cidades pelo mundo fora, é um colosso no mundo digital – é simplesmente o jornal financeiro mais influente do mundo. Podemos tomá-lo como um indicador seguro das tendências ideológicas, das inquietações e das preocupações do mundo financeiro, assim como da evolução da economia e dos seus tomadores de decisão.
     Assim, o debate sobre “o capitalismo em crise”, que se tem estendido por Janeiro e Fevereiro, é, a todos os títulos, um retrato das perturbações financeiras e políticas de 2012. Nele participam predominantemente economistas conservadores como Kenneth Rogoff, do FMI, mas também anteriores ou atuais governantes dos Estados Unidos e do Reino Unido (um ex-ministro do ex-presidente Clinton, Robert Reich; o ministro das finanças inglês, George Osborne), governantes de outros países, o movimento Occupy London (citando o ultra-conservador Friedrich Hayek como autoridade literária!), o líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, um banqueiro chinês, Qin Xiao, ou comentadores célebres como Martin Wolf. No final de Janeiro, a revista Newsweek juntou-se também ao debate e publicou um dossier sobre “como remendar o capitalismo”, no mesmo tom.
     Neste artigo, limito-me a reportar os temas principais destes debates e a identificar alguns dos seus argumentos, porque eles nos fornecem um guia interessante para a crise atual, nas suas certezas como nas suas hesitações. Parto de uma constatação: vale a pena ler esses textos e pensar sobre eles, porque são um retrato da perturbação que se está a viver. Nos mercados, nas ideias, nas políticas, nos alinhamentos sociais.
     Perdoar-me-á o leitor ou a leitora, mas até estou convencido de que esse jornal, porta-voz da finança internacional, se dedica com mais profundidade à análise de algumas das falhas do capitalismo do que os advogados europeus da austeridade, as agências internacionais ou as doutrinas estabelecidas. Se bem que esteja por isso interessadíssimo na nova teoria que descobriu a sua Coreia do Norte na Islândia, o farol luminoso da meia-austeridade e o lugar onde o FMI seria cordato a orientar uma coligação encantadora, peço licença para ouvir antes os representantes do capitalismo em crise.
     O debate do Financial Times (e da Newsweek) merece essa atenção, porque revela um sistemático trabalho de desmantelamento dos mitos do capitalismo, o que sugere antes de mais que os defensores do castelo são os primeiros a reconhecer as fragilidades da muralha. De fato, destes artigos resultam argumentos sobre quatro grandes brechas deste capitalismo da era da globalização.
     Primeira brecha: o capitalismo cresceu e a desigualdade cresceu mais ainda. 
     O capitalismo foi um enorme sucesso social à custa de uma enorme tragédia social. Revolveu as entranhas do mundo: “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, escreviam Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848. O capitalismo mudou tudo. Destruiu e construiu. E cresceu: segundo os cálculos de Angus Maddison, citados pela Newsweek, o produto mundial cresceu sete vezes desde o ano 1 da nossa era até 1820, ao longo de dezoito séculos, e cresceu setenta vezes nos dois séculos seguintes, até hoje – quase cem vezes mais depressa. A aceleração do tempo do capitalismo é retratada por este crescimento alucinante.
      Só que o crescimento foi sempre desigual e é cada vez mais desigual nos dias de hoje. Diz a Newsweek: em 2010, os rendimentos dos administradores das grandes empresas norte-americanas foram 28% superiores aos do ano anterior (uma média de 10,8 milhões de dólares cada), cerca de 325 vezes mais do que média dos seus trabalhadores. Quanto mais grave a crise, mais crescem os rendimentos do topo. O Financial Times testemunha o mesmo, com dados ingleses: o rendimento dos administradores das cem principais empresas, as do índice FTSE100, era em 1980 cerca de 14 vezes a mediana dos salários das suas empresas e, trinta anos depois, passaram a ser cerca de 75 vezes essa mediana.
      George Osborne, o ministro das finanças do governo conservador britânico, bem pode dizer que esta desigualdade é o resultado de estupidez e que não concorda que os bancos paguem bónus aos administradores que os conduziram a uma especulação sem freio e a uma crise grave. O facto é que o capitalismo passou a ser um sistema que promove e recompensa o fracasso.
      Segunda brecha: a segunda grande depressão mobiliza o autoritarismo social contra alguns dos fundamentos da civilização.
      Dois dos participantes do debate do Financial Times argumentam que este modelo de recompensa do fracasso é o resultado de um erro estrutural, porque o capitalismo sabe criar e vender mercadorias, mas não sabe criar e distribuir eficientemente os bens públicos. Vejamos onde nos leva este argumento.
      Os bens públicos são a civilização: bens tão diferentes como a segurança, defesa, saúde, educação, segurança social, regulação do trânsito, respeito pela liberdade religiosa ou de não ter religião, liberdade de opinião e de imprensa, direito de manifestação, capacidade eleitoral ativa e passiva, justiça ou investigação científica fundamental, não são produzidos pelas empresas nem resultam diretamente de processos de acumulação de capital. Resultam de decisões políticas que são condições para a vida social, que podem portanto favorecer a acumulação de capital mas que lhe cobram uma prestação: o Estado faz-se pagar por estes serviços e a isso chama-se impostos.
      Para Kenneth Rogoff, um economista que fez a sua carreira no FMI e que agora se dedica à análise das crises financeiras ao longo do tempo, o capitalismo é simplesmente pouco eficiente na geração de bens públicos e é por isso que tem de existir o Estado (a tese não é dele e é antiga, mas tem o seu fundamento). Martin Wolff, um dos mais reconhecidos comentadores do Financial Times, escreve que esses bens públicos são ainda mais difíceis de produzir na sociedade da globalização, mesmo que sejam fundamentais para criar ordem na sociedade. Dá-nos o seguinte exemplo da segurança: numa época anterior ao capitalismo, a segurança era garantida por bandidos que aterrorizavam a sua região mas impediam que outros a pilhassem, e a isso chamou-se feudalismo. Depois, a revolução industrial expandiu o Estado de muitas formas; uma delas foi assegurando um modo de segurança às pessoas. Nessa segurança foi incluída, mais recentemente, a garantia dada pelos economistas de que haveria estabilidade econômica: os mercados seriam inerentemente estáveis e a estabilidade seria um bem público garantido automaticamente pelo funcionamento do mercado. Mas, como vimos – e toda a gente se pode aperceber no contexto da grande depressão – os mercados, pelo contrário, criam instabilidade e desigualdade.
     A conclusão é minha: se isto é assim, aqui temos a explicação para o autoritarismo social que cresce com as soluções liberais durante a depressão, em particular com a economia da dívida – os bens públicos são desgastados ou destruídos, em nome de um processo de acumulação acelerado que atinge esses fundamentos da civilização. Só o autoritarismo pode permitir impor a perda dessas referências civilizacionais que são as bases da democracia representativa. O “capitalismo em crise” é portanto parteiro da democracia em crise.
      A agressividade capitalista na desagregação das funções sociais do Estado é notória em alguns dos contributos para este debate, mas sobretudo na de Qin Xiao, que foi presidente da China Merchants Group e do China Merchants Bank, e que escreve no Financial Times a propósito do seu país: o Estado “deve deixar de interferir nos preços e transações de mercado e retirar-se da regulação da terra, trabalho, energia e preços dos minérios, como dos preços do capital. Deve reformar os monopólios e privatizar eficientemente as empresas públicas”. É um distinto e oficialíssimo banqueiro chinês a escrever o receituário liberal mais tradicionalista.
