Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sobre Mística e Racionalismo


“Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá...”
Gilberto Gil
Para Iori
9/9/2012

Roberto Jorge Regensteiner   

Há, sim, compatibilidade entre Mística e Racionalismo.
Mística no sentido de Fé. A mesma Fé que nos permite dar um passo após o outro com a certeza de que não vamos cair. Fé como confiança de que sabemos caminhar. Fé adquirida e conquistada aos tombos, aos trancos e barrancos, a maior parte dos quais jaz esquecido no fundo da memória. Tombos esquecidos são como andaimes que ajudam na construção dos edifícios e depois são retirados quando as estruturas permitem que se sustentem de pé, por si sós.

Ao aprender a andar,
os Humanos definem (como que),
um ponto inicial,
de uma reta, de um segmento, de um percurso, de uma trajetória,
de uma história,
na qual usando o Racionalismo
e outras ferramentas
(mentais, cerebrais, sensoriais)
que a espécie humana inventou
(ou descobriu existirem na natureza,
como a lógica ou a geometria)...
E a partir da Fé
buscam no futuro
qual náufragos olhando as estrelas,
em busca de esperança,
da luz de um farol,
de um sinal
indicando a presença de Terra e Vida...
Entre o início e o fim de cada vida,
se desenrola um fio,
que se entrelaça
a outros fios.
Forma panos coloridos,
panos pendurados num varal,
como roupa lavada por mãe,
compondo caleidoscópicas formas,
re-arranjadas pelo balanço de ventos fortes.
Haverá espírito capaz de iluminar a escuridão
que existe para além do farol?
que existe para além das estrelas?
Haverá pessoa que com segura certeza
enxergue para além do que vê
a atenta sentinela que
do alto do mastro perscruta
o céu e os horizontes?
Haverá pessoa que
com científico fundamento
analise telas de telescópios,
interprete ondas e lasers, neutrinos e bósons, quarks e irks?
e descreva:
que pedaço do infinito universo é este,
que elipticamente em torno do sol vagueia pela eterna noite.
Sabemos pela História
que Grandes Navegantes
quando para a Europa retornaram
não foram bem compreendidos
(ainda que supuséssemos
que a tudo houvessem entendido
o quê – como sabemos – não é verdade).
Problemas surgem quando
Racionalismos exigem uma Fé,
que é uma Fé que não nasce da experiência,
ou do convencimento racional.
Quando o convencimento não nasce da Razão,
quando a Fé se confunde
com silêncio, com submissão,
com magia ou ilusão.
Como o crente que se aproxima ao rebanho
para saciar sua sede de água,
sua fome de comida,
a carência afetiva,
a pertença social,
afirmação identitária.
E se engana ao chamar a tudo isto de Deus.
Ou engana ao fazer de conta que nisto acredita.
Ou, se confunde e já nada mais de si sabe
e entrega ao pastor,
ao superior,
a decisão do certo ou errado,
da bronca ou do perdão,
da verdade e da mentira,
da realidade ou da ilusão.

Bienal de Arte num dia de sol quente


 Mazé Leite *

Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Fotografias... Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Fotografias... Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Fotografias... Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Fotografias... Papeis canson mil-teintes enrolados na parede. Serpentinas. Portas velhas. Fotografias...
Tijolos enrolados em papel celofane. Roupas velhas. Vasos velhos. Fotografias... Sete telas em branco “pintadas” com água do mar. Arcos com velas. Trouchas de pano. Fotografias... Dois lados de uma cadeira. Rádio velho. Vídeos em salas escuras. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias... Trecos velhos. Usados. Roupas antigas, usadas. Vasos antigos. Desenhos de criança. Fotografias... Duas salas com pinturas abstratas. Alguns desenhos experimentais. Vídeos. Fotografias...

Por que tanta fotografia e tanto vídeo?
E o imenso acervo cultural e histórico da humanidade?
Nada. Lixo literal. Alegria dos catadores, da reciclagem.

