Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Brasil na hora dos orgânicos



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Surgem condições para um grande salto na produção de alimentos cultivados sem agrotóxicos. Preços caíram; regulamentação permite reivindicar subsídios. Haverá vontade política?

Por Gisele Neuls, no Pagina22

A agropecuária orgânica brasileira ocupa uma área estimada de 1,5 milhão 
de hectares, quase nada dentro dos 68 milhões de hectares cultivados em todo 
o País. Mas este mercado está longe de
 ser insignificante – ao contrário, está em expansão e ganhando respeito de atores proeminentes da economia convencional.

Mostra disso é o Prêmio Eco 2012 da Câmara Americana de Comércio (Amcham), entregue em dezembro à avícola orgânica Korin, cujos produtos já estão presentes 
em 19 estados. Para o governo, esse
 perfil de produção está em expansão e
 pode conquistar o mercado interno. Para especialistas, ainda falta muito investimento para se chegar lá.

O coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Rogério Dias, diz perceber mudanças desde a regulamentação da Lei dos Orgânicos em 2007 [1]. Mesmo sem dados precisos sobre o mercado brasileiro [2], ele toma as grandes feiras setoriais, como a Biobrasil e a Biofach, como indicadores da evolução deste mercado em direção à maior agregação de valor. “O marco regulatório deu clareza e confiança para as pessoas investirem mais nos orgânicos. Cresceu de forma incrível a diversidade e o volume de produtos processados, que, além da agregação de valor, podem ficar mais tempo na prateleira”, afirma Dias. E é exatamente o mercado interno o foco estratégico do mapa. “Se trabalharmos o orgânico só para exportação, a sociedade não se vê como beneficiária e não apoia”, reflete Dias.

O governo aposta na regulamentação para ampliar a produção e o consumo interno de orgânicos. No ano passado, lançou a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), com a ambição de enfrentar os principais gargalos da produção orgânica: crédito e financiamento, assistência técnica e pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Como principal instrumento para sua concretização, a Pnapo contempla o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que o governo espera lançar até o final deste semestre.

É bom, mas é pouco. Para José Maria Ferraz, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos e integrante da Associação Brasileira de Agroecologia, sem um orçamento expressivo, a Pnapo não fará muita diferença. “O modelo convencional é subsidiado, financiado, tem pesquisa. A produção orgânica não tem essas facilidades”, aponta.

O pesquisador acredita que a produção orgânica poderia responder pela maior parte do mercado interno de alimentos, visto que em torno de 60% da alimentação diária do brasileiro vem da produção familiar, na qual é mais viável produzir de forma orgânica. Mas, para isso, a política agrícola do País precisa tratar os orgânicos no mínimo em igualdade de condições com a produção convencional, o que significa ampliar substancialmente o montante de subsídios ao crédito e oferecer linhas para investimento na conversão das terras para a produção agroecológica.

Ferraz lembra que o produtor orgânico arca com os custos de adequação legal
 em relação à suas áreas de preservação permanentes, nascentes e reserva legal; garantias sanitárias e certificação. “Apesar de causar um impacto maior para o ambiente,
o sistema convencional não precisa de nada disso. O custo fica menor porque o preço do convencional não inclui essas externalidades”.

Ainda assim, as feiras orgânicas, de onde se escoa a maior parte da produção orgânica diretamente para o consumidor, começam a derrubar o mito de que o produto é muito caro. Levantamento do Instituto
 de Defesa do Consumidor (Idec) de 2010 comparando os preços de hortifrúti em feiras e supermercados constatou que nas feiras orgânicas os produtos eram mais baratos. Um pé de alface americana orgânica em São Paulo, por exemplo, saía a R$ 2,17 na feira e R$ 3,88 no supermercado, uma diferença de quase 80%. A pesquisa e um mapa das feiras orgânicas do País estão disponíveis no site do Idec.



[1] A produção e certificação de orgânicos é regulamentada pela lei no 10.831/2003 e o Decreto no 6.323/2007
[2] O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi a primeira pesquisa a fornecer dados oficiais sobre a agropecuária orgânica brasileira, identificando mais de 90 mil estabelecimentos

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

La muchacha de la CIA


Eron Bezerra *

Talvez a jovem senhora Yoani Sánchez, la muchacha de la CIA, esperasse um Brasil mais cordato à sua pregação reacionária. Certamente voltou frustrada. Quem lhe deu guarida foi apenas a direita mais atrasada, na qual se incluía expoentes da famigerada UDR e da Opus dei, uma seita religiosa ultraconservadora.
O movimento popular progressista repudiou, com razão, não apenas a sua vinda, mas o motivo de sua perambulação, que nada mais é do que um velho e manjado expediente que a Central de Inteligência Americana (CIA) usa para desacreditar os seus adversários, reais ou imaginários, em todos os quadrantes do planeta.
Nessa mira estão, permanentemente, os líderes palestinos, grupos guerrilheiros, governos revolucionários (CUBA, China, Vietnã, Coreia do Norte) e/ou progressistas (Brasil, Equador, Venezuela, Bolívia, Argentina, etc.) e até governos teocráticos, como o Irã, que não mais aceita o eterno papel de zeloso guardião dos interesses americano. A intensidade dos ataques e os expedientes variam de acordo com o “risco” do adversário. Nesse particular, para os americanos, Cuba é risco máximo. Sobrevive sem eles e certamente tem inspirado outros países a entenderem que podem viver sem a tutela dos EUA.


O que veio fazer la muchacha de la CIA no Brasil?
Certamente não foi defender direitos humanos, pois, aqui, até onde o horizonte alcança, não há mais presos ou perseguidos políticos. Já houve muitos, graças ao golpe militar e a ditadura subsequente implantada com a ajuda dos Estados Unidos e de seu braço operacional, a CIA. Mas nós já superamos essa etapa a partir da mobilização de nosso próprio povo. Nenhuma ditadura, por mais sanguinária que seja, será capaz de suportar a mobilização popular. Veio denunciar o governo cubano?
Não somos tribunal internacional de inquisição e tampouco somos partidários desse tipo de intromissão, baseado no principio da autodeterminação. Afinal, dona Yoani veio denunciar o que?
Que ela estudou e se graduou numa universidade pública de Cuba sem pagar um centavo, privilégio, aliás, de muitos cubanos e de milhares de africanos e latinos (brasileiros inclusos) que ali estudam as expensas do povo cubano? Ou que ela veio ao Brasil com passaporte expedido pelo governo cubano, para onde vai voltar em absoluta segurança?
Se a sua preocupação fosse direitos humanos ela certamente não teria vindo ao Brasil. Teria ido fazer um ato de protesto na base de Guantánamo, dentro do território cubano, onde os Estados Unidos mantem, sob intensa tortura, centenas de prisioneiros políticos, especialmente árabes.
Mas ela poderia também ter ido aos Estados Unidos protestar contra a prisão de 05 cidadãos cubanos (heróis para seu povo) que estão encarcerados na terra do tio San por terem impedido que agentes da CIA - travestidos de “dissidentes”, tal qual dona Yaoni - continuassem fazendo atentados terroristas em território cubano. Ela ainda não joga bombas em hotéis da Ilha para afugentar turistas, como faziam e fazem seus colegas estacionados em Miami. Pode evoluir para tal se necessário, mas hoje seu papel é outro.
Com tanto trabalho para fazer na terra dos seus patrões americanos por que ela veio parar no Brasil? O Brasil tem papel preponderante nesse tabuleiro político, especialmente da América Latina. Tudo que a direita puder fazer para dificultar a vitória das forças progressistas e facilitar o trabalho de sua própria tropa ela não medirá esforços.
Dona Yoani, la muchacha de la CIA, é parte dessa engrenagem. Basta ver quem a recepcionou no Brasil. Não é a operadora principal, apenas um instrumento a mais da CIA. Mas, como veio, teve no Brasil o merecido repudio daqueles que sabem perfeitamente a serviço de quem ela está.
E, nesse particular, a nossa brava UJS enche de orgulho a cada um de nós.

