Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O valerioduto abasteceu Gilmar Mendes

Carta Capital
Exclusivo
27.07.2012 11:36



O ministro do STF na lista dos beneficiários do esquema
CartaCapital publica na edição que chega às bancas em São Paulo nesta sexta-feira 27 uma lista inédita de beneficiários do caixa 2 da campanha à reeleição do então governador Eduardo Azeredo em 1998. O esquema foi operado pelo publicitário Marcos Valério de Souza, que assina a lista, registrada em cartório. O agora ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes aparece entre os beneficiários. Mendes teria recebido 185 mil reais.

Há ainda governadores, deputados e senadores na lista. Entre os doadores, empresas públicas e prefeituras proibidas de fazer doações de campanha. O banqueiro Daniel Dantas também aparece como repassador de dinheiro ao caixa 2.

A documentação foi entregue à Polícia Federal pelo advogado Dino Miraglia Filho, de Belo Horizonte. Ele defende a família da modelo Cristiana Aparecida Ferreira, assassinada em 2000. Segundo Miraglia, a morte foi “queima de arquivo”, pois a modelo participava do esquema e era escalada para transportar malas de dinheiro. Na lista, Cristiana aparece como destinatária de 1,8 milhão de reais.

Nossa Fonte: Carta Maior - Blog do Nassif

O debate que falta sobre o Código Florestal



O debate sobre o novo Código Florestal está restrito aos limites dados pelo agronegócio, entre o que seus promotores acham aceitável para continuar se expandindo e o que a sociedade é capaz de suportar, sem nada mudar no rumo já traçado. A mudança legal do Código Florestal é determinada por uma velha agenda desenvolvimentista, hegemonizada pelos grandes interesses e forças econômicas envolvidas na cadeia agroindustrial, um dos pilares do Brasil potência emergente. O artigo é de Cândido Grzybowski.

Cândido Grzybowski (*)

No debate sobre o novo Código Florestal, os dilemas sobre que Brasil o mundo precisa e o que estamos dispostos a construir como nação numa perspectiva de sustentabilidade e justiça social, com democracia, ficam em segundo plano. O debate está restrito aos limites dados pelo agronegócio, entre o que seus promotores acham aceitável para continuar se expandindo e o que a sociedade é capaz de suportar, sem nada mudar no rumo já traçado. Na verdade, como questão pública e política, a mudança legal do Código Florestal é determinada por uma velha agenda desenvolvimentista, hegemonizada pelos grandes interesses e forças econômicas envolvidas na cadeia agroindustrial, um dos pilares do Brasil potência emergente. Tudo que se fará não será no sentido de uma mudança de rumo, mas de flexibilização de regras e condutas para continuar destruindo.

Por que? Por que a destruição ambiental não figura como questão neste debate? Por que é tão difícil discutir nossa responsabilidade no uso do imenso patrimônio natural que herdamos como país? Afinal, a biodiversidade – e floresta é um grande celeiro de biodiversidade – é um dos bens comuns mais centrais para a existência da vida, da humanidade. Os sistemas naturais de reprodução de todas as formas de vida no planeta Terra passam pela biodiversidade das florestas. O ciclo da água, este bem comum sem o qual nenhuma vida existe, depende das florestas. Floresta é vida!

Estamos contaminados por um ideal de desenvolvimento industrial produtivista voltado à acumulação, ao lucro, não à produção de bem estar e felicidade. Tudo é feito para crescer, crescer sempre e sem limites, quanto mais rápido melhor. Crescem os negócios, gera-se riqueza que destrói e exclui, o luxo e o lixo. Quanto mais crescemos, mais destruímos, criamos mais lixo do que bens. Socialmente, a lógica deste sistema não é satisfazer necessidades humanas, mas criar um tipo de riqueza ditada pela acumulação, causa da pobreza ao mesmo tempo.

De forma desigual acumulamos, mesmo que na rabeira todos estejamos contaminados pelo ideal de acessar a mais bens. Não nos interrogamos do sentido de tais bens materiais, que são feitos para ter vida curta e precisam ser substituídos logo mais, tudo para que a produção e as vendas continuem a crescer e os capitais investidos continuem acumulando. No final da linha, muita destruição e injustiça social.

No centro de tudo, a relação desta economia com os sistemas naturais. Para viver, é evidente que precisamos extrair da natureza os meios que nos mantêm vivos. Mas, como o fazemos? Podemos simplesmente extrair sem limites, sem preocupação com a integridade dos sistemas naturais, nosso bem comum maior, com o qual interagimos? Existe sustentabilidade da vida humana sem sustentabilidade dos sistemas naturais?

O modelo industrial produtivista, que está no centro do agronegócio, não se move pela sustentabilidade da vida, de toda vida, destas e de futuras gerações. O critério é a acumulação, não a vida ou a preservação dos bens comuns. Seu motor é a conquista e dominação, herança deixada pela colonização. Hoje, continuamos a empreitada da colonização, conquistando terras, subjugando e expulsando os que vivem nelas, destruindo as suas florestas. Enquanto houver terras para conquistar, o colonialismo interno vai nos empurrar no caminho da destruição de matas e rios, não respeitando outros modos de organização e vida. Neste modelo de colonização das florestas, não importa que para plantar mil hectares de soja seja preciso destruir uma floresta de 1 mil hectares, mesmo se para a soja sejam necessários toneladas de agrotóxicos para protegê-la da biodiversidade teimosa do lugar, vista como “ervas daninhas”.

É neste quadro que o debate do Código Florestal deveria ser feito. Além disto, deveríamos levar em conta que decisões sobre o uso de florestas do Brasil afetam o equilíbrio ambiental do planeta inteiro e comprometem a vida de futuras gerações, a começar pelos nossos netos e seus filhos. No entanto, estamos vendo o imediato, o tamanho de nossa agricultura, suas exportações e as divisas que geram ao país. Decididamente, estamos comprometendo o nosso futuro e o do planeta junto.

Falta-nos muita grandeza neste debate. Não pensamos que o caminho para o futuro passa por recriar bases de sustentabilidade da vida. Preservar e recuperar as nossas florestas é uma condição indispensável neste sentido. Mas parece que não optamos pelas florestas e pela vida. Optamos pelo caminho mais curto de crescimento, que tem como pressuposto o velho modelo primário exportador, que nos torna dependentes de potências industriais e grandes destruidores ambientais.

Não é este o Brasil emergente que o mundo precisa e que quem luta por democracia e justiça social quer. O drama é que nossa política e, com ela, nossos sonhos e desejos coletivos estão aprisionados pelo corporativismo do agronegócio. O velho latifúndio comanda no Congresso Nacional, na casa que deveria representar o Brasil em sua diversidade e complexidade. Só mais democracia pode nos levar a superar este dilema.

(*) Sociólogo, diretor do Ibase.
Nossa fonte: Carta Maior

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Só o "mensalão" acabou na justiça

Bob Fernandes

Há quem diga ser uma farsa o julgamento do chamado "mensalão". Não, não é uma farsa. É fruto de fatos. Ou era mesada, o tal "mensalão", ou era caixa dois. Mas não há como dizer que há uma farsa. E quem fez, que pague o que fez. A farsa existe, mas não está nestes fatos.

Farsa é, 14 anos depois, admitir a compra de votos para aprovar a reeleição em 98 – Fernando Henrique –, mas dizer que não sabe quem comprou. Isso enquanto aponta o dedo e o verbo para as compras agora em julgamento. A compra de votos existiu em 97. Mas não deu em CPI, não deu em nada.

Farsa é fazer de conta que em 98 não existiram as fitas e os fatos da privatização da Telebras. É fazer de conta que a cúpula do governo não foi gravada em tramoias escandalosas num negócio de R$ 22 bilhões. Aquilo derrubou um pedaço do governo tucano. Mas não deu em CPI. Ninguém foi preso. Não deu em nada.

Farsa é esquecer que nos anos PC Farias se falava em corrupção na casa do bilhão. Isso no governo Collor; eleito com decisivo apoio da mídia. À época, a polícia federal indiciou 400 empresas e 110 grandes empresários. A justiça e a mídia esqueceram o inquérito de 100 mil páginas, com os corruptos e os corruptores. Tudo prescreveu. Fora o PC Farias, ninguém pagou. Isso foi uma farsa.

Farsa foi, é o silêncio estrondoso diante do livro A Privataria Tucana. Livro que, em 115 páginas de documentos de uma CPI e investigação em paraísos fiscais, expõe bastidores da privatização da telefonia. Farsa é buscar desqualificar o autor e fazer de conta que os documentos não existem ou "são velhos". Como se novas fossem as denúncias agora repisadas nas manchetes na busca de condenações a qualquer custo.

