Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sábado, 25 de maio de 2013

MOVIMENTOS PELA ALBA: COMPROMISSO COM INTEGRAÇÃO POPULAR E ANTI-IMPERIALISMO

A 1° Assembleia Continental dos Movimentos Sociais da Aliança Bolivariana das Américas (ALBA) reuniu mais de 200 delegados e delegadas de 22 países de diversos movimentos sociais da América Latina, entre os dias 16 a 20 de maio.

A atividade, realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), fortaleceu a iniciativas de integração dos povos e organizações do continente por meio de lutas em comum, com a finalidade de concretizar um projeto de articulação continental.

"A ALBA é um projeto essencialmente político, anti-neoliberal e anti-imperialista, fundamentado nos princípios da cooperação, da complementaridade e da solidariedade, que busca acumular forças populares e institucionais por um novo ciclo de independência latino-americana, dos povos e para os povos, por uma integração popular, pela vida, pela justiça, pela paz, pela soberania, pela identidade, pela igualdade, pela libertação da América Latina, por uma autêntica emancipação que tenha em seu horizonte o socialismo indo-afro-americano", diz declaração final da assembleia.

Os movimentos sociais manifestaram preocupação com a ofensiva dos Estados Unidos sobre o continente. "O Império segue mobilizando-se contra a reorganização das forças popular e o surgimento de novos projetos autônomos de integração da Pátria Grande. Logo que surgiram as primeiras rebeliões antineoliberais, os EUA começaram a reorientar sua política exterior visando recuperar sua hegemonia sobre o processo continental em várias dimensões: econômica, militar, normativa, cultural, midiática, política e territorial", denuncia carta das organizações latino-americanas.

Abaixo, confira a declaração final da 1ª Assembleia Continental dos Movimentos Sociais pela ALBA, que levou o nome de um dos tantos revolucionárias da América Latina, Hugo Chávez Frías.

Declaração da 1ª Assembleia Continental dosMovimentos Sociais pela ALBA

De 16 a 20 de maio, na Escola Nacional Florestan Fernandes, cidade de Guararema, estado de São Paulo, Brasil; nos encontramos mais de 200 delegadas e delegados de movimentos de mulheres, camponeses, urbanos, indígenas, estudantes, jovens, sindicatos e organizações agroecológicas de 22 países, para constituir a I Assembleia Continental dos Movimentos Sociais pela ALBA.

Chegamos aqui como parte de um processo histórico que nos fez encontrar em fóruns, campanhas, redes internacionais, instâncias setoriais e diversas lutas dentro de cada um de nossos países, carregando as mesmas bandeiras de luta e os mesmos sonhos por uma verdadeira transformação social.

Vivemos uma nova época em Nossa América, que se expressou nos últimos anos através de diversas mobilizações e rebeliões popular, a busca pela superação do neoliberalismo e a construção de uma sociedade alternativa que seja justa e inclusiva, porque já é possível e necessária.

A derrota da ALCA em 2005, evidenciou a resistência dos movimentos sociais e uma nova configuração geopolítica continental, caracterizada pelo surgimento de governos populares que se atrevem a enfrentar o Império. A aposta máxima neste sentido, lançada em 2004 por Fidel Castro e Hugo Chávez, é o que hoje se chama Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA).

A ALBA é um projeto essencialmente político, anti-neoliberal e anti-imperialista, fundamentado nos princípios da cooperação, da complementaridade e da solidariedade, que busca acumular forças populares e institucionais por um novo ciclo de independência latino-americana, dos povos e para os povos, por uma integração popular, pela vida, pela justiça, pela paz, pela soberania, pela identidade, pela igualdade, pela libertação da América Latina, por uma autêntica emancipação que tenha em seu horizonte o socialismo indo-afro-americano.

Entretanto, o Império segue mobilizando-se contra a reorganização das forças popular e o surgimento de novos projetos autônomos de integração da Pátria Grande. Logo que surgiram as primeiras rebeliões antineoliberais, os EUA começaram a reorientar sua política exterior visando recuperar sua hegemonia sobre o processo continental em várias dimensões: econômica, militar, normativa, cultural, midiática, política e territorial.

