Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Para aproveitar a colheita obrigatória


As plantas são seres harmoniosos, equilibrados e exigem cuidados, sobretudo com sua alimentação, proporcionais às necessidades, nem mais, nem menos. Não gostam de carência: nada de fome, nada de sede. Também não apreciam o desperdício.

Dona Pandá está procurando o meio de comunicação com São Pedro, o dono das águas do céu. Será que alguém pode passar um recado? É urgente e em nome dos produtores de hortícolas. - São Pedro, tenha mais cuidado nos seus cálculos e ações ao mandar daí do alto água para cá na terra, faça-o comedidamente. As plantinhas estão se afogando! Tome tento, Santo das chaves e das chuvas! Vai um bom conselho: procure ajuda da mãe das águas doces, a grande Oxum, ela é sábia e protege seus filhos, pode lhe dar uma força para segurar essas chuvas e despejá-las com mais sabedoria.

Vanderlei – o encarregado da horta na Chácara Xury – chegou na cozinha de Dona Pandá com uma cesta cheia de berinjelas, tomates, pimentões, abobrinhas, pepinos e foi logo se justificando:
- Se deixar nos pés vão apodrecer com essa chuvarada.

Dona Pandá percebeu que não tinha escolha, o fogão a esperava.  Lembrou-se, então, de uma receita que o pessoal do Alívio Gelado (11 282 12 3338/ www.aiviogelado.com.br) lhe dera. Ela faz questão de compartilhar a receita, pois parece agradar a muitos.

Receita de tira-gosto Alívio Gelado  
Ingredientes:
berinjela, pimentão, tomate, temperos (sal, cebola e alho roxos, tomilho, orégano, vinagre e azeite).
Jeito de fazer:
depois da higienização dos ingredientes, pica-os em fatias finas, misture-os bem com os temperos, exceto o azeite e o vinagre. Coloque tudo numa assadeira tipo tabuleiro e leve ao forno com temperatura baixa (mais para cozer que assar). Depois que a mistura estiver no ponto (bem macia), deixe esfriar e misture o vinagre (pouco) e o azeite (muito). Em seguida, coloque em um vidro com tampa eficaz, colocando mais azeite. Feche bem e leve à geladeira para amadurecer por uns três dias. Sirva com pão e, segundo o pessoal do Alívio Gelado, com cerveja geladaça.

Voltando à questão das plantas, quando falta chuva, há necessidade de generosas irrigações, o que aumenta os custos da lavoura com mão-de-obra e combustível para as bombas que levam a água até os canteiros. Aqui, estamos sendo bem otimistas, pois não queremos pensar na estiagem que chega à falta de água nas fontes. A colheita exige cuidados com os horários. Se for feita durante o Sol a pino, as verduras ficam murchas, feias e serão rejeitadas pelos compradores, prejuízo para os produtores.

Quando as chuvas passam da conta, como o Vanderlei já disse, as verduras e os legumes apodrecem antes da hora, prejuízo do produtor.
Quando vamos à feira, não temos ideia do caminho percorrido pela bela alface ou pelo suculento tomate.  A forma que o produtor tem para poder fornecer seu produto sempre e com boa qualidade, exigência natural do consumidor, é produzir em estufas e o investimento é grande. Poucos, na região de Ibiúna, grande fornecedora para a CEAGESP, têm condições de arcar com os custos de uma plasticultura. Está aí o motivo dos aumentos de preços da feira.
Dona Pandá ainda queria falar das outras dificuldades do pequeno produtor de hortaliças, como a falta de assistência técnica, as péssimas estradas, a falta de financiamentos, mas isto fica para outro dia.

O que podemos aprender com hippies e punks

 Rafael Azzi

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O consumo tem se consolidado como o objetivo central da vida pessoal, arregimentando as esferas do lazer, da cultura, da vida social e familiar. Osshoppings estabeleceram-se como novos templos de dedicados súditos, espaços nos quais as pessoas reúnem-se, consomem e passam seu tempo livre. Entretanto, deve-se observar que, ao contrário dos antigos templos e das praças públicas, nosshoppings a vida social se empobrece e é reduzida ao simples ato solitário de comprar.

Porém, o consumismo nem sempre triunfou sem oposição. Algumas vozes dissonantes surgiram no decorrer do século 20. Dentre elas, as mais expressivas estão ligadas à cultura hippie nos anos 60, e do movimento punk, nos anos 70.

