Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Engels 198 anos, Marx 200 Anos – Celebração, celebrações...


Rex Regente

Celebrações merecidas pois
menos de 30 anos depois
de Marx ter nascido,
ele e Friederich Engels,
seriam encarregados pela Liga dos Comunistas,
os dois, de escrever o Programa. E o escreveram.
E que Programa maravilhoso escreveram ![1]
Escreveram um Programa que ainda ressoa,
desde a primeira frase famosa
(que faz tremer ainda certo tipo de alma medrosa):
Um espectro assombra a Europa —
a assombração do comunismo.
Contra ele se aliaram as velhas potências, o papa e o czar...
”,
e continua retumbante o Manifesto
até a convocatória da última linha que ainda ecoa:
Proletários de todo o mundo, uni-vos...!”.
-*-
O Papa é muito melhor agora: é o Bergoglio,
um craque, argentino, hermano,
jesuíta que homenageia os franciscanos,
(melhor que o Maradona),
E o czar ?
É página virada da História.
Mas o Manifesto permanece!
Continua como aviso vibrante
que faz temer a classe dominante.
Ele informa que a História não termina e nem terminará,
Que se um dia a escravidão acaba e monarquias findam,
também o capitalismo passará.
Numa singela analogia: o Manifesto de 1848
é detalhe especial em grande e elaborada pintura.
É como o encontro dos dedos no teto da Capela Sistina,
em que a obra que criaram, forma mais que uma Catedral,
mais que uma partitura. Artisticamente falando: é monumental.
Marx e Engels, se juntaram em 1844 e nunca mais se largaram.
Que bela amizade ! ao longo de quatro décadas !!!
(mais de 40 anos!
não um dia ou dois)
Singularmente se complementaram:
amigos, parceiros, colaboradores, cúmplices, articuladores, intelectuais práticos, escritores, interessados por tudo que humano fosse...
Sabe aquela frase famosa que os dois criaram no começo da caminhada conjunta?
“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes;
a questão, porém, é transformá-lo” [2] ?.
Fizeram dela uma definição de vida para eles.
E eles interpretaram o mundo com disposição para o trabalho:
escreveram mais de 50 grandes volumes
de livros, textos, artigos, panfletos,
cartas, cadernos, anotações, borradores,
orientados a iluminar questões complexas
que mantém humanos acorrentados à escuridão da ignorância.
São escritos libertadores [3] [4].
Eram rigorosíssimos no uso das fontes e
para acessá-las aprenderam línguas.
O alemão era  língua materna de ambos
e nela escreveram Filosofia e tudo o mais.
Dominaram o inglês e o francês,
que usaram com maestria:
liam, escreviam e falavam.
Engels[5] lia russo, italiano, português, gaélico,
espanhol,  polonês, línguas escandinavas.
E não eram só as línguas modernas que estudava,
há registros que planejou escrever uma gramática de línguas eslavas
e que aprendeu persa em poucas semanas.
“O Capital” tem citações em grego, italiano, latim e outras línguas.
Quando Marx morreu em 1883 estava a estudar russo e se qualificar para responder perguntas que, da Rússia czarista e atrasada, lhe faziam Vera Zasulich
e outros interessados no socialismo e na revolução.
Gostava de literatura nosso aniversariante genial[6].
Sabia decor trechos de Shakespeare, Cervantes, Goethe, Balzac,
e o russo aprendeu também, para conhecer Puchkin e Gogol no original.
