Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O antipetismo em nome de um moralismo de fancaria

A direita se vale do moralismo da elite financeira que sonega impostos e suborna funcionários públicos

A tarefa prioritária, ingente e agônica da esquerda e dos liberais progressistas é esmagar o ovo da serpente antes que a peçonha contamine por completo o corpo social, costurando as bases de um Estado reacionário, conservador, autoritário e, ninguém se engane, protofascista. Assim se vem modificando o caráter da sociedade brasileira, aos poucos mas sistematicamente.
Ele se manifesta sob as mais variadas facetas, no Parlamento e na vida social.
antipetismo em nome de um moralismo de fancaria  – esse que a imprensa e os partidos de oposição destilam – é apenas uma só de suas máscaras, como o moralismo é apenas um disfarce. Pois tudo, fatos e criações, são, tão-só o instrumento de uma tentativa, em marcha desde 2013, ou antes, de implantação, entre nós, de uma clima de violência que lembra (pelos efeitos psicossociais) o  fascismo italiano e o nazismo alemão em suas infâncias, envenenando as entranhas de suas sociedades.
Não caminham, ainda, pelas ruas, os camisas pretas, os grupos paramilitares quebrando lojas de judeus e espancando homossexuais, prostitutas, negros e comunistas, mas celerados conspurcam velórios e atacam o Instituto Lula. Ontem, nos anos da ascensão integralista brasileira, os camisas verdes das hordas de Plínio Salgado desfilavam impunes até a tentativa de assassinar o presidente Vargas em um putsch covarde que lembrava e imitava a primeira tentativa hitlerista de tomada do poder (levante de Munique, 1924) pelo golpe de força. 
Nos idos brasileiros da repressão militar, grupos de aloprados depredaram no Rio de Janeiro o Teatro Opinião e em São Paulo invadiram  o Teatro Ruth Escobar durante montagem de “Roda Viva”? Nos estertores do terrorismo praticaram atentados contra a OAB e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e tentaram o felizmente frustrado massacre do Riocentro. São sempre os mesmos, variam os países, variam as datas e os pretextos mas a ideologia do ódio e a covardia na ação são as mesmas. 
Agora, súcias de ululantes bem nutridos, vestidos ou não com a camisa da seleção canarinha, tentam, em todo o país, mediante o amedrontamento físico, interditar, em um hospital da grã-finagem paulistana, nas ruas, nos bares, nos aviões, nos aeroportos, a livre circulação de homens de bem como, Guido Mantega, João Pedro Stédile e, de último, o ministro Patrus Ananias.
Tudo isso está na crônica jornalística. Mesmo em seus momentos mais acres de disputa política, a direita brasileira jamais havia ousado tanto e jamais nossas esquerdas haviam recuado tanto, e jamais os liberais foram tão omissos.
Os primeiros sinais foram dados na abertura dos Jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro (2007), e replicados em Brasília na abertura da Copa das Confederações em 2013. A esquerda não quis ver nem ouvir, fez-se de morta, como se as vaias e as agressões – primeiro a Lula, depois a Dilma – não lhes dissessem respeito e, assim, silente e inerte permaneceu sem qualquer tentativa de compreender as jornadas de 2013 – prenúncio as dificuldades de 2014, que assistiu atônita.

O moralismo da elite financeira que sonega impostos e suborna funcionários públicos sempre foi a chave para a conquista da classe média. Dele sempre se valeu a direita, no Brasil e em todo o mundo.
Assim foi entre nós nos idos de 1954 quando a classe média, majoritariamente, e setores liberais da sociedade, populares e mesmo o movimento estudantil, e mesmo setores da esquerda e comunistas sob a liderança de Pestes, abraçaram  o cantochão da direita  que a todos mobilizou no pedido de renúncia de Getúlio Vargas, quando o alvo, encoberto pela denúncia de  um ‘mar de lama’ que jamais existiu, era a política nacionalista do ditador feito presidente democrata. A história não se repete, mas há pontos de contato entre dois momentos históricos tão distintos.
Getúlio também levara a cabo uma campanha presidencial levantando as teses progressistas do nacionalismo e do trabalhismo, mas, para executa-las, montara um ministério  reacionário. Era a sua forma de compor com as elites, especialmente paulistas, que  sempre lhe foram hostis. Era a velha ilusão da conciliação de classes, que conquistaria Lula tantos anos passados.
