Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 6 de setembro de 2015

Os dribles da idade


Não chove. O calor incomoda os cachorros e põe em risco a vida do minhocário. Os olhos das pessoas pedem umidificante. Dona Pandá se lembra da fazendeira Ana. Quer ir vê-la. Como poderia ajudá-la? Percebe que a única coisa que poderia fazer é mostrar sua solidariedade. Para quem está vendo seu gado passar fome e sede, sabendo que se não chover muito e no curtíssimo prazo, vai perder tudo vale alguma coisa esta solidariedade?

Impotência

Ontem, Dona Pandá conversava com sua amiga sobre a velhice e sabiamente falava de dribles à idade da dor, contrabalançando com a busca de prazeres. Vendo a tristeza em sua fisionomia, tentei uma provocação.

- Dona Pandá, a senhora não acha que, na sua idade, a busca de prazeres é muito limitada?

- Veja, existe aquela história de que cada idade tem os seus encantos. Acredito que se nos fiarmos nisto, estamos mal servidas. Precisamos ir atrás dos tais encantos.

- Como?

- Bem, cada pessoa tem os seus próprios limites. A tendência é colocarem os limites nos outros. Não podemos permitir. Ninguém sabe até onde posso e quero ir. Também cada pessoa sabe o que lhe dá dor ou prazer. Como não sou masoquista, separo bem uma do outro. Vamos procurar nossas fontes de prazer.

- A principal para a senhora é a terra.

- Sim, mas a arte é outra poderosa fonte.

- Claro! A literatura.

- Não só. A música, o teatro, a pintura, a dança.  Lembro de uma Bienal de São Paulo, há um bocado de anos, que fiquei emocionada com um bico de pena de Flávio de Carvalho, chamado “Retrato de Mio”. Foi uma emoção tão forte que ainda sinto seus vestígios. O trabalho criativo tem o poder de nos despertar e este despertar nos leva a um prazer, muitas vezes, perturbador.

- Flávio de Carvalho é aquele que saiu às ruas nu, vestindo um barril?

- Ele mesmo, foi há muitos anos. Como você sabe disso, menina? – Perguntou enquanto sorria maliciosamente. Prosseguiu:

- Você ouviu a Vina dizendo que não perde mais tempo com determinadas pessoas.

- Ouvi Dona Etelvina dizer algo parecido.

- Pois é. Na medida em que a gente envelhece, vai percebendo o valor do tempo, do nosso tempo. Então, uma porção de brigas deixa de nos interessar. Brigar somente pelo que de fato vale a pena.

- A senhora fui muito briguenta? – Ousei e já me arrependia. Ela fez uma cara de quem ia se defender com braveza, mas sorriu e disse:

- Olha aí, eu quase entro nessa sua provocação. A segunda. A primeira foi por boa causa, você me tirou a Ana e suas desgraças da cabeça. É outra perda de energia. Nada posso fazer por ela, além de comprar algumas coisas que produz. Espero que chova logo. Pela Ana e por nós.