Fonte: Carta Maior
Já que estamos falando em equilíbrio, nunca é demais lembrar que as despesas realizadas pela União com a Previdência Social apresentam um efeito positivo imediato sobre a própria capacidade
arrecadadora do governo nas esferas federal, estadual e municipal.
Como vimos no artigo anterior, a situação da Previdência Social em nosso País não é tão problemática como pretendem nos convencer os alarmistas de plantão. O modelo está equilibrado e o déficit é fruto de uma série de decisões adotadas pelo governo em relação ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Assim, ao atender a tais recomendações superiores, a contabilidade do sistema previdenciário acaba sendo prejudicada e exibe um déficit que pouco tem a ver com o equilíbrio ou desequilíbrio da essência própria do regime previdenciário.
A idéia de um sistema equilibrado deveria estar associada a um quadro em que fossem apontadas, basicamente, dois tipos de informação. De um lado, os recursos das receitas que alimentam os créditos do regime de previdência e suas fontes de arrecadação. Por outro lado, a estrutura das despesas do modelo, com o pagamento dos diversos tipos de benefícios previdenciários e também alguns de natureza não-previdenciária. Além disso, é importante o acompanhamento do déficit ou superávit no curtíssimo e no curto prazos, bem como as projeções e as tendências de sua evolução no médio e no longo prazos.
No curto prazo, como vimos, o sistema está equilibrado, chegando mesmo a apresentar um ligeiro superávit. Peraí! Mas como “equilíbrio”, se os jornais falam em déficit de R$ 44 bilhões em 2010 e até comenta-se que a Presidenta Dilma estaria convocando as Centrais Sindicais para negociar pontos de uma eventual reforma da Previdência? Pois é, a aparente contradição dos números reside justamente nessa forma equivocada e enviesada de apresentar os resultados do RGPS. Na semana passada, procurei mostrar que o sistema relativo aos trabalhadores urbanos está equilibrado, as receitas maiores que as despesas. Ou seja, o total das receitas associadas às contribuições do lado dos empregadores e dos empregadores é maior que o total das despesas com o pagamento de benefícios.
O resultado negativo fica por conta da inclusão dos trabalhadores rurais no sistema e ao fato da União não ter recolhido ao INSS os valores históricos das hipotéticas contribuições dos trabalhadores do campo, que alias não contribuíram justamente porque eram excluídos do sistema. Resultado desse “imbróglio”: há um conjunto de despesas previdenciárias que se realizam a cada mês sem as correspondentes contribuições. Esse é o chamado “passivo da previdência rural”, pois os ingressantes mais recentes no sistema já contribuem, como ocorre com os trabalhadores urbanos.
Outro elemento importante diz respeito ao montante não recolhido sob a forma de contribuição previdenciária, em razão de dispositivos legais e/ou administrativos que permitem a isenção ou a renúncia de tal tributo. É o caso das instituições filantrópicas, dos clubes esportivos, das instituições religiosas e de vários outros. Da mesma forma que no caso dos rurais, a União deveria recolher às contas do RGPS os valores de tais receitas não realizadas, uma vez que eventual desarranjo provocado por essa situação nada tem a ver com o modelo previdenciário em si, mas com decisões políticas externas ao RGPS. Como no caso dos rurais, essa simples decisão administrativa aportaria maior transparência e realismo atuarial à análise das contas previdenciárias.
Além disso, há outras questões que merecem ser esclarecidas. O Brasil é um dos poucos países que manteve em seu aparato de políticas públicas um importante conceito incorporado à nossa Constituição Federal (CF) em 1988. Talvez nem todas as pessoas se dêem conta quando falam a respeito, mas o nosso conceito mais amplo é o de “seguridade social”. E a questão não é meramente formal. Os arts. 165 e 167 da CF exigem que a Lei do Orçamento Anual (LOA), peça legal o Executivo elabora e encaminha para apreciação e votação pelo Congresso Nacional a cada exercício, contenha três orçamentos independentes: um orçamento de fiscal, um orçamento específico para a seguridade social e um orçamento detalhando os investimentos das empresas estatais.