O surgimento da crise capitalista no seio de Wall Street em 2008 reforçou estes planos. Desde esse momento visibilizamos uma contraofensiva imperialista ainda maior no continente, que se expressa no aumento da presença transnacional nos territórios, o saqueio de nossos bens naturais e a privatização dos direitos sociais; a militarização do continente, a criminalização e repressão da luta popular; a intervenção estadunidense nos golpes de Estado em Honduras e Paraguai; a permanente desestabilização de governos progressistas latinoamericanos; o intento de recuperar influência política e econômica através de iniciativas como a Aliança do pacífico e outros acordos internacionais.

Neste contexto marcado pela ofensiva imperialista, por um lado, mas também pela abertura de novas possibilidades com o horizonte que nos aponta o projeto lançado pelos governos da ALBA, se faz mais necessário que nunca a Articulação dos Movimentos Sociais do continente. Temos que assumir o desafio histórico de articular as resistências e passar à ofensiva com um pensamento original e novas propostas de modelos civilizatórios, que recuperem as melhores tradições de nossos povos.

Ratificamos os princípios, diretrizes e objetivos de nossa primeira carta dos Movimentos Sociais das Américas, de construir a integração continental dos movimentos sociais desde abaixo e à esquerda, impulsionando a ALBA e a solidariedade dos povos, frente ao projeto do imperialismo.

Afirmamos nosso compromisso de contribuir ao projeto de integração latino-americano, seguir as batalhas anticoloniais, anticapitalistas, antiimperialistas e antipatriarcais, sob os princípios de solidariedade permanente e ativa entre os povos, através de ações concretas contra todas as formas de poder que oprimem e dominam.

Reafirmamos nossa aposta por conquistar a autodeterminação dos povos, a soberania popular em todos os níveis: territorial, alimentar, energética, econômica, política, cultural e social.

Defenderemos a soberania dos povos em decidir sobre seus territórios, os bens naturais e nos comprometemos a defender os direitos da Mãe Terra.

Os movimentos sociais de Nossa América chamamos a:

-Promover a unidade e integração regional baseada em um modelo de vida alternativo, sustentável e solidário, onde os modos de produção e reprodução estejam aos serviço dos povos;

-Relançar a luta de massas e a luta de classes, a nível nacional, regional e continental, que nos permita frear e desmantelar programas e projetos do capitalismo neoliberal.

-Tecer redes e coordenações efetivas de comunicação popular, que nos permitam enfrentar a batalha de ideias e frear a manipulação da informação pelas corporações e os meios de comunicação.

- Aprofundar nossos processos de formação política e ideológica para fortalecer nossas organizações, assim como avançar em processos de unidade conscientes e consequentes com as transformações necessárias.

Assim,

- Manifestamos nosso apoio e solidariedade ao povo da Colômbia neste momento crucial do processo de diálogo e negociação para alcançar a assinatura de um acordo de paz com justiça social, que verdadeiramente resolvam as causas que deram origem ao conflito armado. Estamos atentos ao desenvolvimento deste processo, dispostos a colaborar e acompanhar da maneira que o povo colombiano necessite.

- Manifestamos nosso apoio ao Governo Bolivariano da Venezuela, encabeçado pelo Companheiro Presidente Nicolás Maduro, expressão inequívoca da vontade popular do povo venezuelano refletida nas urnas no 14 de abril passado, diante das contínuas tentativas de desestabilização por parte da direita que buscar desconhecer a decisão soberana do povo e conduzir o país à uma crise política, institucional e econômica.

Esta Articulação Continental dos Movimentos Sociais pela ALBA é parte de um processo emancipador que desde a Revolução Haitiana até nossos dias, busca construir uma sociedade mais justa e profundamente humana. Nosso compromisso é continuar o legado de milhões de revolucionárias e revolucionários como Bolívar, San Martín, Dolores Cacuango, Toussaint L’Overture, José María Morelos, Francisco Morazán, Bartolina Sisa e tantos outros que de maneira solidária e desprendida entregaram suas vidas por estes ideais.

Reafirmando nossa história, nossa Assembleia leva o nome de um deles, de nosso Comandante Hugo Chávez, a quem honramos retomando suas bandeiras de luta pela unidade e a irmandade entre todos os povos desta Patria Grande, livre e soberana.

“A unidade e integração de Nossa América está
em nosso horizonte e é nosso caminho!”


