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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Monteiro Lobato, um moderno anti-modernista?


Autor com reconhecidas características de vanguarda, foi como anti-modernista que Monteiro Lobato terminou rotulado. Apesar do regionalismo e da denúncia da realidade brasileira de sua obra, ele não se filiou à proposta estética da Semana de Arte Moderna de 22 - que faz agora 90 anos. Lobato via com desconfiança a influência das vanguardas europeias. Era um nacionalista convicto, mas nunca foi um adversário do movimento. A construção da imagem de “passadista” é uma história cheia de equívocos. 



De acordo com o historiador Vladimir Sacchetta - co-autor da biografia do escritor Furacão na Botocúndia -, o embate entre Lobato e os modernistas faz parte de uma “cultura da polêmica”, que reinava então. E teve como estopim uma crítica do autor à exposição de Anita Malfatti, recém-inaugurada em dezembro de 1917. 

O texto foi publicado no jornal O Estado de S.Paulo e, apesar de elogiar o “talento vigoroso, fora do comum” da artista, afirma que ela foi “seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna”, colocando o seu dom “a serviço duma nova espécie de caricatura”. 

Lobato escreveu que existem duas espécies de artistas: "os que veem normalmente as coisas e, em consequência disso, fazem arte pura" e os que "veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes". 
Pronto. As palavras desencadearam o incidente que deu origem à crença que circula até hoje de que Lobato teria sido um opositor da Semana de Arte Moderna e do movimento como um todo.

Para Sacchetta, contudo, o enfoque dado à crítica prejudicou o autor. Na verdade, ele questionava não a inovação contida em Anita, mas o estrangeirismo. “Foi feito um recorte para desqualificá-lo, colocá-lo como um sujeito conservador, retrógrado e careta. Mas, ao fazer a leitura integral do texto, você vai ver que Lobato, na verdade, chama atenção para a reprodução acrítica dos valores estéticos das vanguardas européias”, afirma.

Segundo Lobato, o intelectual brasileiro daquele tempo ficava no litoral, a olhar para a Europa, tendo como bússola Paris. “Ele achava que este grupo (que viria a promover a semana de Arte Moderna de 22) deveria ter uma atitude crítica. Dentro do próprio movimento, (o escritor) Oswald de Andrade vai neste caminho, quando fala na deglutição desses valores estéticos”, completa o historiador, referindo-se ao Manifesto Antropofágico, para mostrar que não havia contradição entre os artistas.

Com esta mentalidade, ele teria sido convidado para participar dos eventos de 1922, mas afirmara que não integraria uma Semana de Arte Moderna naqueles termos. “Participaria sim de uma semana de arte brasileira. Era um intelectual, um cidadão-escritor, com uma alma nacionalista muito forte”, descreve Sacchetta. 

O fato é que, na Semana de Arte Moderna de 1922, a questão nacional, que caracteriza o modernismo brasileiro, ainda não era uma bandeira, diz o historiador. Ali, pregava-se principalmente uma ruptura com a arte acadêmica e conservadora, uma inserção do Brasil na ordem moderna, com a absorção de recursos expressivos modernos. 

“Existia esse país pensando em francês. E quando Monteiro Lobato passeia pelo Jardim da Luz e vê esculturas de anõezinhos germânicos com chapéus de lã e botas de couro, ele questiona onde estão os mitos brasileiros para enfrentar os mitos importados”, explica o pesquisador. 

Para Lobato, esta europeização impediria a criação de um ideal estético nacional.
Sacchetta, afirma que quem melhor pode desfazer os mal-entendidos em relação à postura do criador do Sírio do Pica-Pau Amarelo diante da Semana de 22 é ele mesmo. Em 1926, Lobato escreveu um texto chamado Nosso Dualismo, no qual deixa clara a importância do movimento modernista. 

“Esta brincadeira de crianças inteligentes, que outra coisa não é tal movimento, vai desempenhar uma função séria em nossas letras. Vai forçar-nos a uma atenta revisão de valores e apressar o abandono de duas coisas a que andamos aferrados: o espírito da literatura francesa e a língua portuguesa de Portugal. Valerá por um 89 duplo — ou por um 7 de setembro”, diz Lobato.

O autor sempre esteve próximo a Oswald de Andrade, uma das mentes do modernismo brasileiro. Neste mesmo texto, ele afirma que “o futurismo apareceu em São Paulo como fruto da displicência de um rapaz rico e arejado de cérebro: Oswald de Andade”, que, como “turista integral, sentiu melhor que ninguém a nossa cristalização mental e empreendeu combatê-la”. 

“Fica claro que não houve rompimento radical entre Lobato e os modernistas. Essa história é bobagem. O que ocorria é que, ao contrário dos modernistas - que discutiam questões formais -, Lobato queria modernizar o país no plano da economia e da saúde, por exemplo. Queria modernizar um país arcaico”, afirma Vladimir Sacchetta. 

Ele lembra que o próprio Oswald de Andrade eliminou qualquer embaraço que ainda existisse entre Lobato e os modernistas, no aniversário de 25 anos de “Urupês”, de Lobato. “Você foi culpado de não ter a sua merecida parte de leão nas transformações tumultuosas, mas definitivas, que vieram se desdobrando desde a Semana de Arte de 22. Você foi o 'Gandhi do Modernismo', jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros setores, a mais eficaz resistência passiva de que se pode orgulhar uma vocação patriótica (...) Sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa pobre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana", disse Oswald.