     Terceira brecha: a propriedade não determina a economia, mas há um poder invisível que decide. 
     Há ainda um outro fator de perturbação que preocupa muitos dos participantes neste debate que estou a citar: a mudança de rosto do capitalismo. Desde a revolução industrial, o capitalismo tinha um centro, os grandes monopólios nacionais e depois as grandes empresas transnacionais. Como nos lembra a Newsweek, os fundadores da teoria econômica consideravam que esses centros eram perigosos: Adam Smith afirmava que a Companhia das Índias Orientais tinha privilégios “prejudiciais a todos os títulos”. Mais perigosos se tornaram, então, quando deixam de ser visíveis.
     O Financial Times discute este efeito de desaparecimento dos capitalistas, comparando os administradores de hoje com as grandes dinastias que fizeram a indústria ou a finança modernas: os capitalistas tradicionais, como os Arkwright (um dos inventores e empresários da revolução industrial britânica) e os Rockefeller (um dos grandes financeiros norte-americanos) já não sobrevivem no mundo que criaram; são superados por outros decisores, uma casta de administradores omnipotentes. A propriedade dispersa-se tanto mais quanto mais se concentra o seu poder, e existe uma cabeça que fala por ela, uma nova burocracia. É assim que o FT a descreve: “Os titãs modernos baseiam a sua autoridade e influência na sua posição numa hierarquia, e não na propriedade do capital. Obtiveram as suas posições através das suas competências em política organizacional, do mesmo modo tradicional em que os bispos e generais ganham posições numa hierarquia eclesiástica ou militar” (11 Janeiro).
      Estes novos generais e bispos moram nas finanças. Gerem massas colossais de poupanças e de capital, recebem os seus prêmios em função de aplicações de curto prazo, manipulam as contas e as economias para se recompensarem a si próprios, como se queixam Rogoff, o homem do FMI, ou Ed Miliband, o chefe dos trabalhistas britânicos. A especulação deixou por isso de ser uma forma de gerir crédito e de distribuir rendimentos e mais-valias entre os proprietários do capital, passou a ser uma forma de acumular capital em prejuízo dos sectores submetidos da população e mesmo de parte das classes proprietárias.
      Ora, a finança tornou-se soberana. Regista o jornal: entre 1977 e 2010, o volume das operações bancárias com câmbios subiu 23000% e os negócios com moedas e títulos de dívida representam agora 80% dos lucros dos maiores bancos. É contra os Estados que se faz a acumulação de capitais, que é sempre protegida pelos Estados. O que tem uma consequência, que não é identificada pelo debate nas páginas que estou a citar: a expropriação do trabalhador, agora como pagador de impostos, torna-se a chave dos rearranjos propostos na vertigem liberal. A captação de impostos para serem absorvidos pela economia da dívida, criando rendas garantidas a longo prazo, tornou-se assim uma forma predominante de apropriação de valor. A isso chama-se, como todos sabemos, “reformas estruturais”.
      Quarta brecha: a crise financeira é também uma crise de legitimidade. 
      No quarto ano da crise – a que alguns economistas começaram a chamar a “segunda grande depressão” – há dois pilares da hegemonia do capitalismo que têm sido atingidos, segundo o debate do FT.
      O primeiro desses pilares é a credibilidade social do mercado e do capital como centro diretor da sociedade. O capitalismo tem sido apresentado como uma meritocracia auto-regulada mas, como vimos, os autores que escrevem no FT perderam a fé e descobriram que a capacidade de afetação de recursos e de incentivos por estes mercados é pelo menos deficiente.
     Ora, mesmo nos setores mais conservadores, essa descrença está a ir muito longe: a ideia do mercado dominador é agora considerada repugnante. O exemplo mais esclarecedor é o da campanha eleitoral entre os republicanos norte-americanos, em que se destaca um facto sublinhado tanto pelo jornal como pela revista que estou a citar: Mitt Romney, candidato de referência de uma parte da direita republicana, é insultado pelos seus adversários mais conservadores e mais radicais na defesa do liberalismo … porque triunfou no mundo dos negócios. Romney fez carreira e fortuna a dirigir uma empresa de capital de risco, a Bain Capital, que, como é natural, acumulou os seus lucros com base na perda de outros acionistas, empresários ou trabalhadores. O mercado foi usado por Romney para enriquecer, arruinando outros: um exemplo de sucesso, portanto. Mas esse sucesso é agora o seu prejuízo político, usado contra si pelos seus próprios adversários dos mesmos setores da direita, que o acusam de ganancioso (FT, 14-15 Janeiro). O capitalismo tem má fama. A sua aceitação popular está em queda, conclui o FT (9 Janeiro).
     Outra expressão dessa desconfiança popular é a sondagem mundial da GlobeScan sobre a credibilidade de economia de mercado, que revela uma perda importante de apoio nos EUA, sendo esse resultado superado pelo maior apoio social do capitalismo … na China.
      O segundo dos pilares em crise é a própria credibilidade da teoria econômica em que assenta o neoliberalismo. Como lembra a Newsweek, a teoria econômica tem sido a religião secular da modernidade. É certo: se identificarmos as principais características dessa religião, constatamos que ela desenvolve uma liturgia tranquilizante (os seus textos sagrados), cria um corpo de sacerdotes (os economistas doutrinários) e um conjunto de regras de comportamento imperativo (as regras de mercado). Todos se baseiam num embuste.
      A liturgia é uma mistificação: os modelos de análise da economia exigem que os agentes econômicos (que são todas as pessoas, sejam empresários ou assalariados) saibam tudo sobre o futuro e possam assim determinar com toda a certeza o futuro mais promissor. Na era da incerteza, a teoria garante os melhores resultados no pressuposto de que todos têm acesso a uma certeza transcendente.
      Os sacerdotes não sabem: com a divulgação recente das minutas dos debates na cúpula da Reserva Federal norte-americana em 2006, ficou-se a saber que o governador, Ben Bernanke, quis registar o seu pensamento dizendo que “Penso que é improvável que o crescimento seja descarrilado pelo mercado imobiliário”. Um ano depois, o mercado imobiliário chamava-se subprime e a finança caía como um castelo de cartas (ainda está a cair). Benanke continua no seu lugar.
      E, finalmente, as leis não funcionam. E não funcionam no sistema financeiro, antes de mais. Um artigo do FT, com algum humor, cita um estudo antigo da universidade de Berkeley (existem outros ainda mais sarcásticos), que comparou os resultados de previsões financeiras feitas por macacos que fazem marcas ao acaso num quadro de empresas cotadas na Bolsa, com as sérias previsões feitas por distintos analistas financeiros. Os macacos ganharam (16 Janeiro).
      Se a liturgia, os bispos (ou os generais desse poder burocrático) e as leis não funcionam, o que é que funciona? A resposta dada por alguns dos artigos citados é simples. Funciona o autoritarismo. O que nos dá uma lição: segundo estes seus estudiosos e defensores, o capitalismo em crise é o mais perigoso.
      Por tudo isto, tenho uma recomendação a fazer a quem luta pelo socialismo. A todos e todas sem exceção. Este é um bom momento para estudar o capitalismo realmente existente. Abandonemos as fantasias cordatas: é mesmo útil saber em que mundo é que se tem os pés assentados, conhecer o poder e as ambições do capital, reconhecer as dificuldades e a vertigem da grande depressão. E, já agora, começar por ler o que a finança escreve sobre si própria. Não há melhor professor do que a realidade.
     (*) Deputado, dirigente do Bloco de Esquerda (Portugal), professor universitário.
Artigo publicado originalmente no portal Esquerda.n