Farsa é continuar se investigando os investigadores e se esquecer dos fatos que levaram à operação Satiagraha. Operação desmontada a partir da farsa de uma fita que não existiu. Fita fantasma que numa ponta tinha Demóstenes Torres e a turma do Cachoeira. E que, na outra ponta da conversa que ninguém ouviu, teve o ministro Gilmar Mendes.

Farsa é, anos depois de enterrada a Satiagraha, o silêncio em relação a US$ 550 milhões. Sim, por não terem origem comprovada, US$ 550 milhões continuam retidos pelo governo dos EUA e da Inglaterra. E o que se ouve, se lê ou se investiga? Nada. Tudo segue enterrado. Em silêncio.

O julgamento do chamado "mensalão" não é uma farsa. Farsa é isolá-lo desses outros fatos todos e torná-lo único. Farsa é politizá-lo ainda mais. Farsesco é magnificá-lo, chamá-lo de "maior julgamento da história do Brasil".

Farsa não porque esse não seja o maior julgamento. Farsa porque se esquecem de dizer que esse é o "maior" porque não existiram outros julgamentos. Por isso, esse é o "maior". Existiram, isso sempre, alianças ideológicas, empresariais, na luta pelo Poder. Farsa porque ao final prevaleceu, sempre, o estrondoso silêncio cúmplice.

Fonte: Jornal da Gazeta
Nossa fonte: Vermelho

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Consciência e Coragem: Aluna dá escracho em tropa de choque na USP


http://youtu.be/oTpMHCmuYv0

No dia 19 de fevereiro de 2012, boa parte dos foliões paulistanos estava
fora da cidade de São Paulo pulando mais um carnaval. Já os estudantes da
Universidade de São Paulo (USP) que residiam na moradia estudantil, mais
precisamente no térreo do bloco G do conjunto residencial, não desfrutavam
da mesma sorte. Foram presos por 200 policiais da tropa de choque em uma
operação de desocupação de suas residências. O reitor João Grandino Rodas
não reconhecia a legitimidade do espaço de moradia, retomado pelos alunos
após assembleia do dia 17 de março de 2010. O grande déficit de vagas no
Conjunto Residencial da USP foi o fator principal que resultou na
iniciativa de retomar o espaço. Pois pertence à moradia e estava sendo
utilizado como escritório do Departamento de Promoção Social junto ao Banco
Santander.

Este não é o único sintoma de indiferença diante dos interesses dos
estudantes. A Superintendência de Serviço Social (Antiga COSEAS), comandada pelo tenente aposentado da PM e professor odontólogo Waldyr Antonio Jorge, se nega a explicar, diante do alto déficit de vagas, o porquê da eliminação de espaços de moradia e também a prestar contas do que foi feito com o dinheiro destinado ao órgão para expansão das mesmas.

Do lado de fora da Moradia retomada, poucos alunos assistiam a prisão de
seus colegas. Assim como a cidade de São Paulo, a cidade Universitária
também fica vazia em feriados prolongados. Em vez de abadá, eram poucos
punhos cerrados diante desta triste cena. Em um dos poucos momentos
filmados, um cinegrafista amador flagra uma aluna dando aula de democracia
do jeito que o governador Geraldo Alckim NÃO gosta. E no centro da própria
engrenagem da violência em que vivemos passa "O" sermão na tropa de choque.

*Moral da história: Hoje mais de 90 pessoas são processadas criminal e administrativamente pela USP, aos que se somam outros novos processos abertos recentemente contra estudantes no CRUSP. Você tem voz?
a) marie murakami
uma véinha indignada

Estágio Sítio dos Herdeiros: Stephen Gliessman: "a agricultura pode ser sustentável"

Estágio Sítio dos Herdeiros: Stephen Gliessman: "a agricultura pode ser sustentável"

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Agroecologia: Entrevista comValter Bianchini,


Política de agroecologia beneficiará agricultura familiar, diz especialista
Por Redação do CdB, com Rede Brasil Atual - de São Paulo

Em um processo participativo, as políticas de fomento e incentivo à agricultura orgânica ganharam um instrumento que será o “otimizador” de todo o processo de fortalecimento, principalmente, da agricultura familiar. A afirmação é de Valter Bianchini, engenheiro agrônomo e ex-secretário de Agricultura do Paraná, em referência à publicação do decreto que institui a Política Nacional deAgroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), assinado semana passada pela presidenta Dilma Rousseff.


     Para Bianchini, agricultura familiar será a mais beneficiada com as políticas de agroecologia
     O projeto consiste na integração de políticas públicas dos ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Social, Pesca e Aquicultura, com a participação ativa de entidades da sociedade civil. A PNAPO foi instituída para desenvolver ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável. Bianchini acredita que por ser uma decisão interministerial, as políticas serão fortalecidas, otimizando as já existentes e fortalecendo, de forma geral, a agroecologia no Brasil.

Confira a entrevista:
- O que o sr. achou do decreto que instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO)?

     - Eu acompanhei o processo. Foi bastante participativo, além de envolver um conjunto de ministérios. As organizações também foram bastante participativas. Fiquei muito feliz quando soube do decreto pela possibilidade que ele traz de um conselho participativo e igualitário de entidades governamentais e da sociedade civil.
     E agora vai ter um prazo de seis meses para existir de fato um programa nacional de agroecologia e dentro dele algo que incremente a produção orgânica. Ampliou-se aquela visão que se tinha com apenas um grupo de trabalho dentro do Ministério da Agricultura sobre agricultura orgânica.Nós avançamos agora para uma comissão interministerial e por um grupo agora regulamentado com envolvimento importante tanto da sociedade civil quanto do governo.

- O que um programa envolvendo tantos ministérios pode trazer de benefícios à agroecologia e aos agricultores?

     - Esse programa nacional vai poder aglutinar novos projetos aos que o que a gente já tem hoje. Alguns instrumentos importantes como as linhas de crédito, linhas de comercialização e as pesquisas, que eram ações muito pontuais, agora serão ações mais sistêmicas.
     Nós já temos instrumentos como os créditos do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), que são programas que oferecem vantagem para a produção agroecológica. Com a nova política, vamos ter a possibilidade de ter novos recursos para a chamada sustentabilidade na agroecologia. Nós tínhamos instrumentos, mas eles não estavam otimizados, não eram sistêmicos. A própria Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), com a agroecologia, tinha ações que estavam muito dispersas nas suas diferentes unidades.

- Quem serão os maiores beneficiados com a PNAPO?

     - A agricultura familiar é a que mais vai ser beneficiada porque é uma agricultura que trabalha em pequena escala e em sistemas mais diversificados.
     Vamos poder avançar em quase 2 bilhões de reais que existem de mercado no PAA (Plano para Aquisição de Alimentos). Hoje há a possibilidade de avançar muito nesse mercado com o produto orgânico. Então com essa ação sistêmica dá para ampliar o nímero de agricutores com produção orgânica. Não só nesse mercado, mas o mercado normal mesmo, o dos consumidores, com feiras orgânicas e tudo mais.
     Agora, sim, a gente tem a possibilidade de fazer crescer de forma significativa os núcleos de agricultores, de associações, cooperativas que vão trabalhar com a produção agroecologógica.

- Com essa sistematização de programas envolvendo diversos ministérios a questão da agroecologia e sustentabilidade tende a se fortalecer ainda mais?

     - Sem dúvidas. Nós vamos crescer de forma significativa, seja com produtores com sistema ja convertidos para agroecologia, seja em diferentes ações da chamada transição agroecológica. O que era um objetivo mais distante, com o decreto e esse grupo interministerial comprometido, está mais perto e evidente. Esse conselho que será instituido, que poderá monitorar, também ajudará muito. Depois desse decreto a agricultura orgânica vai crescer e o principal público beneficiário será a agricultura familiar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”



Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequências repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão norte americano, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar as suas leis. O artigo é de Michael Moore e Oliver Stone.

Michael Moore e Oliver Stone

     Passamos as nossas carreiras de cineastas sustentando que os meios de comunicação norte-americanos são frequentemente incapazes de informar os cidadãos sobre as piores ações do nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres.
     O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi a sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prender Assange.
     Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filme “Assassinato Colateral”, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagda por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Iemen, para esconder a nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais.
     Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comitê do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010.
     Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange.
     As autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara a sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas.
     Assange também se comprometeu a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. As autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas.
     Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou.
     Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão norte americano, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar as suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não.
     Invocamos os povos britânico e sueco a exigir que os seus governos respondam a algumas questões básicas. Por que razão as autoridades suecas se recusam a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo.