* Secretário de Produção Rural do Amazonas, Membro do CC do PCdoB, Secretário Nacional da Questão 

Os serviços de Marina Silva


Luiz Manfredini *

Nos anos 90, a direita dispunha de um programa para o Brasil: o programa neoliberal. Beneficiária da atmosfera regressiva criada pela queda do Muro de Berlin e dissolução da União Soviética, no curso de uma ampla crise do socialismo e de um notável avanço do capital, ela sensibilizou o eleitorado brasileiro com suas propostas aparentemente inovadoras de privatizações, Estado mínimo e outros quejandos.
E indicou para representá-la um egresso da esquerda, o então senador Fernando Henrique Cardoso, que cumpriu dois mandatos presidenciais. Digamos assim: a direita estava com tudo.

Mas o modelo neoliberal sofreu reveses decisivos no Brasil e no mundo. A partir de 2003 o Governo Lula inaugurou um novo modelo que, a despeito de equívocos e limitações, confrontou-se com o receituário neoliberal, vitaminou o crescimento econômico com justiça social e soberania nacional e, assim, ganhou a alma da maioria dos brasileiros. A Presidente Dilma se elegeu no bojo desse movimento para a esquerda. E a direita ficou sem programa e, portanto, órfã de propostas para o Brasil. Nos últimos anos, amparada em seu vasto poderio midiático, restou-lhe atacar o governo a partir do velho cantochão do moralismo e de pontos isolados que estão longe de se constituírem uma alternativa à plataforma da esquerda.

Mas isto não basta para a direita vislumbrar alguma perspectiva, que não a derrota, nas eleições de 201. Assim, procura construir ou ajudar a construir cenários adicionais que, mesmo indiretamente, a favoreçam. Um desses cenários é o da fragmentação do quadro partidário e de alianças eleitorais, na esperança de evitar a vitória da Presidente Dilma já no primeiro turno, como apontam as pesquisas. Daí a grande mídia privada e mesmo próceres da direita saudarem o lançamento, no dia 16 de fevereiro, em Brasília, do partido da ex-senadora Marina Silva, a tal Rede Sustentabilidade, ou simplesmente Rede.

Marina não dispõe mais dos 20 milhões de votos que auferiu em 2010 em circunstâncias políticas irrepetíveis. Mas seu capital eleitoral – ali pelos 9%, segundo estimam pesquisas atuais - ainda é respeitável. A direita conta com eles para tentar impedir a vitória de Dilma já no primeiro turno. E se esforça para isso, inclusive oferecendo quadros ao novo partido. O deputado federal paulista Walter Feldman, por exemplo, um tucano histórico e sempre muito bem votado, é apontado como um dos fundadores da agremiação de Marina. Claro que não será fácil amealhar, até outubro, as 500 mil adesões necessárias para legalizar o partido, mas a direita certamente vai ajudar.

Mas o partido da ex-senadora pelo Acre, além dos serviços que prestará à direita, ainda que indiretamente, contém singularidades que não passaram desapercebidas. A primeira, nas palavras da própria Marina: "Estamos na época ao paradoxo, nem situação, nem oposição a Dilma. Precisamos de posição”. Nem oposição, nem situação, mas posição? O que é isso? Parece tiradinha de publicitário. E mais: “Nem direita, nem esquerda. Estamos à frente". Mas onde está o partido, em que galáxia? Isso me cheira à senha para o oportunismo, pois numa agremiação que assim se define, cabe todo mundo. Também a afirmação de Marina de que o Rede vai romper com “a lógica de partidos a serviços de pessoas” soa como embuste. Não está a serviço de pessoas, mas só ela é quem aparece.

Não vai o partido de Marina aceitar contribuições de empresas de cigarro, armas, agrotóxicas e bebidas alcoólicas. Mas nada fala a respeito das doações de bancos e empreiteiras. Uns, como o deputado Walter Feldman, falam que a agremiação só aceitará dirigentes e candidatos com ficha limpa, regra que não vale para filiados em geral. Outros, como um dos fundadores, João Paulo Capobianco, asseguram que a legenda vai "coibir a entrada de ficha suja". Ingressa ficha suja ou não? A confusão está precocemente formada, o que não soa estranho a um partido que não possui carta programática, no qual metade dos filiados poderá ter a opinião que desejar, à margem das orientações partidárias.

Tais orientações foram coletadas entre os primeiros aderentes. No evento de lançamento, em Brasília, os participantes – alguns deles se denominam “sonháticos” - relataram sonhos ao microfone ou por escrito. Como notou, em artigo recente, o biólogo e professor Pedro Luiz Teixeira de Camargo, “as ideias eram as mais divergentes possíveis, passando pelo mote ‘mais Joaquim Barbosa, por favor’, até a palavra mágica "amor". Para ele, “a partir do momento em que metade dos filiados não precisa seguir um programa partidário, busca-se o enfraquecimento dos partidos políticos”. E aí está um ponto crucial nessa iniciativa, a primeira que busca desclassificar a instituição partido como instrumento primordial da política. Diz Marina: . "Estamos num processo de desconstrução de que o partido tem monopólio da política, queremos quebrar isso”. É a ação declarada contra os partidos, a tentativa de despolitização da sociedade.

Em seu oportuno artigo, Pedro Luiz Teixeira de Camargo conclui:

“É fundamental mostrar a toda a sociedade a verdadeira faceta de Marina Silva e de sua Rede: servir de legenda para deputados insatisfeitos em seus partidos, garantir um partido para a realização pessoal da ex-senadora e, principalmente: servir de sublegenda para a direita neoliberal. Desgastada devido aos bons governos de Lula e Dilma, a direita tradicional precisa se repaginar, e nada melhor que usar uma ex-militante de esquerda, ainda mais se puderem pintar o tucano de verde, que pode deixar de ser a cor da esperança para passar a ser a cor da preocupação”.

Gelatinoso como é, o partido da ex-senadora mereceu definição antológica do jornalista Cláudio Gonzalez: “Não é um partido, é uma ONG que receberá dinheiro do fundo partidário”. Ou, como afirmou o impagável José Simão, dia desses: a Rede de Marina “é o PSD que não come carne”.

* Jornalista e escritor em Curitiba, representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois e é autor de “As moças de Minas”, “Memória de Neblina”, “Sonhos, utopias e armas” e “Vidas, veredas: paixão

Nossa fonte: Vermelho

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Um exemplo vitorioso

 
A Lei da Mãe Terra: um novo momento da luta na Bolívia

Elaine Tavares - jornalista


O presidente boliviano, Evo Morales, encerrou no último dia 15 de janeiro um importante ciclo de luta contra o latifúndio no país, quando promulgou a Lei da Mãe Terra e Desenvolvimento Integral para Bem Viver. Com ela, o Estado pretende equilibrar a posse da terra e garantir direitos à natureza, visando em última instância que as pessoas possam viver bem, com qualidade e em harmonia com a terra. "Temos que trabalhar para viver bem e garantir o que necessitamos. Não mais que isso", afirmou o presidente, para o qual o consumo desenfreado capitalista é um dos grandes responsáveis pela destruição do planeta.

Quando Evo Morales assumiu o governo em 2006 a Bolívia praticamente não tinha uma lei que garantisse a legalidade das terras comunais, assim como crescia o latifúndio na região oriental, inclusive garantido na famosa reforma de 1953, a qual permitia que uma única propriedade pudesse ter até 50 mil hectares. Não foi sem razão que partiu de Santa Cruz de La Sierra a primeira grande onda de protesto contra o governo de Morales, ainda em 2008, quando a Bolívia chegou quase a uma convulsão social patrocinada pelos fazendeiros da região. Eles não queriam a aprovação, na Constituição, do limite de até 5 mil hectares propriedade. Naqueles dias houve um plebiscito sobre o tema e mais de 80% do país votou favorável a diminuição do tamanho da propriedade. Era uma primeira queda de braço vencida.

Agora, essa nova legislação, nascida do debate permanente com a organizações sociais, garante a proteção da Mãe Terra, assim como recupera e fortalece os saberes locais e conhecimentos ancestrais. O capítulo I trata dos objetivos e princípios. No artigo primeiro fica estabelecido que é dever do Estado Plurinacional e da sociedade garantir os direitos da Terra. No artigo segundo estão definidos os princípios que regem a lei: harmonia (a ação humana deve equilibrar-se com os ciclos e processo da terra), bem coletivo (os interesses sociais e coletivos são mais importantes que os interesses individuais), garantia de recuperação da terra (deve-se dar tempo para que a terra se recupere e se adapte às perturbações, regenerando-se sem mudar suas características), respeito, não mercantilização e interculturalidade.

