Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 30 de março de 2011

O antes, o durante e e o depois: Barack Obama e o Brasil


Fonte: Carta Maior

A breve passagem do presidente Barack Obama pelo Brasil foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como um exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula. Com base nesta avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional. Tendenciosas, estas avaliações revelavam uma preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. O artigo é de Cristina Soreanu Pecequilo.

A breve passagem do Presidente Barack Obama no Brasil nos dias 19 e 20 de março de 2011, em Brasília e Rio de Janeiro, foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como um exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula (2003/2010). Com base nesta avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional.

Iniciando com a abolição dos vistos, passando pela conclusão de um acordo comercial bilateral ao estabelecimento de uma ampla parceria energética no campo do petróleo e biocombustíveis até a declaração formal de apoio ao pleito brasileiro de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU), a agenda destes grupos era extremamente abrangente. Tendenciosas, estas avaliações revelavam uma preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. A utilização repetida do termo “normalização”, associado na década de 1990 a uma perspectiva periférica e acrítica, passava a idéia de uma relação sustentada somente em conflitos e que estaria sendo substituída pela reintegração ao núcleo de poder norte-americano. Mais ainda, revelava o permanente desconhecimento sobre as motivações estratégicas dos EUA.

Se em 2011 o Brasil recebeu Barack Obama como uma potência global, isto se deve aos esforços internos e externos do país que o qualificaram a este status de forma autônoma. Esta situação não emerge de um relacionamento de mão única com aquele que tradicionalmente foi o maior parceiro político-econômico brasileiro no século passado, mas da busca de alternativas que permitiram solidificar uma ação internacional consistente e coerente com as necessidades do país. Com isso, as motivações estratégicas norte-americanas não derivam destes cálculos simplistas que permearam o debate sobre a política externa brasileira, mas da percepção de que o Brasil e a América do Sul são mais dois espaços nos quais os EUA perderam posições.

Assim, era preciso para os norte-americanos sinalizar que desejam preservar o Brasil em sua esfera de influência diante deste vácuo, como já o haviam feito diante da China, da Índia e da Rússia em ofensivas diplomáticas similares em contatos bilaterais prévios. E, no caso, no Brasil e na região, os EUA não perderam somente posições para a China, hoje o maior parceiro comercial brasileiro e aliado no grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), ou para a Índia, também no BRIC e no IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul), ou para a África do Sul, ou para a Rússia, ou para a cooperação Sul-Sul em geral, mas para o próprio Brasil nas Américas e no mundo.

Positivamente, em meio a estes ruídos prévios e construções ideológicas de determinados grupos que ignoravam estas questões, os sinais de Brasília mantiveram a percepção de que a visita de Barack Obama representava o reconhecimento deste processo de consolidação político-econômica-estratégica. Tais sinais já se encontravam presentes nos encontros preparatórios entre os dois países antes da chegada de Obama, e demonstravam clareza quanto o que significava esta viagem: uma oportunidade de aprofundar e promover maior adensamento estratégico das relações bilaterais, a partir do reconhecimento norte-americano do status global de poder do Brasil.

Tendo esta realidade como ponto de partida, de que se tratava de uma viagem de reconhecimento e não de concessões norte-americanas ou subserviência brasileira, deixou-se claro que esta dinâmica bilateral não afeta as prioridades externas do Estado brasileiro em termos de agenda Sul-Sul ou Norte-Sul, demandas e projeção. Parte da iniciativa de ser lider é criar fatos novos, dimensões positivas de interdependência, ação que os emergentes e o Brasil tem feito cada vez de forma mais constante. Neste campo, assumem responsabilidades por seus próprios destinos, e de nações similares ou de menor poder relativo, em suas escalas regionais e em nível global estatal e multilateral.

À medida que na última década o Brasil não manteve sua política ou agenda econômica, atrelada aos EUA, sua importância diante deste país aumentou, da mesma forma que sua vulnerabilidade diminuiu diante das constantes oscilações da política da potência hegemônica. Em seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 19 de Março, Barack Obama mencionou iniciativas brasileiras como a UNASUL (União Sul-Americana de Nações) e projetos sociais direcionados às nações do sul no combate à fome e programas de saúde. Ou seja, o Brasil não era mais só o país do futuro, mas que o futuro teria chegado ao Brasil, como afirmou o Presidente dos EUA.