(*) Artigo publicado originalmente em português em Outras Palavras. Nossa Fonte: Carta Maior
Tradução: Daniela Frabasile

Humanidade já está vivendo de "crédito ecológico"

A humanidade está vivendo de crédito ecológico desde o dia 22 de agosto. Neste dia, alcançamos o que a ONG Global Footprint Network chama de "Global Overshoot Day", o "Dia do Excesso Global". Isso significa que, nos primeiros oito meses do ano, os seres humanos esgotaram a totalidade dos recursos que a Terra é capaz de produzir ao longo do ano. Desde a década de 70, os seres humanos estão vivendo muito acima de seus meios. para manter o nível de vida atual seria preciso um meio planeta suplementar. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Genebra.

Eduardo Febbro - Direto de Genebra

Genebra - Desde o dia 22 de agosto, a humanidade está vivendo de crédito. Nos primeiros oito meses do ano, os seres humanos esgotaram a totalidade dos recursos que a Terra é capaz de produzir ao longo do ano. Em 22 de agosto, alcançamos o que a ONG Global Footprint Network (GFN) chama de « Global Overshoot Day », ou seja, « o dia do excesso global ». Desde 2003, esta ONG mede todos os anos a pegada ecológica do planeta, o acúmulo de recursos e a forma como os consumimos. Em cada informe, constata como os recursos se esgotam com maior rapidez. A capacidade de regeneração anual do planeta é limitada. Frente a isso, a capacidade de consumo do ser humano parece ilimitada e o planeta não é suficiente para cumprir com as exigências da humanidade.

Desde a década de 70, os seres humanos estão vivendo muito acima de seus meios. O informe da GFN mostra uma aceleração constante do esgotamento dos recursos. Em 2012, o « Global Overshoot Day » foi alcançado 36 dias antes do que ocorreu em 2011. A curva para baixo é constante. Os cálculos desta ONG se baseiam em dados científicos que se articulam em torno de uma medida, o hag, o hectare global, mediante o qual se compara a biocapacidade do planeta com o consumo de cada país. O resultado dos estudos é catastrófico : para manter o nível de vida atual seria preciso um meio planeta suplementar.

Os quatro meses que restam no ano serão vividos então no crédito. Os recursos que serão utilizados daqui até o final do ano correspondem a estoques que não se renovam. « A hora do balanço chegou », diz a Global Footprint Network em seu informe. Este ano, a ONG ampliou seus cálculos até os últimos 50 anos. Entre os anos 60 e hoje os recursos planetários se dividiram por dois, enquanto as necessidades aumentaram em níveis extraordinários, ao ponto de consumirmos hoje cerca de 50% do que a Terra é capaz de produzir. A pressão exercida por sete bilhões de seres humanos não se tornou desproporcional. Os principais responsáveis pelo déficit são as emanações de dióxido de carbono e a exploração dos recursos naturais.

« A mudança climática como consequência dos gases de efeito estufa emitidos mais rapidamente do que podem ser absorvidos por matas e oceanos é a consequência mais tangível e urgente », aponta a ONG. Mas o problema não para aí. A isso se agregam « a diminuição das florestas e matas, a perda de espécies, o colapso da pesca, o aumento dos preços dos produtos básicos e os distúrbios civis ». O quadro termina com uma conclusão : « as crises ambientais e a crise financeira que estamos enfrentando são os sintomas de uma catástrofe iminente. A humanidade está simplesmente usando mais do que o planeta pode prover » .

Nem todos os países têm a mesma responsabilidade no desastre. Segundo a Global Footprint Network, os Estados Unidos e o Brasil alcançaram antes dos demais países o dia do excesso, em 26 de março e 6 de julho respectivamente. Se todo o planeta necessitar dos recursos consumidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil seria necessário mais 4,16 e 1,9 planetas para satisfazer a demanda. A exigência sobe a mais de seis planetas se vivermos como o Qatar. Por outro lado, se todos os seres humanos viverem como a Índia, 49% dos recursos naturais do planeta seriam suficientes.

Em 2008, a pegada ecológica da humanidade correspondia a 2,7 hag por habitante para uma capacidade real de 1,8 hag. Dos 149 países estudados, 60 são responsáveis pela dívida ecológica. O Ocidente tem uma influência decisiva na deterioração planetária. Em um país como a França as necessidades ultrapassam 70% dos recursos naturais. O informe 2012 revela que entre 1970 e 2008 a biodiversidade planetária caiu cerca de 30%. Segundo a GFN, a cada ano desaparecem 0,01% das espécies. O fundador da ONG, Mathis Wackernagel, recorda que « o déficit ecológico vem crescendo de maneira exponencial há 50 anos ». Por paradoxal que seja, há uma solução que não é um milgare, mas sim o próprio desastre. O responsável pela ONG ressalta que, « no longo prazo, a recuperação só poderá ter êxito se for acompanhada de reduções sistemáricas de nossa demanda de recursos e serviços ao ecossistema ». Se isso não ocorrer, o desastre se encarregará de fazê-lo.

Mathis Wackernagel estima que a tendência para o megaconsumo dos recursos « mudará um dia de direção, seja por causa de decisões, seja pelo desastre ». A questão do uso excessivo dos recursos tem, além disso, impactos econômicos potentes. A Global Footprint Network lembra que « dado que o déficit de recursos se torna maior e que os preços desses recursos são altos, o custo para as nações será insuportável ». Boa parte da humanidade está vivendo na base de crédito financeiro. Agora, entramos em outra etapa : o crédito ecológico.

Tradução: Katarina Peixoto
Nossa  fonte:Carta maior

sábado, 25 de agosto de 2012

Inclusão social e a classe que vive do trabalho


Está em disputa um projeto de Brasil que, a depender não apenas do Estado, mas fundamentalmente da mobilização dos movimentos sociais e políticos, dos sindicatos, dos operadores públicos e da iniciativa privada com efetivo compromisso e responsabilidade social, poderá permitir o adensamento dos processos democráticos a partir da valorização da classe que vive do trabalho em sua nova conformação. O artigo é de Carol Proner.

Carol Proner (*)

O termo “inclusão” no Brasil costuma ser associado às chamadas políticas compensatórias, de discriminação positiva ou também ditas de ação afirmativa, formas imperfeitas adotadas com o propósito de reduzir situações de desigualdade real provocadas por diversos fenômenos históricos, culturais, políticos e econômicos que, combinados entre si, produzem as mais relevantes disparidades sociais. Nos Estados Unidos, onde surgiram nos anos 60, tais políticas nasceram com metas claras de combate à segregação racial, passando por diversas modificações e adaptações ao longo do tempo e com resultados polêmicos.

Na última década, para além das políticas específicas de cotas (raciais, étnicas, de gênero e outras), o governo brasileiro passou a desenvolver ações de inclusão destinadas a reduzir a desigualdade estrutural social – que contém em si as demais formas de discriminação – a partir da elaboração de programas e metas de combate à pobreza e de transferência de renda que, por sua vez, alcançaram resultados históricos inéditos valorizados interna e internacionalmente. Essa nova forma de conceber a inclusão, menos compartimentalizada, mais sistêmica e generalizada, tem sido identificada como uma nova etapa da estruturação do capitalismo brasileiro tendente à transformação do modelo de distribuição de riqueza neste início do século XXI.

A sociedade brasileira nunca aceitou com facilidade trabalhar temas e ações de combate à discriminação e há diversos estudos que procuram explicar sociológica e antropologicamente a reação de negação ao reconhecimento da estrutura racial e social excludente, e que afeta de modo particular às mulheres. Sendo o último país das Américas a abolir a escravidão, desenvolveu, ao longo de mais de quinhentos anos, um sistema econômico e educacional predominantemente monocultural e eurocêntrico, produtor das chamadas overlapping opressions, nomenclatura usada pelas feministas norte-americanas para descrever situações de discriminação superpostas.

A resistência de parte da sociedade brasileira em reconhecer processos discriminatórios, em grande medida sobrepostos, faz com que a adoção de políticas e programas de compensação e ajustes seja sempre belicosa, tanto no campo teórico como no político, provocadora do reacionarismo elitista com diferentes nuances. Mesmo com a gama diversificada e exitosa de ações desse tipo na última década – graças à orientação política do governo e ao apoio popular recebido nas urnas – e, em especial, mesmo com o êxito dos programas de combate à pobreza e de transferência de renda, os dados de institutos de pesquisa indicam que a desigualdade e a discriminação persistem, e que a pobreza no Brasil, conforme afirmou a Presidenta Dilma Rousseff, tem face negra e feminina, referindo-se especificamente a discriminação racial e de gênero.

