Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 20 de novembro de 2011

Valeu, Zumbi


      Em 20 de novembro de 1695, Zumbi, o último líder do quilombo dos Palmares, foi morto pelos escravocratas. O quilombo que resistiu por mais de cem anos entra em fase de extinção. Naquela cidadela de resistência à escravidão, viviam em comunhão negros, indígenas e não negros perseguidos na colônia.


Eloi Ferreira de Araujo, na Folha de São Paulo


     Chegaram a mais de 20 mil habitantes. A destruição física do quilombo dos Palmares foi uma derrota. Contudo, o sonho de liberdade, de colocar fim à escravidão de africanos, ficou dormitando.
     Assim, passados quase 200 anos da epopeia de Palmares, a luta pelo fim da escravidão foi para as ruas do Brasil. O movimento abolicionista ganha os corações e as mentes: em 13 de maio de 1888, é aprovada a Lei Áurea.
     É iniciada a colheita dos frutos semeados em Palmares. Contudo, a Lei Áurea não veio acompanhada de mecanismos de inclusão para assegurar aos ex-cativos as oportunidades que foram dadas aos imigrantes europeus.]
     Passados 123 anos desde a abolição, o país incorporou ao seu arcabouço jurídico legislação não penal para a população negra que merece destaque. A lei nº 10.639/2003, que institui o ensino de história e cultura afro-brasileira, é uma delas.
     Sua importância reside, entre inúmeros aspectos, em estimular o conhecimento sobre a importância do negro na formação da nação, da identidade nacional e da contribuição dos escravos para a construção do Estado brasileiro.
     Vale ressaltar também a lei nº 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial, primeira legislação, desde 1888, que, por meio de ações afirmativas, cria possibilidades para reparar um pouco das desigualdades históricas entre negros e não negros.
     Há quem diga que os problemas existentes no Brasil são apenas sociais, e não raciais. Um discurso de cabra-cega, que ignora o desenvolvimento desigual do país e que, na prática, ignora que os negros foram escravizados.
     As ações afirmativas são medidas especiais que o Estado e a iniciativa privada podem adotar para reduzir as desigualdades. Um exemplo são as cotas nos concursos e demais processos de seleção para o ingresso de negras e negros nas instituições públicas e privadas.
     Direitos das comunidades dos remanescentes dos quilombos, proteção às religiões afro-brasileiras, empreendedorismo, saúde da população negra, acesso a financiamentos públicos, presença nas peças de publicidade e nos meios de comunicação, entre outras possibilidades, constam do Estatuto da Igualdade Racial e dão vigor a um diploma novo, que precisa ser apropriado pela nação, para que esta exija seu cumprimento.
     É o início de uma longa caminhada que o Brasil precisa percorrer para reparar o mais bárbaro de todos os crimes: a escravidão de africanos e de seus descendentes.
     O sonho dos quilombolas de Palmares caminha para ser uma realidade. O país está avançando para a construção da igualdade de oportunidades entre todos os filhos da nação. 
     Valeu, Zumbi. 

Eloi Ferreira de Araujo
é presidente da Fundação Cultural Palmares

HERÓIS CONDENADOS


 Frei Betto
      “Os últimos soldados da guerra fria”, livro de Fernando Morais editado pela Companhia das Letras (2011), teria suscitado inveja em Ian Fleming, autor de 007, se este não tivesse morrido em 1964, sobretudo por comprovar que, mais uma vez, a realidade supera a ficção.
       Suponhamos que na esquina de sua rua haja um bar que abriga suspeitos de assaltarem casas do bairro. Como medida preventiva, você trata de infiltrar um detetive entre eles, de modo a proteger sua família. A polícia, de olho nos meliantes, identifica o detetive. E ao invés de prender os bandidos, encarcera o infiltrado...
       Foi o que ocorreu com os cinco cubanos que, monitorados pelos serviços de inteligência de Cuba, se infiltraram nos grupos anticastristas da Flórida, responsáveis por 681 atentados terroristas contra Cuba, que resultaram no assassinato de 3.478 pessoas e causaram danos irreparáveis a outras 2.099.
       Desde setembro de 1998, encontram-se presos nos EUA os cubanos Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández e Ramón Labañino. O quinto, René González, condenado a 15 anos, obteve liberdade condicional no último dia 7 de outubro, mas por ter dupla nacionalidade (americana e cubana) está proibido de deixar o país.
       Os demais cumprem pesadas penas: Hernández recebeu condenação de dupla prisão perpétua e mais 15 anos de reclusão... Precisaria de três vidas para cumprir tão absurda sentença. Labañino está condenado à prisão perpétua, mais 18 anos; Guerrero, à prisão perpétua, mais 10 anos; e Fernando a 19 anos.
       Os cinco constituíam a Rede Vespa, que municiava Havana de informações a respeito de terroristas que, por avião ou disfarçados de turistas, praticaram atentados contra Cuba, contrabandearam armas e detonaram explosivos em hotéis de Havana, causando ferimentos e mortes.
       Bush e Obama deveriam agradecer ao governo cubano por identificar os terroristas que, impunes, usam o território americano para atacar a ilha socialista do Caribe. Acontece, no entanto, exatamente o contrário, revela o livro bem documentado de Fernando Morais. O FBI prendeu os agentes cubanos, e continua a fazer vista grossa aos terroristas que promovem incursões aéreas clandestinas sobre Cuba e treinamentos armados nos arredores de Miami.
       Em 15 capítulos, o livro de Morais relata como a segurança cubana prepara seus agentes; a saga do mercenário salvadorenho que, a soldo de Miami, colocou cinco bombas em hotéis e restaurantes de Havana; o papel de Gabriel García Márquez, como pombo-correio, na troca de correspondência entre Fidel e Bill Clinton; a visita sigilosa de agentes do FBI a Havana, e o volume de provas contra a Miami cubana que lhe foram oferecidas por ordem de Fidel.
      “Os últimos soldados da guerra fria” é fruto de exaustivas pesquisas e entrevistas realizadas pelo autor em Cuba, EUA e Brasil. Redigido em estilo ágil, desprovido de adjetivações e considerações ideológicas, o livro comprova por que Cuba resiste há mais de 50 anos como único país socialista do Ocidente: a Revolução e suas conquistas sociais incutem na população um senso de soberania que a induz a preservá-las como gesto de amor.
       Em país capitalista, para quem, graças à loteria biológica, nasceu em família e classe social imunes à miséria e à pobreza, é difícil entender por que os cubanos não se rebelam contra as autoridades que os governam. Ora, quando se vive num país bloqueado há meio século pela maior potência militar, econômica e ideológica da história, da qual dista apenas 140 km, é motivo de orgulho resistir por tanto tempo e ainda merecer elogios do papa João Paulo II ao visitá-lo em 1998.
       Em mais de 100 países – inclusive no Brasil – há médicos e professores cubanos em serviços solidários em áreas carentes. O número de desertores é ínfimo, considerada a quantidade de profissionais que, findo o prazo de trabalho, retornam a Cuba. E a Revolução, como ocorre agora sob o governo de Raúl Castro, tem procurado se atualizar para não perecer.
       Talvez este outdoor encontrado nas proximidades do aeroporto de Havana, e citado com frequência por Fernando Morais, ajude a entender a consciência cívica de um povo que lutou para deixar de ser colônia, primeiro, da Espanha e, em seguida, dos EUA: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana.”
 Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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