O capítulo II dá conta da definição e do caráter da Mãe Terra. Estabelece que ela é um sistema vivente dinâmico formado pela comunidade invisível de todos os sistemas de vida e dos seres vivos inter-relacionados, interdependentes e complementares que compartilhar um destino comum. Define ainda que os sistemas de vida são as plantas, animais, micro organismos e outros seres onde inter atuam comunidades humanas com suas práticas produtivas e culturais com suas respectivas cosmovisões de nações, indígenas e afrodescendentes. Como caráter jurídico a Mãe Terra aparece como sujeito coletivo de interesse público e a população boliviana tem o dever de zelar pelos seus direitos.

No Capítulo III estão listados os direitos garantidos à Terra: o direito à vida, com a manutenção do seus sistema e dos processos naturais; o direitos à diversidade garantindo que nada seja alterado geneticamente ou modificado de maneira artificial; o direito à água, garantindo a preservação, a quantidade e a qualidade; direito ao ar limpo, ao equilíbrio, à restauração e a viver livre de contaminação. Aqui, nesse capítulo define-se claramente a proibição aos transgênicos e o combate à mineração que tanta destruição ambiental vem causando na América Latina.

O capítulo IV estabelece as obrigações do Estado e da sociedade e ali estão definidas a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas para a proteção da natureza, para o consumo equilibrado, contra a mercantilização, pela soberania energética, pelo desenvolvimento de energia limpa. Também estabelece os deveres das pessoas no cuidado com a terra, na promoção da harmonia, na participação da construção das políticas, nas práticas e hábitos que se harmonizem com a proteção, na denúncia de tudo que atentar contra os direitos da terra. Finalmente, o artigo final (10) cria a Defensoria da Mãe Terra que tem por missão velar a vigiar pelo cumprimento da lei.

Mas, o que é considerado um avanço tremendo para a maioria da população não está sendo bem visto pelos grandes proprietários. Com a lei, que aparece de forma singela, fica comprometido todo um projeto que as grandes empresas transnacionais tem para o país, dono de riquezas minerais imensas. Como a elite boliviana tem ligação visceral com esse projeto que se projeta desde fora, a resposta promete ser forte. A Lei da Mãe Terra acaba se contrapondo à mineração, aos mega projetos energéticos, aos transgênicos e muitos de seus artigos necessitam leis complementares. Essa será uma nova batalha a ser travada.

O presidente da Associação Nacional de Produtores de Oleaginosas e Trigo, Demetrio Pérez, deu declarações nos jornais afirmando que proibir os transgênicos é colocar travas no desenvolvimento produtivo. E já avisou que no processo de discussão das leis complementares eles estarão atuando. Também o presidente da Confederação de Criadores de Gado da Bolívia, Mario Hurtado, acredita que a nova lei trará muitas incertezas para os proprietários e eles haverão de agir.

De qualquer forma, ainda que venham novas lutas, a Bolívia deu um passo importante em nível mundial ao reconhecer a condição "sagrada" da terra, recuperando elementos ancestrais da cultura andina que nunca deixaram de existir, embora estivessem escondidos sob o domínio colonial e depois nos sucessivos governos de marionetes. A terra vista como "Pachamama", não na sua percepção folclórica ou anacrônica, mas como um sistema vivo, no qual o ser humano é só mais um elemento. Garantir o equilíbrio desse sistema passa a ser fundamental também para a sobrevivência da espécie.

A lei sobre o direito da Terra não está sozinha dentro do complexo sistema de "justiça climática" que está em voga hoje no país. Também existe a Lei da Revolução Produtiva (com amplo apoio ao pequeno e médio produtor), o processo de distribuição de sementes de qualidade, o seguro agrícola para ajudar em casos de desastres naturais e o Observatório Ambiental. Cada uma dessas iniciativas formam um sistema para garantir a segurança alimentar da população assim como a proteção da terra.

A questão ambiental, que o sistema capitalista tenta impor ao mundo como um problema causado sempre pelo "outro", se resolve assim mesmo. Cada microrregião do planeta pode cuidar de si, garantindo a proteção à terra e tornando possível que a sociedade assuma o definitivo controle sobre seu ambiente, atuando de maneira protagônica no processo e não apenas como quem denuncia. Agora, na Bolívia, esse é o desafio. Cada pessoa tem o direito e o dever de atuar na proteção e na formulação das políticas. E, além das leis que asseguram a proteção à Pachamama ainda poderão contar com o Fundo Plurinacional da Mãe Terra, formado de verbas públicas e privadas, para que seja possível administrar essa nova foram de interagir com a natureza.

Uma nova fase da luta pelo equilíbrio da vida começa agora na Bolívia. Não vai ser coisa fácil e precisa de tempo para se fortalecer e vingar.

veja a lei, na íntegra no sítio:


http://clavero.derechosindigenas.org/wp-content/uploads/2012/06/Bolivia-LEY-madre-tierra-y-D.I.-No.pdf

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Portinari para todos

Mazé Leite*

Neste 21 de fevereiro de 2013 o Projeto Portinari lança um novo Portal, com todas as obras do pintor Candido Portinari. Com interface inovadora e conteúdo totalmente acessível ao público, a ideia é dar ao povo brasileiro o acesso ao imenso acervo de obras do pintor, assim como a documentos, cartas, gravações e fotografias.


Permitir que qualquer pessoa tenha acesso à obra de Candido Portinari, via internet, é a principal ideia do novo Portal do Projeto Portinari, no endereço portinari.com.br. Com uma interface original e de design leve e bonito, o sítio do Projeto Portinari irá usar as melhores ferramentas tecnológicas disponíveis na web para que o público possa ter acesso ao acervo riquíssimo, fruto de mais de 30 anos de pesquisa sobre a vida, a obra e a época de Candido Portinari, o mais brasileiro dos nossos pintores.

João Candido Portinari, filho do artista, fundador e diretor geral do Projeto Portinari aponta que mais de 95% das obras de seu pai estão inacessíveis à apreciação do público por pertencerem a coleções privadas. Ele complementa: “Sempre sonhei em disponibilizar as obras ao maior número possível de pessoas. A obra de Portinari carrega mensagens éticas e de valores humanos em prol da paz, retrata a vida, a alma e o povo brasileiro. No início, há 33 anos, não havia tecnologia para isso. Hoje, novas ferramentas nos permitem colocar esse conteúdo no colo das pessoas. Batizamos esse ideal de ‘Portinari para todos’. No novo Portal, os usuários – crianças, jovens, estudantes, professores, pesquisadores, curiosos ou simplesmente amantes da arte – poderão navegar brincando”.

O acervo do Projeto Portinari contém uma complexa base de dados com cerca de 30 mil itens, entre obras de arte, cartas, fotografias, periódicos e depoimentos. Esse imenso acervo se refere não somente a Portinari mas também a seus contemporâneos e amigos, como Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Luís Carlos Prestes, Afonso Arinos, entre outros.

Maria Duarte, que é coordenadora geral do Projeto, afirma que o motivo maior dessa renovação e enriquecimento do Portal Portinari se deve ao objetivo de “proporcionar ao usuário uma experiência sobre a obra, a vida e a época de Portinari, convidá-lo a mergulhar nesse universo. O Portal Portinari une a complexidade e riqueza de um acervo construído há 33 anos, às diversas possibilidades oferecidas pela tecnologia e o desejo de disponibilizar este conteúdo ao maior número de pessoas”.

A primeira página do sítio é apresentada sob a forma de mosaico, com entradas para a obra completa de Portinari, feita de 5 mil imagens, além de documentos e uma seleção de fatos históricos que contextualizam a produção do pintor. Nesta primeira tela, o usuário pode usar o comando de busca, através de texto livre, muito fácil para localizar uma obra ou um documento. A cada item do acervo, o usuário verá um infográfico que mostra seus relacionamentos com todos os outros itens do acervo do Projeto Portinari. É um Portal com ligações internas que usa as ferramentas mais modernas da Internet para facilitar o acesso do público.



