Dona Pandá chegou
de sua viagem a Guarapari. Foi passar
uma semana com sua irmã que tem lá um apartamento pra lá de bem localizado.
Fica na beira da praia – ela não se chama Teresa – da Areia Preta. Da
copa-sala, da varanda e de um dos quartos se vê o mar. O prédio fica numa
esquina. A entrada principal está no final de uma rua sem saída – onde há uma
escadaria para a praia - e a outra entrada, num calçadão da praia.
Pela manhã, quem
se levantasse primeiro corria até ali, na padaria, para buscar o pão quentinho,
além de ser integral ainda chega à mesa cheiroso, abrindo o apetite para aquele café bem
acompanhado. Hora de contar os sonhos. A Mana, que é a sábia, entende do
recado... dos sonhos. Dona Pandá, embalada por esse entendimento e pelo barulho
do mar que ela vê, enquanto degusta seu mamãzinho, percebeu, admirada, que se lembrava do que sonhara.
Grande novidade! Presente de Guarapari! Segundo ela, não conseguia,
praticamente durante a vida toda, saber o que sonhava.
Dona Pandá quer
continuar contando o típico dia das duas e deixar o assunto dos sonhos para
especialistas porque o máximo que poderia fazer seria contar os sonhos, mas
sonho só para os íntimos, sem ofender os leitores. (Ela está me corrigindo: não
quer contar para não entediar os amigos leitores.)
Após a sessão do
protetor solar, vestidas com seus maiôs cobertos por belas cangas e munidas dos
apetrechos necessários ao conforto da curtição praiana, lá vão as duas coroas
enxutas – uma acha que a barriga está saliente em demasia e a outra, que
precisa de mais alguns quilinhos - . Sentam-se admirando o verde das águas e
recomeçam o papo. Até onde me é permitido, assunto não falta para essas duas,
embora reconheça ser bem injusta, pois tenho certeza de que Dona Pandá dá pouco
espaço para a fala de sua interlocutora.
Aproxima-se, bem pertinho de nossas amigas, um garoto de
seus 10 anos e murmura alguma coisa que a Mana – frequentadora de longa data do
local – traduz como:
- Quer alguma coisa? –
A tradução literal é pouco para a chacareira paulista que embarca na fantasia:
- Quero ver meu filhote sorridente tocando sua bateria. O menino
pergunta:
- Teria o que? –
Flagrada, ela devolve a pergunta:
- O que vc tem? –
Escuta, então, uma lista de produtos, como picolé, salgadinhos, coco etc. A
Mana explica o costume, o avô vende, ficando num lugar fixo e o menino percorre
a praia oferecendo. Pedem duas águas de
coco. O garoto sai em dispara e logo volta acompanhado de outro mais velho que
o ajuda a carregar o pedido e estende a mão para receber o pagamento. Este
gesto lhe rende a antipatia de Dona Pandá que não só faz uma careta, como ainda
comenta a esperteza do moleque. A Mana ri pelo previsível da reação.
Nos dias
seguintes, bastavam chegar para o menino, todo sorridente, vir oferecer seus
produtos. Impossível resistir àquela carinha simpática de malandréu pidão. Seu nome
e sua vidinha são bem comuns. Chama-se Paulinho, é o oitavo filho de uma
lavadeira e seu pai morreu na construção
atrapalhando o tráfego. Moram todos com os avós. Enquanto a mãe vai
trabalhar, os dois menores ajudam o avô que, no verão, abandona o serviço de
pedreiro para fazer a boca na praia.
A simpatia de Paulinho lhe rende boa gorjeta, mas ontem - conta o avô - ele perdeu
R$ 4,50 com essa mania de guardar a grana debaixo do boné.
A praia da Areia
Preta não é extensa e mesmo assim há uma grande diferença nas ondas. Em alguns
pequenos trechos, são traiçoeiras e, ajudadas pelas depressões na areia,
tornam-se perigosas. Alguns metros mais adiante, são amigas. Calmas acariciam sua
pele e massageiam seu corpo, permitem flutuar num relaxamento gostoso. Mana dá
a dica, é só observar os frequentadores. Eles já sabem. Onde não há ninguém, que
ninguém se atreva. O nome da praia é óbvio, suas areias são pretas, famosas
pelas propriedades medicinais. É comum ver as pessoas enterrarem seu corpo ou parte dele, aguardando os
efeitos benéficos para as dores, sobretudo as provocadas por artrose e suas
primas.
Mana sabe as
manhas das boas refeições, um prato feito delicioso; um café com seus
acompanhamentos, inclusive um bolo de milho verde que os capixabas chamam
atrevidamente de pamonha, mas que, de fato, é dos mais gostosos; um sorvete irresistível
e ainda há as barracas já eleitas pela qualidade dos quitutes, como é o caso da
de cocada. Depois do almoço, a opção ficava entre uma soneca e um passeio pelas
vitrines, que terminava no café disputando com o sorvete. Afinal, resistir pra
quê?
À noite, a varanda
chama. O barulho das ondas, batendo na areia e na escadaria, convida ao
devaneio que interrompe a boa leitura. Mana se encantava com a vida de Tim Maia
e Dona Pandá se divertia com Veríssimo.
Algumas crônicas, vindas pelas gentis mãos da chacareira mineira, trazendo
reflexões mais sérias, contrabalançavam o humor verissiano.