Fonte: WWW.MST.ORG.BR

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O medo de ousar e a submissão ao capital



A política de rendição aos interesses do capital tem dominado a agenda do governo. Esse comportamento vem ainda antes da eclosão da crise internacional em 2008, na época em que prevalecia a tentativa de vender a imagem do bom-mocismo e quando se aplicavam, de forma mais realista que o rei, as recomendações da ortodoxia do financismo.
Paulo Kliass

A continuidade da política de ampliação da base parlamentar do governo no Congresso Nacional parece não ter limites. Para quem não acompanha a política brasileira em seu cotidiano, a situação pode parecer fantasmagórica. Imagine-se um indivíduo que tenha passado uns 12 anos fora do circuito e retornou apenas anteontem à superfície. Soube que Lula finalmente conseguiu ser eleito Presidente da República em outubro de 2002. E que, além de vencer a recondução para um segundo mandato, ainda logrou eleger sua sucessora. Ou seja, nosso personagem se surpreende com a notícia: mais de 10 anos de PT no poder!


Mas aos poucos, à medida que vai se inteirando dos detalhes da política tupiniquim, a pessoa fica sabendo que a coisa é mais complicada do que parecia à primeira vista. A antiga prática condenada do “fisiologismo” passou a ser gentilmente qualificado de “garantia da governabilidade”. Percebe que figuras como José Sarney, Fernando Collor, Paulo Maluf, Delfim Netto, Kátia Abreu, Henrique Meirelles, Guilherme Afif, Gilberto Kassab, Blairo Maggi e tantos outros são ou foram entusiastas apoiadores dos governos ao longo desse período. Ou seja, todos aqueles personagens da vida política nacional que eram marcados pelo anti-petismo radical, passaram rapidamente a fazer parte da base de sustentação política e eleitoral do governo do PT.

Mudança de prioridade na agenda do governo

Não é intenção d o artigo discutir aqui os limites da articulação parlamentar ou a necessidade de alianças para qualquer governo no nosso regime chamado de presidencialismo de coalizão. O aspecto mais importante a reter é a forma como o governo se comporta frente aos representantes das classes e frações de classes sociais no que se refere ao atendimento de seus interesses no interior do aparelho de Estado. Há muito tempo que os projetos de transformação social foram sendo abandonados, em nome de uma suposta impossibilidade de fazer andar a roda da História. Restou uma agenda reduzida da pequena política para os chamados setores populares, destinada a fazer valer algumas solicitações de determinados grupos sociais que estariam na origem da base do governo. A busca por projetos que pudessem se caracterizar como mudanças derivadas da vitória eleitoral foi cautelosamente abandonada. O pragmatismo para evitar derrotas passou a ser a bússola que orienta a ação dos dirigentes pol íticos.

O fato é que o núcleo duro dos sucessivos governos deixou de ousar na formulação - e, principalmente, na implementação - dos elementos essenciais de políticas públicas alternativas ao ideário que sempre havia sido encaminhado pelo Estado brasileiro até então. O receio de buscar o novo levou à paralisia dos caminhos traçados na época da oposição e à frustração de amplos setores que não viram a transformação das propostas existentes em políticas de governo. O bordão da primeira campanha vitoriosa de Lula dizia que a sua eleição seria a prova de que “a esperança venceu o medo”. Mas, na direção contrária do desejo popular que ousou votar pela mudança, os governos recuaram. Muito provavelmente por estarem premidos pelo temor das conseqüências políticas de atos mais efetivos – processo, aliás, que está na base de qualquer processo que envolve um mínimo de elemento transformador. Ora - e já que Marx está em alta nov amente - não custa lembrar que se trata tão somente da inescapável dinâmica da luta de classes. Simples assim: não há como fugir da contradição e do conflito de interesses.

Primeiros sinais na “Carta ao Povo Brasileiro”


As mensagens telegráficas e sub-reptícias já constavam da tristemente famosa “Carta ao Povo Brasileiro”, de julho de 2002, quando foram aventadas as primeiras manifestações de uma possível guinada programática a ser encaminhada após a vitória eleitoral. A nomeação dos responsáveis pela política econômica - Antonio Palocci e Henrique Meirelles - só veio a confirmar tal opção. A hegemonia da ortodoxia monetarista no comando da economia converteu-se na sinalização cristalina dirigida ao grande capital de que não havia nada a temer, pois nada seria mudado em termos da essência das diretrizes dos governos anteriores. E vejam que não se trata apenas d a garantia de que os grandes conglomerados não seriam prejudicados. A estratégia implicava a continuidade da hegemonia dos interesses do setor financeiro no bloco dominante, em prejuízo das demais frações, em especial as vinculadas ao capital industrial e produtivo.