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

CURSO DE ECOLOGIA PROFUNDA

Via Internet – Nova turma - 2012
Oferecido pela Associação IPÊ


      O objetivo do Curso de Ecologia Profunda é o enriquecimento cultural, desenvolvimento da mente e o despertar da consciência ecológica profunda nos participantes.  
     O curso é dedicado a todas as pessoas que buscam o autoconhecimento, ou seja, a compreensão da ecologia interior e exterior, fornecendo uma visão ampla da Vida.
     Os conteúdos são estudados dentro de uma perspectiva transdisciplinar, integrando ciência, cultura, religião, arte, política, ecologia e vida interior.
Alguns temas abordados:
 - Agroecologia: agricultura e meio ambiente, educação ambiental, ecologia profunda, agrofloresta, agricultura orgânica, biodinâmica, permacultura;
  - Saúde Integral: sistemas tradicionais de cura, fitoterapia, homeopatia, medicina antroposófica, tipos de alimentação;
 - Yoga; Tai-chi-chuan;
 - Desenvolvimento Artístico.
INFORMAÇÕES E INSCRIÇÃO:
 1.   O curso é exclusivamente via internet, via envio de textos e apostilas, que são estudados individualmente pelo participante, com criação de grupo para partilha. O curso totaliza 16 módulos/meses.
 2.   A contribuição mínima de cada módulo/mês é de R$ 10,00 se não houver atrasos. Valor mínimo total é de R$ 170,00 (a vista), incluindo a taxa de inscrição de R$ 10,00. Os participantes podem voluntariamente fazer contribuições superiores para colaborar com a qualificação e ampliação das atividades da Ipê.
 3.   Havendo atrasos na confirmação da contribuição, cobramos o valor de R$ 10,00 para reenvio do material.
 4.   As tarefas são obrigatórias apenas para quem quer certificação ao término, são simples e possuem prazo de um mês para serem feitas. Para atrasos é cobrado taxa de R$ 10,00 cada.
 5.   A Associação Ipê emite certificado ao término do curso para os interessados em dia com as tarefas solicitadas. Será solicitado o valor de confecção do certificado com entrega via correio.
 6.   Os recursos arrecadados são destinados à manutenção e qualificação dos trabalhos e construção de Núcleos de Silêncio e de Atividade Criativa cultural e ecológica no campo.
 7.   Para se inscrever, é necessário o preenchimento e envio dos dados abaixo, juntamente com o comprovante de depósito de pelo menos os R$ 10,00 da inscrição (digitalizado ou fotografado) ou os dados (dia, valor, número do comprovante, terminal) para aipemg@gmail.com
 Banco Bradesco - 237, Agência 0510-0, Conta Poupança 1005470-2
Titular: Tatiana Regina Sandy Reis – CPF 032.382.526-58
Curso de Ecologia Profunda - CEP - Inscrição
Nome Completo:  
Data de Nascimento:
Cidade onde reside:           Estado:       
Endereço Eletrônico:        Confirmação de endereço eletrônico:     
Escolaridade:         Área de atuação:
Como ficou sabendo do curso? Qual a sua expectativa com relação ao Curso de Ecologia Profunda ?        