Portinari com os amigos Antônio Bento, Mário de Andrade e Rodrigo Mello Franco de Andrade,
na exposição de suas obras no Palace Hotel, Rio de Janeiro. 1936

Projeto Portinari: arte, ciência e tecnologia

O conjunto da obra de Candido Portinari se encontra espalhado por todo o mundo, em acervos particulares, de museus, de empresas e de bancos. Sendo assim, a recuperação da obra completa do artista a partir de um novo registro fotográfico seria praticamente impossível, e por isso o foco do trabalho de recuperação dessas imagens se deu a partir do acervo fotográfico já pertencente ao Projeto Portinari. As imagens foram digitalizadas e passaram por um processo científico de adequação cromática que aproximou ao máximo a imagem do seu original. Nesse processo, o diretor João Candido contou com a colaboração de cientistas e especialistas em imagem digital. Todo o processo de constituição do registro visual da obra do pintor exigiu mais de 20 anos de trabalho e investimentos. Essas imagens e todos os documentos estarão disponibilizados no Portal, que assegura a máxima fidelidade nas cores e na qualidade das reproduções dos arquivos digitais.

Ainda dentro do padrão tecnológico e científico, o Portal trará um setor intitulado “Projeto Pincelada”. Trata-se de auxiliar o trabalho de autenticação das obras de Candido Portinari, identificando as obras falsas. Usando, entre outros recursos, a inteligência artificial, com a classificação automática de objetos e redes neurais, o Portal utilizará um Programa que tem como objetivo analisar a autenticidade de uma pintura partindo de uma amostragem de macrofotografias (zooms) de pinceladas do artista recolhidas de trabalhos reconhecidamente autênticos.

Desde a década de 1980, o Projeto Portinari vem utilizando processos digitais e tecnologia avançada a favor do seu trabalho de preservação da vida e obra do artista. Desde 1998 o Projeto disponibiliza todo o seu acervo na internet, num pioneirismo tecnológico que merece destaque. Sempre usando as mais avançadas ferramentas da web, o Portal atendia muito bem seu público principal, basicamente formado por pesquisadores. Mas os recursos da época eram ainda limitados e o conteúdo não podia ter a apresentação que terá a partir de agora, com imagens em alta resolução, rico cruzamento de dados, etc. Na época, o sítio do Projeto Portinari já era uma referência no Brasil e no exterior, pois a catalogação de obras de artistas na rede ainda era muito escassa.



Portinari junto ao esboço do painel "Tiradentes". 1949.

O projeto Portinari
Além de apresentar dados sobre a vida, o pensamento, as atividades e tudo o mais relacionados a Candido Portinari, o Portal também trará informações sobre o Projeto Portinari, com seu histórico, realizações, projetos, equipe, publicações, prêmios. Uma das atividades centrais deste Projeto está ligada à Arte e Educação, trazendo em seu conteúdo todo um material com fins educativos, implementando projetos de ensino-aprendizagem que associam diretamente a obra de Portinari aos princípios de uma Cultura de Paz.

Como parte dessas atividades, aconteceram, por exemplo, a exposição itinerante “O Brasil de Portinari”; o projeto “Se eu fosse Portinari”; as exposições “Portinari – Arte e Ciência” e “Tempo Portinari”; o projeto “Portinari – Arte e Meio Ambiente”; o programa educativo do “Projeto Guerra e Paz”; o projeto “Portinari – Bauzinho do pintor”. A primeira edição, dedicada à literatura, relaciona a obra do artista ao livro “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego; a segunda associa a pintura de Portinari a questões do meio ambiente.

Inicialmente empenhado em resgatar de forma sistemática e minuciosa a vida e a obra de Candido Portinari, assim como a época em que viveu, o Projeto Portinari tem como objetivo também disponibilizar a obra do artista a serviço da busca da identidade cultural do povo brasileiro e da preservação da memória nacional. Empenha-se em exercer uma atuação voltada especialmente às crianças e jovens, tomando por base os valores sociais e humanos presentes em todo o universo de Portinari, para suscitar uma reflexão sobre a realidade brasileira e mundial.

Disponibilizados no conteúdo do Portal, o Projeto apresenta os seguintes resultados de sua extensa pesquisa: levantamento de 5.300 pinturas, desenhos e gravuras atribuídos ao pintor, assim como mais de 25 mil documentos sobre sua obra, vida e época; pesquisa da autenticidade das obras (“Projeto Pincelada”); processamento digital das imagens; organização do arquivo e da correspondência do pintor (mais de 6 mil cartas) e do acervo de fotografias históricas, filmes e recortes de mais de 10 mil periódicos, livros, monografias, textos e memorabilia; registro de mais de 70 depoimentos de artistas, intelectuais, políticos, amigos e parentes de Portinari, totalizando mais de 130 horas gravadas (“Programa de História Oral”); publicação do Catálogo Raisonné “Candido Portinari – Obra Completa”, primeira publicação dessa natureza em toda a América Latina.

O Projeto Portinari também exerce diversas atividades de caráter sócio-cultural, que vão além da disponibilização em rede da obra do artista. Em 1997 realizou uma primeira exposição retrospectiva da obra de Portinari, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP); participou da edição e editou publicações alusivas a Portinari; criou material para divulgação da vida e da obra do pintor; planejou e executou o “Projeto Guerra e Paz”,com a restauração dos painéis em ateliê aberto a estudantes e público em geral, no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, além de exposição ao público do Brasil e do exterior. Em São Paulo, os painéis Guerra e Paz foram expostos no Memorial da América Latina e teve a visitação de cerca de 200 mil pessoas.

O projeto Portinari, com esta iniciativa, dá um verdadeiro presente ao povo brasileiro, a eterna inspiração do pintor Portinari. João Candido, cujo desejo é colocar no “colo do povo” a obra de seu pai, junto com sua equipe tem trabalhado incansavelmente na recuperação de todo esse acervo que generosamente disponibiliza a todos. Artistas, estudantes, amantes de arte, pesquisadores e qualquer pessoa, enfim, tem à sua disposição uma rica documentação histórica e artística, não só sobre ele, mas sobre um rico período da nossa história cultural da qual ele fez parte e, através de sua obra, nos alcança hoje. Filiado ao Partido Comunista, Candido Portinari sempre foi coerente com seu sonho de um mundo para todos, sempre esteve atuante nas lutas por um mundo de justiça e paz. “Entre o cafezal e o sonho”, como disse o poeta Carlos Drummond, “nada mais resiste à mão pintora”.

Também disse Oswald de Andrade: “(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”.

*Mazé Leite é artista plástica, bacharel em Letras-USP, ilustradora, escritora e pesquisadora de história da arte.

Baixa a seguir a íntegra da Carta. Drummond cumprimenta Portinari pelo sucesso de sua exposição em Paris, elogiando sua arte. Comenta o clima de "ilusória efervescência democrática" que domina o país, próximo às eleições. Comunica que Portinari foi incluído no Conselho Consultivo do Ateneu Garcia Lorca, para difusão da cultura espanhola. Comenta que viu a prova dos clichês do livro de Lelio Landucci sobre Portinari.
Nossa fonte: Vermelho

Download

 Carta de Carlos Drummond de Andrade a Portinari.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

FAO: Brasil é o país que mais avançou no combate à fome

"Nos últimos 20 anos o Brasil é o país que mais avançou no combate à fome". Com essa avaliação, Hélder Multeia resume os avanços conquistados ao longo dos dois anos e meio em que esteve a frente da representação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) no país. A partir do próximo dia 18, o cargo será ocupado por Alan Bojanic, que já liderou as atividades da organização no Chile e no escritório regional para América Latina e Caribe.

Bruno Spada/MDS
Dados da organização não governamental Action Aid salientam que em seis anos a má nutrição infantil caiu 73% no Brasil e a mortalidade infantil, 45%

Multeia afirmou, com exclusividade à Agência Brasil, que o novo representante da organização em território brasileiro não encontrará dificuldades. "O Brasil, como parceiro para os objetivos da FAO, é um país que está na linha de frente. É um país que já cumpriu as Meta do Milênio, onde a classe média cresce a olhos vistos e que tem políticas públicas importantes. Esse é o grande diferencial do Brasil", disse.