Não deu certo com Getúlio como não daria certo com Lula e não está dando certo com Dilma. Atacado pela direita, inconformada com a aliança do trabalhismo com o nacionalismo, viu-se Vargas em 1954  sem o apoio das massas trabalhistas. Essas só foram às ruas – e foram como turba, sem vanguarda – depois do suicídio. E, aí, nada mais havia a ser feito.
Naquela altura como hoje, e como nos preparativos de 1964, a imprensa brasileira, igualmente monolítica e igualmente de forma quase unânime, servia à saturnal dos ódios que envenenava a opinião publica e deixava aturdido o povo, mesmo os trabalhadores – então como agora desassistidos ideologicamente por seus partidos e organizações.
Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê no cume de uma campanha de descrédito presidida pela imprensa, uma vez mais a partir da cantilena moralista. Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê desprotegido no Congresso, onde dominam ora uma oposição ensandecida, ora uma base parlamentar movida a negócios e negociatas e negocinhos a cada votação.
Para não dizer que a história se repete, lembremos que os postos antes ocupados por Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro e outros de igual calibre é exercido hoje por Paulinho da Força, Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha – o que apenas diz que o aviltamento da linguagem e dos procedimentos alcançou o mais baixo nível da República.
Uma vez mais, agora como em 1954, as grandes massas não afluem em defesa de seu governo.
Uma vez mais a moralidade é um mero biombo dos grandes interesses em jogo.
Pois o que está em jogo não é a moralização dos costumes – e quem é contra? – nem é só a tentativa de assalto  ao mandato legítimo da presidente Dilma. Não é só a destruição do PT e dos demais partidos de esquerda, inclusive daqueles que ainda hoje pensam que passarão incólumes. Não é apenas a destruição de Lula, ainda a maior liderança popular deste país depois de Vargas.
O que está em jogo são os interesses dos trabalhadores, da economia e da soberania nacionais, de defesa  ainda mais difícil após eventual derrocada do atual governo. Adiada – até quando ? – a hipótese do impeachment clássico, a oposição põe em prática um novo projeto de golpe, contra o qual nem a base parlamentar do governo – heterogênea e frágil –,  nem muito menos sua articulação política parecem preparadas para enfrentar.
Trata-se da tática de impedir o governo de governar, e contra essa artimanha nem mesmo as últimas negociações ministeriais – penosas, rasteiras, pedestres e nada republicanas – se mostraram eficientes.  E enquanto o governo não governa e se desgasta perante a opinião pública, a direita governa, desfazendo, no Congresso ordinário, as grandes conquistas da Constituição de 1988.
A direita, sob a batuta de Eduardo Cunha, faz sua parte, e dessa desconstituição conservadora fazem parte o  fim do desarmamento, o fim da demarcação das terras indígenas (fim dos índios?), o fim dos direitos sexuais das mulheres, e a quase legalização do estupro,  o fim da pós-graduação pública gratuita.
A destruição do governo Dilma levará de roldão a política de prioridade nas compras estatais aos produtos e bens nacionais, levando consigo, de saída, a indústria naval brasileira. Levará de roldão os projetos sociais, como o Minha casa, Minha vida; o Luz para Todos; como o Bolsa Família. Mudará a política de reajuste do salário-mínimo e, fundamentalmente, a política de transferência de renda.
Será a renúncia ao pré-sal (já caminha o projeto José Serra), será o fim de uma política externa autônoma, com a aliança subserviente e submissa aos interesses dos EUA, será o fim do Mercosul e a retomada da Alca, nossa recolonização, será um torpedo contra os BRICS e uma ameaça às experiências de governos independentes na América do Sul. (
Por isso, certa está  a Frente Brasil Popular por entender que os erros da atual política econômica – agravados pela crise ética que assolou os governos do PT –  não podem servir de argumento para a omissão na defesa do mandato da presidente Dilma, ou, dito por outras palavras, nem a defesa do mandato inviabiliza a crítica à política econômica, nem a crítica à politica econômica inviabiliza a defesa do mandato.