Onde achava tempo o Mouro ? este era seu apelido na família e para os íntimos.
Durante anos frequentou assiduamente o Museu Britânico,
ponto de concentração de conhecimentos,
quando estava no auge a rapina imperial.
Formou dupla com Engels, e como raras vezes se viu até agora,
fazendo uma analogia com o futebol,
mutatis mutandis
e com todo respeito,
foram maiores que Pelé e Coutinho em sua hora.
Estudaram História. Aprofundaram-se em muitos temas:
política, filosofia, economia, ciências naturais, direito, antropologia
e muito mais. Interpretaram o mundo! E como !!!.
Com seu sistema de pensamento-e-ação, teoria-e-prática,
em suma: com seu Método contribuíram para fazer-nos
pessoas mais livres e mais inteligentes.
Foram protagonistas em organizações, conselhos, assembleias,
Comitês de Correspondência e frentes de luta. Influenciaram o mundo todo. Foram membros-fundadores
da Associação Internacional dos Trabalhadores,
aquela – sempre é bom lembrar –
que limitou a jornada de trabalho regular
a oito horas diárias,
talvez a maior conquista social
desde que a escravidão dos tempos bíblicos
concedeu o descanso do sétimo dia semanal
aos adeptos de uma religião libertadora.
Sua obra saborosa frutificou em frondosa floresta conceitual,
enraizada na vida material dos povos, onde fez História e criou raízes.
Isto ocorreu no mundo, no Brasil e em muitos outros países.
A grande dupla dinâmica Marx-Engels lutou contra as circunstâncias que escravizam os humanos, no âmbito do pensamento, da escrita e da ação, com grande esforço e desprendimento pessoal.
Engels tolerou[7] a vida como funcionário de indústria internacional de fios e tecidos em que seu pai era sócio e que tinha matriz na Alemanha e em Manchester, na Inglaterra, uma filial. Em troca de remuneração que mantinha a sí
e ocasionalmente permitia prover financeirarmente as necessidades da família Marx.  Ele mesmo garoto-prodígio, fazia isto desprendidamente porque
considerava Marx, entre os dois, o gênio criativo, o “primeiro violino” na orquestra de instrumentos, que com a força dos pensamentos[8], da ciência, da literatura, das artes, com que ambos compuseram uma música para o entendimento da realidade.
Mas, nem com todo o provimento que recebeu, a família Marx teve vida fácil.
Ao contrário. Houve períodos em que as privações foram duríssimas
e contribuíram, entre outras dores, para a perda precoce de quatro dos sete filhos
que Jenny e Karl Marx tiveram além de difíceis situações difíceis com credores[9].
Talvez não seja uma grande ironia, quase uma piada pronta,
que o maior estudioso do dinheiro em todos os tempos,
dedicasse mais tempo para penetrar e revelar aos humanos
os mistérios profundos deste assunto de dois mil anos
e dedicasse tão pouco tempo a obtê-lo,
ao mesmo tempo que padecia da falta do mesmo.
Por tudo isto e muito mais,
as familias de Engels e Marx,
tornaram-se personas non gratas a governos,
grandes capitalistas e todo tipo de escravocratas.
Com sua ação, força de pensamento e com seu exemplo,
surfaram as grandes ondas das lutas sociais do seu tempo
e permanecem como inspiração.
Então, um brinde atrasado aos 200 anos do nascimento de Karl Marx
completados no último 5 de maio! E a Friedrich Engels
um brinde adiantado pelos 198 anos
que completaria no próximo 28 de novembro.