Mas, então, o que vem a ser esse conceito mais amplo? A CF busca responder a tal indagação. O Título VIII trata da chamada “Ordem Social”. Em seu interior, o Capítulo II trata da “Seguridade Social”. O art. 194 define a seguridade social, compreendendo o conjunto dos setores e serviços envolvendo três áreas: i) saúde; ii) previdência; e iii) assistência social. O art. 195 chega ao detalhe de estabelecer as fontes de financiamento da própria seguridade social. No entanto, apesar de toda essa vontade política - mais do que explícita por parte do constituinte, a realidade dos governos que se seguiram e a sua complexa relação com as diversas legislaturas que foram eleitas para o Congresso Nacional, fizeram com que o Orçamento da Seguridade Social se transformasse em uma espécie de peça de ficção. Cria-se um “jogo de faz de conta” para cumprir formalmente uma exigência constitucional, mas não se atenta à essência mesma de tal mandamento.
Para 2011, por exemplo, a proposta para o Orçamento Fiscal apresenta um valor de gastos próximo a R$ 1,5 trilhão. Já o Orçamento da Seguridade Social prevê um total de despesas de R$ 506 bilhões. E lá estão somados todos os gastos dos três setores: previdência, saúde e assistência social. As fontes das receitas para fazer face a tais gastos estão concentradas em três itens tributários. Mais de 78% das receitas (R$ 395 bi) provêm das contribuições previdenciárias “stricto sensu” (R$ 231 bi), que se somam aos R$ 122 bi da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e aos R$ 42 bi da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em meio a esses valores que temos dificuldade de dimensionar, aparece uma rubrica a respeito de um suposto “déficit” da Seguridade Social, no valor de R$ 43 bi. Na verdade, trata-se do valor aproximado da extinta Contribuição Provisória da Movimentação Financeira (CPMF), que deixou um buraco a ser coberto diretamente pelos recursos do Tesouro.
O mesmo quadro demonstrativo da LOA (1) , por outro lado, escancara - para quem quiser ver - o absurdo de uma previsão inicial de despesas de R$ 170 bi com “juros e encargos da dívida pública”. Como não recursos específicos vinculados para tal despesa, os gastos são cobertos diretamente pelo Tesouro. Mas eles não são classificados como “deficitários”, como se esse tipo de sub-orçamento fosse equilibrado. Parece brincadeira, mas infelizmente é assim que os números são tratados e manipulados!
O interessante é que os órgãos de imprensa e a turminha das finanças tampouco apresentam o mesmo rigor e a mesma exigência para tratar de todos os (des)equilíbrios inerentes às contas do setor público. Por exemplo, sempre estiveram na trincheira de luta pela extinção da CPMF, um tributo fundamental, que foi instituído para o financiamento do essencial e modelar Sistema Único de Saúde (SUS), referência em todo o mundo para o atendimento universal de saúde à nossa população, tal como determina a parte da CF que trata da Seguridade Social. Com um discurso ideologizado ao extremo, berravam contra a incidência de uma alíquota sobre as transações financeiras. Mais do que o valor irrisório do tributo, incomodava o fato de que isso permitia um controle por parte dos órgãos encarregados do controle e fiscalização, reduzindo possibilidades de fraudes e sonegação. Problemas com a queda na arrecadação do sistema nacional de saúde? Isso pouco importava, provocar esse desequilíbrio de forma tão irresponsável não merecia as manchetes escandalosas, ao contrário do que sempre ocorre no caso da previdência. Afinal, sempre havia até mesmo a oportunidade de aproveitar a crise para fortalecer os grupos privados, operando na área da saúde cada vez mais mercantilizada.
Da mesma forma, quase não aparecem artigos e depoimentos de especialistas em finanças públicas condenando os desequilíbrios nas contas orçamentárias quando, a cada ano, a bancada ruralista e as suas entidades classistas (como a Confederação Nacional da Agricultura - CNA) obtêm uma renegociação – generosa ao extremo – do pagamento das dívidas do setor agrário junto ao governo, ao Banco do Brasil e demais órgãos públicos do setor. Nessa contabilidade, tal renúncia fiscal não é apresentada como fator de desequilíbrio ou irresponsabilidade no manejo do gasto público. E o que dizer dos empréstimos concedidos pelo BNDES para os grandes grupos empresariais, cobrando uma taxa de juros altamente subsidiada – a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)? Em um procedimento adequado, o Tesouro Nacional compensa o caixa do Banco pela diferença entre a SELIC (11,75% ao ano) e a TJLP (6% ao ano), para evitar que a instituição financeira federal registre prejuízo operacional provocado por decisões tomadas fora de sua alçada. A exemplo, aliás, do que deveria fazer o mesmo Tesouro para com o INSS nos casos já mencionados acima!