E aqui entra a polêmica a respeito do Brasil do século XXI, o Brasil dos BRICS e o projeto de superpotência. O fenômeno da ascensão econômica do Brasil permite muitas leituras e os dados proporcionados por institutos de pesquisa como IBGE, MTE/Rais, bem como os estudos do IPEA/PNAD, ou de outros institutos como FGV e tantos outros, permitem muitas interpretações – em disputa – a respeito das causas e consequências da ascensão econômica do país e do crescimento da renda dos brasileiros.

Indiscutível constatar a elevação da renda per capita, dos rendimentos advindos do trabalho, os quais possibilitaram uma melhora geral na condição de vida e de consumo dos trabalhadores e trabalhadoras, refletindo na queda do desemprego, na aumento dos índices de formalização do trabalho e na redução da pobreza absoluta. Essa é a constatação fr Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), na obra Nova classe média? (Boitempo Editorial, 2012). No entanto, o autor alerta ser um equívoco identificar o adicional de ocupados na base da pirâmide social brasileira como “uma nova classe média”, bem como considera não ser um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais, com forte apelo para reorientá-las a uma concepção predominantemente mercantil.

O livro de Pochmann polemiza com outras obras e estudos que festejam o suposto aparecimento de uma nova classe C, nova classe média que, como conceitua Marcelo Neri, realizou e continua a realizar o sonho brasileiro de subir na vida, que busca construir seu futuro em bases sólidas que sustentam o novo padrão econômico adquirido: “Ser nova classe média também é consumir serviços públicos de melhor qualidade no setor privado, aí incluindo o colégio privado, plano de saúde e o produto prêmio, que é a previdência complementar. Todos podem ser vistos como ativos meio públicos, meio privados, que conferem maior, ou menor, sustentabilidade ao sonho brasileiro de subir na vida”. (Marcelo Neri é considerado o inventor da expressão “nova classe média”, autor de livro com mesmo nome publicado pela editora Saraiva em 2011 – trecho retirado do capítulo de abertura).

Analisando os números da base da pirâmide social renovada e as razões da renovação, Pochmann conclui que o Brasil tem conseguido combinar, no período recente, a maior ampliação de renda per capital com a redução do grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho. No período entre 2004 e 2010, a renda per capita dos brasileiros cresceu a uma média anual de 3,3%, ao passo que o índice da situação geral do trabalho cresceu em média 5,5% ao ano. A participação do trabalho na renda nacional aumentou 14,8% no período e o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho reduziu em 10,7%.

É inegável, portanto, o fenômeno da ascensão social a partir do resgate da condição de pobreza. Pochmann identifica que, diante da combinação da recuperação do valor real do salário mínimo nacional com a ampliação das políticas de transferência sociais, faz-se notar que a recente expansão das vagas de salário de base tem permitido absorver enormes parcelas de trabalhadores na base da pirâmide social, o que traz como consequência o favorecimento da redução sensível da taxa de pobreza em todo o país.

Por outro lado, ressalva que esse avanço da classe trabalhadora ocorre de modo despolitizado e desconectado ao projeto dinâmico e de profundas transformações sociais: “o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. A ausência percebida de movimentos sociais em geral, identificados por instituições tradicionais como associações de moradores ou de bairro, partidos políticos, entidades estudantis e sindicais, reforça o caráter predominantemente mercadológico que tanto os intelectuais engajados como a mídia comprometida com o pensamento neoliberal fazem crer.”

Esse déficit político, déficit de consciência a respeito do potencial transformador das políticas públicas e da própria valorização da classe trabalhadora, poderia comprometer um projeto de desenvolvimento consistente e inclusivo, compromissado com acesso a bens de natureza fundamental, para além dos meramente mercantis e privatizantes que tentam se legitimar por meio de medidores de satisfação de consumo e índices comportamentais de felicidade.

Está em disputa, portanto, um projeto de Brasil que, a depender não apenas do Estado, mas fundamentalmente da mobilização dos movimentos sociais e políticos, dos sindicatos, dos operadores públicos e da iniciativa privada com efetivo compromisso e responsabilidade social, poderá permitir o adensamento dos processos democráticos a partir da valorização da classe que vive do trabalho (na expressão cunhada por Ricardo Antunes) em sua nova conformação, projeto que conta com o apoio de plataformas governamentais de inclusão construídas a partir de metas sociais claras e comprometidas com uma concepção transversal e integradora dos direitos humanos, superando a visão compartimentalizada e vertical de concebê-los.

(*) Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos (UniBrasil-UPO-ES)
Nossa fonte: Carta Maior

Inclusão social e a classe que vive do trabalho



Está em disputa um projeto de Brasil que, a depender não apenas do Estado, mas fundamentalmente da mobilização dos movimentos sociais e políticos, dos sindicatos, dos operadores públicos e da iniciativa privada com efetivo compromisso e responsabilidade social, poderá permitir o adensamento dos processos democráticos a partir da valorização da classe que vive do trabalho em sua nova conformação. O artigo é de Carol Proner.

Carol Proner (*)

O termo “inclusão” no Brasil costuma ser associado às chamadas políticas compensatórias, de discriminação positiva ou também ditas de ação afirmativa, formas imperfeitas adotadas com o propósito de reduzir situações de desigualdade real provocadas por diversos fenômenos históricos, culturais, políticos e econômicos que, combinados entre si, produzem as mais relevantes disparidades sociais. Nos Estados Unidos, onde surgiram nos anos 60, tais políticas nasceram com metas claras de combate à segregação racial, passando por diversas modificações e adaptações ao longo do tempo e com resultados polêmicos.

Na última década, para além das políticas específicas de cotas (raciais, étnicas, de gênero e outras), o governo brasileiro passou a desenvolver ações de inclusão destinadas a reduzir a desigualdade estrutural social – que contém em si as demais formas de discriminação – a partir da elaboração de programas e metas de combate à pobreza e de transferência de renda que, por sua vez, alcançaram resultados históricos inéditos valorizados interna e internacionalmente. Essa nova forma de conceber a inclusão, menos compartimentalizada, mais sistêmica e generalizada, tem sido identificada como uma nova etapa da estruturação do capitalismo brasileiro tendente à transformação do modelo de distribuição de riqueza neste início do século XXI.

A sociedade brasileira nunca aceitou com facilidade trabalhar temas e ações de combate à discriminação e há diversos estudos que procuram explicar sociológica e antropologicamente a reação de negação ao reconhecimento da estrutura racial e social excludente, e que afeta de modo particular às mulheres. Sendo o último país das Américas a abolir a escravidão, desenvolveu, ao longo de mais de quinhentos anos, um sistema econômico e educacional predominantemente monocultural e eurocêntrico, produtor das chamadas overlapping opressions, nomenclatura usada pelas feministas norte-americanas para descrever situações de discriminação superpostas.

A resistência de parte da sociedade brasileira em reconhecer processos discriminatórios, em grande medida sobrepostos, faz com que a adoção de políticas e programas de compensação e ajustes seja sempre belicosa, tanto no campo teórico como no político, provocadora do reacionarismo elitista com diferentes nuances. Mesmo com a gama diversificada e exitosa de ações desse tipo na última década – graças à orientação política do governo e ao apoio popular recebido nas urnas – e, em especial, mesmo com o êxito dos programas de combate à pobreza e de transferência de renda, os dados de institutos de pesquisa indicam que a desigualdade e a discriminação persistem, e que a pobreza no Brasil, conforme afirmou a Presidenta Dilma Rousseff, tem face negra e feminina, referindo-se especificamente a discriminação racial e de gênero.

E aqui entra a polêmica a respeito do Brasil do século XXI, o Brasil dos BRICS e o projeto de superpotência. O fenômeno da ascensão econômica do Brasil permite muitas leituras e os dados proporcionados por institutos de pesquisa como IBGE, MTE/Rais, bem como os estudos do IPEA/PNAD, ou de outros institutos como FGV e tantos outros, permitem muitas interpretações – em disputa – a respeito das causas e consequências da ascensão econômica do país e do crescimento da renda dos brasileiros.

Indiscutível constatar a elevação da renda per capita, dos rendimentos advindos do trabalho, os quais possibilitaram uma melhora geral na condição de vida e de consumo dos trabalhadores e trabalhadoras, refletindo na queda do desemprego, na aumento dos índices de formalização do trabalho e na redução da pobreza absoluta. Essa é a constatação fr Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), na obra Nova classe média? (Boitempo Editorial, 2012). No entanto, o autor alerta ser um equívoco identificar o adicional de ocupados na base da pirâmide social brasileira como “uma nova classe média”, bem como considera não ser um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais, com forte apelo para reorientá-las a uma concepção predominantemente mercantil.

