Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 18 de março de 2012

Saramago e as paredes de cristal do salazarismo


Comunista e crítico feroz da ditadura e suas misérias, José Saramago não se deu ao luxo do descanso nem no túmulo. Dois anos após sua morte, o Prêmio Nobel de Literatura volta a ser notícia com a descoberta de um romance perdido: Claraboia. A obra, publicada no Brasil em novembro de 2011, está sendo lançada também na Espanha e Portugal. Não só: está prevista nova publicação de inédito do autor no final de 2012.

     Saramago figura entre os escritores latinos mais lidos na América do Sul e no Caribe. Antes e depois de haver recebido o prêmio Nobel de Literatura, editoras cubanas e brasileiras imprimiram muitas de suas obras.
     Escrito nos anos 1950, Claraboia sofreu censura por apresentar críticas ao regime ditatorial de Antonio de Oliveira Salazar. A editora portuguesa que recebeu os originais decidiu não publicar o texto por considerá-lo “duro e transgressor” para a época. Portugal vivia a ditadura salazarista e muitos de seus cidadãos, como Saramago, estavam enfrentando desde a clandestinidade ao exílio, além da repressão e violência policial.
A via-sacra de um manuscrito
     O romance de Saramago sataniza em cerca de 300 páginas as convenções sociais e políticas dos anos 1950. A publicação póstuma atende a um desejo do escritor, que queria que o conteúdo de Claraboia fosse levado ao público após sua morte. 
     Sabe-se que o manuscrito foi entregue a um amigo em 1953. Esse o levou a uma editora, que deixou Saramago sem resposta até 1989, quando finalmente houve um contato, relatando que o livro havia sido encontrado durante uma mudança de suas instalações.
     A primeira novela de Saramago, Terra de Pecado, havia sido publicada em 1947, e recebeu tanta crítica e indiferença que o autor não voltou a escrever outro livro durante 20 anos, segundo declarou sua viúva, Pilar del Río.
     Pilar disse que Saramago chamava Claraboia de "livro perdido e achado no tempo", do qual lhe mostrou uns cadernos com as anotações que fazia enquanto escrevia a novela, bem como o manuscrito original da obra e o recuperado, enviado à editora.
Uma luz inventada
     Em 1952, ano em que escreveu o livro, Saramago tinha pouco mais de 30 anos, já estava casado e tinha uma filha. O autor enfrentava, então, grandes dificuldades econômicas e não tinha a quem recorrer, pois seu pai e avô integravam as filas de dezenas de milhares de portugueses analfabetos.
     Sensibilizado pela situação particular e social, o autor recorreu a metáforas e ao realismo fantástico para criar o enredo do romance, no qual há um narrador que penetra pela claraboia de um velho edifício nas proximidades de Lisboa e converte em paredes de cristal toda a estrutura do imóvel, recriando no cenário inusitado as penúrias e a opressão reinantes.
     É um livro no qual a família, pilar da sociedade, se apresenta como “um ninho de víboras” no qual há violação, amores lésbicos e maus tratos, segundo indica a apresentação da obra.
Saramago em Cuba
     Defensor da Revolução Cubana em todas as tribunas, Saramago sentia orgulho por ter integrado as fileiras do Partido Comunista Português desde sua etapa clandestina e, depois, ter se incorporado à Revolução dos Cravos de 1974, movimento de militares e forças de esquerda que reinstalou a democracia no país lusitano.
     Agora, a fim de ressaltar sua imortalidade nas letras, anuncia-se a publicação no final de 2012 de outra obra inédita: Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas. O título faz referência a  versos do poeta e dramaturgo português Gil Vicente (1465-1536). A novela denuncia o armamentismo e o tráfico de armas no mundo.
Claraboia - sinopse
     O romance se passa em Lisboa de meados do século 20. Num prédio existente em zona popular não identificada, vivem seis famílias. No térreo, moram um sapateiro com esposa e um caixeiro-viajante casado com uma galega e com um filho; um empregado da tipografia de um jornal com esposa e uma mulher solteira residem no 1º andar; uma família de quatro mulheres (duas irmãs e as duas filhas de uma delas) e outra formada por um empregado de escritório com esposa e filha adolescente residem no 2º andar.
      
A história tem início com uma conversa matinal entre o sapateiro, Silvestre, e a mulher, Mariana, que discutem a conveniência, ou não, de alugar um quarto que têm vago e, assim, conseguirem obter algum rendimento extra. 
    A conversa segue, o dia vai nascendo, a vida no prédio recomeça e o romance avança revelando ao leitor as vidas daquelas seis famílias da pequena burguesia lisboeta: os seus dramas pessoais e familiares, a estreiteza das suas vidas, as suas frustrações e pequenas misérias, materiais e morais.
     O sapateiro acaba alugando o quarto vago para Abel Nogueira, personagem que incorpora as questões sociopolíticas e existenciais do autor, dando voz a um diálogo com Fernando Pessoa que, 30 anos depois, viria a ser o tema central do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis: “Podemos nos manter alheios ao mundo que nos rodeia? Não teremos o dever de intervir no mundo porque somos dele parte integrante?”

Christiane Marcondes com informações da Prensa Latina e agências. 

Salve Prof. Aziz Ab'Saber


Aziz Ab`Saber: cientista, humanista e amigo do povo brasileiro

China, 17 de março de 2012. Hoje bem cedo, aqui em Pequim, recebi a difícil notícia sobre o falecimento do professor Aziz Ab`Saber. Um dia de luto e pesar, não só para sua família, mas para todos nós brasileiros que amamos o Brasil e lutamos na construção de um país ambientalmente saudável, socialmente justo e humanamente desenvolvido.