A cultura hippie floresceu nos anos 1960 nos EUA, epicentro do consumismo. Os hippies rejeitavam as hierarquias e as instituições estabelecidas, contestavam os valores da classe média, opunham-se às armas nucleares e à guerra e eram comumente vegetarianos. Eles utilizavam-se de artes alternativas como o teatro de rua e o rock psicodélico para expressar suas ideias e valores. Opondo-se à política tradicional, cultivavam ideias não doutrinárias e libertárias em favor da paz, do amor e da vida em comunidade.

Desiludidos pela sociedade moderna extremante individualista, egoísta e competitiva, decidiram viver em comunidades próprias e independentes, adotando um estilo de vida coletivo que estimulava a cooperação e a comunhão com a natureza. Nessas comunidades, as decisões são consideradas coletivamente, não havendo hierarquias, e todos os participantes exercem alguma função. Adota-se como prática o cultivo dos próprios alimentos e o comércio ocorre entre os moradores através da troca ou da permuta.

Já a cultura punk surgiu nos anos 70 nos EUA e na Inglaterra. Ela se caracteriza por ser um movimento extremamente urbano que, de forma ampla, defende uma visão anarquista centrada na autonomia do indivíduo, opondo-se à mídia tradicional, ao Estado, às instituições religiosas e às grandes corporações capitalistas.

A primeira manifestação cultural do punk foi no âmbito musical. O punk rock surge como a retomada de um estilo autêntico, no qual o mais importante é a expressão individual, pois os membros estavam profundamente decepcionados com a cena do rock que, na época, se mostrava vinculada à grande indústria da música. O showbizz americano e inglês tinha como preocupação produzir estrelas e divulgá-las em grandes shows, criando artistas que, na visão dos punks, careciam de autenticidade. Assim, a cultura punk começou a produzir músicas curtas e bastante simples, tocadas com pouco mais do que três acordes, sendo facilmente reproduzidas por qualquer pessoa sem formação musical. Essa concepção musical tinha como objetivo instigar outros jovens a criar suas próprias bandas. Surgia então uma grande expressão do anticonsumismo: a cultura do “faça você mesmo” (do inglês do it yourself – DIY).

O princípio do “faça você mesmo” relaciona-se ao questionamento tanto da necessidade de comprar coisas quanto dos processos existentes que impulsionam a dependência do indivíduo às estruturas sociais vigentes. De acordo com a cultura punk, os indivíduos podem se expressar e produzir trabalhos sérios, ainda que com recursos limitados. As bandas punks gravavam suas próprias músicas, produziam e distribuíam os álbuns, e se apresentavam em garagens ou em porões, evitando o controle das grandes corporações e assegurando a liberdade de suas performances. Suas ideias circulavam através de fanzines, isto é, publicações caseiras realizadas, editadas e distribuídas por fãs.

Aparentemente, esses dois movimentos culturais perderam a força inicial após alguns anos, tendo sido, de certa forma, assimilados pela moda e pela sociedade consumista, ainda que isso soe paradoxal. Entretanto, pode-se afirmar que suas ideias demonstravam força suficiente para, cinquenta anos depois, ressurgirem como uma possibilidade alternativa à atual cultura de consumo.

Na verdade, longe de estarem esquecidos, muitos desses valores permanecem na nossa cultura em áreas inusitadas. É possível afirmar que a contracultura dos anos 60 promoveu o desenvolvimento do computador pessoal e a organização da internet. A concepção de uma grande rede mundial sem fronteiras, sem qualquer autoridade central, na qual indivíduos são livres para compartilhar informações, deve-se à influência hippie da cultura americana. Os valores hippies baseados nas ideias de comunhão e de colaboração mostram-se cada vez mais presentes no mundo virtual e tecnológico. Exemplo disso são os sites de construção coletiva estilo wiki; bem como os softwares livres e de código aberto, nos quais todos podem contribuir livremente e de forma espontânea para o desenvolvimento, o compartilhamento, a edição e a difusão de ideias e de conhecimento.

Na sociedade contemporânea, a internet permite o compartilhamento de ideias, tornando-se um instrumento capaz de estimular novas formas de consumo e de conexão entre as pessoas. A noção de consumo colaborativo vem crescendo em meio à troca de ideias, pondo em cena práticas alternativas que envolvem trocar, emprestar, reusar e revender objetos. Torna-se cada vez mais comum grupos que se organizam e se reúnem a fim de trocar roupas, brinquedos e livros; planejando caronas; compartilhando carros e aparelhos eletrônicos; praticando a permuta de serviços; fazendo uso do sistema de book crossing ou couchsurfing. As atividades são realizadas e negociadas diretamente entre as pessoas, estimulando os laços de comunidade e permitindo viver bem com menos dinheiro. Em tais práticas, o indivíduo é valorizado pelo modo como interage com a comunidade, marcando o surgimento de um novo tipo de capital: o capital social.

