Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sábado, 12 de março de 2011

Proposta: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA TERRA E DA HUMANIDADE


 (Fonte: O Berro)
            Preâmbulo

      CONSIDERANDO que Terra e Humanidade fazem parte de um vasto universo em evolução e que têm o mesmo destino, ameaçado de destruição pela irresponsabilidade e pelo descuido dos seres humanos; e que a Terra compõe com a Humanidade uma única entidade, complexa e sagrada, o que fica bem claro quando é vista do espaço exterior; e que além do mais a Terra é viva e se comporta como um único sistema autorregulado, formado por componentes físicos, químicos, biológicos e humanos que a tornam propícia à geração e reprodução da vida, e que por isso é a nossa Grande Mãe e nosso Lar Comum.
      Levando-se em conta que a Mãe Terra é composta pelo conjunto dos ecossistemas, nos quais gerou uma multiplicidade magnífica de formas de vida que se interdependem e se complementam, formando a grande comunidade de vida, e que existe um laço de parentesco entre todos os seres vivos, pois todos são portadores do mesmo código genético de base que determina a unidade sagrada da vida em suas múltiplas formas e que, portanto, a Humanidade é parte da comunidade de vida e do momento de consciência e de inteligência da própria Terra, fazendo com que o ser humano - homem e mulher - seja a própria Terra que fala, pensa, sente, ama, cuida e venera.
      CONSIDERANDO que todos os seres humanos, com suas culturas, línguas, tradições, religiões, artes e visões do mundo constituem uma única família de irmãos e irmãs, com a mesma dignidade e os mesmos direitos, e que a Mãe Terra providenciou tudo o que precisamos para viver, e que a vida natural e humana depende de uma biosfera saudável, com todos os ecossistemas sustentáveis, com água, vegetação, animais e incontáveis micro-organismos preservados. E que, além do mais, o crescente aquecimento global pode por em risco a vitalidade e a integridade do sistema Terra, e que podem ocorrer graves devastações, afetando milhões e milhões de pessoas e, eventualmente, inviabilizando a sobrevivência de toda a espécie humana.
      RECORDANDO que é preciso renovar e articular organicamente o contrato natural com o contrato social, que ganhou um papel de exclusividade, propiciando o antropocentrismo e instaurando estratégias de apropriação e dominação da Natureza e da Mãe Terra, já que o modo de produção vigente nos últimos séculos - e atualmente globalizado - não conseguiu atender as necessidades vitais dos povos, ao contrário: gerou um fosso profundo entre ricos e pobres.
      CONSIDERANDO, finalmente, que a consciência da gravidade da situação crítica da Terra e da Humanidade torna imprescindíveis as mudanças nas mentes e nos corações, que seja criada uma coalizão de forças em torno de valores comuns e princípios inspiradores que sirvam de fundamento ético e de estímulo para práticas que busquem um modo sustentável de viver.
      As pessoas, as instituições, os líderes políticos, as ONGs, as religiões e igrejas que assinam esta Declaração vêm a urgência de se proclamar a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA TERRA E DA HUMANIDADE, cujos ideais e critérios devem orientar os povos, as nações e todos os cidadãos em suas práticas coletivas, comunitárias e pessoais, bem como nos processos educativos, para que o Bem Comum seja progressivamente reconhecido, respeitado, observado, assumido e promovido universalmente, visando o bem-viver de cada um e de todos os habitantes deste pequeno planeta azul e branco, nosso Lar Comum.
      Artigo 1
       O Bem Comum supremo e universal, condição para todos os outros bens, é a própria Terra que, por ser nossa Grande Mãe, deve ser amada, cuidada, vivificada e venerada, como nossas mães.
      I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade pede que entendamos a Terra como Viva e merecedora de dignidade. Não pode ser tomada por ninguém, individualmente, nem ser tratada como mercadoria, nem sofrer agressão sistemática, por nenhum modo de produção. Pertence, comunitariamente, a todos os que a habitam e ao conjunto dos ecossistemas.
      II. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade exige que se proteja e restaure a integridade dos ecossistemas, com especial preocupação pela diversidade biológica e por todos os processos naturais que sustentam a vida.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade se fortalece quando todos os seres são considerados como interligados e com valor intrínseco, independentemente de seu uso humano.

