Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Imposto sobre fortunas, por que taxar


Jandira Feghali*


Nosso país melhorou bastante, mas ainda convivemos com grandes disparidades de renda, patrimônio, escolaridade, acesso a bens e serviços. Também desproporcional é a relação entre a capacidade econômica das pessoas e a tributação a que estão submetidas. Segundo o Ipea, famílias com renda de até dois salários mínimos gastam 49% da renda com tributos; as com renda superior a 30 mínimos, com maior capacidade econômica e patrimônio muito superior, pagam quase metade, 26%.

Nesse sistema injusto, 16,3 milhões estão obrigados a apresentar e pagar Imposto de Renda. Analisando dados da Secretaria da Receita, percebe-se o tamanho da concentração patrimonial. Na base da pirâmide, mais de 97% dos declarantes possuem apenas 49% do patrimônio declarado. No topo, 0,1%, cerca de 18 mil pessoas, concentram 26% do patrimônio do conjunto das pessoas físicas. 


Na tentativa de contribuir para um sistema tributário mais justo, tramita na Câmara o projeto de lei complementar 48/11, do deputado Dr. Aluízio (PV/RJ), que cria a Contribuição Social sobre Grandes Fortunas, do qual sou relatora, na Comissão de Seguridade Social e Família. 

O projeto tem vantagens sobre o Imposto sobre Grandes Fortunas previsto na Constituição há mais de 20 anos e não instituído até hoje: como contribuição social, as receitas arrecadadas podem ser direcionadas para a Saúde, faculdade impedida no caso dos impostos, que são desvinculados; e podem ser alcançadas fortunas sob as mais diversas formas patrimoniais, o que também enfrentaria óbices com o imposto. 

Nos termos do meu voto, a arrecadação da contribuição significará aporte adicional de R$14 bilhões para a Saúde. Somente serão tributadas pessoas com patrimônio líquido superior a R$4 milhões, depois de deduzidos, integral ou parcialmente, imóveis residenciais e outros bens relacionados ao trabalho (salas, consultórios e respectivos equipamentos). 

Pelos dados da Receita, há apenas 56 mil pessoas habilitadas nas faixas patrimoniais acima desse piso. O projeto determina tributação progressiva. Uma pessoa com patrimônio de R$5 milhões pagaria 0,4% sobre o que exceder a R$4 milhões. Desse modo contribuiria com R$4 mil. Com patrimônio de R$20 milhões, a alíquota seria de 0,8% e, depois de abatimentos e descontos, pagaria R$87 mil. Aqueles com patrimônio de R$100 milhões seriam tributados em R$1,04 milhão. Para melhor atender à justiça fiscal, 70% da arrecadação viriam de 900 indivíduos cujas fortunas ultrapassam R$115 milhões. Será, de fato, uma contribuição sobre grandes fortunas.

Vale ressaltar que, nas maiores faixas patrimoniais, acima de R$120 milhões e de R$150 milhões, as alíquotas seriam de 1,8% e 2,1%. Embora produzam efeito, são alíquotas diminutas frente à evolução patrimonial dessas pessoas. A Receita informa que, ao longo de 2009 - um ano de crise -, o patrimônio das pessoas que superam a casa dos R$100 milhões elevou-se de R$418 bilhões para R$542 bilhões, crescendo 30% num único ano. Nesse contexto, uma tributação adicional de 2% representa muito pouco para esse pequeniníssimo segmento social, mas representará um significativo aporte de recursos para a saúde pública que atende os 190 milhões de brasileiros.

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ) e relatora do projeto de lei .

Nossa fonte:Vermelho

'Governo faz pouco contra spread escandaloso de truste bancário.'


Para o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, bancos públicos deveriam ser mais bem empregados para forçar queda do juro cobrado do cliente final pelo sistema financeiro. Em entrevista à Carta Maior, Singer diz que freada do crescimento foi resposta do governo a reação de bancos contra 'pleno emprego'. E mostra otimismo sobre PIB voltar a avançar a 5%, patamar que equivaleria a 7% ou 8%, com população crescendo pouco.