O movimento do “faça você mesmo” hoje é mais presente do que nunca. Através de vídeos e aulas pela internet, na rede é possível ter acesso a possibilidades infinitas de aprender a produzir e a divulgar suas próprias realizações, fugindo da cultura passiva consumista e buscando a realização pessoal de forma ativa. Hoje pode-se plantar vegetais em casa, fazer cerveja caseira, costurar as próprias roupas e até mesmo produzir objetos manufaturados. A produção pode ser individual ou coletiva, e os objetos podem ser feitos para o próprio consumo ou para a venda, pois o século 21 aumentou a produtividade da produção de pequena escala. Pode-se exercitar a criatividade, desenvolver novas habilidades e talentos e a criatividade em novas formas de produzir bens de consumo. A ética do “faça você mesmo” dá poder aos indivíduos e às comunidades, encorajando o emprego de abordagens alternativas para a solução de problemas.

Assim, observa-se que a sociedade consumista enfraquece os laços sociais, estimula o individualismo, e retira a autonomia dos indivíduos, que se tornam consumidores passivos, cujo único poder é a escolha entre a marca A ou a marca B. Em contrapartida, a cultura hippie e seus ideais fortalecem a ideia de coletividade e de colaboração. O princípio do “faça você mesmo” estimula a autonomia, dá poder e liberdade aos indivíduos.

Um novo modelo cultural pode entrar em cena, criado à luz de ações que priorizam a partilha de produtos e de conhecimentos, a produção de bens de consumo, e o comprometimento crítico por seu modo de vida, a fim de consolidar conexões sociais e comunitárias. Meio século depois do surgimento dos hippies, eles e os punks são mais atuais que nunca: já temos todas as ferramentas que possibilitam promover de uma sociedade mais feliz, socialmente mais justa e ecologicamente sustentável, bem como o desenvolvimento de uma economia de abordagem essencialmente humana, e não simplesmente monetária. Teremos coragem para usá-los?

Veja a íntegra do artigo em:
http://www.outraspalavras.net/2012/12/20/o-que-podemos-aprender-com-hippies-e-punks/

O precedente é perigoso, o aplauso é trágico

Roberto Amaral(1)

A separação de poderes, desde Montesquieu, baseia-se, nas democracias representativas, como a brasileira, em dois polos de difícil equilíbrio, pois uma perna é a igualdade quimérica e outra é a assimetria real, derivada da fonte diversa da legitimidade de cada um.

Pelo menos na teoria, esses poderes, para serem iguais e interdependentes (e não independentes) precisam conviver num sistema de pesos e contrapesos segundo o qual cada um, de per si, limita o arbítrio (e não o poder) do outro. Assim, o Executivo tem seus atos fiscalizados pelo Legislativo, e a legalidade desses atos é controlada pelo Judiciário, que, igualmente, controla a constitucionalidade das leis, cuja elaboração é prerrogativa exclusiva do Poder Legislativo. O Executivo, por meio das Medidas Provisórias, e o Judiciário brasileiro, principalmente na sua fase atual, rompendo com a formação positivista de nosso Direito, teimam em legislar, assumindo poderes que lhes são vedados pela Constituição de que devem ser guardiões.

O Judiciário, no Brasil, também foge à regra, por não conhecer controle externo. Se não conhece a fiscalização a que são obedientes os demais poderes, a quem os atos judiciais estão submetidos? Quem lhe impõe limites? Não se diga que é a Constituição, pois que esta reina sobre todos.

Separando e distinguindo os poderes, e, consequentemente, impondo-lhes limitações, há, ainda e principalmente, a origem de cada um. Ao contrário do Executivo e do Legislativo, o Judiciário, no Brasil, é o único dos poderes republicanos que desconhece a única legitimidade conhecida pela democracia, aquela derivada da soberania popular. Em vez de mandatários da vontade da cidadania, expressa em eleições periódicas das quais derivam mandatos certos, os membros do Judiciário – agora me refiro aos Tribunais superiores, a começar pelo STF –, são nomeados pelo presidente da República; em vez de exercerem mandatos a termo (como os titulares dos poderes Executivo e Legislativo em todas as instâncias) suas investiduras relembram a monarquia, pois são vitalícias.

Ao contrário de governantes e legisladores, são inalcançáveis, o Judiciário como instituição e os ministros como juízes, livres daquele controle externo que eles próprios exercem sobre o Executivo. São como o rei na monarquia: irresponsáveis, isto é, não respondem pelos seus atos.