      Artigo 2
       Para assegurar o Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade é necessário reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados na produção e no consumo, garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos e buscar o bem-viver a partir da suportabilidade dos ecossistemas, em cooperação com os outros e em harmonia com os ritmos da Natureza.
      I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade resulta da utilização sustentável dos bens renováveis como água, solo, recursos florestais e da vida marinha, de forma que possam ser repostos e garantidos para as gerações atuais e futuras.
      II. A administração dos bens não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis, deve ser realizada de modo a reduzir sua extinção e não afetar gravemente o Bem Comum da Terra e da Humanidade.
      Artigo 3
       Adotar padrões de produção e consumo que garantam a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a igualdade social na Humanidade, o consumo responsável e solidário e o bem-viver comunitário.
      I. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade requer a utilização sustentável das energias disponíveis, privilegiando as matrizes renováveis e outras fontes alternativas, como a energia solar, a eólica, a maré-motriz e a agroenergia.
      II. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade é potencializado quando se reduz ao máximo a poluição de qualquer parte do ambiente, de forma a evitar os efeitos perversos do aquecimento global e a não se permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas e de outras substâncias químicas perigosas.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade não é compatível com a existência de armas nucleares, biológicas e químicas, nem com outras armas de destruição em massa, que devem ser totalmente eliminadas.

      Artigo 4
       A biosfera é um Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, um patrimônio compartilhado por todas as formas de vida, da qual os seres humanos são tutores.
 
      Artigo 5
       Pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade os recursos naturais, como o ar, o solo, a fertilidade, a flora, a fauna, os genes, os micro-organismos e as amostras representativas dos ecossistemas naturais, bem como o espaço exterior.
      I. A água pertence ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade porque é um bem natural, comum, vital e insubstituível para todos os seres vivos, especialmente para os humanos, que têm direito a seu uso, independentemente dos custos de captação, reserva, purificação e distribuição, que serão assumidos pelo poder público e pela sociedade.
      II. Os oceanos são Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, porque constituem os grandes repositórios de vida, os reguladores dos climas e da base física e química da Terra.
      III. As florestas pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, contêm a maior biodiversidade do planeta, a umidade necessária para o regime de chuvas e são as grandes sequestradoras de dióxido de carbono.
      IV. Os climas pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade porque são a condição essencial para a manutenção da vida. As mudanças climáticas devem ser tratadas mundialmente e com responsabilidade compartilhada.

      Artigo 6
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade e da Terra os alimentos em sua diversidade e os recursos genéticos filogenéticos necessários à sua produção, sobre os quais está proibido qualquer tipo de especulação comercial.

      Artigo 7
      São Bens Públicos da Humanidade as energias necessárias à vida, à saúde e à educação, os meios de comunicação, a Internet, os correios e os transportes coletivos. Os medicamentos produzidos por laboratórios particulares passam a pertencer ao Bem Comum da Humanidade, cinco anos após a sua fabricação. Em situações de emergência, podem ser imediatamente declarados públicos.
 
      Artigo 8
      As atividades petrolíferas, minerais e os agrocarburantes devem ser submetidos a um controle estatal e social, devido aos efeitos nocivos que possam ter sobre o Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra.
 
      Artigo 9
       O grande Bem Comum da Terra e da Humanidade são os seres humanos, homens e mulheres, portadores de dignidade, consciência, inteligência, amor, solidariedade e responsabilidade.
       I. É preciso afirmar a dignidade inerente a todos os seres humanos, bem como seu potencial intelectual, artístico, ético e espiritual.
       II. A missão dos seres humanos é cuidar e proteger a Terra e a Humanidade, como uma herança recebida do universo.
       III. As comunidades, em todos os níveis, têm a obrigação de garantir o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, criando condições para que cada pessoa realize seu pleno potencial e contribua para o Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade.
 