     BRASÍLIA – O economista Paul Singer, de 79 anos, é talvez o mais longevo membro do segundo escalão federal. Levado ao governo pelo ex-presidente Lula, há oito anos e meio é secretário nacional de Economia Solidária, de onde assistiu incólume às recentes denúncias de corrupção que ceifaram cabeças no ministério do Trabalho.
     No acanhado gabinete que ocupa no terceiro andar do ministério, Singer dedica-se a pensar e propor ações que permitam aos trabalhadores tocar a vida sem depender de grandes corporações. Ali surgem ideias de estímulo a cooperativas que substituem patrões ou de microcrédito para ser operado por bancos comunitários, a juro baixinho.
      Para o professor, há um “escandaloso” e injustificável spread praticado por um “truste bancário” no Brasil. Ele acredita que discutir o juro cobrado pelos bancos nos empréstimos ao cliente final é hoje tão ou mais importante do que o debate sobre a taxa básica do Banco Central (BC), a Selic.
      O governo, afirma o professor, erra ao usar muito pouco os bancos públicos para fazer concorrência contra o truste privado. Tirando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com seus empréstimos subsidiados para as empresas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (CEF) praticamente não se diferenciam do sistema financeiro privado.
      O que é incomprensível, considerando que o governo, nas palavras do ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta hoje no crédito como arma para reativar a economia depois do PIB zero do terceiro trimestre.
       Segundo Singer, essa estagnação resultou de reações do sistema financeiro ao “pleno emprego” no Brasil e levou os bancos a promover um campanha, via imprensa, de que haveria pressões inflacionárias fortes demais. Resultado: o governo tomou medidas contra o crescimento no fim de 2010 e no início de 2011, e os efeitos da crise europeia encarregaram-se de potencializá-las.
       Estas e outras reflexões de Paul Singer, o leitor confere abaixo na entrevista exclusiva que ele deu à Carta Maior.
      Por que o Brasil teve PIB zero no terceiro trimestre?
PAUL SINGER: Estávamos num crescimento muito vigoroso em 2010, que em parte foi recuperação do crescimento que não houve em 2009, por causa da grande crise internacional. Com esse forte crescimento, a economia chegou ao que eu julgo que é pleno emprego: ninguém fica desempregado muito tempo, só algumas semanas. Uma das consequências do pleno emprego são pressões salariais. O Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomômicos] divulgou que a grande maioria dos acordos salariais registrou ganhos reais para os trabalhadores. Isso gerou no mercado financeiro, principalmente nos bancos, uma expectativa de inflação. E uma campanha, desencadeada pelos bancos, pelos seus economistas, seus porta-vozes que têm muito acesso à imprensa, de que era preciso que o BC aumentasse os juros, para dar um breque no crescimento, antes que a inflação se tornasse incontrolável. Também tivemos problema de expectativas, por causa daqueles pobres países da periferia da União Europeia.
       Há quem ache que houve aí intensidade exagerada do governo brasileiro em conter o crescimento, inclusive porque também foi feito um grande arrocho fiscal. Houve exagero?
SINGER: Eu fui contra a elevação dos juros quando foi feita, ao longo de todos esses anos. Nossos juros são fora de série, quanto mais você conseguir aproximá-los dos níveis usuais no mundo, tanto melhor para nós. O esforço brasileiro deveria ser normalizar os juros. Mas não conseguiu porque, cada vez que a economia tende ao pleno emprego, o BC interveio de uma forma bastante drástica. 
       Inflação e pleno emprego são uma tensão permanente ou ela tem como ser superada?
SINGER: Tem, tem como ser superada.
       Como?
SINGER: Substituindo o capitalismo por economia solidária. Esse é um processo que está de alguma maneira acontecendo. Na economia solidária, nas cooperativas, não tem luta por salário. Os trabalhadores são os donos da empresa e decidem quanto vão retirar por mês, mas dentro das possibilidades da cooperativa. Certamente, a situação de pleno emprego não fará os trabalhadores das cooperativas aumentar sua retirada. Só se ela aumentar sua produção, conseguir vender mais a preços melhores.
      No marco do capitalismo não tem como superar?