Também Mário de Andrade, ao rever anos mais tarde o movimento que integrou, cita Lobato como um dos seus, reconhecendo a importância do escritor em toda aquela novidade. “O modernismo no Brasil foi uma ruptura, foi um abandono consciente de princípios e de técnicas, foi uma revolta contra a intelligensia nacional. (...) Quanto a dizer que éramos antinacionalistas, é apenas bobagem ridícula. É esquecer todo o movimento regionalista aberto anteriormente pela Revista do Brasil, todo o movimento editorial de Monteiro Lobato”, diz.

“De fato, Lobato era um grande editor naquela época e está, no ano da Semana de Arte Moderna, editando vários modernistas. Então não se tratava de um opositor do movimento, mas de um interlocutor, alguém que discutia a forma com que o modernismo estava se estabelecendo no país”, diz Sacchetta.

O historiador avalia que toda essa confusão com os modernistas terminou fazendo de Lobato um injustiçado da literatura brasileira. “É um intelectual brasileiro cercado de preconceitos”
Para ele, há no país uma ideia comum de que a Semana de Arte Moderna seria o marco zero da cultura brasileira do século 20. “Questiono esta visão, que coloca tudo que veio antes como pré-modernismo e é, na verdade, uma auto-referência desse grupo. É colocar na lata de lixo da literatura brasileira tudo que veio antes”, critica, destacando que coube a Lobato – como a muitos outros – essa pecha de “pré”.

Da Redação, (VERMELHO)
Joana Rozowykwiat


Pipa, Sopa...o que está em jogo na internet?


Para manter o domínio sobre a circulação na internet de bens culturais ainda sob o controle dos intermediários, os projetos propostos e as leis já existentes afetam diretamente a regulação de direitos fundamentais, como o acesso à educação e à cultura e, em particular, a liberdade de expressão na web.


Por Venício Lima*, na revista Teoria e Debate


Os recentes debates em torno de dois projetos de lei que tramitam no Congresso dos Estados Unidos sobre a regulação da internet têm tudo a ver com as esperanças democratizadoras centradas nas novas tecnologias de comunicação.
As siglas Pipa (Project IP Action, ou Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and Theft of Intellectual Property Act) e Sopa (Stop Online Piracy Act) identificam iniciativas legislativas que, apesar de se apresentarem apenas como propostas contra “ciber-crimes” e contra a pirataria, na verdade têm implicações importantíssimas no controle de tudo o que possa circular no espaço virtual.
Já existem leis desse tipo na França (Lei Hadopi) e na Espanha (Lei Sinde), e no Brasil, na mesma linha, tramita no Congresso Nacional o chamado Projeto Azeredo (hoje Projeto de Lei nº 84/1999).
O que está em jogo?
Um exemplo simples: antes da internet, na cadeia produtiva de bens culturais como filmes, músicas (CDs), textos (livros), havia a necessidade de um intermediário entre o criador e o consumidor final: surgiram então a indústria do cinema, a indústria fonográfica, as editoras. E, além do processo de produção material, fabril, havia a distribuição física dos produtos. Com a internet, tudo isso se torna, potencialmente, desnecessário. O próprio autor do bem cultural, seja qual for – uma música, uma poesia, um filme, um livro –, pode agora disponibilizar diretamente sua criação para o consumidor final na rede. Em princípio, portanto, o autor passa a controlar, ele mesmo, sua criação, sem precisar de intermediários.
Em outras palavras, a internet acaba com a necessidade da valiosíssima indústria do copyright, isto é, dos direitos autorais. E a indústria, por óbvio, não está gostando do que vê.
Mais abrangente do que o Pipa e o Sopa é o Acta (Anti-Counterfeiting Trade Agreement – Acordo Comercial Anticontrafação), que vem sendo negociado entre os EUA, a União Europeia e outra dezena de países, entre eles Japão e Canadá. Trata-se de criar uma entidade independente das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual para a proteção de marcas, patentes e copyrights.
Enquanto vivemos a transição do antes para o depois da internet, os problemas surgem, entre outras razões, porque criadores que têm contratos com os atuais “intermediários” buscam formas de se libertar do controle que até agora era exercido sobre suas obras e sua carreira. Aí o problema vira conflito de interesses.
Ademais, para manter o domínio sobre a circulação na internet de bens culturais ainda sob o controle dos intermediários, os projetos propostos e as leis já existentes – tanto lá como cá – afetam diretamente a regulação de direitos fundamentais, como o acesso à educação e à cultura e, em particular, a liberdade de expressão na web.

E o Brasil?
No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet – e não penal –, tenta caminhar no sentido oposto. Resultado de um longo processo de consulta pública iniciado pelo Ministério da Justiça ainda ao tempo do ministro Tarso Genro no governo Lula, constitui uma tentativa de garantir a liberdade de circulação na rede, afirmar direitos, e não transformá-la em “caso de polícia”.
De qualquer maneira, o assunto é muito mais complexo do que a descrição resumida apresentada aqui e não é fácil saber a real natureza desses projetos apenas fazendo um corte vertical e identificando quem os apoia ou não. Tem de tudo.
O importante é que prevaleçam o interesse público e os direitos fundamentais. E isso não é simples nem fácil.
A ver.
*Venício Lima é Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
Fonte: Carta Maior