Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Praia da Areia Preta



Dona Pandá chegou de sua viagem  a Guarapari. Foi passar uma semana com sua irmã que tem lá um apartamento pra lá de bem localizado. Fica na beira da praia – ela não se chama Teresa – da Areia Preta. Da copa-sala, da varanda e de um dos quartos se vê o mar. O prédio fica numa esquina. A entrada principal está no final de uma rua sem saída – onde há uma escadaria para a praia - e a outra entrada, num calçadão da praia.

Pela manhã, quem se levantasse primeiro corria até ali, na padaria, para buscar o pão quentinho, além de ser integral ainda chega à mesa cheiroso,  abrindo o apetite para aquele café bem acompanhado. Hora de contar os sonhos. A Mana, que é a sábia, entende do recado... dos sonhos. Dona Pandá, embalada por esse entendimento e pelo barulho do mar que ela vê, enquanto degusta seu mamãzinho, percebeu,  admirada, que se lembrava do que sonhara. Grande novidade! Presente de Guarapari! Segundo ela, não conseguia, praticamente durante a vida toda, saber o que sonhava.

Dona Pandá quer continuar contando o típico dia das duas e deixar o assunto dos sonhos para especialistas porque o máximo que poderia fazer seria contar os sonhos, mas sonho só para os íntimos, sem ofender os leitores. (Ela está me corrigindo: não quer contar para não entediar os amigos leitores.)

Após a sessão do protetor solar, vestidas com seus maiôs cobertos por belas cangas e munidas dos apetrechos necessários ao conforto da curtição praiana, lá vão as duas coroas enxutas – uma acha que a barriga está saliente em demasia e a outra, que precisa de mais alguns quilinhos - . Sentam-se admirando o verde das águas e recomeçam o papo. Até onde me é permitido, assunto não falta para essas duas, embora reconheça ser bem injusta, pois tenho certeza de que Dona Pandá dá pouco espaço para a fala de sua interlocutora.

Aproxima-se,  bem pertinho de nossas amigas, um garoto de seus 10 anos e murmura alguma coisa que a Mana – frequentadora de longa data do local – traduz como:
- Quer alguma coisa? – A tradução literal é pouco para a chacareira paulista que embarca na fantasia:
- Quero ver meu filhote sorridente tocando sua bateria. O menino pergunta:
- Teria o que? – Flagrada, ela devolve a pergunta:
- O que vc tem? – Escuta, então, uma lista de produtos, como picolé, salgadinhos, coco etc. A Mana explica o costume, o avô vende, ficando num lugar fixo e o menino percorre a praia oferecendo.  Pedem duas águas de coco. O garoto sai em dispara e logo volta acompanhado de outro mais velho que o ajuda a carregar o pedido e estende a mão para receber o pagamento. Este gesto lhe rende a antipatia de Dona Pandá que não só faz uma careta, como ainda comenta a esperteza do moleque. A Mana ri pelo previsível da reação.

Nos dias seguintes, bastavam chegar para o menino, todo sorridente, vir oferecer seus produtos. Impossível resistir àquela carinha simpática de malandréu pidão. Seu nome e sua vidinha são bem comuns. Chama-se Paulinho, é o oitavo filho de uma lavadeira e seu pai morreu na construção atrapalhando o tráfego. Moram todos com os avós. Enquanto a mãe vai trabalhar, os dois menores ajudam o avô que, no verão, abandona o serviço de pedreiro para fazer a boca na praia. A simpatia de Paulinho lhe rende boa gorjeta, mas ontem - conta o avô - ele perdeu R$ 4,50 com essa mania de guardar a grana debaixo do boné.

A praia da Areia Preta não é extensa e mesmo assim há uma grande diferença nas ondas. Em alguns pequenos trechos, são traiçoeiras e, ajudadas pelas depressões na areia, tornam-se perigosas. Alguns metros mais adiante, são amigas. Calmas acariciam sua pele e massageiam seu corpo, permitem flutuar num relaxamento gostoso. Mana dá a dica, é só observar os frequentadores. Eles já sabem. Onde não há ninguém, que ninguém se atreva. O nome da praia é óbvio, suas areias são pretas, famosas pelas propriedades medicinais. É comum ver as pessoas enterrarem  seu corpo ou parte dele, aguardando os efeitos benéficos para as dores, sobretudo as provocadas por artrose e suas primas.

Mana sabe as manhas das boas refeições, um prato feito delicioso; um café com seus acompanhamentos, inclusive um bolo de milho verde que os capixabas chamam atrevidamente de pamonha, mas que, de fato, é dos mais gostosos; um sorvete irresistível e ainda há as barracas já eleitas pela qualidade dos quitutes, como é o caso da de cocada. Depois do almoço, a opção ficava entre uma soneca e um passeio pelas vitrines, que terminava no café disputando com o sorvete. Afinal, resistir pra quê?

À noite, a varanda chama. O barulho das ondas, batendo na areia e na escadaria, convida ao devaneio que interrompe a boa leitura. Mana se encantava com a vida de Tim Maia e  Dona Pandá se divertia com Veríssimo. Algumas crônicas, vindas pelas gentis mãos da chacareira mineira, trazendo reflexões mais sérias, contrabalançavam o humor verissiano.