SINGER: Não quero ser tão radical... Houve tentativas. Quando houve os 30 anos gloriosos antes do neoliberalismo, houve um crescimento muito forte da economia capitalista com pleno emprego, era a política keynesiana. O pleno emprego foi inscrito nas constituições. E havia pressões inflacionárias, claro que havia. E as tentativas que houve foi fazer um entendimento político com os sindicatos. Colocar os patrões, as centrais sindicais e o governo, de forma tripartite, para negociar aumentos de salários e de preços, controlar os dois, para que a inflação fosse pequena. Foi chamado de neocorporativismo. Deu muito certo na Suécia, na Áustria... Mas o cômputo geral dessas tentativas não foi bom. Chegou-se à conclusão que isso dava certo em poucos países, porque exige uma unidade muito grande entre os trabalhadores e entre os patrões. Tem que pensar que as empresas competem entre si, não é simples alinhar todas. E os trabalhadores tampouco. Começou a haver greves selvagens contra os sindicatos. E de fato a inflação acabou sendo maior.
      O senhor acha que o pleno emprego veio para ficar no Brasil ou precisa ser cultivado?
SINGER: Precisa ser cultivado, claro. Se isso que aconteceu no terceiro trimestre se repetir, se a economia, sei lá, estagnar, não crescer mais, aí pode acontecer que você tenha aumento do desemprego e saia da situação de pleno emprego. Eu digo pode porque o outro fator importante, que é o demográfico, nesse momento não pesa. Se essa entrevista fosse cinco anos atrás, minha resposta seria enfaticamente: "Se não crescer, vem desemprego”. Porque teriam jovens entrando no mercado de trabalho incessantemente.
       Se a luta política entre trabalhadores, por emprego, e sistema financeiro, por inflação baixa, não vai acabar, cabe ao Estado arbitrar. Para o senhor, o Estado está arbitrando corretamente?
SINGER: Nesse ponto, a política da presidenta Dilma é diferente do presidente Lula, é a nossa grande novidade macroeconômica. E e eu servi aos dois presidentes, não tenho preferência. 
       Acha possível ou desejável acelerar a queda da taxa de juro? Ou aliviar o superávit primário? Ou os dois?
SINGER: Não há a menor dúvida de que nós deveríamos chegar a juros civilizados. Os americanos estão com juro zero, se você descontar a pequena inflação que eles têm, estão com juro negativo. Não só eles. Os países europeus todos estão praticando uma taxa de juros muito pequena. Isso é positivo até do ponto de vista da distribuição de renda. O juro é um pagamento de quem ganha menos para quem ganha mais, é uma forma de concentração de renda. É uma discussão antiga no Brasil. Desde que a inflação foi debelada pelo Plano Real, era de se esperar que a taxa de juros regredisse. E não estou pensando na Selic [a taxa básica do BC], não, estou pensando nos juros cobrados pelos bancos. Hoje, estamos com juros ao consumidor de, sei lá, 6%, 7%, 8% ao mês, e uma inflação de 0,5% ao mês, ou menos. É um spread escandaloso, não tem como justificar. Há um truste bancário. Uma das coisas que o governo podia fazer, e faz parcialmente, muito pouco, é reduzir a taxa de juros dos bancos oficiais. A Taxa de Juros de Longo Prazo [TJLP] do BNDES já está quase civilizada, quase zero real. Se o BNDES pode fazer isso, qualquer banco público também pode.
       Só a concorrência dos bancos públicos pode baixar os spreads que o senhor chamou de escandalosos? Ou o governo poderia fazer algo além?
SINGER: Você poderia fazer uma lei limitando os juros, existe a lei da usura. Mas a gente geralmente procura as formas politicamente menos provocativas. E o governo não quer provocar o sistema financeiro.
      Acredita que o Banco do Brasil e Caixa Econômica teriam mesmo condições de trabalhar com juros como os do BNDES?
SINGER: Não estou acompanhando os balanços bancários, mas comparando a situação dos bancos brasileiros com qualquer banco europeu, norte-americano... Qualquer um pratica juros muito menores.
       O interesse do sistema financeiro também se manifesta no superávit primário. Aí o senhor acha que o governo tem de mudar a política também?
SINGER: A questão toda é o que queremos fazer com a dívida pública brasileira, sendo que a nossa, comparativamente, é pequena. A política dos oito anos do governo Lula foi de reduzir a dívida pública, isso foi muito bom para o Brasil. Para os próprios banqueiros também foi bom. Uma política conservadora, dê o nome que você quiser. E a Dilma está fazendo por igual. Agora, vamos supor que o governo brasileiro estivesse tão bem que pudesse pagar, sei lá, 10% da dívida a cada ano. No segundo ano, eu preveria que haveria escassez de moeda. Seria terrível para a economia, a economia pararia de crescer. O sistema financeiro capitalista exige dívida pública, o título é sempre o mais seguro, é o lastro da moeda emitida pelos bancos. Se falta moeda, todo mundo guarda moeda. Cria nas pessoas a ânsia do entesouramento, não botariam dinheiro no banco, mas numa caixa. Você não compra, para guardar. E não comprar significa crise. É preciso ter um suprimento de moeda, e essa moeda básica é a dívida pública. O ideal seria praticamente manter ou até ampliar um pouco a dívida, na medida em que a economia inteira está crescendo.