Ao contrário, a  defesa do mandato deve ser feita de par com o combate à política recessiva e esse combate deve ter em vista a reaglutinação das forças progressistas de esquerda, com objetivo claro, deter a reação. Para isso é preciso construir uma nova correlação de forças.
Fonte: Carta Capital

É impossível calar diante de mais um desastre induzido como o de Mariana.

 Lou-Ann Kleppa

O texto abaixo, publicado originalmente no site Amazônia Real, é de Lou-Ann Kleppa, doutora em Linguística e professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Ela dirigiu o documentário “Entre a Cheia e o Vazio”, sobre a relação da cheia do rio Madeira de 2014 e as usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau. Sobre o documentário, saiba mais clicando neste link.
Em outubro de 2005, eu e mais dois companheiros de caminhada fizemos um trecho da Estrada Real, em Minas Gerais: saímos de Diamantina e dez dias depois chegamos em Ouro Preto, numa época em que a Estrada Real ainda não era muito conhecida – nem mesmo pelos moradores das cidades pelas quais passamos. Bento Rodrigues está viva em nossa memória, entre outros motivos, porque dormimos na igreja, porque as casas se organizavam em torno de um campo (de futebol?), porque comemos no restaurante da Sandra, único comércio da cidade,  frequentado por figuras peculiares como por exemplo um garimpeiro cuja cor de pele se misturava com a cor do couro que vestia e que falava no “orinho” que calculava encontrar.
O pai da Sandra tinha sido tropeiro e nos disse que a Estrada Real não era a estrada pela qual tínhamos chegado; o Caminho dos Diamantes tinha sido engolido pelo mato na altura de Bento Rodrigues.
Agora foi a lama que engoliu Bento Rodrigues. Dia 05 de novembro de 2015 duas barragens de rejeitos de mineração, Fundão e Santarém, ambas da Samarco, se romperam. A previsão é que essa cheia de lama, saída de Mariana em Minas Gerais, alcance o oceano, no Espírito Santo, cinco dias depois, seguindo pelo Rio Doce.
As primeiras informações veiculadas pela mídia corporativa, alimentada por notas emitidas pela empresa responsável, a Samarco – da qual a Vale (do Rio Doce) detém 50% das ações – foram que a lama não é tóxica (bom, trata-se de resíduos de mineração: como pode não ser tóxica?) e que a provável causa foram abalos sísmicos da ordem de 2 pontos na escala Richter.
Os sismólogos convocados pela imprensa dizem que os abalos sísmicos são fenômenos naturais. Pois há estudos conduzidos por engenheiros que provam que barragens (tanto represas de hidrelétricas como represas de resíduos de mineração), por exercerem pressão sobre o solo e subsolo, provocam abalos sísmicos.
Onde antes havia a pressão da atmosfera ou de um rio, se instala a pressão exercida pela água da represa, o concreto e ferragem da barragem. O texto mais didático e cheio de exemplos de casos de terremotos provocados por barragens – e suas consequências – é de Oswaldo Sevá (e pode ser acessado aqui. )
Logo no início do texto, Sevá alerta que barragens são obras sujeitas à deterioração: entopem, colapsam, se rompem. Por isso o controle, por órgãos públicos e não beneficiados pelo lucro das empresas de energia ou mineração, deveria ser exemplar. A pedido do Ministério Público de Minas Gerais, na ocasião em que a Samarco pedia a revalidação da sua Licença de Operação, foi feito um laudo, em 2013, apontando para riscos de rompimento da barragem Fundão.
No ano de 2014, apesar do laudo, a Samarco aumentou a sua produção, acumulando 15% a mais de rejeitos de mineração na barragem Fundão. Não há notícias de que a represa tenha sido remodelada para suportar esse incremento. Em junho de 2015 foram expedidas a Licença Prévia e a Licença de Instalação para a unificação de Fundão e Germano, outra barragem da Samarco.
Trocando em miúdos: em 2013, um laudo apontava riscos de rompimento de barragem; no ano seguinte, o acúmulo de rejeitos nesta barragem aumentou; no ano seguinte, estudos de impacto ambiental atestam que a barragem apresenta “totais condições de segurança”.