Fortemente, o país demonstrou não ter ilusões de que este reconhecimento traduzir-se-ia, de imediato, em uma mudança concreta da posição norte-americana em determinados temas. Nestes temas, principalmente no comércio bilateral, arena na qual o Brasil demanda maior igualdade e reciprocidade, e na reforma das organizações internacionais governamentais, principalmente no caso das Nações Unidas e seu CS, a posição brasileira foi de sustentar suas reivindicações. Por sua vez, pode-se até considerar que os EUA responderam positivamente em sua retórica, em suas demonstrações de “apreço” pelo pleito brasileiro, pela fala de Obama a empresários que igualou o país à China e Índia. A retórica, porém, não foi acompanhada pela substância da mudança ou pela sinalização de que os norte-americanos estariam dispostos a fazer concessões para engajar de forma diferente o Brasil nestas dimensões.

Acenar com parcerias para o pré-sal, ações conjuntas no campo energético é sinal do novo papel do Brasil, mas também da natureza pragmática do interesse norte-americano em petróleo, mercados em novos espaços que não surjam como tão conturbados como o Oriente Médio, apostando nas nações “amigas”. E, igualmente sendo pragmáticos, são parcerias que trazem inúmeros riscos ao Brasil, caso o país não busque preservar sua soberania nestas negociações, independente do campo. Neste sentido, o papel, por exemplo, da Comissão Brasil-Estados Unidos para Relações Econômicas Comerciais é o de encontrar pontos de consenso possível e equilibrio no setor, preservando a capacidade negociadora brasileira e sua autonomia. O mesmo raciocínio se estende às arenas da biodiversidade, dos diálogos estratégicos, da cooperação técnica e para a organização e segurança da Copa-2014 e das Olimpíadas-2016. O Brasil não pode se furtar a negociar com os EUA, mas precisa atrelar estas conversações a lograr objetivos que permitam a continuidade de seu crescimento e resolução de assimetrias internas via programas sociais.

Chegando ao mundo “real” não deixa de ser simbólico que enquanto Barack Obama acenava às “nações amigas” da América Latina, como o fez no Brasil, e o fará no Chile, com declarações “históricas” sobre as relações entre “iguais” e a consolidação da democracia, os bombardeios aéreos à Líbia atingissem elevada intensidade, depois da autorização do CSONU à operação na sexta-feira 18/03/2011. Em solo brasileiro, a intervenção foi abordada sob o signo da defesa da democracia e motivos humanitários, enquanto prolongam-se protestos e repressões similares em países aliados norte-americanos na região.

Também não deixa de ser simbólico, que nesta votação do CS, os países que se abstiveram e demonstraram preocupação com a ação, fossem os emergentes membros permanentes deste Conselho e nações pleiteantes, membros temporários eleitos: China e Rússia, somados à Brasil, Índia e Alemanha. São nestas manifestações que se desenha o novo mapa geoestratégico global e as complexas dinâmicas de poder do século XXI que motivam as viagens de Obama e suas declarações de igualdade com seus parceiros.

Porém, como se diz no Brasil, os EUA são um “pouco mais iguais” do que os outros: seu poder militar de superpotência e comando residual das organizações internacionais contrasta com uma economia estruturalmente deficiente e uma sociedade doméstica polarizada. Durante e depois de Obama, o Brasil continua sendo o mesmo de antes, consolidando sua ascensão do nível regional ao global, que busca a continuidade de seu projeto político-social-econômico e estratégico. Com os EUA, e com o mundo, dialogar não é sinônimo de concordar, mas de saber ouvir, negociar e falar em nome do interesse nacional.

(*) Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Os ventos da mudança

Fonte: Carta Maior

Os ventos da mudança são hoje verdadeiramente mundiais. Por enquanto, o epicentro é o mundo árabe, e os ventos ainda sopram ferozes por lá. A geopolítica desta região nunca mais será a mesma. Os EUA e a Europa Ocidental estão fazendo tudo o que está ao seu alcance para canalizar, limitar e redirecionar os ventos da mudança. Mas o seu poder já não é o que costumava ser. E os ventos da mudança estão soprando no seu próprio terreno. É a maneira de ser dos ventos. A sua direção e impulso não são constantes nem, portanto, previsíveis. Desta vez são muito fortes. Já não será fácil canalizá-los ou redireccioná-los. O artigo é de Immanuel Wallerstein.