O livro de Pochmann polemiza com outras obras e estudos que festejam o suposto aparecimento de uma nova classe C, nova classe média que, como conceitua Marcelo Neri, realizou e continua a realizar o sonho brasileiro de subir na vida, que busca construir seu futuro em bases sólidas que sustentam o novo padrão econômico adquirido: “Ser nova classe média também é consumir serviços públicos de melhor qualidade no setor privado, aí incluindo o colégio privado, plano de saúde e o produto prêmio, que é a previdência complementar. Todos podem ser vistos como ativos meio públicos, meio privados, que conferem maior, ou menor, sustentabilidade ao sonho brasileiro de subir na vida”. (Marcelo Neri é considerado o inventor da expressão “nova classe média”, autor de livro com mesmo nome publicado pela editora Saraiva em 2011 – trecho retirado do capítulo de abertura).

Analisando os números da base da pirâmide social renovada e as razões da renovação, Pochmann conclui que o Brasil tem conseguido combinar, no período recente, a maior ampliação de renda per capital com a redução do grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho. No período entre 2004 e 2010, a renda per capita dos brasileiros cresceu a uma média anual de 3,3%, ao passo que o índice da situação geral do trabalho cresceu em média 5,5% ao ano. A participação do trabalho na renda nacional aumentou 14,8% no período e o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho reduziu em 10,7%.

É inegável, portanto, o fenômeno da ascensão social a partir do resgate da condição de pobreza. Pochmann identifica que, diante da combinação da recuperação do valor real do salário mínimo nacional com a ampliação das políticas de transferência sociais, faz-se notar que a recente expansão das vagas de salário de base tem permitido absorver enormes parcelas de trabalhadores na base da pirâmide social, o que traz como consequência o favorecimento da redução sensível da taxa de pobreza em todo o país.

Por outro lado, ressalva que esse avanço da classe trabalhadora ocorre de modo despolitizado e desconectado ao projeto dinâmico e de profundas transformações sociais: “o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. A ausência percebida de movimentos sociais em geral, identificados por instituições tradicionais como associações de moradores ou de bairro, partidos políticos, entidades estudantis e sindicais, reforça o caráter predominantemente mercadológico que tanto os intelectuais engajados como a mídia comprometida com o pensamento neoliberal fazem crer.”

Esse déficit político, déficit de consciência a respeito do potencial transformador das políticas públicas e da própria valorização da classe trabalhadora, poderia comprometer um projeto de desenvolvimento consistente e inclusivo, compromissado com acesso a bens de natureza fundamental, para além dos meramente mercantis e privatizantes que tentam se legitimar por meio de medidores de satisfação de consumo e índices comportamentais de felicidade.

Está em disputa, portanto, um projeto de Brasil que, a depender não apenas do Estado, mas fundamentalmente da mobilização dos movimentos sociais e políticos, dos sindicatos, dos operadores públicos e da iniciativa privada com efetivo compromisso e responsabilidade social, poderá permitir o adensamento dos processos democráticos a partir da valorização da classe que vive do trabalho (na expressão cunhada por Ricardo Antunes) em sua nova conformação, projeto que conta com o apoio de plataformas governamentais de inclusão construídas a partir de metas sociais claras e comprometidas com uma concepção transversal e integradora dos direitos humanos, superando a visão compartimentalizada e vertical de concebê-los.

(*) Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos (UniBrasil-UPO-ES)
Nossa Fonte: Carta Maior

O Reino Unido como "Estado canalha"

Escrito por Atílio Borón

 A partir de fins do século passado, ganhou crescente aceitação na opinião pública internacional a expressão "Estado canalha". Incentivado pela máquina propagandística norte-americana, o conceito tinha como objetivo satanizar os países hostilizados por Washington, com a evidente intenção de justificar as agressões do império.

Nesta lista estavam incluídos Afeganistão, Coreia do Norte, Cuba, Iraque, Irã, Líbia, Sérvia e Montenegro, Sudão e Síria. Atualmente, a listagem se reduziu a cinco países, porque, graças às políticas de promoção de "mudanças de regime" (eufemismo para evitar dizer "intervenção aberta dos EUA"), Afeganistão, Iraque, Líbia, Sérvia e Montenegro foram incorporados à categoria de nações democráticas. O Sudão, por sua vez, foi dividido em dois e a região rica em petróleo se converteu em Sudão do Sul. O resto continua sendo "Estado canalha".

Porém, as reviravoltas da história ou a "astúcia da razão" hegeliana fizeram com que hoje esse termo se volte contra seu criador. Os estigmatizados o eram por sua pretensa violação aos direitos humanos, seu apoio ao terrorismo e suas armas de destruição maciça constituíam ameaças letais à comunidade de nações. Cuba, a maior exportadora mundial de professores e médicos, permanece nessa lista da infâmia até os dias de hoje! Em síntese, eram governos que violavam a legalidade internacional e, por isso mesmo, a obrigação dos Estados Unidos e seus aliados era acabar com esse flagelo. No entanto, foram dois eminentes intelectuais norte-americanos, Noam Chomsky e William Blum, e um cineasta, Oliver Stone, que desconstruíram o argumento da Casa Branca ao fundamentar as razões pelas quais o principal "Estado canalha" do planeta e a maior ameaça terrorista à paz mundial não era outro senão os Estados Unidos.

O Reino Unido não fica atrás como "Estado canalha". Nos últimos tempos fez mais que o suficiente para dividir o pódio com seu descendente do outro lado do Atlântico. A evidência é espantosa e, se algo faltava às suas reiteradas manifestações de desprezo perante a legalidade internacional, representada pelas resoluções da Assembleia Geral e o Comitê de Descolonização das Nações Unidas, no caso das Ilhas Malvinas (bem como em mais outros nove casos, totalizando 16), a atitude de Londres em relação a Julian Assange acaba com qualquer dúvida sobre o assunto. Seria possível afirmar que, com a gestão de David Cameron, o Reino Unido se converteu em um autêntico "violador em série" de leis e tratados internacionais.

Bravatas, como o envio do destróier Dauntless às Malvinas, empalidecem diante da denúncia do chanceler equatoriano Ricardo Patiño, afirmando que o governo britânico transmitiu a Quito uma "ameaça expressa e por escrito de que poderiam assaltar nossa Embaixada do Equador em Londres caso não entregassem Julian Assange". O Secretário de Assuntos Estrangeiros do Reino Unido ratificou, posteriormente, essa ameaça que viola a Convenção de Viena, onde se estabelece a inviolabilidade das sedes diplomáticas (extensiva à residência dos embaixadores, automóveis das embaixadas e às bagagens diplomáticas), coisa que nem os sanguinários ditadores como Jorge Rafael Videla e Augusto Pinochet se atreveram a desrespeitar. Basta lembrar que o ex-presidente Héctor Cámpora ficou refugiado na embaixada do México em Buenos Aires durante cinco anos e, quando obteve asilo político, saiu do país sem ser molestado. No entanto, Londres assegurou, ainda que o Equador já tenha concedido o asilo a Assange, que não o deixará sair da embaixada.

Assim, transgride o que explicitamente estabelece a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados que o próprio Reino Unido assinou, descumprindo-o na prática com sua desobediência. É que o delito cometido por Assange tornou-se imperdoável ao tornar pública a corrupção e os crimes cometidos e mantidos em segredo pelo império. Em consequência, os Estados Unidos vêm mobilizando suas forças em nível mundial para acossá-lo, ainda que violando todas as leis e tratados internacionais e atropelando todas as liberdades e direitos humanos, para dar a ele o castigo que merece.

A imprensa hegemônica de todo o mundo aplaude a "coragem de Londres". É que o Reino Unido é um dócil peão da estratégia imperial, como também o é o atual governo sueco e, pior ainda, o da Austrália, país do qual é oriundo Assange e que, de maneira escandalosa, ignorou o caso. Claro, em novembro de 2011, Barack Obama anunciou que enviaria uma tripulação de 2.500 marines a uma nova base a ser inaugurada em Camberra, na Austrália, como primeiro passo de uma estratégia muito mais ambiciosa para conter o "expansionismo chinês" nesse país. Diante disso, como poderia o governo australiano preocupar-se com a sorte do atualmente mais famoso de seus cidadãos?


Atílio Borón é sociólogo, professor universitário, argentino. Traduzido pelo Portal do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), critica "pacto de silêncio" na CPMI

O deputado Fernando Ferro (PT-PE) manifestou, no Plenário da Câmara, seu “estranhamento” com o “pacto de silêncio” na CPMI do Cachoeirapara convocar representantes do Grupo Abril e o jornalista Policarpo Júnior. “Sob o discurso de liberdade de imprensa, vemos uma proteção a uma delinquência jornalística, em parceria com o crime organizado. Não há outro nome”, disse o deputado.