Daí em diante, o que se verificou foi uma sequência coerente e permanente de ações dos governos em busca de sua legitimação junto aos representantes do capital. Ocorre que a postura adotada no perigoso jogo de equilíbrio terminou por se caracterizar como uma verdadeira fase de submissão dos principais dirigentes políticos aos interesses do grande empresariado. Muito tem sido produzido e discutido a respeito do fenômeno qualificado como “lulismo”. Na verdade, trata-se justamente dessa capacidade de oferecer tudo ao capital, mas mantendo um discurso de convencimento político junto aos trabalhadores e a maioria da população pobre de nosso País. É óbvio, além disso, que as políti cas de transferência como o programa Bolsa Família, os ganhos reais oferecidos ao salário mínimo e a ampliação dos benefícios previdenciários contribuíram para cimentar tal situação, aparentemente paradoxal. Mas tais melhorias ocorreram sem alteração na ordem anterior. Com isso, os governos conseguiram, na verdade, maior legitimidade para avançar na implementação da pauta empresarial.

Valores no orçamento refletem os setores mais beneficiados

Os valores do orçamento público destinados às políticas sociais são incomparavelmente diminutos quando comparados ao volume e à extensão dos favorecimentos e das benesses dirigidas ao capital. No caso das atividades agrícolas, por exemplo, os valores atribuídos ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA – reforma agrária e agricultura familiar) equivalem à metade dos recursos para os grandes proprietários, que são atendidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A educação superior privada conta com todo estímulo público por meio das bolsas concedidas às universidades privadas (PROUNI). No caso da saúde, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) beneficia os planos de saúde privados e incentiva a transformação da gestão da rede pública por meio de mecanismos de privatização, como a concessão de hospitais e demais serviços para empresas e organizações sociais.

A política de rendição aos interesses do capital tem dominado a agenda do governo. Esse comportamento vem ainda antes da eclosão da crise internacional em 2008, na época em que prevalecia a tentativa de vender a imagem do bom-mocismo e quando se aplicavam, de forma mais realista que o rei, as recomendações da ortodoxia do financismo. No momento atual, o governo aceita a chantagem do grande empresariado e se torna refém da baixa resposta que o setor privado está oferec endo aos novos investimentos necessários. Apesar de manter a políticas de distribuição de renda em favor dos mais pobres, sua dimensão e seus efeitos não são comparáveis aos ganhos proporcionados às empresas.

Exemplos de opção pelo favorecimento do capita
l

Se é verdade que os governos pós 2003 não podem ser classificados como neoliberais em sentido estrito, o fato é que não se utilizaram de sua base de ampla popularidade para promover mudanças mais efetivas. Os exemplos são inúmeros a refletir essa incapacidade de escapar da conhecida postura de submissão. Se partirmos da análise de que toda decisão política tem lado, o governo tem adotado de forma sistemática e unilateral a opção pelo lado do capital. Senão, vejamos alguns casos mais emblemáticos:

1. extensão paulatina e irresponsável da desoneração da folha de salários das empresas para inúmeros seto res. A contribuição previdenciária patronal passa a ter como fonte uma alíquota entre 1% e 2% a incidir sobre o faturamento das empresas. O novo modelo arrecada valores menores de receita e isso deverá provocar desajustes no futuro de uma previdência social atualmente equilibrada.

2. ampliação do regime de concessão para as atividades econômicas consideradas como de responsabilidade do Estado - os bens e serviços públicos. Os contratos para os diversos setores da infra-estrutura englobam rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica, saneamento, comunicações, exploração de petróleo, entre outros. As regras variam, mas em geral são condições de extremo favorecimento do capital, com prazos de 30 anos de exploração, recursos subsidiados do BNDES para os investimentos e nenhuma menção quanto a exigências de contrapartidas ou penalidades para o descumprimento das cláusulas. Na verdade, trata-se de uma ação do Estado criando um n ovo espaço de acumulação para essas empresas, onde fica assegurado o famoso modelo do “capitalismo sem risco”.

3. política explícita e louvada pelo governo de apoio ao agronegócio, com oferecimento de todos os tipos de facilidades para os grandes empreendedores do campo. Inexistência de políticas públicas para regulamentar o uso descontrolado de sementes e plantas transgênicas, o mesmo ocorrendo quanto ao uso indiscriminado e venenoso de agrotóxicos e fertilizantes. No que se refere à reforma agrária, observa-se uma contenção no ritmo de reconhecimento de novos assentamentos, com índices abaixo até dos governos de FHC.