Quando assumiu o cargo, em agosto de 2010, o moçambicano Hélder Multeia tinha desafios claros. Entre eles, fortalecer, por meio do diálogo com setores do governo e de outros segmentos, medidas de apoio à pequena agricultura, à segurança alimentar e à preservação ambiental. "Houve grandes avanços nestas áreas porque o Brasil avançou muito com programas como o Fome Zero, que ficou ainda mais amplo com o Brasil sem Miséria", destacou.
Muitas das políticas e programas brasileiros foram reproduzidos em territórios onde a fome é um problema mais grave, como na África. Esta foi uma das principais atribuições de Multeia na FAO no Brasil. "Iniciamos programas de parcerias com outros blocos tanto na América Latina como na África. Reproduzimos programas como o de aquisição de alimentos e de alimentação escolar, que é um sucesso", lembrou.

A parceria também possibilitou a criação do programa Mais Alimentos África, nos mesmos moldes do programa criado no Brasil para apoiar a pequena agricultura com linhas de investimento para a modernização da propriedade rural. "Para os países africanos, o Brasil tem um cardápio de possibilidades de desenvolvimento com todas estas políticas de alimento, de apoio a pequena agricultura e do programa de cisternas", disse.

A partir desta segunda-feira (18), Multeia assume o escritório da organização criado recentemente em Lisboa, Portugal. Com um currículo que reúne passagens por cargos como o de ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, de vice-ministro de Pesca de Moçambique e de chefe do Departamento Técnico de Avicultura, em Maputo, Multeia sabe que terá um novo desafio a partir de agora, com atribuições diferentes das que assumiu no Brasil e na representação da Nigéria, anos antes

Na Europa, o escritório da FAO tem uma natureza diferenciada por não ter o status de representação. "Temos um escritório de ligação, de diálogo e de partilha. Vamos desenvolver um trabalho conjunto na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]", explicou. Segundo ele, os países que integram a CPLP vão criar uma plataforma de cooperação para atuarem, conjuntamente, no combate à fome nessas regiões.
Sobre a nova atividade em território português e as dificuldades que pode enfrentar, principalmente por se tratar de um dos países mais afetados pela crise econômica mundial, Multeia disse que só definirá outras atividades a partir das conversas que já estão sendo agendadas com representantes do governo e do setor produtivo de Portugal.

Nossa fonte: Vermelho

Mulheres Camponesas realizam encontro em Brasília



Nesta segunda-feira (18) começa, em Brasília, o 1º Encontro Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil. Com o tema “Na Sociedade que a Gente Quer, Basta de Violência contra a Mulher!”, cerca de três mil mulheres camponesas, de 22 estados do Brasil, e outros países, estão sendo esperadas para o evento. A abertura está prevista para às 14 horas. Logo após as camponesas irão expor produtos em uma Mostra da Agricultura Camponesa. O evento prossegue até quinta-feira (21).



Durante o encontro, as mulheres participarão de estudos, discussões, vivências e atividades culturais.Segundo a dirigente da Região Sul do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Noeli Taborda, o objetivo deste encontro será de “fortalecer o Movimento de Mulheres Camponesas desde a base à direção Nacional, dando visibilidade ao papel importante que a mulher exerce na produção de alimentos, celebrando conquistas e planejando o futuro”.

O MMC possui como missão a libertação das mulheres trabalhadoras de qualquer opressão e discriminação. Isso se concretiza nas lutas, na organização, na formação e na implementação de experiências de organização popular, onde as mulheres sejam protagonistas de sua história. O Movimento tem a preocupação com a soberania alimentar, entendida como a produção de alimentos saudáveis e diversificados para o consumo de toda população brasileira, não apenas de suas famílias.

Durante os dias do encontro, as mulheres vivenciarão diferentes momentos como plenárias que discutirão os temas: a produção de alimentos saudáveis, o combate a violência contra as mulheres e o feminismo. Além de estudos, discussões e vivências, as camponesas também terão atividades culturais.

Segundo a dirigente do Movimento da Região Amazônica, Tânia Chantel, a importância do encontro se situa no fato de “reunir mulheres do campo de todo o Brasil para discutir e dialogar sobre temas tão importantes como o projeto de agricultura camponesa que defendem, bem como o tema da violência que atinge muitas mulheres do campo, mas que não é visibilizada pela sociedade, pelas autoridades e pela mídia”.

O encontro também pretende fomentar a criação de políticas públicas e novas discussões nos grupos de base nos estados, visto que muitas políticas públicas não se efetivam na vida das camponesas.

Já está confirmada a presença de organizações de mulheres internacionais dos países de Cuba (Federação de Mulheres Cubanas), Honduras (Conselho para o Desenvolvimento Integral das Mulheres Camponesas), Colômbia (Federação Nacional Sindical Unitária Agropecuária), Venezuela (Frente Nacional Campesina Ezequiel Zamoura), Chile (Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas), Paraguai (Coordenadora Nacional de Organizações de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Indígenas), República Dominicana (Confederação Nacional de Mulheres do Campo), Itália (Universidade de Verona) e África (União Nacional de Camponeses de Moçambique e uma articuladora de organizações de camponeses da África do Sul - TCOE).

Fonte: Redação de Vermelho, em Brasília, com agências

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Praia da Areia Preta



Dona Pandá chegou de sua viagem  a Guarapari. Foi passar uma semana com sua irmã que tem lá um apartamento pra lá de bem localizado. Fica na beira da praia – ela não se chama Teresa – da Areia Preta. Da copa-sala, da varanda e de um dos quartos se vê o mar. O prédio fica numa esquina. A entrada principal está no final de uma rua sem saída – onde há uma escadaria para a praia - e a outra entrada, num calçadão da praia.

Pela manhã, quem se levantasse primeiro corria até ali, na padaria, para buscar o pão quentinho, além de ser integral ainda chega à mesa cheiroso,  abrindo o apetite para aquele café bem acompanhado. Hora de contar os sonhos. A Mana, que é a sábia, entende do recado... dos sonhos. Dona Pandá, embalada por esse entendimento e pelo barulho do mar que ela vê, enquanto degusta seu mamãzinho, percebeu,  admirada, que se lembrava do que sonhara. Grande novidade! Presente de Guarapari! Segundo ela, não conseguia, praticamente durante a vida toda, saber o que sonhava.

Dona Pandá quer continuar contando o típico dia das duas e deixar o assunto dos sonhos para especialistas porque o máximo que poderia fazer seria contar os sonhos, mas sonho só para os íntimos, sem ofender os leitores. (Ela está me corrigindo: não quer contar para não entediar os amigos leitores.)

Após a sessão do protetor solar, vestidas com seus maiôs cobertos por belas cangas e munidas dos apetrechos necessários ao conforto da curtição praiana, lá vão as duas coroas enxutas – uma acha que a barriga está saliente em demasia e a outra, que precisa de mais alguns quilinhos - . Sentam-se admirando o verde das águas e recomeçam o papo. Até onde me é permitido, assunto não falta para essas duas, embora reconheça ser bem injusta, pois tenho certeza de que Dona Pandá dá pouco espaço para a fala de sua interlocutora.

Aproxima-se,  bem pertinho de nossas amigas, um garoto de seus 10 anos e murmura alguma coisa que a Mana – frequentadora de longa data do local – traduz como:
- Quer alguma coisa? – A tradução literal é pouco para a chacareira paulista que embarca na fantasia:
- Quero ver meu filhote sorridente tocando sua bateria. O menino pergunta:
- Teria o que? – Flagrada, ela devolve a pergunta:
- O que vc tem? – Escuta, então, uma lista de produtos, como picolé, salgadinhos, coco etc. A Mana explica o costume, o avô vende, ficando num lugar fixo e o menino percorre a praia oferecendo.  Pedem duas águas de coco. O garoto sai em dispara e logo volta acompanhado de outro mais velho que o ajuda a carregar o pedido e estende a mão para receber o pagamento. Este gesto lhe rende a antipatia de Dona Pandá que não só faz uma careta, como ainda comenta a esperteza do moleque. A Mana ri pelo previsível da reação.

Nos dias seguintes, bastavam chegar para o menino, todo sorridente, vir oferecer seus produtos. Impossível resistir àquela carinha simpática de malandréu pidão. Seu nome e sua vidinha são bem comuns. Chama-se Paulinho, é o oitavo filho de uma lavadeira e seu pai morreu na construção atrapalhando o tráfego. Moram todos com os avós. Enquanto a mãe vai trabalhar, os dois menores ajudam o avô que, no verão, abandona o serviço de pedreiro para fazer a boca na praia. A simpatia de Paulinho lhe rende boa gorjeta, mas ontem - conta o avô - ele perdeu R$ 4,50 com essa mania de guardar a grana debaixo do boné.

