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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

"Um Gato em Paris”: Brincando no telhado


Cloves Geraldo *


Dupla francesa Alain Gagnol/Jean-Loup Felicioli usa desenho animado para projetar problemas da sociedade moderna e lembra comédia maluca dos anos 10 e 20.


        “Um Gato em Paris”, da dupla francesa Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli, mescla aventura, comédia e belas sequências de perseguição, para encantar o espectador empanturrado de violência gratuita e filmes pretensamente inteligentes. E, além disto, é um desenho animado que foge ao padrão animal fala e dança, repetindo mofado antropomorfismo. Em seus 62 minutos, mais voltados para adolescentes e adultos, mergulha-os num clima dos anos 50, quando tudo parecia cor-de-rosa, mas na verdade a Guerra Fria colocava o planeta à beira de um confronto nuclear.
       Seus heróis são o gato Dino e o ladrão de jóias, Nico, que equilibram a rispidez dada pelo vilão Vitor Costa à história. A dupla rouba apartamentos e escapa pelos telhados, numa velocidade vertiginosa, sem as brutalidades dos filmes policiais estadunidenses e imitadores. Enquanto Costa, parecendo ressuscitar de uma dessas produções, exala com seus comparsas sinistra maldade. Os contrapontos a ambos são a garotinha Zoé, na casa de quem vive Dino, e sua mãe Jeanne, delegada de polícia, disposta a se vingar de Costa. Mas o filme é mesmo de Zoé, Dino e Nico.
       São eles que contribuem para a narrativa adquirir o tom de aventura, de humor, amizade e credibilidade. Zoé é a garotinha indefesa, carente, devido à atividade da mãe. Dino é o gato misterioso, cujas escapadas à noite, sempre rendem presentes à amiga. Até lhe trazer o que impulsiona a ação. Então, a dupla Gagnol/Felicioli divide a narrativa em três fios: a da relação Zoé/Dino, a da luta de Costa para roubar a escultura Colosso de Nairóbi e a da perseguição que lhe empreende Jeanne. Às vezes, eles se entrelaçam com o quarto fio, no qual se enovelam Dino, Nico, Zoé e Jeanne, sem perder a simplicidade narrativa.
      O que conta em “Um Gato em Paris” não é apenas a clareza da história, mas a forma como a dupla Gagnol/Felicioli a desenvolve. Usa a linguagem cinematográfica em sua inteireza, mudando ângulos de câmera, pondo o espectador com contato com os personagens, numa liberdade que o gênero lhe permite. Principalmente nas perseguições e fugas pelos telhados de Paris. Há panorâmicas, com profundidade de campo, numa Paris sem torres ou espigões e cálida luz, que situam a grandiosidade do espaço e a pequenez dos personagens.
Método de Nico é 
puro romantismo
       De repente, está-se nas rocambolescas ações de Arséne Lupin, do Cary Grant de “Ladrão de Casaca” ou nas estripulias nada nostálgicas do ítalo-brasileiro Gino Amleto Meneghetti (Pisa/Itália, 1878/São Paulo, 1976). A dupla Gagnol/Felicioli não perde a chance de retornar às comédias malucas, de perseguições infindas por telhados e muros. É como se Nico e Costa se encarnassem em Dino. Puro malabarismo. Tira o filme do falso realismo dos desenhos animados atuais e volta-se para o cinema puramente visual dos anos 10 e 20. Recurso pouco usado hoje.
       Estas sequências dão certo romantismo ao filme, pois o método de Nico e de seu fiel parceiro Dino é de pura habilidade, sem uso da força. Algo que se perdeu, também nesse tipo de filme. Contrapõe-se à crueza das ações e da linguagem pesada de Costa. Este dá a narrativa o tom bélico atual, da ameaça, da violência a qualquer custo. Chega a ser assustador, quando surge como polvo para amedrontar Jeanne, ou quando numa sequência à Tarantino, desanda numa falação sobre sanduíche, que acaba em agressão ao comparsa ao volante. Encarna o triunfo através do medo.
       Entre Costa e Jeanne há, por certo, mais que ajuste de contas. Ele é o perigo que ameaça não só a ela e a filha, mas toda Paris. Porém, como se trata de filme voltado para adolescentes ou mais do que isto, a dupla Gagnol/Felicioli transforma Costa e seus cúmplices em trapalhões. É preciso rir dos pretensos “senhores do crime”, com seus humores funéreos. Quando eles enfrentam Nico, além da comédia maluca, vê-se o cérebro vencendo a violência e a lei se impondo. Otimista, sem dúvida.
      No entanto, a dupla Gagnol/Felicioli não deixa de trabalhar a relação Dino/Zoé, sendo o gato o companheiro a amenizar a solidão da garota, e a relação Zoé/Jeanne, por esta não ter tempo para filha e estar interessada em resolver a pendência entre ela e Costa. Para a menina, Dino é só o gato que lhe traz presentes, a mãe uma mulher atarefada. O papel da mulher atual surge numa afirmação de sua dupla função, a de mãe e a de profissional. E no meio a filha que espera dela tudo, até ser heroína.
     Não se pode deixar de ver nesta caracterização o retrato das relações sociais de hoje, quando a ameaça brota da violência urbana. Mesmo num desenho animado “despretensioso”, isto é verdadeiro. Mostra uma garota órfã, tendo como companhia um gato, parceiro de um ladrão de residências. A visão da dupla Gagnol/Felicioli é de que dá para tratar deste tema num gênero tido como inadequado para isto. E de maneira quase subliminar. É necessário.
 “Um Gato em Paris”. (“Une vie de chat”). Desenho animado/aventura. Bélgica/França/Holanda/Suíça. 2010. 62 minutos. Roteiro: Alain Gagnol. Grafismo: Jean-Loup Felicioli. Diálogos: Jacques-Rémy Gired. Música: Serge Besset. Imagem: Izu Troin.  Direção: Alain Gagnol/ Jean-Loup Felicioli.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".
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Nossa fonte:Vermelho