4. inexistência de contrapartidas das grandes empresas em busca de recursos públicos e outras benesses junto ao Tesouro Nacional ou ao BNDES. Há inúmeros casos de empresas com “ficha suja” no quesito social e/ou ambiental - denúncias de trabalho escravo ou irregularidades junto ao IBAMA - que continuam a rece ber tais favorecimentos. O mesmo ocorre quanto aos compromissos de não demissão de trabalhadores, uso de componentes de fabricação nacional ou outros elementos de política pública considerada estratégica.

5. comprometimento de parcelas expressivas dos recursos do BNDES para estimular a formação das chamadas “gigantes brasileiras”, sem que o governo exija como contrapartida a sua participação nos conselhos diretivos desses novos mega-grupos.

6. concessão de todo o tipo de facilidades às grandes empresas da construção civil, em especial essa autorização recente para permitir a elevação dos valores licitados de grandes obras em até 17% em relação aos preços previamente acordados.

Ao que tudo indica, o governo permanece com todos os seus sentidos desligados do mundo real, externo ao ambiente dos negócios. Tal postura opera bem em momentos de crescimento da economia, mas pode apresentar dificuldade quando houver sinaliz ação contrária. As sucessivas tentativas e os equívocos cometidos já deveriam ter operado como alerta para uma mudança de conduta e de orientação. E vejam que nem se trata de optar por uma mudança radical na transformação da base de nosso modo capitalista de convivência social e econômica. O ponto é simplesmente o de ampliar o leque de alternativas a cada opção de política pública e não apenas continuar cedendo de forma constante e monotônica às demandas do capital. A sociedade brasileira é plural e há outras classes que merecem um tratamento também especial por parte de seus governantes. Uma atenção que vá muito além da simples distribuição das migalhas das políticas de transferência de renda e incorpore, de fato, a construção de um verdadeiro projeto de nação voltado para as necessidades da maioria de seu povo.


Paulo Kliass
é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Por que os médicos cubanos assustam


Elite corporativista teme que mudança do foco no atendimento abale o nosso sistema mercantil de saúde
Só em 2011, médicos cubanos recuperaram a visão gratuitamente de dois milhões de pessoas em 35 países A virulenta reação do Conselho Federal de Medicina contra a vinda de 6 mil médicos cubanos para trabalhar em áreas absolutamente carentes do país é muito mais do que uma atitude corporativista: expõe o pavor que uma certa elite da classe médica tem diante dos êxitos inevitáveis do modelo adotado na ilha, que prioriza a prevenção e a educação para a saúde, reduzindo não apenas os índices de enfermidades, mas sobretudo a necessidade de atendimento e os custos com a saúde.
Essa não é a primeira investida radical do CFM e da Associação Médica Brasileira contra a prática vitoriosa dos médicos cubanos entre nós. Em 2005, quando o governador de Tocantins não conseguia médicos para a maioria dos seus pequenos e afastados municípios, recorreu a um convênio com Cuba e viu o quadro de saúde mudar rapidamente com a presença de apenas uma centena de profissionais daquele país.
A reação das entidades médicas de Tocantins, comprometidas com a baixa qualidade da medicina pública que favorece o atendimento privado, foi quase de desespero. Elas só descansaram quando obtiveram uma liminar de um juiz de primeira instância determinando em 2007 a imediata “expulsão” dos médicos cubanos.
No Brasil, o apego às grandes cidades

Dos 371.788 médicos brasileiros, 260.251 estão nas regiões Sul e Sudeste

Neste momento, o governo da presidenta Dilma Rousseff só está cogitando de trazer os médicos cubanos, responsáveis pelos melhores índices de saúde do Continente, diante da impossibilidade de assegurar a presença de profissionais brasileiros em mais de um milhar de municípios, mesmo com a oferta de vencimentos bem superiores aos pagos nos grandes centros urbanos.

E isso não acontece por acaso. O próprio modelo de formação de profissionais de saúde, com quase 58% de escolas privadas, é voltado para um tipo de atendimento vinculado à indústria de equipamentos de alta tecnologia, aos laboratórios e às vantagens do sistema híbrido, em que é possível conciliar plantões de 24 horas no sistema público com seus consultórios e clínicas particulares, alimentados pelos planos de saúde.