      No PIB zero, só a agropecuária cresceu com suas exportações...
SINGER: É, estamos matando a fome dos chineses...
      A qualidade do desenvolvimento brasileiro está bem distribuída, na sua opinião?
SINGER: Difícil responder essa pergunta. Diria que efetivamente nos transformamos no maior exportador de alimentos do mundo, acho que mais do que os EUA, que são um clássico exportador. Isso é uma coisa que ajuda a economia brasileira. O ideal é ter uma balança comercial equilibrada, e estamos perdendo espaço na exportação industrial, inclusive por causa da valorização do real. Isso tem um pano de fundo muito feliz, não para o Brasil, mas para o mundo. Estamos numa crise de escassez de alimentos, uma crise que a FAO [a agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] já proclamou, houve um grande aumento de preços em 2008, e as pessoas não conseguiam comer. Nesse ambiente, o Brasil tem uma posição privilegiada. Mas crescer em cima da infelicidade e da fome dos outros, não é uma boa. O que acho que o Brasil precisa fazer é ajudar principalmente a África a produzir seus alimentos. A África foi colonizada e foi extremamente mal orientada, hoje importa seus alimentos. Nós temos muito para oferecer, uma tecnologia agrícola respeitável.
      O senhor mencionou o câmbio. Acha que o Brasil tem que se adaptar a ele ou o câmbio tem que se adaptar ao Brasil?
SINGER: Já está bem melhor do que já foi. Talvez o dólar devesse ainda subir, mas não muito, talvez até R$ 2. O que está sendo muito discutido hoje pelos meus colegas é a desindustrialização. O Brasil hoje tem uma exportação industrial menor do que já teve e, ao mesmo tempo, estamos exportando produtos agrícolas. O peso da agricultura na economia está aumentando, mas da indústria não. Seria importante o Brasil acompanhar o resto do mundo no avanço tecnológico.
      E como se altera a equação cambial?
SINGER: O governo tem recursos para ter a taxa de câmbio que ele considera a melhor, não temos mais a política que nós herdamos do Fernando Henrique, a tal da livre flutuação, não vejo nenhuma vantagem na livre flutuação, porque ela é totalmente financeira. Se o câmbio determinado no mercado fosse pela troca de mercadorias, por serviços... Se fosse da economia real... Mas não, a grande demanda por dólares é dos especuladores, e aí podemos ter taxa de câmbio desfavorável aos interesses do país.
      O senhor acha possível atingir 5% de crescimento no ano que vem, diante do impulso pequeno dado no segundo semestre deste ano?
SINGER: É muito difícil fazer projeção para o ano que vem, a partir deste ano. A grande incógnita é em que medida a situação internacional vai degringolar ou não. Porque, nesse momento, o foco da incerteza é só a Europa. E por uma anomalia política, a meu ver. A direita europeia está chegando ao poder em países em que tinha perdido as eleições com a bandeira da austeridade. E a austeridade significa recessão, significa cortar brutalmente os gastos públicos, piorar os serviços sociais, mandar uma parte dos funcionários públicos para casa, tudo para reduzir o gasto público e tentar reduzir a dívida. Mas isso a Europa ocidental. Os Estados Unidos, tenho a impressão que está se recuperando, a China e a Índia, que são na verdade os grande motores da economia mundial, estão mantendo um bom crescimento... Acho que a previsão do Guido [Mantega, ministro da Fazenda]tem boas chances de se realizar, não é impossível, talvez nem improvável. E política tem que ser essa mesma, de manter um crescimento de 5% é uma meta boa. Nós deixamos de crescer como população. Isso torna um crescimento de 5% algo equivalente a 7%, 8%.
      O que o Brasil pode fazer adicionalmente para crescer?
SINGER: Distribuir renda. Nós somos um país, eu diria, em grande medida autossuficiente. Numa época nossa grande dependência externa era o petróleo, mas isso com o pré-sal mudou completamente, nossos potencialmente um grande exportador. Do que nós dependemos, o que precisamos importar tanto que não só possa produzir no Brasil? Nós podemos ainda substituir importações, nós deveríamos ter substituído. Mas, como barreira externa, não vejo nenhuma ameaça.