A praia da Areia Preta não é extensa e mesmo assim há uma grande diferença nas ondas. Em alguns pequenos trechos, são traiçoeiras e, ajudadas pelas depressões na areia, tornam-se perigosas. Alguns metros mais adiante, são amigas. Calmas acariciam sua pele e massageiam seu corpo, permitem flutuar num relaxamento gostoso. Mana dá a dica, é só observar os frequentadores. Eles já sabem. Onde não há ninguém, que ninguém se atreva. O nome da praia é óbvio, suas areias são pretas, famosas pelas propriedades medicinais. É comum ver as pessoas enterrarem  seu corpo ou parte dele, aguardando os efeitos benéficos para as dores, sobretudo as provocadas por artrose e suas primas.

Mana sabe as manhas das boas refeições, um prato feito delicioso; um café com seus acompanhamentos, inclusive um bolo de milho verde que os capixabas chamam atrevidamente de pamonha, mas que, de fato, é dos mais gostosos; um sorvete irresistível e ainda há as barracas já eleitas pela qualidade dos quitutes, como é o caso da de cocada. Depois do almoço, a opção ficava entre uma soneca e um passeio pelas vitrines, que terminava no café disputando com o sorvete. Afinal, resistir pra quê?

À noite, a varanda chama. O barulho das ondas, batendo na areia e na escadaria, convida ao devaneio que interrompe a boa leitura. Mana se encantava com a vida de Tim Maia e  Dona Pandá se divertia com Veríssimo. Algumas crônicas, vindas pelas gentis mãos da chacareira mineira, trazendo reflexões mais sérias, contrabalançavam o humor verissiano. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Encontro de Cordel reúne escritores e xilógrafos em Brasília




Escritores e xilógrafos encerraram em Brasília, nesta sexta-feira (15) o 2º Encontro Nordestino de Cordel. Os principais objetivos do evento foram o reconhecimento da literatura popular, criar um sindicato para os poetas populares e discutir a realização da primeira bienal sobre o tema.

Para o cordelista e criador do projeto cordel em sala de aula, Arievaldo Viana Lima, a ideia é dar andamento a vários projetos discutidos no primeiro encontro, como a criação do sindicato. “O que nós queremos é reconhecimento do cordel como uma vertente literária e não como uma peça folclórica”.

Lima destacou ainda a contribuição cultural do cordel na Região Nordeste. “Oitenta por cento da população nordestina é considerada analfabeta, entretanto, se produziam 100 mil exemplares de folhetos [de cordel] e eles se esgotavam em seis meses. Como uma população tida como analfabeta consumia 100 mil exemplares de uma obra? A população buscava uma forma de se informar, de se autoalfabetizar”.

Antônio Francisco Teixeira de Melo, de 64 anos, escreve e recita versos há 19 anos. Aprendeu a ler com o cordel que o pai sempre comprava. Escreveu seu primeiro cordel por brincadeira e desde então não parou, já publicou seis contos. “Eu escrevo para fazer um mundo menos ruim”. Para ele, o cordel “é escrever e meditar". "O cordel é ver as coisas que a gente não consegue vê com os olhos, ele é como uma luneta. É também a identidade do nordestino”.

O xilógrafo e presidente da Associação dos Gravadores do Cariri no Ceará, José Lourenço Gonzaga, trabalha com a xilogravura de cordel há 30 anos. Ele conta que a técnica chegou ao estado por meio de um dos maiores incentivadores do cordel no Ceará, José Bernardo. “O processo dessa técnica requer a arte de esboço do desenho, de retalhamento e de impressão da gravura".

Gonzaga conta que não existem cursos específicos que ensinam a técnica em oficinas. “Tivemos uma oficina na Bienal do Livro aqui em Brasília no ano passado e já fomos convidados para ministrar oficinas de xilogravura na próxima Bienal do Livro, que ocorrerá aqui em 2014".

Formado em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília (UnB), Valdério Costa trabalha há 20 anos com a xilogravura, técnica que aprendeu na infância. Em sala de aula, Costa ensina a técnica com foco no resgate da cultura popular brasileira. “Talvez a cultura popular não seja tão veiculada na mídia, mas é uma coisa que representa a tradição do nosso Nordeste. E quando se tem uma formação acadêmica, é imprescindível mantê-la".

Fonte: Agência Brasil (Nossa fonte: Vermelho)



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sobre a Vila Isabel e o patrocínio da Basf


(Por implacavel
Do blog Pelenegra)

A vitória da "Vila", a derrota de Martinho

Por Sergio J Dias e Luis CArlos Maximo

Nenhuma escola de samba cantou tanto as lutas do povo brasileiro, quanto a Unidos de Vila Isabel. São da Vila, os enredos campeões - Kizomba, Festa de um Povo e Soy Loco por ti América, Latinidad - de fortes conteúdos de esquerda e vanguardistas. Na condução desta trajetória encontramos o principal intelectual do samba brasileiro e um dos maiores da nossa história recente, Martinho da Vila. Com uma caminhada singular, Martinho incorporou os desejos do nosso povo por uma vida melhor e uma sociedade mais justa, social e racialmente. E, estas aspirações foram impressas na "Vila", em cada enredo, em cada alegoria, em cada fantasia, em cada verso de samba. São de Luis Carlos da Vila, Jonas e Rodolfo estes versos belíssimos, que a "Vila" soube tão bem representar:

"Valeu Zumbi!
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi valeu!
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu
Vem menininha pra dançar o caxambu (bis)
Ôô, ôô, Nega Mina
Anastácia não se deixou escravizar (bis)
Ôô, ôô Clementina
O pagode é o partido popular
O sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa Constituição (bis)
Que magia
Reza, ajeum e orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua (bis)
Nossa sede é nossa sede
De que o "apartheid" se destrua
Valeu!"
Uma ode à luta do movimento negro e dos movimentos sociais contra o racismo e a exploração.
Basf e Rosa Magalhães
Todavia, quis o destino que esta história se imantasse com as energias da escuridão e do conservadorismo. Veio o patrocínio da Basf, Ínsumos Agrícolas - empresa multinacional, processada por trabalhadores, como observamos no link: TST discute indenização a trabalhadores da Basf e Shell contaminados, e produtora de agrotóxicos, defensivos agrícolas.
Na goela da "Vila" foi empurrado o enredo: "A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo - Água no feijão que chegou mais um". Nada de MST, comunidades remanescentes de quilombo, ou a luta dos povos indígenas por suas reservas, cantou-se as realizações do agronegócio, sua pujança e poder. A comissão de frente apresentou felizes fazendeiros a partilhar o anarriê das quadrilhas francesas, tão forte em solo nacional. Esqueceu-se o jongo, o caxambu, a congada, o reizado, a folia de reis e tantas outras manifestações campesinas. Desprezou-se Francisco Julião e João Pedro Stédile, lembramos Roberto Rodrigues.
Para artífice desta construção contratou-se a mais conservadora das carnavalescas: Rosa Magalhães. Com seu estilo pomposo e barroco deu o contorno esperado pelas hostes reacionárias ao enredo. Ah! Que belos girassóis!

A amargura de Martinho
Entretanto, nada foi mais triste, do que perceber o desconforto e a amargura estampada no rosto de Martinho, um corpo ausente da apuração. Seus olhos estavam mortos, doloroso presente para seus 75 anos de vida. Talvez pensasse, poderia ter gritado mais, poderia não ter parceria no samba, poderia não ter desfilado, mas pouco adiantaria, o mal já estava feito.

O capital agrário internacional
O capital agrário internacional precisava dar mais uma demonstração de força. Sua dança, sua música, seus rítmos e sua cultura emolduram as cidades. O Brasil se desindustrializa a olhos vistos. A China avança sem delongas. Voltamos ao século XIX, de novo raciocinamos como "celeiro do mundo" e assim nos querem. A "Vila" de Martinho é apenas mais um instrumento. Há vitórias que soam muito mais como derrotas e esta foi uma dessas




Debate sobre inflação: o eterno retorno


 O mais importante, neste momento pós-carnavalesco, é que o governo Dilma não se deixe cair na armadilha da ortodoxia comandada pelos interesses da banca, e aumente o juro para combater a inflação. Caso realmente alguma medida precise ser tomada, que se eleve o depósito compulsório dos bancos junto ao Banco Central. O efeito de redução da demanda será o mesmo. A análise é de Paulo Kliass 


Passado o período da anestesia geral, a que o Brasil anualmente se submete durante o carnaval, tudo indica que a partir de agora o ano vai começar mesmo prá valer. O momento letárgico contribuiu para amortecer o sentimento generalizado de indignação com a eleição dos dirigentes do Congresso Nacional. E também para deixar um pouco recluso ao tema do Bloco do Pacotão, em Brasília, o medíocre crescimento da economia alcançado em 2012 – “o Pibinho da Dilma e do Mantega”.