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Solidariedade à Grécia: “trabalhadores do mundo, uni-vos!”


Ultimamente, têm sido efetuadas em muitos países do mundo manifestações com slogans abrangentes de "solidariedade com a Grécia" e de que "todos nós somos gregos" [1] . A solidariedade popular e da classe trabalhadora são armas poderosas na luta dos povos. Mas os trabalhadores devem livrar-se de quaisquer tentativas para enganá-los. 


     Qual Grécia precisa de solidariedade? A Grécia dos capitalistas, os quais procuram obter novos empréstimos da UE e do FMI a fim de fortalecer a lucratividade do seu capital, para reforçar a sua posição contra o povo, ou a Grécia da classe trabalhadora e de outros estratos populares, a qual está a sofrer devido às consequências da crise capitalista, pela qual não tem responsabilidade? 
     Em muitos desses eventos esta questão não ficou clara. E isto é o caso porque há um esforço de certas forças (principalmente da social-democracia, os oportunistas do Partido de Esquerda Europeu e os "Verdes") para utilizar vagamente a "solidariedade com o povo grego" a fim de branquear o apoio que eles deram no passado ao Tratado de Maastricht e a outros euro-tratados, à UE do próprio capital, a qual é reacionária e de modo algum pode ser "democratizada", como eles estão agora a afirmar. 
     Além disso, há uma tentativa para que a questão da Grécia seja utilizada nas rivalidades inter-imperialistas, dentro e fora da UE. 

     Sim, os trabalhadores na Grécia querem a solidariedade dos trabalhadores na Europa e em todo o mundo! Mas solidariedade com suas lutas, suas greves, suas exigências militantes, com o KKE e o movimento sindical com orientação de classe, o PAME que está na linha de frente da luta e não a "solidariedade" que procura a continuação da exploração capitalista e o esmagamento dos trabalhadores. 
     A respeito desta questão o Gabinete de Imprensa do CC do KKE emitiu a seguinte declaração: 
     "O KKE dirige uma mensagem a todos os trabalhadores da Europa: Não é necessário para vocês "tornarem-se gregos" a fim de posicionarem-se ombro a ombro com o povo da Grécia. 
    Apelamos a que se juntem a nós na mesma estrada para os direitos contemporâneos da classe trabalhadora e dos estratos populares pobres, a fim de impedir e derrubar o nosso inimigo comum, a ditadura dos monopólios, a UE, os partidos que as servem. 
     A derrota do inimigo em todo país ou grupo de países, a socialização dos monopólios, o desligamento da UE, da Otan, com o poder popular da classe trabalhadora, será a maior contribuição para a luta dos povos da Europa e do mundo todo. 
     O slogan mais moderno e contemporâneo, mais oportuno do que nunca, é: 
Trabalhadores de todos os países, Uni-vos!". 

Fonte: Resistir.info    Nossa fonte: Vermelho

A arte contra os transgênicos



Contra alimentos transgênicos, ilustrador cria personagens de desenhos
 animados doentes


http://wp.clicrbs.com.br/semcensura/files/2012/02/Whats-In-Your-Food-940x300.jpg


Como forma de promover a conscientização sobre alimentos geneticamente 
modificados, o ilustrador James Voon - de Cingapura - resolveu elaborar
uma campanha ilustrando personagens de desenhos animados doentes
Entre as criações, Popeye, Pernalonga e Ursinho Pooh.

Intitulada "What´s in your food", a série de ilustrações espera conseguir
 que as empresas sejam mais transparentes sobre a qualidade dos
produtos que vendem. Confira:

http://wp.clicrbs.com.br/semcensura/files/2012/02/popeye-genetically-modified-food.jpg
http://wp.clicrbs.com.br/semcensura/files/2012/02/bugs-bunny-genetically-modified-food.jpg
http://wp.clicrbs.com.br/semcensura/files/2012/02/winnie-pooh-genetically-modified-food.jpgFonte: PEGN

Google vai divulgar dados de usuários


Aprenda a se proteger


A nova política de privacidade do Google entra em vigor em todo o mundo em 1º de março, mas já desperta polêmica entre os internautas. No final de janeiro, a companhia anunciou que iria juntar os dados coletados dos usuários em todos os serviços que oferece, entre eles email, redes sociais e YouTube, para criar uma experiência “simples e intuitiva”.


A ação visa eliminar os obstáculos que a gigante da internet enfrenta para usar informações de um usuário do Gmail para o YouTube, por exemplo. Segundo a empresa, suas mais de 70 políticas diferentes, ou termos de uso assinados pelos internautas, vão ser compactadas em uma principal e 12 outras.

A mudança deve ajudar os anunciantes a encontrarem potenciais clientes e a personalizar as buscas dos usuários, seguindo, por exemplo, informações enviadas em emails.

A Microsoft lançou anúncios dizendo que seus serviços preservam os usuários e reguladores da União Europeia protestaram contra a política, além de pedirem mais tempo antes de sua aplicação para analisar se a privacidade dos usuários estaria devidamente protegida.

O Centro para Democracia Digital dos Estados Unidos também apresentou uma reclamação a Federal Trade Commission (FTC), na qual solicita que o Google seja processado para eliminar a nova politica de privacidade e multado. Caso isso ocorra, a FTC pode impor multas de mais de 16 mil dólares por dia para cada violação.

Mas ainda há tempo para aqueles que quiserem manter seus passos na internet em segredo –antes que o Google construa um perfil permanente que pode incluir informações pessoais como idade, sexo, localização e até mesmo sexualidade – antes da mudança.

Até 29 de fevereiro, é possível apagar o histórico de navegação, que vai limitar a extensão dos tópicos acompanhados pelo Google, que pode incluir os seus “segredos virtuais”.