Por José Medeiros da Silva

Registro aqui um pequeno testemunho, que revela bem a generosidade humana do Aziz e o esforço para a formação científica do povo brasileiro e a construção de um Brasil mais feliz.
Lembro-me de muitos encontros. O primeiro, na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1995, em São Luís do Maranhão, cujo homenageado foi o saudoso Darcy Ribeiro. Lembro-me bem de quando Darcy falou: “Aziz é o cientista mais querido do Brasil”.

Em 1996, a Reunião Anual da SBPC foi na PUC-SP. Como um dos dirigentes da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) organizamos, com a revista Princípios, representada pelo também saudoso Edvar Bonotto, um debate na sala da reitoria sobre o desenvolvimento da ciência e tecnologia em Cuba. O professor Aziz honrou o encontro como um dos debatedores. Lembro-me que o representante cubano o presenteou com um atlas de proporção gigante e encadernação especial. O professor Aziz nos encarregou de cuidar do mapa por alguns dias. Gestos simples, mas de grande contentamento.

Juventude

No ano seguinte, 1997, a Reunião Anual da SBPC realizou-se em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais. Naquele encontro, algumas entidades dos movimentos sociais pautaram um debate sobre a questão ambiental. Foi memorável o empenho do então presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Kerison Lopes, para a concretização do evento. Foi grande o contentamento do professor Aziz quando relatei o empenho da juventude para discutir os rumos da ciência no Brasil.

Ainda na reunião da SBPC de Belo Horizonte, fizemos uma homenagem ao professor Aziz Ab`Saber, laçando o NIPAS (Núcleo de Interatividade e Pesquisa Aziz Ab`Saber), um espaço para promover a aproximação entre pesquisadores e trabalhadores e trabalhadoras que moravam em áreas economicamente desfavorecidas e distantes do cotidiano dos espaços brasileiros produtores de conhecimentos. O empenho da Dra. Cecília de Almeida Salles (PUC-SP), de Edvar Bonotto (revista Princípios) e de Kerison Lopes (UBES) foram determinantes. 

Esse núcleo se desenvolveu até se transformar no Jardim-Ciência Aziz Ab`Saber. Aliás, tivemos a honra e a felicidade de estar em Natal na Reunião Anual da SBPC de 2010 para comunicar pessoalmente essa homenagem. O Jardim-Ciência terá entre suas missões manter viva entre o nosso povo a memória do professor Aziz.

Jovens cientistas

Foram muitos outros memoráveis encontros, alguns no Instituto de Estudos Avançados da USP. Em um deles, ocorrido em 17 de junho de 1998, e do qual participaram Fábio Palácio (ANPG e UJS), Ronaldo Carmona (UJS) e Fernando Garcia (UJS-PUC), Aziz aceitou o convite da UJS e da ANPG para participar do 1º Encontro de Jovens Cientistas. A atividade seria realizada na Reunião Anual da SBPC de Natal, no mês seguinte, em parceria com o Núcleo Temático da Seca e Semi-Árido da UFRN.


Na ocasião, Aziz demonstrou grande contentamento pelo convite e afirmou que, além de ser muito rica culturalmente, a Reunião de Natal propiciaria conhecimento sobre os ecossistemas do Sertão. O professor Aziz aconselhou a delegação de jovens socialistas a aproveitar a viagem a Natal para “tomar notas” e conhecer melhor nosso país. Como sugestão de leitura para a Reunião, indicou Os Sertões de Euclides da Cunha, ressaltando que a juventude deve estar preparada para discutir questões relativas ao Nordeste.

O debate em Natal seria coroado de sucesso. Aziz discorreu sobre o Nordeste seco em palestra intitulada “Aspectos sociais e físicos do Sertão”. O presidente de honra da SBPC afirmou, na ocasião, que a vitalidade da SBPC está na juventude, que vinha participando das reuniões anuais com muita vontade de discutir as questões da ciência e do país. “Vocês, jovens, é que são a SBPC de amanhã”, afirmava sempre.

João Amazonas

Houve ainda as oportunidades do Núcleo José Reis de divulgação científica da USP (memorável os esforços da Dra. Gloria Kreinz e Osmir Nunes), com João Amazonas em um evento para comemorar o aniversário do Partido Comunista do Brasil, com o professor doutor Oliveiros Ferreira, nos corredores da USP, na sua casa, palestras, conferências. Não escondo, enquanto muito jovens admiravam pessoas do mundo pop, eu admirava, lia e ouvia com atenção as reflexões e sugestões científicas do professor Aziz.

Aziz admirava os jovens, acreditava nos jovens e tinha plena consciência de que qualquer transformação profunda no Brasil só poderia ocorrer com a participação ativa de nossa juventude. Compreendo bem o porquê de sua dedicação ativa para divulgar conhecimentos científicos para nossa juventude. Ele nos amava e nos acolhia como um bom pai. Mesmo se éramos circunstancialmente ignorantes em alguns conhecimentos, Aziz nunca nos desprezava. Nos incentivava sempre. Olhava a juventude com um olhar paciente e generoso, pois bem sabia que “cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz”. Por tudo isso, estou com muitas saudades, muitas saudades. Mas aprendi, que “amigo é coisa prá se guardar... dentro do coração”. E, aqui da China, junto minhas lágrimas às de muitos brasileiros, especialmente seus familiares. Mas bem sei que sua memória continuará em nós.

José Medeiros da Silva, ex-presidente da ANPG e ex-diretor de Ciência e Tecnologia da UJS, é professor de Língua Portuguesa no Instituto de Comunicação de Hebei, China.