Assim como na cheia histórica do rio Madeira em 2014, quando as barragens de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, foram acusadas de serem corresponsáveis pelo desastre social e ambiental, o nexo causal entre a barragem e a tragédia não é simples. Para as empresas (ESBR/Suez e SAE/Odebrecht), a causa do problema era uma só: a chuva. Do mesmo modo, a Samarco afirma que os abalos sísmicos (ignorando que a própria barragem possa ter causado os tremores) são a causa do rompimento das barragens.
Em ambos os cenários, causas naturais e externas ao empreendimento isentam as empresas de qualquer responsabilidade. Mas quando se analisa o processo de licenciamento de Jirau, Santo Antônio, Fundão e tantas outras barragens, como por exemplo Teles Pires, percebe-se que quem faz os estudos de impacto ambiental são entidades contratadas pelos consórcios. Uma das causas da cheia do Madeira e do rompimento das barragens em Mariana é o planejamento anulado pela regra da exploração máxima em tempo mínimo.
Todo o processo de estudos de impacto, licenciamento e monitoramento ambiental é encarado pelas grandes empresas como uma mera formalidade. O comprometimento da vida de centenas de milhares de pessoas e do meio ambiente de regiões inteiras por tempo indeterminado, é o resultado dessa cegueira ética.
Brasil de Fato está cobrindo o desastre in loco e periodicamente posta notícias diretamente de Mariana. Segundo o jornal, “o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) possui documentos com indícios de vazamento em mais de 240 pontos de infiltração na barragem que se rompeu.” Ou seja, mesmo que as chuvas de janeiro na Bolívia tenham sido atípicas, houve uma sobrecheia no reservatório e as empresas não operaram no limite de segurança, segurando água. Mesmo que tremores tenham sido registrados em Mariana, a estrutura da barragem já estava fragilizada e o volume de rejeitos acumulados foi aumentado em 2014. As causas do desastre podem ser retraçadas até o planejamento da barragem.
As consequências do desastre igualmente são paralelas. Assim como a Defesa Civil e poder local transformaram os ribeirinhos do Madeira cujas casas e terras foram alagadas em espectadores, a população de Bento Rodrigues foi impedida de salvar pessoas, animais e pertences. O trabalho de resgate foi feito pelo ar, não por terra – e as autoridades insistem que a lama não é tóxica. Campanhas de arrecadação de alimentos, água mineral, roupas e colchões desoneram o Estado e as empresas responsáveis de prestar assistência a quem perdeu o chão. Não se fala em indenizações: Dilma autorizou o saque do FGTS, de modo que quem perdeu tudo possa pagar por tudo que lhe foi tomado.
Talvez alguém se pergunte por que há tanto investimento em energia e mineração e por que o senso comum acha que ambos estão a serviço do progresso do país. A imensa maioria da energia produzida nos rios brasileiros serve à indústria eletro-intensiva (que prioritariamente produz alumínio para exportação). A imensa maioria dos minérios extraídos nas montanhas brasileiras é exportada. A população perde seus rios e montanhas – e o acesso à água.
A Samarco, por exemplo, possui 3 minerodutos paralelos que levam polpa de ferro de Mariana (MG) a Anchieta (ES), gastando 4,39 metros cúbicos de água por hora. Essa água toda, retirada dos rios de Minas Gerais – estado que atualmente está com níveis de umidade relativa do ar alarmantes – conduz o minério e é descartada no mar.
O Código de Mineração está em debate. Assim como o novo Código Florestal permite mais desmatamento e devastação, o novo Código de Mineração pode comprometer o acesso à água e ao território por parte de populações indígenas, quilombolas e tradicionais. É preciso aprender com os erros e com as catástrofes induzidas.
Encerro com uma citação de Sevá, que, se entre nós estivesse, estaria indignado e inconformado com mais esta tentativa de naturalização de um desastre social e ambiental induzido: “Vários acidentes em barragens brasileiras, bastante comentados nas localidades onde ocorreram, foram abafados pelas empresas e pela imprensa a seu serviço, logo sendo retirados da pauta da chamada “mídia”, e pior, poucos acidentes foram estudados nas teses universitárias. Mas, o fato é que fazemos parte da lista de países que apresentam frequência razoável e boa variedade de situações de risco.” (SEVÁ, 2011, p. 17)
Fonte: DCM -