Veja os três passos abaixo:

1 – Acesse a homepage do Google e faça o login em sua conta de email. Após isso, clique em cima do login na home para habilitar um menu. Entre na opção “Configurações de Conta”.

2 – Encontre a sessão “Serviços” e o link “Veja, ative ou desative o Histórico da web”. Clique em “Acessar Histórico da Web”.

3 – Na próxima página, clique na aba “Remover todo o histórico da Web”.

Desabilitar o histórico não evita que o Google use os dados para fins internos, mas a empresa irá torna-los anônimo em 18 meses. Além disso, a busca personalizada é desativada.

Mesmo que o usuário não esteja logado em seu email, o Google pode traçar o seu perfil pelo IP do computador. Logo, a forma mais segura de limpar um histórico pessoal é logando-se a sua conta.

Fonte: Carta Capita

Tradição nas Alterosas


Jesus com cachaça
Caeté mantém tradição de mais de 200 anos. Crença é de que preserva imagem contra cupins

Homens dão banho de cachaça em imagem de Cristo em Minas


Em silêncio absoluto e total sinal de respeito, os sete homens entram na igreja, em fila e carregando garrafas de aguardente, da mesma forma como fizeram os seus antepassados. Em poucos minutos, eles vão dar início a um ritual secreto de mais de 200 anos que marca a quarta-feira de cinzas no distrito colonial de Morro Vermelho, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

Por Gustavo Werneck, no Estado de Minas


 A medida, conforme reza a tradição, é para evitar que a madeira se deteriore ao longo dos anos ou seja alvo dos cupins. Coincidência ou não, o fato é que essa é a única peça sacra da Matriz de Nossa Senhora de Nazareth ainda não atacada pelos insetos ou destruída pela ação do tempo.

A entrada no templo barroco, nesse momento, é proibida às mulheres – sempre foi assim e elas não reclamam, certas de que o costume deve ser mantido. O primeiro a chegar à porta da matriz, por volta de 12h50, é Antônio Itamar Vieira, conhecido como Gelatina, de 58 anos. Há 25 anos ele participa do misterioso ritual, que dura cerca de uma hora e até o instante em que Cristo é posto sob um andor com a cruz às costas. “Para nós, Jesus é um pai, então fazemos tudo com muito cuidado”, afirma Antônio Itamar, que trabalha como vendedor, tem quatro filhos e um neto.

A imagem tem 1,85m e é toda articulada. Tiras de couro fazem as ligações dos braços e pernas. Segundo o grupo, é a única do país que fica de pé no altar. Durante todo o ritual, favorecidos talvez pela atmosfera barroca da matriz e o dia nublado, há momentos muito simbólicos, que remetem aos séculos 18 e 19. Um deles é quando o aposentado Walter Estefânio, de 62, nascido e criado no distrito, tira a peruca de Cristo e vai passando a cabeleira para cada um, como se fosse uma irmandade. “É para dar boa sorte”, explica o paulista José Carlos Escalina Dias, de 62, que há cinco passou a fazer parte do grupo. “Tenho muita fé, isso é o mais importante. Na primeira vez, cheguei a arrepiar”, conta José Carlos, casado com Isabel, nascida em Morro Vermelho.

Assim que o Cristo desce do altar, é carregado por todos e imediatamente colocado sobre um pano roxo, dobrado. Depois, os pés são postos dentro de uma gamela de madeira. A cena vem sendo presenciada por Nildo Jesus Leal, de 70, desde quando ele tinha 18 anos, e sempre causa emoção. “Eu era menino e ficava olhando os mais velhos, pela fresta da porta, ansioso para chegar o dia em que poderia estar presente. O meu avô era um dos que davam o banho de cachaça no Cristo, mas meu pai, não. Quem me trouxe pela primeira vez foi o avô do meu amigo Toinzinho”, recorda-se Nildo. Ele abre os botões da veste de veludo roxo, dobra a roupa com cuidado, depois da veste de linho branco, deixando a imagem apenas com um tipo de anágua também imaculadamente branco e do mesmo tecido. Nildo conta que as roupas serão enviadas para lavar e, agora, substituídas por outras limpas.

De acordo com informações da Arquidiocese de Belo Horizonte, à qual a Matriz de Nossa Senhora de Nazareth está ligada, o ritual é de responsabilidade dos leigos e só tem participação deles, sem a presença de integrantes da Cúria, padre ou outros religiosos.

Água Benta 

Cada participante pega a sua garrafa, umas de plástico, outras de vidro, e começa a despejar a cachaça, com movimentos suaves, com as mãos, na cabeça, nos braços, pernas e pés. O líquido que escorre será recolhido e aproveitado em diversas ocasiões, diz o pedreiro Antônio Lopes, de 51, o Toinzinho. “Serve para curar feridas e ajudar os enfermos. Da mesma forma, as roupas recém-retiradas do santo podem ser usados por quem estiver doente”, revela Toinzinho, para quem o ritual tem um ar de mistério. O sineiro Sudário José Leal, de 74, é outro que já viu décadas e décadas desse ritual, e não se cansa. “É nossa história”, resume. No momento em que a pinga escorre, Antônio Agostinho dos Reis, com seriedade, aponta os pingos: “Pode pegar um pouco que é benta”. 

A etapa seguinte é enxugar a imagem, nesse momento totalmente despida. Nildo veste as roupas limpas e, junto com os amigos, ergue a imagem sobre o andar. Durante toda a quaresma ele fica em destaque na matriz, saindo em procissão no Domingo de Ramos, dia em que, em Morro Vermelho, há o encontro entre Nossa Senhora e Jesus, e na cerimônia do descendimento da cruz e procissão do enterro, na sexta-feira da paixão.