      Artigo 10
       Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade todos os saberes, artes e técnicas acumuladas ao longo da História.
       I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade requer o reconhecimento e a conservação dos saberes tradicionais e da sabedoria espiritual de todas as culturas que contribuem no sentido de cuidar da Terra, desenvolver o potencial da Humanidade e favorecer o Bem Comum.
       II. O Bem Comum da Humanidade pode ajudar, com recursos financeiros, técnicos, sociais e intelectuais, os povos pobres e vulneráveis, para que alcancem um modo sustentável de viver e colaborem com o Bem Comum.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade exige a erradicação da pobreza como um imperativo humanitário, ético, social, ambiental e espiritual.
       IV. A justiça social e a ecológica não podem ser dissociadas, pois ambas servem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade.
       V. Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade a equidade de gênero, a superação de qualquer tipo de discriminação, a proteção de meninos e meninas contra todo tipo de violência e a seguridade social de todos aqueles que não possam se manter por conta própria.

       Artigo 11
       Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade todas as formas de governo que respeitam os direitos de cada ser humano e da Mãe Terra e propiciam a participação ativa e inclusiva dos cidadãos na tomada de decisões, favorecem o acesso irrestrito à justiça e cuidam do entorno ecológico.
 
      Artigo 12
       O Bem Comum da Terra e da Humanidade exige que se protejam as reservas naturais, incluindo as terras selvagens e as áreas marinhas, os sistemas de sustento da vida na Terra, as sementes, a biodiversidade, e que se resgatem as espécies ameaçadas e os ecossistemas devastados.
       I. Controlar a introdução de espécies exógenas e submeter, rigorosamente, ao princípio de prevenção todos os organismos geneticamente modificados, para que não causem danos às espécies nativas e à saúde da Mãe Terra e da Humanidade.
       II. Garantir que os conhecimentos dos vários campos do Saber, que são de vital importância para o Bem Comum da Terra e da Humanidade, sejam considerados de domínio público.
       III. É proibido patentear recursos genéticos fundamentais para a alimentação e a agricultura. As descobertas técnicas patenteadas devem observar, sempre, sua destinação social.
 
      Artigo 13
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a multiplicidade das culturas e das línguas, os diferentes povos, os monumentos, as artes, a música, as ciências, as técnicas, as filosofias, a sabedoria popular, as tradições éticas, os caminhos espirituais e as religiões.
 
      Artigo 14
       Pertence ao Bem Comum da Terra Viva e da Humanidade a hospitalidade pela qual acolhemos e somos acolhidos, mutuamente, como habitantes do mesmo Lar Comum, a Terra.
 
      Artigo 15
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a socialidade e a convivência pacífica com todos os seres humanos e todos os seres da Natureza, pois todos somos filhos e filhas da Mãe Terra, corresponsáveis pelo mesmo destino comum.
 
      Artigo 16
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a tolerância que acata as diferenças como expressões da riqueza de uma natureza humana única e que não permite que tais diferenças sejam consideradas como desigualdades.
 
      Artigo 17
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a comensalidade que expressa o sonho ancestral de todos os povos de sentar-se juntos, como irmãos e irmãs da mesma família, ao redor da mesa, comendo e bebendo alegremente os frutos da generosidade da Mãe Terra.
 
      Artigo 18
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a compaixão por todos os que padecem na natureza e na sociedade, aliviando seus sofrimentos e impedindo qualquer tipo de crueldade contra os animais.
 
      Artigo 19
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade os princípios éticos do respeito a cada ser, do cuidado com a natureza e da responsabilidade universal pela preservação da biodiversidade e pela continuidade do projeto planetário humano, bem como os princípios de cooperação e da solidariedade de todos com todos, começando pelos mais necessitados, para que todos sejam incluídos na mesma Casa Comum.

       Artigo 20
       Pertence ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade a permanente busca pela paz que resulta da correta relação consigo mesmo, de todos com todos, com a natureza, com a vida, com a sociedade nacional e internacional e com o grande Todo do qual fazemos parte.

