Não chove. O calor incomoda os cachorros e põe em
risco a vida do minhocário. Os olhos das pessoas pedem umidificante. Dona Pandá
se lembra da fazendeira Ana. Quer ir vê-la. Como poderia ajudá-la? Percebe que
a única coisa que poderia fazer é mostrar sua solidariedade. Para quem está
vendo seu gado passar fome e sede, sabendo que se não chover muito e no
curtíssimo prazo, vai perder tudo vale alguma coisa esta solidariedade?
Impotência
Ontem,
Dona Pandá conversava com sua amiga sobre a velhice e sabiamente falava de
dribles à idade da dor, contrabalançando com a busca de prazeres. Vendo a
tristeza em sua fisionomia, tentei uma provocação.
-
Dona Pandá, a senhora não acha que, na sua idade, a busca de prazeres é muito
limitada?
-
Veja, existe aquela história de que cada idade tem os seus encantos. Acredito
que se nos fiarmos nisto, estamos mal servidas. Precisamos ir atrás dos tais
encantos.
-
Como?
-
Bem, cada pessoa tem os seus próprios limites. A tendência é colocarem os
limites nos outros. Não podemos permitir. Ninguém sabe até onde posso e quero
ir. Também cada pessoa sabe o que lhe dá dor ou prazer. Como não sou
masoquista, separo bem uma do outro. Vamos procurar nossas fontes de prazer.
-
A principal para a senhora é a terra.
-
Sim, mas a arte é outra poderosa fonte.
-
Claro! A literatura.
-
Não só. A música, o teatro, a pintura, a dança.
Lembro de uma Bienal de São Paulo, há um bocado de anos, que fiquei
emocionada com um bico de pena de Flávio de Carvalho, chamado “Retrato de Mio”.
Foi uma emoção tão forte que ainda sinto seus vestígios. O trabalho criativo
tem o poder de nos despertar e este despertar nos leva a um prazer, muitas
vezes, perturbador.
-
Flávio de Carvalho é aquele que saiu às ruas nu, vestindo um barril?
-
Ele mesmo, foi há muitos anos. Como você sabe disso, menina? – Perguntou enquanto
sorria maliciosamente. Prosseguiu:
-
Você ouviu a Vina dizendo que não perde mais tempo com determinadas pessoas.
-
Ouvi Dona Etelvina dizer algo parecido.
-
Pois é. Na medida em que a gente envelhece, vai percebendo o valor do tempo, do
nosso tempo. Então, uma porção de brigas deixa de nos interessar. Brigar somente
pelo que de fato vale a pena.
-
A senhora fui muito briguenta? – Ousei e já me arrependia. Ela fez uma cara de
quem ia se defender com braveza, mas sorriu e disse:
-
Olha aí, eu quase entro nessa sua provocação. A segunda. A primeira foi por boa
causa, você me tirou a Ana e suas desgraças da cabeça. É outra perda de energia.
Nada posso fazer por ela, além de comprar algumas coisas que produz. Espero que
chova logo. Pela Ana e por nós.