Fernando Ferro enfatizou que as recentes informações dando conta de que a namorada de Cachoeira ameaçou um juiz com um dossiê produzido pelo jornalista Policarpo “revelam a extensão desse problema e a ousadia desse grupo mafioso”. Para o deputado, “essas são práticas da máfia, de grupos criminosos, perigosos e altamente articulados: dossiês para chantagear juízes, produzidos por jornalistas a serviço de criminosos, como o sr. CarlosCachoeira”, enfatizou.

O deputado considerou ainda que esse silêncio deixa outra dúvida: “Será que existem deputados ou senadores da CPMI ameaçados por dossiês do Cachoeira?”. Para Fernando Ferro, ao se recusarem a convocar o jornalista, “eles estão dando claramente sinais de que ou têm medo ou são cúmplices desses delinquentes”.

Na avaliação de Ferro, isso é extremamente preocupante. “Sugiro ao presidente da CPMI que inquira, que pergunte se está havendo alguma chantagem contra algum desses parlamentares”, completou .
Fernando Ferro lembrou que, por muito menos, na Inglaterra foi aberto um processo que culminou no fechamento de um jornal de grande expressão daquela nação devido a problemas de espionagem política patrocinada por esquemas que utilizaram jornalistas.

- Apelamos aos parlamentares que participam da CPMI para que convoquem o jornalista Policarpo, o Grupo Abril, para que falem sobre suas relações com Carlos Cachoeira. Isso é bom para a democracia e para desmascarar certo tipo de jornalismo que faz associação com o crime organizado para promover dossiês, ameaças e escândalos, como temos visto neste País – finalizou o deputado.

Código de Silêncio
O silêncio do ex-tesoureiro da campanha do tucano Marconi Perillo (PSDB) ao governo de Goiás Jayme Eduardo Rincón e do ex-corregedor da Polícia Civil Aredes Correia Pires, convocados para depoimento à CPMI do Cachoeira na quarta-feira (22), reforça a tese sustentada pela procuradora Léa Batista da existência de um “código de silêncio” que protege a organização.

- A quadrilha age de forma articulada e unitária, onde ninguém entrega ninguém e todos são protegidos pelo chefe Carlos Cachoeira – enfatizou o relator da CPMI, deputado Odair Cunha (PT-MG).
Ambos compareceram à comissão protegidos por Habeas Corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para permanecerem em silêncio. Em depoimento na terça-feira à comissão a procuradora disse que “o silêncio é um direito de todos, mas o código de silêncio adotado nos depoimentos à CPMI e à Justiça Federal é típico de organizações mafiosas”, declarou.

De acordo com o relator, os depoentes perderam a oportunidade de esclarecer as denúncias que pesam sobre eles. No caso do Jaime Rincón, presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop), áudios da Polícia Federal apontam denúncias graves de “acerto” de licitações.

- Os áudios evidenciam que há interesse da Delta Construções na Agetop. Esse interesse foi materializado quando dois lotes de empresas que concorriam com a Delta foram desclassificados. Essa desclassificação ocorreu seis dias após pedido do Vladimir Garcez, braço político da organização criminosa – denunciou Odair Cunha.
Além disso, as investigações da PF revelam um depósito do grupo de Cachoeira no valor de R$ 600 mil na conta da empresa Rental Frota Ltda, que tem Rincón como um dos sócios.

Nossa Fonte: Correio do Brasil

Diogo Nogueira: Cuba tem muitas lições a nos dar

Filho do mestre João Nogueira (1941-2000), o carioca Diogo Nogueira, 31 anos, até tentou ser jogador de futebol. O DNA acabou falando mais alto e o talentoso cantor, que tem quatro vitórias consecutivas no concurso de sambas-enredos da Portela, não para de acumular façanhas desde que lançou seu primeiro disco, em 2007.




Já são 400 mil cópias vendidas - entre CDs e DVDs -, sete canções em novelas, um Grammy Latino de melhor álbum de samba e um programa como apresentador na TV Brasil: Samba na Gamboa. Agora, ele lança um DVD gravado em Cuba e homenageia o pai com o Sambabook João Nogueira, projeto grandioso que reúne Blu-Ray, DVD, dois CDs, livro e um fichário com 60 partituras. Confira entrevista com o esperto flamenguista Diogo Nogueira.
Correio 24 Horas: Como surgiu a ideia de fazer um show em Havana e transformá-lo em DVD? O que te fascina na cultura cubana?
Diogo Nogueira: Recebi um convite para fazer um show na Fihav (Feira Internacional de Havana), em novembro. Fiz questão de levar a minha banda completa e também os músicos que vêm me acompanhando. Pouco depois do convite, tivemos a ideia de registrar a passagem por Cuba e, em apenas dez dias, montamos esse show. Quando voltamos pro Brasil, apresentei a gravação do show e também o DOC.Show pro pessoal da EMI, minha gravadora, que se empolgou com o projeto e nos deu o maior apoio para o lançamento. Cuba é um dos países mais musicais do mundo. Temos muitas semelhanças culturais, mas Cuba tem uma riqueza em sua música que sempre me fascinou.

Correio 24 Horas: EUA, Brasil e Cuba são os países americanos com grande riqueza musical popular. Imagino que você desejasse ter a participação especial de alguns grupos lendários de Havana. Por que a opção pelos Los Van Van e como foi a experiência?
Diogo Nogueira: Los Van Van é um dos grupos mais tradicionais da música cubana e foi maravilhoso contar com eles no projeto. Cantamos El Cuarto de Tula, sucesso gravado pelo Buena Vista Social Club. Na época, pensamos em convidar a grande cantora Omara Portuondo, mas ela estava exatamente no Brasil na mesma ocasião em que fomos para Cuba.

Correio 24 Horas: E, politicamente, você tem uma opinião sobre a realidade cubana?
Diogo Nogueira: Acho que Cuba tem muitas lições para nos dar, em vários aspectos. Nos quatro dias que fiquei em Havana conheci um povo sofrido, lutador, mas feliz, consciente, e que sabe dar valor a tudo que tem. Isso mexeu comigo, ver que é possível ser feliz com pouco, com o básico. Esse é um exemplo no qual deveríamos refletir. Vivemos em um mundo consumista e nada nos satisfaz. Isso é que é ser livre? Acho que eles estão encontrando os caminhos para avanços e transformações em prol de uma vida cada vez melhor.

Correio 24 Horas: Você é um artista vitorioso desde sua estreia-solo, em 2007, e mesmo antes já fazia sucesso entre os compositores da Portela. A influência e a grandeza da obra do seu pai, João Nogueira, foram fundamentais para você se tornar um músico? Quando caiu a ficha que isso era o que você queria ser na vida?
Diogo Nogueira: Com certeza, meu pai foi fundamental na minha formação. Ele sempre foi uma importante referência para mim, tanto nas artes quanto em tudo na minha vida. Mas nunca havia refletido sobre isso até me tornar cantor e ver que as escolhas que fiz, os caminhos que busquei, tinham total relação com tudo que aprendi com ele. Eu não queria ser cantor. Como era mais novo, queria mesmo era ser jogador de futebol. Mas a vida me tirou dos campos e me colocou nos palcos... E hoje sou muito feliz com o que faço.

Correio 24 Horas: Por falar nisso, você chegou a temer comparações com seu pai - ou sempre tirou isso de letra?
Diogo Nogueira: Não deu muito tempo para temer nada. Foi tudo muito rápido e sempre lidei com muita naturalidade, deixando as coisas acontecerem espontaneamente. Desde quando comecei a cantar, a fazer shows, nunca me preocupei em ser comparado ao João. Quando isso acontecia, até me sentia feliz, pois ser comparado a um cara tão importante para a nossa música é um privilégio. Mas levo a vida com a mesma naturalidade de sempre, buscando fazer o que gosto, o que sei, da minha forma, do meu jeito... E hoje em dia todos sabem diferenciar o João do Diogo, e o Diogo do João.

Correio 24 Horas: Sua formação é de samba tradicional. O que você acha do samba “romântico e pop” que ganhou força a partir dos anos 90 com vários grupos? E do pagode baiano de grupos como É o Tchan!, Harmonia do Samba e Psirico? Tudo é samba, variedade de um mesmo gênero?
Diogo Nogueira: Acho que tudo isso é música popular brasileira. O que diferencia mesmo as coisas é a qualidade. Tem música boa e música ruim. A grande verdade é que tem espaço para todo mundo e precisamos saber respeitar a onda de cada um.