       Artigo 21
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a convicção de que há uma Energia amorosa, subjacente, em todo o Universo, que sustenta cada um dos seres e pode ser invocada, recebida e venerada.

      Artigo 22
      Todos estes ideais e critérios do Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade prolongam e reforçam os direitos humanos que constam da Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia da ONU, que será agora enriquecida com os direitos da Mãe Terra e da Humanidade.

      Texto elaborado por Miguel d'Escoto Brockmann, ex-Presidente da Assembléia da ONU - 2008-2009 - e Leonardo Boff, professor emérito de Ética da Universidade do Rio de Janeiro. Esta proposta faz parte do artigo desses autores intitulado "A Reinvenção das Nações Unidas, uma organização indispensável".
      Tradução de Yara Camillo, São Paulo, Brasil.



Especuladores da fome fazem preço dos alimentos aumentar



Fonte: Carta Maior

Não são apenas más colheitas e mudanças no clima; especuladores também estão por trás dos preços recordes nos alimentos. E são os pobres que pagam por isso. Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores cuja especulação nos mercados financeiros globais causaram a crise das hipotecas de alto risco (sub-prime) são responsáveis por causar as alterações e a inflação no preço dos alimentos. A acusação contra eles é que, ao se aproveitar da desregulamentação dos preços dos mercados de commodities globais, eles estão fazendo bilhões em lucro da especulação sobre a comida e causando miséria ao redor do mundo. O artigo é de John Vidal (The Observer)

Há pouco menos de três anos, as pessoas da vila de Gumbi, no oestede Malawi, passaram por uma fome inesperada. Não como a de europeus,que pulam uma ou duas refeições, mas aquela profunda e persistente fome que impede o sono e embaralha os sentidos e que acontece quando não se tem comida por semanas. Estranhamente, não houve seca, a causa tradicional da mal nutrição e fome no sul da África, e havia bastante comida nos mercados. Por uma razão não óbvia o preço de alimentos básicos como milho e arroz havia quase dobrado em poucos meses. Não havia também evidências de que os donos de mercados estivessem estocando comida. A mesma história se repetiu em mais de 100 países em desenvolvimento.

Houve revolta por causa de comida em mais de 20 países e governos tiveram que banir a exportação e subsidiar fortemente os alimentos básicos. A explicação apresentada por especialistas da ONU em alimentos era de que uma “perfeita” conjunção de fatores naturais e humanos tinha se combinado para inflar os preços. Produtores dos EUA, diziam as agências da ONU, tinham disponibilizado milhões de acres de terra para a produção de biocombustíveis; preços de petróleo e fertilizantes tinham subido intensamente; os chineses estavam mudando de uma dieta vegetariana para uma baseada em carne; secas criadas por mudanças no clima estavam afetando grandes áreas de produção.

A ONU disse que 75 milhões de pessoas se tornaram mal nutridas em função do aumento de preços. Mas uma nova teoria está surgindo entre economistas e mercadores. Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores cuja especulação nos mercados financeiros globais causaram a crise das hipotecas de alto risco (sub-prime) são responsáveis por causar as alterações e a inflação no preço dos alimentos. A acusação contra eles é que, ao se aproveitar da desregulamentação dos preços dos mercados de commodities globais, eles estão fazendo bilhões em lucro da especulação sobre a comida e causando miséria ao redor do mundo.

Conforme os preços sobem além dos níveis de 2008, fica claro que todos estão agora sendo afetados. Os preços da comida está subindo até 10%por ano no Reino Unido e na Europa. Mais ainda, diz a ONU, os preços deverão subir pelo menos 40% na próxima década. Sempre houve uma modesta, mesmo bem-vinda, especulação nos preços dos alimentos e tradicionalmente funcionava assim. O produtor X se protegia contra o clima e outros riscos vendendo sua produção antes da colheita para o investidor Y. Isso lhe garantia um preço e o permitia planejar o futuro e investir mais, e dava ao investidor Y um lucro também. Num ano ruim, o fazendeiro X tinha um bom retorno. Mas num ano bom, o investidor Y se saía melhor.