Uma sala inteira para Artur Bispo, o bispo da Arte Contemporânea... Ai de quem se atreve a falar mal de seus cacarecos, seus agrupamentos de botões de camisa, seus copos de alumínio pregados num saco de estopa, suas imagens de alucinação! E ele nem tem culpa disso! Era um inocente, cuja percepção de mundo estava alterada. Vamos dizer em linguagem bem clara: sua visão de mundo estava embotada por uma esquizofrenia paranóica... Mas ai que medo de ser crucificada! Como assim, falar mal do Bispo???, diriam as mocinhas e moçoilos de certas faculdades de artes paulistanas... Aguardemos os comentários dos ofendidos...

Em 2010 fui a Berlim. Visitei a Bienal de Berlim. Dividida em cinco prédios diferentes em lugares diversos da cidade. O que vi aqui é o que vi lá: repetições de chavões duchampianos que devem fazer Duchamp se revolver em sua bem concreta tumba! Aliás, para ser coerente, Marcel Duchamp podia ter escolhido virar cinza, mas seu corpo deteriorou como qualquer corpo no cemitério de Rouen, na França. Bem concreta e realisticamente.
Mas voltando a Berlim: a Bienal de lá estava às moscas! Eu salvei a Bienal de Berlim 2010! Eu estava lá! Eu, uma brasileira, dei público e razão de ser à Bienal 2010 de Berlim! Não havia quase MAIS NINGUÉM!

Em compensação, FILAS na região dos museus de Berlim: na Gëmaldgalerie, no Pergamon Museum, no Staatliche Museen, e até no DDR Museen, da ex- Alemã Oriental. Na Bienal de Berlim? Estava eu em quase todos os prédios onde o evento acontecia. E um ou outro gato pingado...

Hoje – 9 de setembro – havia uma fila enorme em frente ao MASP para ver “Caravaggio eseus seguidores”. Havia uma outra fila de quatro horas (!) de espera em frente ao CCBB para ver a exposição “Impressionistas do Museu d’Orsay”....
Amigos... não tinha fila alguma para entrar na Bienal, de graça!

Numa sala onde estavam penduradas sete telas em branco me deparei com uma senhora revoltada perguntando para outra: - você entendeu? A outra, coitada, gaguejava um pouco pra provar que entendeu o que não é para ser entendido. Me meti na conversa: vão ao Masp ver Caravaggio! A senhora que estava brava balançou a cabeça concordando imediatamente comigo.

Continuei meu périplo dentro do lindo prédio de Oscar Niemeyer.
Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Portas velhas. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias...

Como diria o poeta Carlos Drummond, "Devo seguir até o enjôo?"
Sem mais palavras, cada um que tire a sua conclusão... É só ver as imagens.
E ler o texto da apresentação. Sugerimos uma leitura em diálogo com dois supostos visitantes. Alguém com o texto de apresentação do folheto da Bienal nas mãos lê para outro:

- Tema: A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
- ah, tá, intendi...
- Não, você não entendeu, deixa eu explicar. Preciso ler para poder te explicar, peraí. Mas presta muita atenção porque isso aí que é arte contemporânea: Assim (tipo aluno de certas faculdades lendo):
- "a Iminência é entendida como aquilo que está a ponto de acontecer..."
- ah sei sei (sinal de que não tá sabendo...)
- calma, deixa eu continuar: "... como o que está suspenso..."
- suspenso, intendi... Suspenso que nem corda, que nem fio de rede elétrica...
- Por aí, mas deixa eu terminar! Você não deixa!
- ...
- "... em vias de efetivação; a poética é entendida como discurso, aquilo que se expressa, que se cala..."
- oh!
- profundo, né?
- profundo! O quê mesmo?
- (volta a ler o texto) "... que se transforma e que ganha potência comunicativa por meio da linguagem das artes." (pronto, terminei)
- E o que isso quer dizer?
- Ah, meu, sei lá! Qualquer coisa, intende?
- Intendo, intendo. Mas num intendi....
- É por aí mermo! Melhor assim: num intendê nada faiz parte...
- Beleza então....

* Artista plástica, bacharel em Letras-USP, pesquisadora de história da arte, autora do livro "As Artes Plásticas na Formação do Professor" e membro do Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi.
Nossa fonte: Vermelho