Por volta das 14h, um grupo de mulheres aguarda o momento de entrar na igreja para fazer a limpeza. Elas não demonstram curiosidade pelo que se passa na nave central do templo. “É algo tão antigo, que a gente nem se importa”, diz a dona de casa Maria de Lourdes Xavier Lopes, de 58. “É tradição, então por que iria nos incomodar?”, pergunta Nilza Batista da Silva de 65. Ao lado, estão as amigas Vera Lúcia Madeira Pinto, de 49, Darlene Batista Pinheiro, de 42, e Gilda Lopes, de 61. “Acho que vou tomar um pouquinho dessa pinga hoje, mas me disseram que amarga”, diz Darlene, com bom humor.

Publicado no jornal Estado de Minas

Uma agenda para a esquerda só pode ser mundial


O que pode unificar distintas matizes da "nova" e da "velha" esquerda - contra as políticas de decomposição das funções públicas do Estado - é o exercício, pelo Estado, de políticas antagônicas às ditadas pelas agências privadas, que hoje orientam políticas e são responsáveis pela crise. O neoliberalismo foi abalado, mas não sucumbiu. Se os partidos de esquerda não reduzirem o pragmatismo e não se unificarem numa agenda avançada, o que foi obtido até aqui pode ser perdido.

Tarso Genro*


Conceber a obtenção de conquistas reais dentro do regime capitalista da selvageria financeira, implica considerar que o capitalismo – ele próprio – pode ser mais democrático, política e economicamente. Isso supõe aceitar que ele também pode sair da "enrascada" em que se encontra - sem que haja uma revolução - ainda mais forte, mais agressivo e ainda mais autoritário do que no presente. E que, via de consequência, essa saída pode e deve ser disputada, mesmo que não haja uma ruptura, pois dela podem resultar coisas piores, ou melhores para a humanidade. Nesta última hipótese, para perspectivas de menos guerras, menos injustiças e desigualdades, com a criação de um ambiente mundial política e culturalmente mais favorável aos ideais democráticos do socialismo: ou seja, criar condições fora da antítese do "quanto pior, melhor", pois a vida tem demonstrado que "quanto pior, pior".

Para que se concorde com esta análise sumária é preciso ter em consideração que a sua base histórica é a seguinte: parte-se do pressuposto que a disputa, hoje, é entre saídas neoliberais para crise, de um lado, e saídas neo-sociais-democratas, de outro. Não, infelizmente, entre saídas capitalistas e saídas socialistas "strictu sensu". Esta última possibilidade, saída socialista, implicaria em conceber que estaríamos "novamente" à beira da crise geral do sistema, tanto do seu poder político, como militar. Como isso não é possível supor, é razoável entender que a disputa, na verdade, é sobre qual vai ser a próxima correlação de forças no período subsequente à crise, bem como as influências que ela deixará sobre as democracias políticas do ocidente.

O presente artigo, não tem o propósito de apresentar uma agenda “unitária” para a esquerda mundial, mas visa chamar atenção para a necessidade de construí-la, a partir das forças políticas de “dentro” de cada país. Este “dentro” contém “em si”, o “fora”, o mundo globalizado por inteiro na sua política e na sua economia. A repressão, o constrangimento, a repressão de “dentro”, no próprio sistema democrático, contém o “fora” sistemicamente. O “dentro” e o “fora” integram a mesma totalidade. O que implica dizer que não existem mais estratégias políticas “contra o fora”, como no período de formação dos estados nacionais, mas somente estratégias “com o fora”, ou seja, a transformação nacional e internacional está contida no mesmo processo transformador.

A internacionalização radical da política outorgada pela teoria ao proletariado universal foi realizada pelo anti-humanismo universal do capital financeiro, que capturou os estados e suprimiu soberanias. Quando se fala em agenda "unitária" em termos globais, porém, não se quer dizer "fechada", totalizante, a ponto de criar a ilusão de que os movimentos "esquerdistas", naquele sentido já clássico do jargão leninista, possam - por exemplo - valorizar eleições e governos, conquistas dentro da ordem e integração entre lutas sociais e ações de governo: políticas concretas de redução das desigualdades, reformas educacionais dentro da democracia política e crescimento econômico, com inclusão social e produtiva.

A reestruturação produtiva do capital mudou o perfil do mundo do trabalho e reorganizou as formas de compra da força de trabalho, nas regiões mais desenvolvidas do sistema capitalista global. Tal processo mudou a realidade que a esquerda deve lidar, porque as revoluções produtivas também vem alterando o modo de vida e a subjetividade do conjunto de grupos e frações de classes, de todos os setores assalariados e não assalariados. Aos excluídos, em geral, alocados como exércitos de reserva da produção industrial, somam-se -nos dias de hoje- os excluídos do conhecimento, dos novos padrões tecnológicos e das técnicas de acesso ao conhecimento. A vanguarda do trabalho produtivo e socialmente útil, está submetida, também, a um funil de passagem cada vez mais estreito e com diferenciações salariais internas cada vez mais gritantes. Inclusive já baseadas em novos tipos de sub-empregos, precariedades e intermitências.

Refiro-me, nesta análise, à situação do mundo do trabalho, não somente assalariado, dos países que formam o núcleo e a periferia industrializada do sistema-mundo. São os lugares onde tem chances de ocorrer os movimentos políticos e as lutas mais agudas, com alguma capacidade de interferir na situação caótica do mundo globalizado.

Neste quadro, as "mensagens", as "palavras-de-ordem" tradicionais e análises clássicas da esquerda, alicerçadas naquilo que foi conformado pelo marxismo dominante (como ideologia do proletariado clássico), não mais se reportam aos verdadeiros dramas do mundo do trabalho. Ele está espremido pelo desemprego tradicional, nas novas formas "livres" de prestação de serviços, na desvalorização do trabalho mecânico da fábrica moderna e no império do trabalho imaterial nas redes. A predominância da ética da descartabilidade vem liquidando com a velha ética do trabalho fabril, que chamava as consciências para o público e não para a privatização das emoções.