Correio 24 Horas: Você mergulhou no cancioneiro do seu pai para fazer o Sambabook João Nogueira. Fale desse reencontro com parte essencial de sua própria história.
Diogo Nogueira: O Sambabook é um projeto do qual me orgulho muito. A ideia surgiu de uma conversa minha com meu empresário, Afonso Carvalho, para homenagear os 70 anos que o João Nogueira teria feito, se estivesse vivo, em 2011. Reunimos um time de bambas, tanto na banda, quanto no elenco que interpretou as grandes obras do velho João. Tive a oportunidade de relembrar fatos, músicas esquecidas, obras fantásticas que chegam agora para as novas gerações em forma de livro, DVD, CD e fichário com as partituras das principais obras dele. Estou muito orgulhoso de ter participado e produzido esse projeto. João merece. E nós também.

Com Correio 24 Horas
Nossa fonte: Vermelho

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Oitava carta às esquerdas: As últimas trincheiras


  Por Boaventura de Sousa Santos - de Coimbra



Reforma na CIDH quer diminuir o poder da entidade de questionar violações dos direitos humanos

Quem poderia imaginar há uns anos que partidos e governos considerados progressistas ou de esquerda abandonassem a defesa dos mais básicos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, ao trabalho e à liberdade de expressão e de associação, em nome dos imperativos do “desenvolvimento”? Acaso não foi por via da defesa desses direitos que granjearam o apoio popular e chegaram ao poder? Que se passa para que o poder, uma vez conquistado, se vire tão fácil e violentamente contra quem lutou para que ele fosse poder? Por que razão, sendo um poder das maiorias mais pobres, é exercido em favor das minorias mais ricas? Porque é que, neste domínio, é cada vez mais difícil distinguir entre os países do Norte e os países do Sul?

Os fatos

Nos últimos anos, os partidos socialistas de vários países europeus (Grécia, Portugal e Espanha) mostraram que podiam zelar tão bem pelos interesses dos credores e especuladores internacionais quanto qualquer partido de direita, não parecendo nada anormal que os direitos dos trabalhadores fossem expostos às cotações das bolsas de valores e, portanto, devorados por elas. Na África do Sul, a polícia ao serviço do governo do ANC, que lutou contra o apartheid em nome das maiorias negras, mata 34 mineiros em greve para defender os interesses de uma empresa mineira inglesa. Bem perto, em Moçambique, o governo da Frelimo, que conduziu a luta contra o colonialismo português, atrai o investimento das empresas extrativistas com a isenção de impostos e a oferta da docilidade (a bem ou a mal) das populações que estão sendo afetadas pela mineração a céu aberto.

Na India, o governo do partido do Congresso, que lutou contra o colonialismo inglês, faz concessões de terras a empresas nacionais e estrangeiras e ordena a expulsão de milhares e milhares de camponeses pobres, destruindo os seus meios de subsistência e provocando um enfrentamento armado. Na Bolívia, o governo de Evo Morales, um indígena levado ao poder pelo movimento indígena, impõe, sem consulta prévia e com uma sucessão rocambolesca de medidas e contra-medidas, a construção de uma auto-estrada em território indígena (Parque Nacional TIPNIS) para escoar recursos naturais. No Equador, o governo de Rafael Correa, que corajosamente concede asilo político a Julian Assange, acaba de ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter garantido os direitos do povo indígena Sarayaku em luta contra a exploração de petróleo nos seus territórios. E já em maio de 2003 a Comissão tinha solicitado ao Equador medidas cautelares a favor do povo Sarayaku que não foram atendidas.

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita ao Brasil, mediante uma medida cautelar, que suspenda imediatamente a construção da barragem de Belo Monte (que, quando pronta será a terceira maior do mundo) até que sejam adequadamente consultados os povos indígenas por ela afetados. O Brasil protesta contra a decisão, retira o seu embaixador na Organização dos Estados Americanos (OEA), suspende o pagamento da sua cota anual à OEA, retira o seu candidato à CIDH e toma a iniciativa de criar um grupo de trabalho para propor a reforma da CIDH no sentido de diminuir os seus poderes de questionar os governos sobre violações de direitos humanos. Curiosamente, a suspensão da construção da barragem acaba agora de ser decretada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília) com base na falta de estudos de impacto ambiental.

Os riscos

Para responder às questões com que comecei esta crônica vejamos o que há de comum entre todos estes casos. Todas as violações de direitos humanos estão relacionadas com o neoliberalismo, a versão mais anti-social do capitalismo nos últimos cinquenta anos. No Norte, o neoliberalismo impõe a austeridade às grandes maiorias e o resgate dos banqueiros, substituindo a protecção social dos cidadãos pela protecção social do capital financeiro. No Sul, o neoliberalismo impõe a sua avidez pelos recursos naturais, sejam eles os minérios, o petróleo, o gás natural, a água ou a agro-indústria. Os territórios passam a ser terra e as populações que nelas habitam, obstáculos ao desenvolvimento que é necessário remover quanto mais rápido melhor.

Para o capitalismo extrativista a única regulação verdadeiramente aceitável é a auto-regulação, a qual inclui, quase sempre, a auto-regulação da corrupção dos governos. As Honduras oferecem neste momento um dos mais extremos exemplos de auto-regulação da atividade mineira onde tudo se passa entre a Fundação Hondurenha de Responsabilidade Social Empresarial (FUNDAHRSE) e a embaixada do Canadá. Sim, o Canadá que há vinte anos parecia ser uma força benévola nas relações internacionais e hoje é um dos mais agressivos promotores do imperialismo mineiro.

Quando a democracia concluir que não é compatível com este tipo de capitalismo e decidir resistir-lhe, pode ser demasiado tarde. É que, entretanto, pode o capitalismo ter já concluído que a democracia não é compatível com ele.

O que fazer?

Ao contrário do que pretende o neoliberalismo, o mundo só é o que é porque nós queremos. Pode ser de outra maneira se a tal nos propusermos. A situação é de tal modo grave que é necessário tomar medidas urgentes mesmo que sejam pequenos passos. Essas medidas variam de país para país e de continente para continente ainda que a articulação entre elas, quando possível, seja indispensável. No continente americano a medida mais urgente é travar o passo à reforma da CIDH em curso. Nessa reforma estão particularmente ativos três países com quem sou solidário em múltiplos aspectos de seu governo, o Brasil, o Equador, a Venezuela e a Argentina. Mas no caso da reforma da CIDH estou firmemente ao lado dos que lutam contra a iniciativa destes governos e pela manutenção do estatuto actual da CIDH. Não deixa de ser irônico que os governos de direita, que mais hostilizam o sistema interamericano de direitos humanos, como é o caso da Colômbia, assistam deleitados ao serviço que os governos progressistas objectivamente lhes estão a prestar.

O meu primeiro apelo é aos governos brasileiro, equatoriano, venezuelano e argentino para que abandonem o projeto da reforma. E o apelo é especialmente dirigido ao Brasil dada a influência que tem na região. Se tiverem uma visão política de longo prazo, não lhes será difícil concluir que serão eles e as forças sociais que os têm apoiado quem, no futuro, mais pode vir a beneficiar do prestígio e da eficácia do sistema interamericano de direitos humanos. Aliás, a Argentina deve à CIDH e à Corte a doutrina que permitiu levar à justiça os crimes de violação dos direitos humanos cometidos pela ditadura, o que muito acertadamente se converteu numa bandeira dos governos Kirchner na política dos direitos humanos.

Mas porque a cegueira do curto prazo pode prevalecer, apelo também a todos os ativistas de direitos humanos do continente e a todos os movimentos e organizações sociais – que viram no Fórum Social Mundial e na luta continental contra a ALCA a força da esperança organizada – que se juntem na luta contra a reforma da CIDH em curso. Sabemos que o sistema interamericano de direitos humanos está longe de ser perfeito, quanto mais não seja porque os dois países mais poderosos da região nem sequer subscreveram a Convenção Americana de Direitos Humanos (EUA e Canadá), Também sabemos que, no passado, tanto a Comissão como a Corte revelaram debilidades e seletividades politicamente enviesadas. Mas também sabemos que o sistema e as suas instituições têm vindo a fortalecer-se, atuando com mais independência e ganhando prestígio através da eficácia com que têm condenado muitas violações de direitos humanos.

