À Ti'Ada que parece ter alcançado a harmonia entre o ex e o in
Dona Pandá chegou de sua caminhada acompanhada de uma amiga a quem ofereceu um chá de melissa, casca de maçã e gengibre. Explicou-nos que essa bebida era limpadora de pensamentos malcriados
Manuela
acaba de completar seus 70 anos. Estatura média, magra, pernas e braços mais
curtos e tronco alongado, morena, cabelos curtos, despistando as grandes
orelhas, pintados com uma cor intermediária entre o loiro e o ruivo, olhos cor
de mel que explicitam uma inteligência fora do comum, nariz arrebitado, testa
proporcional ao rosto bem feito quase sem rugas, a flacidez tirando o contorno
do queixo bonito.
Abelhuda
que sou, pressenti uma conversa interessante e me posicionei num canto discreto
o suficiente para não perturbá-las, alimentando meus ouvidos e minha
curiosidade. Acho que saí ganhando.
- Então você afirma que tenho pensamentos malcriados? – Pergunta
Manuela e Dona Pandá não se intimida, mas toma seus cuidados.
- Você se assustou com sua imagem no espelho porque se sentiu velha e
este não é um sentimento dos mais agradáveis.
- Não – interrompeu Manuela – Eu acabara de moderar uma oficina sobre
segurança alimentar onde estávamos a mil, entusiasmadíssimos com as propostas
que colhêramos. Tínhamos fechado as atividades com uma dança coletiva e o
sentimento era de juventude poderosa e não da velhice caquética que lá estava
no espelho. Foi um baita susto! Um horror! Macabro!
- Sei do que está falando. É a
falta de harmonia entre o ex e o in.
- Ex e in?! Quando se fala em ex já penso logo nos ex-maridos e aí a
imagem combina com o espelho.
Dona Pandá não conseguiu se segurar e deu uma boa risada. – Ex-maridos
não perdoados... Deixemo-los em paz enquanto os pensamentos não ficam
bem-comportados, e voltemos aos nossos ex
e in. Estou falando do físico, corpo,
o que sofre profunda, rápida e inexoravelmente o poder da gravidade da nossa
Gaia e, de outro lado – que deveria ser do mesmo e não de outro - da nossa
parte interna, o emocional, o
intelectual, aquilo que chamam alma. Muitas vezes, me pergunto se não será por
isso que é tão difícil entender a velhice. Como as pessoas, ainda que com
boa vontade, não conseguem respeitar, de fato, os sentimentos dos idosos. É,
para quem está em outra faixa etária, natural a pessoa envelhecer. “Você já não
pode fazer isto ou aquilo” é uma frase dita sem saber que pode ser uma facada.
- Ah! Agora estamos falando no mesmo diapasão.
- Quem sabe as Faculdades de Filosofia aceitem a sugestão do Ubaldo
Ribeiro e criem o curso de epistemologia da velhice. Para você jogar fora essa
sua macambuzice vou continuar citando a crônica Alegrias da Velhice (1). Segundo
o autor, seu amigo Jorge Amado lhe
ensinou muitas coisas inclusive que...”a
única coisa que a gente aprende com a velhice e que a velhice é uma merda”.
U.R. conta: ...”fui descer dois degraus
do palco aonde havia antes subido e quatro jovens pressurosas me apararam as
costas e me seguraram os cotovelos como se eu fosse um hipopótamo paraplégico,
mas sou no máximo uma anta com artrite e ainda tenho lepidez bastante para
descer um meio-fio com relativa confiança. (A velhice não está na mente, está
nas juntas.)”
Marcela, entrando no clima ubaldiano,
contou que outro dia ao entrar na sala para fazer densitometria óssea, a jovem
técnica foi recebê-la na porta, segurou, com força, seu braço para que subisse
na cama do exame e ainda falou três vezes para tomar cuidado com os dois
degraus, com a cabeça para não bater no aparelho e repetia “bem devagar, não
queremos cair”. Marcela disse que teve vontade de tranquilizar a moça e lhe respondeu: - Você não sei, mas eu não vou
cair e ainda sei andar e estou vendo perfeitamente os degraus e o aparelho.
- Essa é uma pessoa de boa vontade, mas ainda não sabe o que é a
velhice. – Dona Pandá continuou: - O que me deixa bastante irritada é o faz de conta, como as tais filas preferenciais que, muitas vezes, só têm
a placa.
-Concordo que quando isto acontece e vamos cobrar, sempre há as caras
mais feias que a necessidade. Voltando à sua teoria da harmonia, diga-me,
Pandá, como envelhecer com um bom casamento entre o ex e o in?
- Vou fazer o curso de epistemologia da velhice e depois lhe empresto
as anotações de aula.
(1)Ribeiro, Joao Ubaldo. O Rei da Noite. Ed. Objetiva. RJ. 2008