Dona Pandá procurava a matéria-prima para
implantar seu minhocário, com a finalidade de recuperar o pomar e fazer uma
pequena horta. Depois de muita procura, encontrou o senhor Margarido – irmão do
caseiro de um vizinho – que se dispôs a lhe mostrar o caminho de uma fazenda
que vendia esterco.
Quando
entraram na estrada de terra, o senhor Margarido, mostrando sua genuína
mineirice, falou:
-
Vou precisar só de três sacos de esterco. A senhora pode encher sua caminhonete
com os 16 sacos, mas eu preciso mesmo é só de três. – Entendendo que era o
preço que deveria pagar pelo serviço de guiá-la, Dona Pandá respondeu:
-
Está bem. Vamos ver quantos sacos vamos conseguir colocar na carroceria.
Chegando,
foram recebidos por Dona Ana, a fazendeira, que, imediatamente, pegou uma pá e
se meteu num barracão cheio de esterco já curtido. De lá, gritou:
-
Vou ensacar. Quantos a senhora vai levar?
-
Quantos couber.
-
Cobro R$ 3,00 cada saco.
-
Está bem. – Dona Pandá quase falou que estava muito barato, pois havia comprado
cinco sacos a R$ 10,00. Ouviu, então, o senhor Margarido dizer que estava indo
ajudar Dana Ana. Ela, com a pá ia jogando o esterco no saco que ele abria e
segurava. Quando enchia, levava para fora do barracão, próximo da Preta, a
caminhonete.
Ana
é uma mulher, cuja idade meio indefinida pode ser uns 60 anos, estatura média,
magra, mas nem tanto, cabelos castanhos, mal tampados por um lenço. Consegue,
num quase milagre, conservar traços que denunciam uma beleza levada pelo
trabalho bruto e contínuo. Durante o tempo todo, contou causos e Dona Pandá
ficou sabendo que moravam com ela o pai e o irmão.
O
pai, completamente corcunda, apareceu e foi logo explicando que suas costas
eram o resultado de tanto carregar cana para as vacas. Estas ficam presas no
curral, sendo alimentadas por cana triturada com ração que é comprada “quando
Ana vai receber minha aposentadoria e já deixa tudo na casa de rações”.
Antes
de terminar o ensacamento, apareceu o irmão e de longe gritou:
-
Está na hora. - Ana explicou que precisava ajudar a trazer os bezerros para
lhes dar a ração. As vacas ficam presas para não gastarem energia e não
emagrecerem mais ainda, enquanto os bezerros só mamam pela manhã, no momento de
tirar o leite. Depois são apartados e ficam no pasto que de tão seco já se vê
terra nua.
Passados
20 minutos, Ana, de volta e recomeçou o trabalho. O senhor Margarido comprou
queijo, linguiça e outros produtos que Ana fez na véspera e estava negociando
frango, quando Dona Pandá, enfim percebendo que a ave iria concorrer com os
pedais da Preta, avisou que não levaria nenhum animal. Ninguém pediu justificativa
porque Dona Pandá usou sua conveniente cara antipática de quem não quer saber
de conversa.
Ana
pareceu entender que seu cliente havia passado a linha da conveniência e ofereceu
o número do seu celular para Dona Pandá lhe avisar quando quisesse mais
esterco, “podendo vir sozinha, agora que a senhora já conhece o caminho”.
Na
volta, Dona Pandá teve dificuldade de manter a conversa com o companheiro de
viagem. Não conseguia tirar da retina a imagem de Ana, o pai corcunda e o irmão
com a preguiça da desnutrição, as vacas magras, os bezerros mal chegando às
tetas das mães, o pasto inexistente. A pobreza transformou uma fazenda
produtiva num lugar seco, onde as perspectivas são cruéis como a vida de quem
lá ficou.