Nos territórios do ocidente em que isso ocorre, as mudanças expressivas na produção material e imaterial, também já passaram a não respeitar, integralmente, as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo privado: entre vida cotidiana e processos do trabalho, entre lazer a trabalho. A dependência jurídica – e a submissão política no interior da fábrica moderna - se é verdade que vem libertando da tutela patronal direta os trabalhadores da vanguarda produtiva (os ligados aos "bits", à info-digitalidade e à informação, por exemplo) e criando, ao lado deles, legiões de excluídos e baixos assalariados, vem também intensificando as formas mais duras de expropriação do trabalho imaterial. Seus métodos de dominação impulsionam a adesão a novos "modos de vida", cuja sociabilidade tende a reproduzir, em tempo integral, a exploração da força de trabalho imaterial.

As novas formas de produção também vêm reduzindo a responsabilidade social das empresas -cada vez mais alheias à preservação de um estoque mínimo de trabalhadores comuns qualificados - e, ainda, aumentando o controle pelo resultado e a fragmentação de tarefas. Tanto na concepção como na realização. Assim, fica mais reduzida a subordinação direta contratual: reduz-se a integração do trabalhador na vida coletiva da empresa e também a responsabilidade empresarial sobre os contratos, mas aumenta a subordinação geral, de classe, pois os movimentos coletivos dos trabalhadores ficam mais fragilizados. Nesta hipótese, há uma transcendência da dominação tradicional da subordinação fabril, para uma dominação completa da vida por inteiro.

Tal contexto abarca a natureza do consumo, a redução do espaço público para a fruição livre, a uniformização de uma indumentária que integra, pela aparência, os setores assalariados com os padrões das classes privilegiadas. É notório, ainda que, cada vez mais, o próprio lazer é "produzido" como lazer mercantil, ditado e ocupado por inteiro pela acumulação. Os mega-shows dos mega-artistas, com mega-públicos e mega-custos, constituem os mega-espaços "rebeldes", onde rebelião, mercadoria e consumo, dominação e liberdades formais, erguem os novos templos das culturais globais. Estas, já iconizadas num espaço onde tudo é aparente identidade coletiva, mas, para cada um dos indivíduos ali presentes, tudo é expressão da sua concreta singularidade.

Lukács dizia, para justificar a passividade dos operários alemães, perante as propostas revolucionárias, que eles ainda "tinham anõezinhos nos jardins", para atrair "sorte" e espantar o "mal", o que seria o símbolo do seu atraso. Isso corresponderia, hoje, a dizer que os potenciais de rebelião da maioria dos jovens de todos os setores assalariados de renda média e baixa, contra as injustiças, estão temporariamente suspensos pelas luzes feéricas dos concertos de Elton John e pelas lembranças das belas canções de Fred Mercury, embora estes artistas não tenham gerado a sua arte para esta finalidade. É lazer, cultura, artes visuais com novas tecnologias, subjetividades pulsantes, mais drogas e álcool, não como livre opção existencial, mas como decurso da lógica do mercado: modo de vida capturado para o anonimato em busca de um sentido.

Os novos e antigos movimentos sociais, que estão no centro da questão democrática, os "sem" teto, terra, proteção social, os hóspedes das praças, os rebeldes das redes sociais, os que não cabem no sistema, os indignados, querem os seus direitos e a sua parte no sistema. Parte destes setores, originários da classe média fragmentada, nem imagina que as suas demandas integrais por inclusão, não podem ser acolhidas no sistema, pois a transição para o "cume", isoladamente, nos melhores postos de trabalho, só pode ser molecular. Podem compreender, porém, que é possível uma transição de parte deles -de alguns grupos que estão "fora", para "dentro" do sistema, abrindo fendas na sua ossatura férrea. No caso , podendo gerar novos mecanismos democráticos de gestão no sistema, alargando a influência da ação política para a resolução da crise que os expeliu.

É o capítulo da disputa pela a hegemonia, portanto, para instituir políticas de desenvolvimento e políticas públicas de coesão social, que apontem para um novo Contrato Social, cuja bases não são somente as instituições republicanas clássicas, mas as combinações destas instituições com as formas de democracia direta, presenciais e virtuais. O sistema atual é, por natureza, limitadamente democrático e centralizador, e a sua unicidade supranacional é determinada pela força coercitiva do capital financeiro globalizado. A participação direta na gestão pública é, por natureza, democrática e aberta. A sua unidade global é demandada pela democracia política, que repele, dentro dos quadros da constituição política, o autoritarismo e a centralização burocrática inerentes ao sistema.

Só a democracia política exercida de forma plena, sobre a gestão do Estado e na definição das suas políticas globais, é capaz de expor a desumanidade das contradições que separam, cada vez mais, regime democrático e capitalismo. O desequilíbrio entre o regime de acumulação, forçado pela especulação, e a necessidade de tomada de decisões públicas no âmbito da democracia, sugerida pela política limitada pela representação, institui desigualdades cada vez mais graves, entre as classes sociais, internamente, e os estados nacionais na geoeconomia global.

Estas desigualdades também ocorrem na escala salarial interna da empresas e na estrutura de salários do funcionalismo estatal. São diferenciais de renda que também são apropriados - a partir das "sobras para poupança" dos altos salários - para fortalecer os laços do capital financeiro com esta nova massa de "rentistas". Ela faz fluir parte dos seus recursos para a ciranda do lucro financeiro.

As formas e os meios pelos quais as crises serão solucionadas -sejam as soluções engendradas pela soberania estatal ou pelas agências de risco- é que determinarão a correlação de forças no próximo período. Só a recuperação da força normativa e da legitimidade política do Estado é que pode gerar um centro aglutinador de poder para enfrentar, concomitantemente -na esfera da política e da economia- uma nova saída neoliberal, ainda mais autoritária e elitista, para a crise do capital, que certamente estender-se-á, no mínimo, por mais cinco anos.