Finalmente, já que estamos falando ainda em equilíbrio, nunca é demais lembrar que as despesas realizadas pela União com a Previdência Social apresentam um efeito positivo imediato sobre a própria capacidade arrecadadora do governo nas esferas federal, estadual e municipal. Isso ocorre em função da característica marcadamente regressiva de nosso sistema tributário. Isso significa que as camadas de renda mais baixa pagam, proporcionalmente, mais impostos do que a população de renda mais elevada. Uma parte significativa de nossos tributos são os chamados “impostos diretos”, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI - federal), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS - estadual) e o Imposto sobre Serviços (ISS - municipal), entre outros. E a estrutura de consumo das famílias de renda mais baixa se concentra em bens e serviços que absorvem mais de 30% de seu valor com tais tributos. É o caso de alimentos, bebidas, vestuários, eletrodomésticos, transporte, combustíveis, fatura de eletricidade, fatura de telefone, fatura de água, etc.
Dessa forma, quando ocorre reajuste nos valores do salário mínimo, das aposentadorias e pensões da Previdência, nos benefícios como o Bolsa Família e o dos idosos, por exemplo, verifica-se um efeito de retorno de recursos para os cofres da União, dos Estados e dos Municípios. Isso, é claro, sem falar nos efeitos positivos sobre a geração de renda, criação de emprego, melhoria nos índices sociais e outros. Assim, quando alguns analistas de plantão, os conhecidos “especialistas” de sempre ouvidos pelos grandes órgãos de comunicação, começam a encher a boca para exigir do governo “responsabilidade e austeridade na política fiscal” eu fico aqui pensando com meus botões a respeito da incoerência dos argumentos. Repassar R$ 170 bilhões para o setor financeiro na forma de pagamento de juros da dívida pública é uma despesa séria e responsável. Realmente, deve ser mesmo uma alocação de recursos equilibrada, sem nenhuma conotação de desperdício de gasto público. Já reajustar o salário mínimo e os benefícios da Previdência Social, isso sim, se caracteriza por “armar bombas de difícil desativação”, ações perigosas que podem comprometer o equilíbrio fiscal de maneira estrutural em nosso País. Então, tá certo... Como diz uma grande amiga, “me poupe” !
(1) Ver: http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/loa/loa2011/ciclos/volume1.html
A idéia de um sistema equilibrado deveria estar associada a um quadro em que fossem apontadas, basicamente, dois tipos de informação. De um lado, os recursos das receitas que alimentam os créditos do regime de previdência e suas fontes de arrecadação. Por outro lado, a estrutura das despesas do modelo, com o pagamento dos diversos tipos de benefícios previdenciários e também alguns de natureza não-previdenciária. Além disso, é importante o acompanhamento do déficit ou superávit no curtíssimo e no curto prazos, bem como as projeções e as tendências de sua evolução no médio e no longo prazos.
No curto prazo, como vimos, o sistema está equilibrado, chegando mesmo a apresentar um ligeiro superávit. Peraí! Mas como “equilíbrio”, se os jornais falam em déficit de R$ 44 bilhões em 2010 e até comenta-se que a Presidenta Dilma estaria convocando as Centrais Sindicais para negociar pontos de uma eventual reforma da Previdência? Pois é, a aparente contradição dos números reside justamente nessa forma equivocada e enviesada de apresentar os resultados do RGPS. Na semana passada, procurei mostrar que o sistema relativo aos trabalhadores urbanos está equilibrado, as receitas maiores que as despesas. Ou seja, o total das receitas associadas às contribuições do lado dos empregadores e dos empregadores é maior que o total das despesas com o pagamento de benefícios.
O resultado negativo fica por conta da inclusão dos trabalhadores rurais no sistema e ao fato da União não ter recolhido ao INSS os valores históricos das hipotéticas contribuições dos trabalhadores do campo, que alias não contribuíram justamente porque eram excluídos do sistema. Resultado desse “imbróglio”: há um conjunto de despesas previdenciárias que se realizam a cada mês sem as correspondentes contribuições. Esse é o chamado “passivo da previdência rural”, pois os ingressantes mais recentes no sistema já contribuem, como ocorre com os trabalhadores urbanos.