Desde os anos de 1970 e 1980, em que a Comissão levou a cabo missões em países como o Chile, a Argentina e a Guatemala e publicou relatórios denunciando as violações cometidas pelas ditaduras militares, até às missões e denúncias depois do golpe de estado das Honduras em 2009; para não falar nas reiteradas solicitações para o encerramento do centro de detenção de Guantanamo. Por sua vez, a recente decisão da Corte no caso “Povo Indígena Kichwa de Sarayaku versus Equador”, de 27 de Julho passado, é um marco histórico de direito internacional, não só a nível do continente, como a nível mundial. Tal como a sentença “Atala Riffo y niñas versus Chile” envolvendo a discriminação em razão da orientação sexual. E como esquecer a intervenção da CIDH sobre a violência doméstica no Brasil que conduziu à promulgação da Lei Maria da Penha?

Os dados estão lançados. À revelia da CIDH e com fortes limitações na participação das organizações de direitos humanos, o Conselho Permanente da OEA prepara um conjunto de recomendações para serem apresentadas para aprovação na Assembleia Geral Extraordinária, o mais tardar até Março de 2013 (até 30 de Setembro, os Estados apresentarão as suas propostas). Do que se sabe, todas as recomendações vão no sentido de limitar o poder da CIDH para interpelar os Estados em matéria de violação de direitos humanos. Por exemplo: dedicar mais recursos à promoção dos direitos humanos e menos à investigação de violações; encurtar de tal modo os prazos de investigação que tornam impossível uma análise cuidada; eliminar do relatório anual a referência a países cuja situação dos direitos humanos merece atenção especial; limitar a emissão e extensão de medidas cautelares; acabar com o relatório anual sobre a liberdade de expressão; impedir pronunciamentos sobre violações que pairam como ameaças mas ainda não foram concretizadas.

Cabe agora aos ativistas de direitos humanos e a todos os cidadãos preocupados com o futuro da democracia no continente travar este processo.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Nossa fonte: Correio do Brasil

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Declaração Final do I Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas


Por Terra, Território e Dignidade!

Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.

Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.

Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no campo.

Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.

Nós estamos construindo a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.

A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.

Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.

O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.

Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.

Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.

Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.

O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.

Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.

Diante disto, afirmamos:

1) a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

2) a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e formas de produção e reprodução, que marcam e dão identidade ao território.

3) a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.

4) a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.

5) a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à cooperação, agroindustrialização e comercialização.

6) a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.

7) a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.

8) a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.

9) a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.

10) a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.

Nos comprometemos:

1- a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.

2- a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.

3- a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.

4- a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.

5- a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.

6- a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.

7- a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.

8- a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

9- a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.

10- a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.

11- a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.

Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.

Brasília, 22 de agosto de 2012.

Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR), Associação das Mulheres do Brasil (AMB), Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), CARITAS Brasileira, Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Comissão Pastoral da Pesca (CPP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF), FASE, Greenpeace, INESC, Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Oxfam Brasil, Pastoral da Juventude Rural (PJR), Plataforma Dhesca, Rede Cefas, Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF), SINPRO DF, Terra de Direitos, Unicafes, VIA CAMPESINA BRASIL.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Abertura do Encontro dos povos do campo destaca unidade


O Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas foi aberto oficialmente hoje, 20 de agosto, pelos 7 mil participantes de todos os estados do Brasil, reunidos no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília.

A mística iniciou o dia relembrando todos os momentos de revoltas de camponeses no país, entre eles a Cabanagem, Canudos e Trombas e Formoso. Além disso, foram lembrados os mártires da luta pela terra de várias regiões do país. Dentro desse primeiro momento de animação, foi lida a declaração do 1º Congresso Camponês, realizado em 1961, em Belo Horizonte (MG), e o documento final do Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado em fevereiro em Brasília, onde foi discutida e decidida a realização desse Encontro Unitário, em comemoração aos 51 anos do Congresso Camponês, e para reforçar a unidade das organizações e movimentos sociais do campo em torno de lutas comuns.

Os participantes puderam ouvir, também, a mensagem enviada por Dom Tomás Balduino, bispo emérito da cidade de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que, impossibilitado de comparecer ao Encontro, saudou a todos e todas que estão no evento e reafirmou a importância deste momento de luta contra o inimigo comum: o agronegócio e o capital.

Representantes das várias organizações presentes neste Encontro, como os movimentos da Via Campesina, Contag, Fetraf, Quilombolas e Indígenas, saudaram a todos os participantes com palavras de motivação e destacando, principalmente, a importância desse momento histórico para o país e para a luta no campo. A importância da unidade dos movimentos do campo nessa conjuntura, de ações violentas contra trabalhadores e comunidades tradicionais, de grandes projetos que impactam o meio ambiente e expulsam as pessoas do campo, esteve presente em todas as falas.

Dom Guilherme Werlang, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lembrou que entre as pautas de luta sempre deve estar a busca por justiça social, pela dignidade e pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Além disso, o bispo destacou a importância de que esses movimentos sejam autônomos e não atrelados aos governos ou a algum tipo de poder. Já Carmem Ferreira, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), enfatizou a importância desse encontro como sendo da classe trabalhadora do país.

“Precisamos impor limites ao agronegócio e aos fazendeiros. Precisamos dar o recado ao governo brasileiro que, com suas políticas, está alimentando esse setor”. Essa foi a mensagem do representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto. Para a representante do Movimento Camponês Popular (MCP), Aline Nascimento, esse é um momento crucial onde o Estado se mostra submisso diante dos interesses do capital. Além disso, segundo ela, esse é o momento de realimentar a utopia.

O cacique Babau Tupinambá, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), emocionou a todos e todas com um canto tupinambá que relembra as violências e tudo que os povos indígenas sofreram desde a colonização do país. “Somos considerados entraves para todos os setores do país”, denunciou o cacique. Ele lembrou, ainda, o genocídio do povo indígena nesses 512 anos de dominação, e a luta constante desse povo pela garantia de seu território. Babau denunciou, também, que o agronegócio só consegue fazer tudo o que faz contra os povos do campo, das florestas e das águas, porque tem o aval do governo. Segundo ele, esse governo mostrou de que lado está quando colocou mais de 500 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dentro de terras indígenas.

Sergio Miranda, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), reforçou que somente com a união e a participação de todos os movimentos nesse momento é possível dar força à luta pela reforma agrária.

A viola entoa o hino nacional
Pereira da Viola, grande artista popular do estado de Minas Gerais, entoou o Hino Nacional em sua viola, animando os 7 mil participantes do Encontro. Sua apresentação levantou os participantes e a mesa de abertura do Encontro.

O representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Benedito, destacou em sua fala o direito que todo quilombola tem à terra, mas que na prática ainda é muito complicado ter o território reconhecido como remanescente de quilombo e acessar os programas do governo. Já para Lázaro, da Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), esse momento vai ser um divisor de águas para a classe trabalhadora do país, principalmente para a do campo.

Para o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), José Josivaldo, esse é o momento em que o capitalismo vai aprofundar a retirada de direitos dos povos do campo. “É preciso, da nossa parte, identificar o nosso inimigo tradicional: as transnacionais”, disse ele. Além disso, aproveitou o momento para reafirmar a posição do MAB contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Edmundo Rodrigues, da CPT, lembrou a luta dos povos do campo durante todos esses anos à custa de muito sangue. “Não queremos mais que nossas lutas sejam à custa do sangue do nosso povo”, enfatizou. Segundo Edmundo, o governo conseguiu colocar em prática o que não conseguiu ser feito no período da ditadura, que foram os grandes projetos, nocivos à cultura camponesa e ao modo tradicional dos povos.

Para Noeli, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), esse é um momento especial para a construção de alianças com as mulheres e homens do campo, das florestas e das águas. “Precisamos combater o inimigo que destroi a terra, as águas e a diversidade”, destacou ela.

Valter Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), destacou que esse Encontro é uma prova de que o campesinato não chegou ao fim, como alguns teimam em dizer. Segundo ele, o Encontro é uma mostra de que o campesinato tem passado, presente e futuro. Valter destacou ainda que o Encontro é um momento importante, mas é necessário um processo de luta unificado após o evento também.

O representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Valdir, reforçou a maturidade política do processo de criação desse Encontro e necessidade de lutas contra o modelo imposto pelo capital. “Ou nós derrotamos esse modelo, ou esse modelo nos derrota”, declarou ele. Além disso, Valdir destacou que sem ocupação de terra não há reforma agrária e convocou a retomada das ocupações de latifúndios no país. Para Alberto Broch, da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), a reforma agrária está no centro para as mudanças mais profundas. “A terra é um bem que precisa ser de todos que querem trabalhar nela”, finalizou ele.

Com a animação de todos esses movimentos e organizações do campo, das florestas e das águas, foram abertas as atividades do Encontro, que segue até o dia 22, em Brasília.

Do Blog do Encontro Unitário