Mesmo com consultas e procedimentos pagos segundo a tabela da AMB, o volume de clientes é programado para que possam atender no mínimo dez por turnos de cinco horas. O sistema é tão direcionado que na maioria das especialidades o cliente pode ter de esperar mais de dois meses por uma consulta.

Além disso, dependendo da especialidade e do caráter de cada médico, é possível auferir faturamentos paralelos em comissões pelo direcionamento dos exames pedidos como rotinas em cada consulta.

Sem compromisso em retribuir os cursos públicos

Há no Brasil uma grande “injustiça orçamentária”: a formação de médicos nas faculdades públicas, que custa muito dinheiro a todos os brasileiros, não presume nenhuma retribuição social, pelo menos enquanto é não se aprova o projeto do senador Cristóvam Buarque, que obriga os médicos recém-formados que tiveram seus cursos custeados com recursos públicos a exercerem a profissão, por dois anos, em municípios com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões metropolitanas.

Cruzando informações, podemos chegar a um custo de R$ 792.000,00 reais para o curso de um aluno de faculdades públicas de Medina, sem incluir a residência. E se considerarmos o perfil de quem consegue passar em vestibulares que chegam a ter 185 candidatos por vaga (UNESP), vamos nos deparar com estudantes de classe média alta, isso onde não há cotas sociais.

Um levantamento do Ministério da Educação detectou que na medicina os estudantes que vieram de escolas particulares respondem por 88% das matrículas nas universidades bancadas pelo Estado. Na odontologia, eles são 80%.

Em faculdades públicas ou privadas, os quase 13 mil médicos formados anualmente no Brasil não estão nem preparados, nem motivados para atender às populações dos grotões. E não estão por que não se habituaram à rotina da medicina preventiva e não aprenderam como atender sem as parafernálias tecnológicas de que se tornaram dependentes.

Concentrados no Sudeste, Sul e grandes cidades

Números oficiais do próprio CFM indicam que 70% dos médicos brasileiros concentram-se nas regiões Sudeste e Sul do país. E em geral trabalham nas grandes cidades. Boa parte da clientela dos hospitais municipais do Rio de Janeiro, por exemplo, é formada por pacientes de municípios do interior.

Segundo pesquisa encomendada pelo Conselho, se a média nacional é de 1,95 médicos para cada mil habitantes, no Distrito Federal esse número chega a 4,02 médicos por mil habitantes, seguido pelos estados do Rio de Janeiro (3,57), São Paulo (2,58) e Rio Grande do Sul (2,31). No extremo oposto, porém, estados como Amapá, Pará e Maranhão registram menos de um médico para mil habitantes.

A pesquisa “Demografia Médica no Brasil” revela que há uma forte tendência de o médico fixar moradia na cidade onde fez graduação ou residência. As que abrigam escolas médicas também concentram maior número de serviços de saúde, públicos ou privados, o que significa mais oportunidade de trabalho. Isso explica, em parte, a concentração de médicos em capitais com mais faculdades de medicina. A cidade de São Paulo, por exemplo, contava, em 2011, com oito escolas médicas, 876 vagas – uma vaga para cada 12.836 habitantes – e uma taxa de 4,33 médicos por mil habitantes na capital.

Mesmo nas áreas de concentração de profissionais, no setor público, o paciente dispõe de quatro vezes menos médicos que no privado. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o número de usuários de planos de saúde hoje no Brasil é de 46.634.678 e o de postos de trabalho em estabelecimentos privados e consultórios particulares, 354.536. Já o número de habitantes que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é de 144.098.016 pessoas, e o de postos ocupados por médicos nos estabelecimentos públicos, 281.481.

A falta de atendimento de saúde nos grotões é uma dos fatores de migração. Muitos camponeses preferem ir morar em condições mais precárias nas cidades, pois sabem que, bem ou mal, poderão recorrer a um atendimento em casos de emergência.

A solução dos médicos cubanos é mais transcendental pelas características do seu atendimento, que mudam o seu foco no sentido de evitar o aparecimento da doença. Na Venezuela, os Centros de Diagnósticos Integrais espalhados nas periferias e grotões, que contam com 20 mil médicos cubanos, são responsáveis por uma melhoria radical nos seus índices de saúde.
Cuba é reconhecida por seus êxitos na medicina e na biotecnologia

Em sua nota ameaçadora, o CFM afirma claramente que confiar populações periféricas aos cuidados de médicos cubanos é submetê-las a profissionais não qualificados. E esbanja hipocrisia na defesa dos direitos daquelas pessoas.