Outro elemento importante diz respeito ao montante não recolhido sob a forma de contribuição previdenciária, em razão de dispositivos legais e/ou administrativos que permitem a isenção ou a renúncia de tal tributo. É o caso das instituições filantrópicas, dos clubes esportivos, das instituições religiosas e de vários outros. Da mesma forma que no caso dos rurais, a União deveria recolher às contas do RGPS os valores de tais receitas não realizadas, uma vez que eventual desarranjo provocado por essa situação nada tem a ver com o modelo previdenciário em si, mas com decisões políticas externas ao RGPS. Como no caso dos rurais, essa simples decisão administrativa aportaria maior transparência e realismo atuarial à análise das contas previdenciárias.
Além disso, há outras questões que merecem ser esclarecidas. O Brasil é um dos poucos países que manteve em seu aparato de políticas públicas um importante conceito incorporado à nossa Constituição Federal (CF) em 1988. Talvez nem todas as pessoas se dêem conta quando falam a respeito, mas o nosso conceito mais amplo é o de “seguridade social”. E a questão não é meramente formal. Os arts. 165 e 167 da CF exigem que a Lei do Orçamento Anual (LOA), peça legal o Executivo elabora e encaminha para apreciação e votação pelo Congresso Nacional a cada exercício, contenha três orçamentos independentes: um orçamento de fiscal, um orçamento específico para a seguridade social e um orçamento detalhando os investimentos das empresas estatais.
Mas, então, o que vem a ser esse conceito mais amplo? A CF busca responder a tal indagação. O Título VIII trata da chamada “Ordem Social”. Em seu interior, o Capítulo II trata da “Seguridade Social”. O art. 194 define a seguridade social, compreendendo o conjunto dos setores e serviços envolvendo três áreas: i) saúde; ii) previdência; e iii) assistência social. O art. 195 chega ao detalhe de estabelecer as fontes de financiamento da própria seguridade social. No entanto, apesar de toda essa vontade política - mais do que explícita por parte do constituinte, a realidade dos governos que se seguiram e a sua complexa relação com as diversas legislaturas que foram eleitas para o Congresso Nacional, fizeram com que o Orçamento da Seguridade Social se transformasse em uma espécie de peça de ficção. Cria-se um “jogo de faz de conta” para cumprir formalmente uma exigência constitucional, mas não se atenta à essência mesma de tal mandamento.
Para 2011, por exemplo, a proposta para o Orçamento Fiscal apresenta um valor de gastos próximo a R$ 1,5 trilhão. Já o Orçamento da Seguridade Social prevê um total de despesas de R$ 506 bilhões. E lá estão somados todos os gastos dos três setores: previdência, saúde e assistência social. As fontes das receitas para fazer face a tais gastos estão concentradas em três itens tributários. Mais de 78% das receitas (R$ 395 bi) provêm das contribuições previdenciárias “stricto sensu” (R$ 231 bi), que se somam aos R$ 122 bi da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e aos R$ 42 bi da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em meio a esses valores que temos dificuldade de dimensionar, aparece uma rubrica a respeito de um suposto “déficit” da Seguridade Social, no valor de R$ 43 bi. Na verdade, trata-se do valor aproximado da extinta Contribuição Provisória da Movimentação Financeira (CPMF), que deixou um buraco a ser coberto diretamente pelos recursos do Tesouro.
O mesmo quadro demonstrativo da LOA (1) , por outro lado, escancara - para quem quiser ver - o absurdo de uma previsão inicial de despesas de R$ 170 bi com “juros e encargos da dívida pública”. Como não recursos específicos vinculados para tal despesa, os gastos são cobertos diretamente pelo Tesouro. Mas eles não são classificados como “deficitários”, como se esse tipo de sub-orçamento fosse equilibrado. Parece brincadeira, mas infelizmente é assim que os números são tratados e manipulados!