Açulado por uma direita impressa inconsequente, vem, de uns tempos até aqui, o TSE e, principalmente, o STF, exorbitando de seus poderes, seja julgando para além da lei, seja criando direito novo, construindo a instabilidade jurídica que afeta a segurança dos cidadãos, pois todo o direito vigente pode ser alterado, de cabo a rabo, numa simples assentada – seja a presunção da inocência nos julgamentos criminais, seja o direito de defesa, institutos que nos separam da barbárie.

Sem discutir o mérito das decisões, o fato é que as recentes sessões da Suprema Corte (refiro-me especificamente à novela do “mensalão”) se transformaram em lamentável reality show, donde a espetacularização do julgamento, cada juiz procurando desempenhar seu papel como ator preocupado com as câmeras e a audiência, embora não recebam cachê nem concorram a prêmios. Louvo a transparência para lamentar o conteúdo.

O juiz isento, sereno, incumbido pela sociedade (pela sociedade?) de, em seu nome, julgar, transfigura-se em promotor raivoso, e raivosos, os julgadores se desentendem. No mesmo diapasão das agressões aos réus, desrespeitados, desrespeitam-se e agridem-se entre si.

O que foi feito da liturgia da função nobilíssima?

Tenho para mim que na raiz do empobrecimento do Supremo – que já teve Adauto Lúcio Cardoso, Ribeiro da Costa, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva – para não falar em Orozimbo Nonato, está a ausência de biografia de seus titulares. Assim, pobres, tentam, cada um a seu modo, construir sua história no exercício da judicatura, e às custas dela; desatentos aos Anais da Justiça, estão voltados para a glória fugaz dos refletores, a confirmar o dito célebre segundo o qual todo anônimo tem direito a dez minutos de fama.

Tudo isso encanta a direita impressa e seu encantamento seduz os atores. Autoritária, preconceituosa e racista, nossa direita não admite a emergência das massas. Isto é o que está na raiz da crise que se procura criar, artificialmente, para deter o avanço social, ainda que seu preço seja a fragilização das instituições democráticas. Nas vezes anteriores, bradando o mesmo cantochão, essa mesma direita (ela não muda) trouxe para as ruas os tanques e, sempre que pode, golpeou a democracia, em nome dela. Foi assim na segunda deposição de Getúlio, em 1954, e na deposição de Jango em 1964.

Presentemente, os tanques estão indisponíveis e as baionetas ensarilhadas, e a chefe do Poder Executivo se encontra protegida por inédito apoio popular. Na ausência de outra alternativa, desmoralize-se a essência da democracia, a política e os políticos, judicialize-se a política, e destrua-se o Poder Legislativo, o mais vigiado de todos os poderes, o mais desarmado de todos os poderes. Destrua-se a política e a derrocada democrática virá por consequência. Essa é a ordem. E foi sempre assim.

Se não é mais possível a ditadura da japona, que venha o autoritarismo da toga.

Ébrios de vaidade, nossos ministros – na sua maioria (louvem-se as poucas exceções) – não se dão conta de que os elogios fáceis são igualmente fugazes e falsos.

Sabe o STF que não lhe cabe decretar a perda de mandato de representante eleito, pois esse mandato foi outorgado pela soberania popular. A perda de mandato é decreto político privativo da instância política. No caso de parlamentar, é prerrogativa e dever da Casa à qual pertença o imputado. Mas, provocando a dignidade de outro Poder, insiste-se em feri-lo e para fazê-lo atropelam a Constituição:

“Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

6º – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 2º – Nos casos dos incisos 1º, 2º e 6º a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de Partido Político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.

O fato, inquestionável, de que o STF é o último intérprete da Constituição, não o autoriza a reescrevê-la, para dar sustentação jurídica a uma aberração. Insaciável, Poder que procura crescer alimentando-se do poder dos outros poderes, o mesmo STF decide interferir na domesticidade do Congresso Nacional, quando liminar suprema de um ministro, determina a alteração da pauta de votações, impedindo a apreciação de veto da Presidente da República.

Essas considerações me vêm à consideração após ver e ouvir o voto do nobre e ilustre ministro Celso de Mello, decano da Casa. Sua Excelência não se conteve com o seu voto puro e simples. Resolveu recheá-lo com um discurso inapropriado de admoestações e ameaças ao Poder Legislativo e ao seu presidente.

A quais forças está servindo quem persegue um conflito institucional?

(1)Roberto Amaral é cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.