Agora as páginas de economia dos grandes meios de comunicação já começam a definir os itens da pauta prioritária das demandas do financismo para os meses que se aproximam. Uma leitura atenta do foco apresentado pelos chamados “especialistas” de plantão do setor financeiro, sempre chamados a dar sua opinião sobre o desempenho da economia, começa a criar uma espécie de unanimidade em torn o do tema da vez. O escolhido parece ter sido a inflação. Assim, há uma grande probabilidade de que esse seja o principal gancho, nessa eterna tentativa de recolocar a ortodoxia no centro do palco.

O receio justificado da inflação
O tema assusta parcelas expressivas de nossa sociedade, que guardam ainda em sua memória os duros períodos de inflação crônica e elevada - combinados com momentos mesmo de hiperinflação - que o Brasil atravessou a partir do final da década de 1970. E, diga-se de passagem, com razão. Houve várias tentativas de planos de ajuste econômico, com congelamento de preços e incluindo a criação de novas unidades monetárias. Plano Cruzado I, Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e Plano Collor II. As moedas também foram muitas: cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, novo cruzeiro, cruzeiro real e real. Ufa! E em várias das mudanças do padrão monetário as novas denominações perdiam 3 zeros. Tempos difíceis, em que os preços eram reajustados diariamente e a população de baixa renda não tinha meios de se defender da corrosão do poder de compra dos salários. Apenas os setores de renda mais elevada conseguiam proteger-se das perdas, por meio das aplicações cotidianas no mercado financeiro.

No entanto, o controle efetivo do crescimento dos preços só veio a ocorrer a partir de 1994, com a edição do Plano Real. A inflação caiu de forma expressiva desde então, mas os efeitos da verdadeira estabilidade só se fizeram sentir a partir de 2005, período em que a inflação anual nunca mais superou a meta oficial estabelecida pelo próprio governo. Não cabe aqui nesse reduzido espaço uma avaliação a respeito das causas dos fracassos dos planos anteriores e do sucesso obtido a partir do Plano Real. Mas o fato é que a inovação proporcionada pelo “tripé da política econômic a” foi também responsável para evitar que novas espirais hiperinflacionárias viessem a ocorrer. Isso significava que a condução da economia passaria a ser orientada pelos seguintes elementos: i) meta de inflação; ii) geração de superávit primário; iii) liberdade cambial.

O Plano Real e o período da ortodoxia
Na prática, esse novo comportamento das autoridades econômicas introduziu na própria institucionalidade do aparelho de Estado muitas das demandas do sistema financeiro, que continuou a reinar absoluto e a navegar em um mar de tranqüilidade, comparado aos momentos anteriores de tantas turbulências e incertezas. É preciso recordar que a década de 1990 foi o período de apogeu do pensamento neoliberal e de seus dogmas de supremacia absoluta das regras de mercado sobre qualquer tipo de regulamentação pública. Como a meta da inflação era intocável e sacrossanta, não se mencio nava nunca que havia até mesmo um intervalo de tolerância para cima e para baixo. Ou seja, tudo se fazia para atingir o chamado “centro da meta” (atualmente, por exemplo, a meta é de 4,5% ao ano - com isso, o intervalo para uma inflação aceitável fica entre 2,5% e 6,5ª% ao ano). E o instrumento, por excelência, para tanto era a chamada “política monetária”: juros oficiais lá em cima, com o objetivo de retirar moeda da circulação (“enxugar a liquidez”, no jargão do economês) e reduzir a pressão de demanda sobre a oferta de bens e serviços. Com isso, haveria menos pressão inflacionária e os preços ficariam sob controle.

Para tanto, o importante era que o Banco Central fosse “independente”. Esse modelito foi repetido à exaustão, por anos e anos em seguida. Pegando carona no sentimento de indignação da população com a má-utilização que se fazia das instituições públicas e governamentais, os escribas do financismo vinha m com a idéia enganosa da suposta independência. No entanto, esse discurso apenas escondia o fato de que, na prática, não existe neutralidade técnica na determinação de política econômica. Essa estória de “autoridade monetária independente” é apenas uma forma elegante de justificar a entrega da gestão do Banco Central e da política monetária aos representantes da própria banca e ponto final. Sem intermediários. Assim foi ao longo dos mandatos de FHC (Pedro Malan, Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Gustavo Franco e Armínio Fraga) e de Lula (com o onipotente Henrique Meirelles). Ora,”independência” de quem, cara-pálida?

A idéia de geração de superávit primário era também uma forma elegante de assegurar a transferência de recursos do orçamento para pagar os juros e os serviços da dívida pública. Com o verniz retórico acerca da “responsabilidade fiscal”, emprestava-se a importante noção de gestão fiscal equilibrada das cont as públicas para não questionar quando os gastos fossem os de natureza financeira e parasita. Por último, a proposta de liberdade cambial vinha na corrente do “fora Estado!” e da exaltação irresponsável das pretensas vantagens inequívocas da globalização. “A taxa de câmbio deve ser formada como resultado da livre ação das forças de oferta e demanda no mercado de divisas”. A frase é até meio pomposa e pode parecer bem articulada para quem não conhece os meandros do poder financeiro. Ocorre que o mercado de moedas não é nenhum mercado da batatinha. Os mega-agentes que ali operam respondem apenas aos movimentos especulativos dos grandes conglomerados financeiros. Na prática, ao abrir mão de operar e intervir no mercado de câmbio, o governo aceitou passivamente sua condição de refém desses interesses. Como a taxa de juros oficiais estava na estratosfera, o capital especulativo espalhado pelos 5 continentes para cá se dirigia em busca da rentabili dade segura e elevadíssima. A benção sonhada por todo e qualquer operador do mercado financeiro: alto retorno para as aplicações e quase nenhum risco pelas operações. Sopa no mel!

O período recente e a redução dos juros
Por 8 anos consecutivos nossa inflação tem se mostrado comportada, dentro dos intervalos definidos pelo próprio governo. Assim, entre 2005 e 2012, a média da inflação anual foi de 5,2%, sempre dentro dos limites estabelecidos nos planos governamentais. O período mais recente foi marcado pela disposição da Presidenta Dilma em promover a redução da taxa oficial de juros. Com a trajetória descendente da SELIC definida pelo COPOM e a ação um pouco mais incisiva dos bancos públicos federais, as taxas de juros na ponta do balcão foram diminuídas e o sistema financeiro deixou de ter os ganhos certos e seguros como antes. Com os interesses afetados, começaram a sair a campo, reclamando do fechamento da torneirinha generosa e esboçando uma estratégia de reação. A intenção é desgastar a equipe econômica, mas sem confrontar diretamente a chefe do Executivo, que surfa bem numa onda de popularidade. O instrumento para tanto é a crítica ao suposto descontrole das contas públicas, que estaria na base do ressurgimento de “índices preocupantes” de crescimento de preços.

Bem que tentaram essa estratégia em 2011 e agora no último trimestre de 2012, mas a inflação não ultrapassou o limite superior. Alguns se saíram com o discurso de que o foco deveria ser o centro da meta, sem o intervalo de 2% que permite chegar a 6,5%. Mas essa interpretação exagerada da ortodoxia dogmática acabou não colando – nem mesmo no interior do financismo. Agora, com a divulgação dos dados oficiais relativos a janeiro, tem início uma nova onda de catastrofismo, com simulações para os próximos 11 meses. A levarmos a sério ta l linha de avaliação, o caos estaria próximo. Como sempre sugerem, aliás! Mas o fato é atualmente o acumulado dos últimos 12 meses ainda registra 6,15%. Em 2011 houve momentos em que o índice havia ultrapassado a meta e depois no ano oficial (janeiro a dezembro) a inflação se manteve no intervalo.