Não é isso que consta dos números da Organização Mundial de Saúde. Cuba, país submetido a um asfixiante bloqueio econômico, mostra que nesse quesito é um exemplo para o mundo e tem resultados melhores do que os do Brasil.


Quando esteve em Cuba, em 2003, a deputada Lilian Sá
foi conhecer com outros parlamentares o médico de família,
uma equipe residente no próprio conjunto habitacional
Graças à sua medicina preventiva, a ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa da América e do Terceiro Mundo – 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959, quando do triunfo da revolução) – inferior à do Canadá e dos Estados Unidos. Da mesma forma, a expectativa de vida dos cubanos – 78,8 anos (contra 60 anos em 1959) – é comparável a das nações mais desenvolvidas.

Com um médico para cada 148 habitantes (78.622 no total) distribuído por todos os seus rincões que registram 100% de cobertura, Cuba é, segundo a Organização Mundial de Saúde, a nação melhor dotada do mundo neste setor.
Segundo a New England Journal of Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.

O Brasil forma 13 mil médicos por ano em 200 faculdades: 116 privadas, 48 federais, 29 estaduais e 7 municipais. De 2000 a 2013, foram criadas 94 escolas médicas: 26 públicas e 68 particulares.

Formando médicos de 69 países

Estudantes estrangeiros na Escola Latino-Americana de Medicina
Em 2012, Cuba, com cerca de 13 milhões de habitantes, formou em suas 25 faculdades, inclusive uma voltada para estrangeiros, mais de 11 mil novos médicos: 5.315 cubanos e 5.694 de 69 países da América Latina, África, Ásia e inclusive dos Estados Unidos.

Atualmente, 24 mil estudantes de 116 países da América Latina, África, Ásia, Oceania e Estados Unidos (500 por turma) cursam uma faculdade de medicina gratuita em Cuba.

Entre a primeira turma de 2005 e 2010, 8.594 jovens doutores saíram da Escola Latino-Americana de Medicina. As formaturas de 2011 e 2012 foram excepcionais com cerca de oito mil graduados. No total, cerca de 15 mil médicos se formaram na Elam em 25 especialidades distintas.

Isso se reflete nos avanços em vários tipos de tratamento, inclusive em altos desafios, como vacinas para câncer do pulmão, hepatite B, cura do mal de Parkinson e da dengue. Hoje, a indústria biotecnológica cubana tem registradas 1.200 patentes, e comercializa produtos farmacêuticos e vacinas em mais de 50 países.

Presença de médicos cubanos no exterior

Desde 1963, com o envio da primeira missão médica humanitária à Argélia, Cuba se trabalha no atendimento de populações pobres no planeta. Nenhuma outra nação do mundo, nem mesmo as mais desenvolvidas, teceu semelhante rede de cooperação humanitária internacional. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países. No total, os médicos cubanos trataram de 85 milhões de pessoas e salvaram 615 mil vidas. Atualmente, 31 mil colaboradores médicos oferecem seus serviços em 69 nações do Terceiro Mundo.

Segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), "um dos exemplos mais bem sucedidos da cooperação cubana com o Terceiro Mundo é o Programa Integral de Saúde para América Central, Caribe e África”.
No âmbito da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), Cuba e Venezuela decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha humanitária continental com o nome de Operação Milagre, que consiste em operar gratuitamente latino-americanos pobres, vítimas de cataratas e outras doenças oftalmológicas, que não tenham possibilidade de pagar por uma operação que custa entre cinco e dez mil dólares. Esta missão humanitária se disseminou por outras regiões (África e Ásia). A Operação Milagre dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15 países da América Central e do Caribe. Em 2011, mais de dois milhões de pessoas de 35 países recuperaram a visão.

Quando se insurge contra a vinda de médicos cubanos, com argumentos pueris, o CFM adota também uma atitude política suspeita: não quer que se desmascare a propaganda contra o regime de Havana, segundo a qual o sonho de todo cubano é fugir para o exterior. Os mais de 30 mil médicos espalhados pelo mundo permanecem fiéis aos compromissos sociais de quem teve todo o ensino pago pelo Estado, desde a pré-escola e de que, mais do que enriquecer, cumpre ao médico salvar vidas e prestar serviços humanitários.

Fonte: Blog do Pedro Porfirio