Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Dilma e as entrelinhas (1)


Por Valter Pomar
É importante assistir ao firme discurso feito pela presidenta Dilma Rousseff na
abertura do 12º Congresso da CUT.

O discurso pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=

TplKFPe-0lo&feature=youtu.be

Todo apoio à presidenta Dilma contra o golpismo. E folgo em vê-la firme e
decidida.

Entretanto, para que nosso combate ao golpismo tenha maiores chances de
êxito, dizemos à presidenta: mude imediatamente a política econômica.
Evidentemente, a presidenta tem outra visão.
Ela considera que o ajuste conduzido pelos ministros Levy & Barbosa
é necessário para o reequilíbrio fiscal, depois do que viria a transição para um
novo ciclo de desenvolvimento.

Na minha opinião, a presidenta está equivocada, por dois motivos principais.
Este ajuste não está provocando, nem vai provocar equilíbrio, entre outros
motivos devido à política de juros e a queda na arrecadação.
E o desgaste político causado por este ajuste ajuda as forças golpistas,
agora e/ou em 2018.
Portanto, o reequilíbrio das contas & um novo ciclo de desenvolvimento pretendidos pela presidenta estão no plano das boas intenções.

Isto posto, o que mais me chamou a atenção no discurso da presidenta Dilma
não foi sua (previsível) opinião sobre a política econômica.
O que mais chamou minha atenção foi o que ela disse acerca de quatro outros
assuntos, emitindo opiniões que ajudam a entender por qual motivo estamos
(nós e a presidenta) na situação atual.

1

Logo no início do discurso, a presidenta explica que no combate aos efeitos
da crise internacional chegamos a um limite orçamentário.

Em certo sentido, é verdade.
Mas por qual motivo, desde 2006 e até agora, mesmo nos momentos em que
estávamos melhor do ponto de vista econômico e político, não fizemos
reformas estruturais que permitissem ampliar os tais “limites orçamentários”?

Verdade seja dita, quando ainda não era oficialmente candidata, a então
ministra Dilma Rousseff já nos informara sua opinião acerca da reforma
tributária (e também da reforma agrária).

A questão é: se quando estamos fortes não tentamos fazer reformas, se
quando estamos fracos não podemos fazer reformas, então não faremos
reformas nunca.

E sem reformas estruturais, a nossa capacidade de melhorar a vida do povo
estará sempre limitada não apenas pelo orçamento, mas pelo conjunto de
“circunstâncias” estruturais que caracterizam o capitalismo brasileiro.

Aceita esta limitação, nos converteremos em administradores, cuja rebeldia
é dada pela elasticidade tolerada pela própria ordem das coisas, maior em
algumas conjunturas, menor em outras.

2

Em todo o seu discurso, a presidenta Dilma fez um duro ataque contra o
golpismo e um ataque direto ao falso moralismo de Eduardo Cunha, sem citar
seu nome nem partido, o PMDB.
Igualmente, condenou as tenebrosas “ditadura”, salvo engano omitindo o
termo “militar”.

Ela está correta no que diz sobre a oposição, mas causa espécie a ausência de
qualquer referência à postura do grande capital e ao oligopólio da mídia.
Coube ao plenário do Congresso da CUT, para quem a presidenta Dilma
discursava, lembrar que “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

O golpismo não é um fenômeno conjuntural, nem limitado a oposição
partidária. Oposição que tem pecados muito maiores do que os de votar
contra medidas que “eles próprios aprovaram no passado”, até porque
algumas destas medidas são agora propostas por quem igualmente votou
contra elas no passado.

A própria presidenta, ao falar que o golpe não é contra ela, mas contra o que ela representa, dá a pista: a classe dominante brasileira não tem compromisso com a democracia.
Mas se é assim, fica a questão: nós fizemos tudo o que poderia ter sido feito,
desde 2003, para ampliar a democracia?

E neste momento, estamos fazendo tudo o que deve e pode ser feito contra
os que instrumentalizam e partidarizam a ação da Justiça, do Ministério
Público, da Polícia Federal e das concessões públicas de Rádio e TV?

3

A presidenta fez um duro ataque contra o ódio e a intolerância da oposição.
Ela tem toda razão e poderia ter dito muito mais, até porque é pessoalmente
vítima cotidiana de agressões.

Mas ela não está certa ao dizer que este ódio é contraditório com os “valores fundamentais” de nosso país, que seria formado por “etnias diferentes”,
“tolerante em relação as pessoas” etc.

Como já disse um petista que infelizmente não está mais entre nós, é um mito
falar em democracia racial. Analogamente, é um mito qualquer visão que oculte
o fato de que nosso país também é marcado por brutais desigualdades,
atravessado por uma violência sistêmica e profundos preconceitos.

Violência e preconceito que tem endereço, CIC e RG: a classe dominante e
seus mimetizadores entre os setores médios.

Assim, da mesma forma que a presidenta disse que “nenhum trabalhador deve
baixar a guarda”, também caberia dizer que nenhum governante ou parlamentar
do campo popular deve baixar a guarda.

O que significa dizer que é preciso, sim, fazer guerra política contra o ódio e a intolerância, que não serão derrotadas com bons modos.

4

A presidenta Dilma, depois de tudo o que aconteceu em 2013 e 2014, insiste
em comemorar a criação de “uma das maiores classes médias do mundo”,
dizendo ainda que esta “população que passou a consumir que passou a
ter direitos, acesso a serviços” constitui a “maior riqueza” do Brasil.

A presidenta pode e deve comemorar cada ampliação do bem-estar e da
capacidade de consumo do povo. E muito ainda deve ser feito, para que o povo
viva com dignidade.Mas quem constitui a maior riqueza de nosso país é nossa
classe trabalhadora.
Foram milhões de trabalhadores e de trabalhadoras que melhoraram de vida
graças aos governos Lula e Dilma.

Dizer a estas pessoas que elas, porque melhoraram de vida, converteram-se
em “classe média” é, para além de qualquer debate sociológico, um erro
político gravíssimo. Erro que ajuda a entender grande parte dos problemas
que vivemos hoje, pois na prática houve uma disjuntiva entre ampliar a
classe média através do consumo versus organizar e politizar a classe
trabalhadora.

O discurso da presidenta Dilma no Concut foi muito importante.
Estamos juntos na luta contra o golpismo, pela manutenção e ampliação
das liberdades democráticas.

E a melhor maneira de defender as liberdades democráticas, a legalidade e o
governo Dilma, é mudar a política econômica de ajuste fiscal recessivo e
neoliberal.
Qualquer outra maneira pode conduzir a vitórias, mas serão de Pirro.

(1) Esta coluna de Valter Pomar foi escrita alguns dias antes de
Dilma rejeitar o apelo de Rui Falcão, presidente do PT, e do ex-presidente Lula. A força do texto está nas entrelinhas


Valter Pomar, foi jornalista no Brasil Agora e na revista Teoria e Debate e Linha Direta antigas publicações ligadas do PT, ex-dirigente da Secretaria Internacional das Relações Internacionais do PT, doutor em História Econômica, derrotado nas eleições para a direção nacional do PT. Atualmente é secretário-executivo do Foro de São Paulo.

Fonte: Correio do Brasil/Direto da Redação que é um fórum de debates editado
pelo jornalista Rui Martins