O interessante é que os órgãos de imprensa e a turminha das finanças tampouco apresentam o mesmo rigor e a mesma exigência para tratar de todos os (des)equilíbrios inerentes às contas do setor público. Por exemplo, sempre estiveram na trincheira de luta pela extinção da CPMF, um tributo fundamental, que foi instituído para o financiamento do essencial e modelar Sistema Único de Saúde (SUS), referência em todo o mundo para o atendimento universal de saúde à nossa população, tal como determina a parte da CF que trata da Seguridade Social. Com um discurso ideologizado ao extremo, berravam contra a incidência de uma alíquota sobre as transações financeiras. Mais do que o valor irrisório do tributo, incomodava o fato de que isso permitia um controle por parte dos órgãos encarregados do controle e fiscalização, reduzindo possibilidades de fraudes e sonegação. Problemas com a queda na arrecadação do sistema nacional de saúde? Isso pouco importava, provocar esse desequilíbrio de forma tão irresponsável não merecia as manchetes escandalosas, ao contrário do que sempre ocorre no caso da previdência. Afinal, sempre havia até mesmo a oportunidade de aproveitar a crise para fortalecer os grupos privados, operando na área da saúde cada vez mais mercantilizada.
Da mesma forma, quase não aparecem artigos e depoimentos de especialistas em finanças públicas condenando os desequilíbrios nas contas orçamentárias quando, a cada ano, a bancada ruralista e as suas entidades classistas (como a Confederação Nacional da Agricultura - CNA) obtêm uma renegociação – generosa ao extremo – do pagamento das dívidas do setor agrário junto ao governo, ao Banco do Brasil e demais órgãos públicos do setor. Nessa contabilidade, tal renúncia fiscal não é apresentada como fator de desequilíbrio ou irresponsabilidade no manejo do gasto público. E o que dizer dos empréstimos concedidos pelo BNDES para os grandes grupos empresariais, cobrando uma taxa de juros altamente subsidiada – a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)? Em um procedimento adequado, o Tesouro Nacional compensa o caixa do Banco pela diferença entre a SELIC (11,75% ao ano) e a TJLP (6% ao ano), para evitar que a instituição financeira federal registre prejuízo operacional provocado por decisões tomadas fora de sua alçada. A exemplo, aliás, do que deveria fazer o mesmo Tesouro para com o INSS nos casos já mencionados acima!
Finalmente, já que estamos falando ainda em equilíbrio, nunca é demais lembrar que as despesas realizadas pela União com a Previdência Social apresentam um efeito positivo imediato sobre a própria capacidade arrecadadora do governo nas esferas federal, estadual e municipal. Isso ocorre em função da característica marcadamente regressiva de nosso sistema tributário. Isso significa que as camadas de renda mais baixa pagam, proporcionalmente, mais impostos do que a população de renda mais elevada. Uma parte significativa de nossos tributos são os chamados “impostos diretos”, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI - federal), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS - estadual) e o Imposto sobre Serviços (ISS - municipal), entre outros. E a estrutura de consumo das famílias de renda mais baixa se concentra em bens e serviços que absorvem mais de 30% de seu valor com tais tributos. É o caso de alimentos, bebidas, vestuários, eletrodomésticos, transporte, combustíveis, fatura de eletricidade, fatura de telefone, fatura de água, etc.
Dessa forma, quando ocorre reajuste nos valores do salário mínimo, das aposentadorias e pensões da Previdência, nos benefícios como o Bolsa Família e o dos idosos, por exemplo, verifica-se um efeito de retorno de recursos para os cofres da União, dos Estados e dos Municípios. Isso, é claro, sem falar nos efeitos positivos sobre a geração de renda, criação de emprego, melhoria nos índices sociais e outros. Assim, quando alguns analistas de plantão, os conhecidos “especialistas” de sempre ouvidos pelos grandes órgãos de comunicação, começam a encher a boca para exigir do governo “responsabilidade e austeridade na política fiscal” eu fico aqui pensando com meus botões a respeito da incoerência dos argumentos. Repassar R$ 170 bilhões para o setor financeiro na forma de pagamento de juros da dívida pública é uma despesa séria e responsável. Realmente, deve ser mesmo uma alocação de recursos equilibrada, sem nenhuma conotação de desperdício de gasto público. Já reajustar o salário mínimo e os benefícios da Previdência Social, isso sim, se caracteriza por “armar bombas de difícil desativação”, ações perigosas que podem comprometer o equilíbrio fiscal de maneira estrutural em nosso País. Então, tá certo... Como diz uma grande amiga, “me poupe” !
(1) Ver: http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/loa/loa2011/ciclos/volume1.html
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.