Há 51 anos, a 3 de Fevereiro de 1960, o então primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha, Harold Macmillan, dirigiu-se ao parlamento da África do Sul, cuja maioria era do partido que erigira o apartheid como base do seu governo. A sua intervenção ficaria conhecida como o discurso dos “ventos de mudança”. Vale a pena recordar as suas palavras:
“Os ventos da mudança estão a soprar neste continente, e o crescimento da consciência nacional é um fato político, queiramos ou não. Precisamos aceitá-lo como fato político, e as nossas políticas nacionais têm de levá-lo em conta”.
O primeiro-ministro da África do Sul, Hendrik Verwoerd, não gostou do discurso e rejeitou as suas premissas e o seu conselho. 1960 passou a ser conhecido como “O ano da África”, porque 16 colônias tornaram-se estados independentes. O discurso de Macmillan tinha como alvo, na verdade, os Estados do Sul da África que tinham grupos expressivos de colonizadores brancos (e, quase sempre, enormes riquezas minerais) e resistiam à simples ideia do sufrágio universal, na qual os negros constituiriam a esmagadora maioria dos eleitores.
Dificilmente Macmillan poderia ser considerado radical. Explicava o seu raciocínio em termos de conquistar as populações asiáticas e africanas para o lado do Ocidente, na Guerra Fria. O seu discurso foi significativo por ser um sinal de que os líderes da Grã-Bretanha (e, consequentemente, os dos Estados Unidos) viam como causa perdida o domínio eleitoral branco no Sul da África, que poderia arrastar o Ocidente para o abismo. O vento continuou a soprar, e num país após o outro as maiorias negras impuseram-se, até que, em 1994, a própria África do Sul sucumbiu ao voto universal e elegeu Nelson Mandela presidente. Neste processo, porém, os interesses econômicos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos foram de alguma forma preservados.
Há duas lições que podemos aprender deste episódio. A primeira é que os ventos da mudança são muito fortes e provavelmente irresistíveis. A segunda é que quando os ventos varrem os símbolos da tirania, não é certo o que virá a seguir. Quando os símbolos caem, todos, retrospectivamente, os denunciam. Mas todos querem também preservar os seus próprios interesses nas novas estruturas que emergem.
A segunda revolta árabe, que começou na Tunísia e no Egipto, está agora envolvendo mais e mais países. Não há dúvida de que outros símbolos da tirania vão cair, ou vão fazer grandes concessões e promover amplas mudanças nas suas estruturas estatais. Mas quem vai, então, deter o poder? Na Tunísia e no Egipto, os novos primeiros-ministros foram figuras-chave dos anteriores regimes. E o exército, em ambos países, parece estar dizendo às multidões para porem fim aos protestos. Nos dois países, há exilados que regressam, assumem cargos e procuram prosseguir, ou mesmo expandir, os laços com os mesmos países da Europa e da América do Norte que sustentavam os anteriores regimes. É claro que as forças populares estão reagindo e acabam de forçar a renúncia do primeiro-ministro tunisiano
No meio da Revolução Francesa, Danton aconselhou “de l’audace, encore de l’audace, toujours de l’audace” (“audácia, mais audácia, sempre a audácia”). Ótimo conselho talvez, mas Danton foi guilhotinado não muito tempo depois. E os que o executaram foram guilhotinados em seguida. Depois, vieram Napoleão, a Restauração, 1848, a Comuna de Paris. Em 1989, no bicentenário, quase toda a gente era retrospectivamente a favor da Revolução Francesa, mas é razoável perguntar se a trindade da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – foi realmente realizada.
Algumas coisas são diferentes, hoje. Os ventos da mudança são hoje verdadeiramente mundiais. Por enquanto, o epicentro é o mundo árabe, e os ventos ainda sopram ferozes por lá. A geopolítica desta região nunca mais será a mesma. Os pontos-chave a observar são a Arábia Saudita e a Palestina. Se a monarquia saudita for seriamente desafiada – e parece possível que isso aconteça – nenhum regime do mundo árabe vai se sentir seguro. E se os ventos da mudança levarem as duas maiores forças políticas da Palestina a dar-se as mãos, até mesmo Israel pode sentir que é preciso adaptar-se às novas realidades e levar em conta a consciência nacional palestiniana, queira ou não queira, para parafrasear Harold Macmillan.
Desnecessário dizer que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estão fazendo tudo o que está ao seu alcance para canalizar, limitar e redirecionar os ventos da mudança. Mas o seu poder já não é o que costumava ser. E os ventos da mudança estão soprando no seu próprio terreno. É a maneira de ser dos ventos. A sua direção e impulso não são constantes nem, portanto, previsíveis. Desta vez são muito fortes. Já não será fácil canalizá-los, limitá-los ou redirecioná-los.

(*) Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net