A crise emendou a vitória do tatcherismo sobre a esquerda européia com o fim da URSS; a crise do "sub-prime" com o "euro"; a ocupação do Iraque com o fracasso do Presidente Obama; a emergência do Brasil no cenário mundial com a "flexibilização" da social-democracia européia. O que pode, neste contexto, unificar distintas matizes da "nova" e da "velha" esquerda -contra as políticas de decomposição das funções públicas do Estado- é o exercício, pelo Estado, de políticas antagônicas às ditadas pelas agências privadas, que hoje orientam as políticas de Estado e são responsáveis pela crise. Não é a derrubada do Estado para a instalação de uma nova ordem, que, de resto sequer tem suporte social para configurá-la, que está na ordem do dia.

Os leninistas clássicos precisam compreender que a classe operária é vanguarda apenas para defender os seus direitos no emprego, o que é potencialmente transformador; os sociais-democratas tradicionais precisam compreender que já se afundaram demais no liberalismo economicista e faliram, tanto quanto o regime soviético - e que o resgate dos ideais sociais-democratas só é possível com mais democracia, não com menos -; os radicais do corporativismo precisam compreender que nem revolução, nem cirurgia, podem ser "permanentes" (senão gangrenam), mas que, se as saídas da crise atual se derem nos marcos da rendição grega, mais distantes todos estaremos de qualquer utopia.

Trata-se de um período não revolucionário e de reação política, de falência tanto dos modelos socialistas dito marxistas, como dos modelos da social-democracia clássica: o neoliberalismo está com a sua hegemonia abalada, mas ainda não sucumbiu.

As demandas por direitos, dos movimentos sociais que lutam pela água, pela defesa das suas culturas, das suas terras, do ambiente natural protegido da lógica mercantil; as lutas pela inclusão educacional, pelo direito ao trabalho produtivo ou improdutivo (este voltado para recuperação da natureza depredada), para o cuidado dos velhos e das crianças; as lutas para melhorar as prestações sociais do Estado, as lutas dos trabalhadores por seus direitos, as lutas democráticas pela transparência e pela ética pública, não terão resultados práticos nem estimularão demandas mais complexas, se não tiverem resultados no cotidiano das pessoas, que está subjugado pela ideologia do mercado. Para que o resultado possa ocorrer, porém, é preciso subtrair o Estado da tutela do capital financeiro, que crescentemente esgota a sua capacidade de financiar políticas públicas de dignificação da vida comum. Isso certamente não ocorrerá fora da política, seja ela processada na sociedade civil, para interferir sobre a gestão do Estado, seja ela intra-estatal, a saber, a que se processa entre as instituições e agências políticas, administrativas e financeiras do próprio Estado.

A integração, portanto, das "lutas sociais" com as "lutas políticas" tradicionais, promovidas pelas esquerdas modernas e pós-modernas, pode ser baseada numa agenda comum, que remeta para a recuperação das funções públicas do Estado. Todavia ela não surtirá efeito sem um confronto que tenha diversas origens no cenário global, seja através de eventos como o Fórum Social Mundial, de manifestações pontuais (ainda que impotentes até agora), como as dos indignados espanhóis e dos rebeldes e Wall Street, ou mesmo como as reformas do neo-constitucionalismo boliviano, com a sua árdua tarefa de compatibilizar modos de vida secularmente arraigados e "arcaicos" - tanto do ponto de vista do capitalismo como do socialismo por razões diferentes - com a república, a modernização produtiva e a agregação de valor.

Num outro lugar destas lutas, mas olhando para uma mesma direção, estão as eleições periódicas nas democracias capitalistas mais avançadas, como as que ocorrerão brevemente na França. São elas que, até agora, tem tido potência para -no âmago do Estado- tanto dar sustentação, como desenvolver contrapontos fortes ao neoliberalismo. Os governos nacionais, regionais e locais, que se opõem à "tutela grega" podem ser, juntamente com os movimentos sociais e os partidos de esquerda e do centro democrático, os "agendeiros" do próximo período de lutas, como o Brasil fez na América do Sul.

Embora nosso país tenha começado um novo modelo econômico e desenvolvido uma política de articulação global, para reduzir os efeitos da dominação dos bancos e das agências privadas sobre a nossa economia, sabemos que o desfecho deste processo não é ,nunca, um desfecho exclusivamente nacional. Seu desfecho, ou é vitorioso também no espaço político global ou será derrotado. A extorsão permanente do nosso trabalho e do desenvolvimento industrial e comercial do país, continua sendo processada através da drenagem de riquezas através dos juros e serviços da dívida, que ajudam o sistema especulativo global a manter-se forte. A "confiança" dos investidores no Brasil -refiro-me aos investidores da especulação financeira- é a confiança do “senhor” sobre o “escravo”, pois o “senhor” sabe que o “escravo” não tem outra saída, por enquanto, que não a de continuar submetido.

Se os partidos de esquerda não reduzirem as suas taxas de pragmatismo e não se unificarem numa agenda política avançada, inclusive em termos de reforma política, não atentarem para esta nova etapa estratégica -que deverá ser enfrentada pelo nosso Estado Democrático e suas instituições políticas- tudo que obtivemos até agora poderá ser perdido. O fortalecimento democrático, financeiro, político e militar, do Estado brasileiro (combinado com ousadas políticas de combate às desigualdades sociais e regionais), é a grande contribuição que o nosso país pode dar ao mundo para uma saída da crise por fora da tragédia grega.

As eleições municipais deste ano no Brasil e as eleições nacionais na França, constituem uma modesta preliminar deste novo enredo em direção a 2014 e aos próximos dez anos, para formatar a próxima correlação de forças em escala política globalizada.

Não é de graça que a esfera da política é tão udenisticamente atacada pelos principais meios de comunicação que sempre apoiaram as reformas neoliberais, e também tão atacada pelos pequenos partidos esquerdistas com o mesmo viés moralista. Uns e outros descartam o fortalecimento de um Estado público. Os primeiros porque isso faz mal ao neoliberalismo. Os segundos, porque o fortalecimento democrático do Estado descarta a ilusão revolucionária, que alimenta os seus rarefeitos adeptos que esperam a “crise geral”. Agora sim, sem saída.

(*) Tarso Genro é governador do Estado do Rio Grande do Sul

Fonte: Carta Maior