Quando esse processo era controlado e regulado, funcionava bem. O preço da comida que chegava ao prato e do mercado de alimentos mundial ainda era definido por reais forças de oferta e demanda. Mas tudo mudou no meio dos anos 1990. Na época, após um pesado lobby de bancos, fundos de investimento de risco e defensores do "mercado livre" nos EUA e no Reino Unido, as regulamentações no mercado de commodities foram abolidas. Contratos para comprar e vender alimentos foram transformados em “derivativos” que poderiam ser comprados e vendidos por negociantes que não tinham relação alguma com a agricultura. Como resultado, nascia um novo e irreal mercado de “especulação de alimentos”.

Cacau, sucos de fruta, açúcar, alimentos básicos e café agora são commodities globais, assim como petróleo, ouro e metais. Então, em 2006, veio o desastre das hipotecas podres e bancos e especuladores correram para jogar os seus bilhões de dólares em negócios seguros, alimentos em especial. “Nós notamos isso [especulação de alimentos] pela primeira vez em 2006. Não parecia algo importante então. Mas em 2007, 2008 aumentou rapidamente”, disse Mike Masters, gerente de um fundo no Masters Capital Management, que confirmou em testemunho ao Senado dos EUA em 2008 que a especulação estava inflando o preço mundial dos alimentos. “Quando você olha para os fluxos, se tem uma evidência forte. Eu conheço muitos especuladores e eles confirmaram o que está acontecendo. A maior parte do negócio agora é especulação – eu diria 70 a 80%.” Masters diz que o mercado agora está muito distorcido pelos bancos de investimentos. “Digamos que apareçam notícias sobre colheitas ruins e chuvas em algum lugar. Normalmente os preços vão subir algo em torno de 1 dólar (por bushel). Quando se tem 70-80% de mercado especulativo, sobe 2 a 3 dólares para levar em conta os custos extras. Cria volatilidade. Vai acabar mal como todas as bolhas de Wall Street. Vai estourar.”

O mercado especulativo é realmente vasto, concorda Hilda Ochoa-Brillembourg, presidente do Strategic Investment Group de Nova York. Ela estima que a demanda especulativa para o mercado agrícola de futuros tenha aumentado entre 40 e 80% desde 2008. Mas a especulação não está apenas em alimentos básicos. No ano passado, o fundo Armajaro, de Londres, comprou 240 mil toneladas – mais de 7% do mercado mundial de cacau – ajudando a elevar o preço do chocolate ao seu mais alto valor em 33 anos. Enquanto isso, o preço do café pulou 20% em apenas três dias, resultado direto de aposta de especuladores na quebra do preço do café.

Olivier de Schutter, Relator da ONU para o Direito à Alimentação, não tem dúvidas que especuladores estão por trás do aumento de preços. “Os preços do trigo, do milho e do arroz tem aumentado de modo significante, mas isso não está ligado a estoques ou colheitas ruins, mas sim a negociantes reagindo a informações e especulações do mercado”, ele diz. “As pessoas estão morrendo de fome enquanto os bancos estão se matando para investir em comida”, diz Deborah Doane, diretora do Movimento Global de Desenvolvimento de Londres.

A FAO, órgão da ONU para agricultura, se mantém diplomaticamente evasiva, dizendo, em junho, que: “Fora mudanças reais em oferta e procura em alguns commodities, o aumento dos preços pode também ter sido amplificado pela especulação no mercado de futuros”. A [visão da] ONU tem o apoio de Ann Berg, uma das mais experientes negociantes do mercado de futuros. Ela argumenta que diferenciar commodities dos mercados de futuro e os relacionados com investimento sem agricultura é impossível. “Não existe maneira de saber exatamente [o que está acontecendo]. Tivemos a bolha das casas e o não-pagamento dos créditos. O mercado de commodities é outro campo lucrativo [onde] os mercados investem. É uma questão sensível. [Alguns] países compram direto dos mercados. Como diz um amigo meu. “O que para um homem pobre é um problema, para o rico é um investimento livre de riscos”.

Tradução: Wilson Sobrinho