O financismo pressiona pela elevação da Selic
No entanto, a questão é bem mais complexa do que aparenta. De fato, há elementos que preocupam para os próximos meses. Um dos mais importantes é o aumento dos combustíveis que deve vir em breve e que provoca um impacto amplo e generalizado nos preços da economia. Assim como a tarifa de energia elétrica, são preços de bens públicos que estão presentes nos custos de quase todos os produtos e serviços existentes em nossa sociedade. Por outro lado, é importante que o governo também atue para evitar e valorização de nossa taxa de câmbio. Co m isso, ao desvalorizar a nossa moeda frente ao dólar e demais moedas estrangeiras, pode-se sentir um impacto inicial de elevação dos preços dos produtos e insumos importados.

Os demais aumentos expressivos vêm da área de alimentos. Além de obedecer a uma certa sazonalidade (os preços podem subir e depois baixar), esse tipo de produto encontra mais facilmente mecanismos de substituição, ao contrário do que ocorre com combustíveis ou energia elétrica. Dessa forma, o importante é que o governo mantenha um acompanhamento, com um sinal de alerta para a evolução dos preços em geral, mas sem se deixar cair na avaliação catastrofista. A ninguém interessa retornar aos cenários do passado, com elevadas taxas de crescimento generalizado de preços. Mas estamos muito longe disso.

A alternativa do depósito compulsório
O mais importante, neste momento, é não se deixar cair na a rmadilha da ortodoxia comandada pelos interesses da banca. Com toda a certeza voltará o tom monocórdico de que a inflação só pode ser combatida, de forma efetiva, com a dureza da política monetária austera e rigorosa. Muito blá-blá-blá, mas se leia o recado: elevação da taxa oficial de juros. O raciocínio implícito é de que assim o governo conseguirá reduzir enxugar a massa monetária em circulação e conter a pressão de demanda. Isso porque as empresas e os indivíduos, em tese, deixarão de consumir bens e serviços para aplicar seus recursos em poupança, em razão da remuneração mais atrativa dos títulos financeiros com juros mais elevados. Uma hipótese difícil de se comprovar, dada a estrutura de renda de nosso país (baixa propensão a poupar, no economês) e a inacessibilidade aos produtos do mercado financeiro para a maioria da população.

Se o governo quiser mesmo enveredar por esse caminho de interpretação conservadora do fenà ´meno inflacionário, então que lance mão de outros instrumentos que não o aumento da Selic. Ele pode, por exemplo, promover o aumento do depósito compulsório dos bancos junto ao Banco Central. Obterá o mesmo efeito de redução da demanda, sem nenhum encargo extra para as finanças públicas nem para o custo social de empresas produtivas e famílias.

Mas o mais importante é iniciar com muita rapidez o já muito atrasado programa de investimentos públicos em infra-estrutura. Esse, sim, é um setor-problema para a retomada do crescimento da economia a níveis maiores do que o Pibinho de 2012. Estrangulamento em telecomunicações, energia e transportes podem realmente provocar pressões que compliquem o equilíbrio, instável por sua própria natureza, de uma determinada conjuntura econômica. E o Brasil precisa e merece crescer a pelo menos 3% ou 4% ao ano. Para tanto, é necessário - ao contrário do que sugerem os arautos do financismo - ampliar a ofe rta de crédito e não promover sua redução com o aumento dos juros.

(*) Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

Nossa fonte: Carta Maior

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O último poema


 Marco Albertim *

O poeta findou-se ao meio-dia de uma segunda-feira, em 6 de junho; no mesmo dia e mesma data em que nascera, tão mediano quanto sua vida de cinquenta anos. Suspeitara de que não passaria dos cinquenta, quando, ainda com vinte e cinco anos, olhou para cima e deu-se conta de que a lua não abrira mão do quarto crescente por uma semana.
Então com cinco lustros, distinguiu mais cinco de uma rotina sem pausas e com passos calculados. Debruçado na janela vizinha à esquina do sobrado onde morara, mirando com os olhos parados, o rodopio de mariposas em volta da luz de mercúrio no poste da mesma esquina.
Escrevera os primeiros versos, animado pelos passos nunca tortos de três irmãs cujos olhos nunca se deram ao trabalho de perceber o que a vida lhes urdira em cada lado de seus rostos. Como se podia viver com tamanha estranheza para uma banda de música tão ruidosa como a Curica, nos ensaios de frevo-abafo, seguindo a batuta sinistra nas mãos não menos sestrosas do maestro Cupim?

As três, ora... Morando vizinhas à sede da banda! Certo é que a parede separando-as dos músicos, era tão vedada quanto os ouvidos das três irmãs. Mas em cima, sob a viga mestra de madeira, uma fresta ou outra deixava soprar meia dúzia de açoites jazzísticos que o maestro Cupim copiara de memória quando vira a orquestra de Glenn Miller no cinema.

Um dia o maestro Cupim, junto com dez de seus melhores jazzistas, parou na bodega de Joca Barbosa para entornar uns goles da bebida preparada pelo vendeiro – infusão de cachaça com cascas de jurema. Riram a valer, incitados pelo verbo profuso vindo da pança cevada em cerimônias de comilança em ritos de macumba, do vendeiro.

- Ao jazz! – gritou Cupim e os músicos o seguiram.

Era domingo. As três irmãs, com a mãe junto da mais velha, estavam sentadas em cadeiras com encosto de vime, na calçada em frente a casa. A velha riu com o andar jazzístico de Cupim, mesmo sem a vara da batuta numa das mãos. Num instante a sede foi aberta e teve começo o ruidoso festim do jazz. Os casais atraídos puseram-se a dançar no estreito dancing, à frente do palco a meio metro de altura.

Caio Toledo Dajuda, o poeta de trajeto curto, animou-se e chamou Jupira para dançar, a mais velha das irmãs. A mãe consentiu com um sorriso escasso, do modo como os dois deviam se comportar.

Daquele domingo em diante, os dois, sentados nas cadeiras com encosto de vime, vergaram as costas por vinte anos, num noivado tão puro quanto infindo. A união mudou o nome da rua para rua do Lindamor, sobretudo depois da morte de Dajuda.

A mãe de Jupira, impaciente com a demora do casamento, encheu-se de confiança nos modos do candidato a genro, tamanha era a polidez com que Dajuda tratava a moça. Numa noite, os dois, depois de se sublimarem ouvindo a trilha sonora de Casablanca, foram a um restaurante próximo, beberam vinho e trocaram beijos módicos. Na semana seguinte, um domingo, o maestro Cupim voltou a reger a mesma música. De volta para casa, Dajuda e Jupira subiram para o sobrado. No terraço dos fundos, amaram-se sem concessão aos pruridos da virgindade.

No quarto, sozinho, sentindo a proximidade do derradeiro suspiro, Dajuda escreveu seu último poema.


Poema do começo


(Na primeira noite)

Inda que o apalpo das mãos tenha sido sinistro

A promessa dos olhos, veloz

O beijo sem cálculo, escasso

Inda que à espreita da estrela oculta

Piscando para não confirmar a agonia da hesitação

E mesmo que do vinho só se distinguisse o antegozo

E o garçom, cúmplice, tenha prescrito o manjericão para o fim da náusea

A conta, escrita no capricho do lucro, paga feito uma dívida no celofane

E no táxi, o chofer tão só na adivinhação de locuções

Um meteoro riscou no céu de Olinda

Uma linha divisória

(Na segunda noite)

A estrela, com arreganho nos olhos

Distinguiu os dois corpos promiscuindo-se na sua luz

O apalpo das mãos rendeu-se, mole, ao repuxo dos beiços

O bico dos seios, olhando para cima, sem trocar palavras

Rijos de arrogância.

Na parede nua de relógios

A mandala inchou-a de agouros

A posse do corpo, lenta, deu-se com a mão na corola do ventre

O talho sanguíneo, mudo, movendo-se feito uma alga

Seco nas entranhas

Com umidade nos lábios.

Os dedos deixaram-se engolir

Para, plenos de mobilidade, prepararem o terrapleno


A mãe de Dajuda entregou o manuscrito a Jupira. No velório, a velha quis fechar os olhos do falecido, e cerrar a boca que mantivera um esboço de sorriso. Jupira segurou-a no pulso e disse:

- Deixe que ele seja enterrado feliz.


* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Fonte: Vermelho