Que venham os próximos séculos !!!
Rumo ao Socialismo Científico 2.0 !!!




[1] V. José Paulo Netto no YouTube, falando do Manifesto.
[2] Não é o caso de citar aqui em alemão tal e como em sua original formulação.
[3] Por isto o “mistério” auto-evidente do porquê surgirem Escolas “sem Partido”, equivalentes laicos a madrassas, ieshivót, seminários e a outros sistemas de educação religiosos dedicados à produção de fanáticos impermeáveis aos fatos e a realidade.
[4] Ontem 23/10/28 assisti a Marx Reloaded, filme alemão de 2011 (https://en.wikipedia.org/wiki/Marx_Reloaded) instigador e revigorante. Em conexão com o texto principal, digo aqui que: a inserção de Desenho Animado em que Trostsky faz o papel de Morpheus e Marx o papel de Neo no filme original Matrix e onde se travam aqueles dialógos densos em filosofia (e armadilhas ) em que há que se escolher entre 2 pílulas prenhes de significado recoloca de forma muito vigorosa o papel de marx e do marxismo na discussão hoje no mundo ao associar questões fundamentais relacionadas às questões do dinheiro, do mercado, do fetichismo da mercadoria, da ecologia e contrapô-las a pontos de vista oriundos da defesa da sociedade de consumo, do sistema financeiro e a uma certa variedade de marxistas europeus entre os quais se destaca a figura simpática de Slavoj Zizek, metralhando argumentos e pensamentos numa língua que não é a sua, num produtivo esforço para interpretar o complexo presente contemporaneo.   
[5] Na mesma sessão da 42.aMostraCineSP houve um filme sobre Engels (UM JOVEM CHAMADO ENGELS) de 1970, feito pela República Democrática Alemã  uma animação realizada a partir de cartas e desenhos do jovem Friedrich (1820-1894) Engels  produzidos entre os anos 1838 e 1842, ou seja, entre seus 18 e 32 anos). No filme, o locutor narra a carta que aquele jovem escreveu mencionando as numerosas línguas que lê, fala e escreve. Mostra também facetas pouco conhecido para quem se aproxima de Engels como o 2.o violino de Marx, como ele mesmo se intitulava. O filme mostra facetas do Responsável pelas Compras da Empresa Textil, em Bremen, do jovem Artilheiro Real, do polemista em universitário que não quis ser Doutor, escritor precoce que experimenta com vários generos e de uma origem aristocrática que lhe permitiu uma educação e refinamentos que ele dedicou sua vida a repartir entre todos os humanos.
[6] Na mesma 42.a Mostra exibou-se CARO MOHR – LEMBRANÇAS PESSOAIS DE KARL MARX POR PAUL LAFARGUE, uma animação de 1973, feita pela Repíblica Democrática Alemã, que mostra passagens da vida de Karl Marx e Friedrich Engels pela visão do médico Paul Lafargue, que frequentou a casa de Mohr —apelido que o filósofo alemão ganhou dos filhos— em Londres.
Lafargue se casou com uma das filhas de Marx e traduziu diversos de seus textos para o espanhol e para o francês
[7] O acima referido filme sobre Engels confirma-o entediado com as situações de trabalho, um mal necessário, e de outras fontes temos que sabia-se emprestador de última instância para a família Marx da qual foi parte querida desde o primeiro momento.
[8]  Pensamento: “...forma superior de matéria ...”, conceituação de Engels em “Dialética da Natureza”
[9] O ótimo filme “O jovem Marx” apresenta o início da colaboração de Marx e Engels e retrata algumas das dificuldades com credores e com a falta de dinheiro. Uma boa resenha online do filme está em:
https://gz.diarioliberdade.org/mundo/item/193181-o-jovem-karl-marx.html.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O Estado Democrático de Direito e o Judiciário

Este artigo é parte do livro Direitos Humanos no Brasil 2018 que será lançado no próximo dia 5 de dezembro em São Paulo. A democracia não pode ficar à mercê do tempo ou da vontade particular dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Precisamos de um judiciário capaz de dar as respostas necessárias para o projeto de democracia do país.
O Brasil, pós período ditadura civil militar 1964-1985, se reconstruiu sobre a base de um Estado Democrático de Direito que se funda no princípio da soberania popular, que como ensina José Afonso da Silva, impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure na formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado democrático, mas não o seu completo desenvolvimento.
A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre justa e solidária; em que o poder que emana do povo deve ser exercido em proveito do povo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe o diálogo entre opiniões, pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na sociedade; com reconhecimento de direitos individuais, políticos e sociais, que busque a vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício; que supere as desigualdades sociais e regionais. O objetivo é, em última análise,  a realização do princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.
A constitucionalidade é da essencialidade do Estado Democrático de Direito, assim como um sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais; forte nos princípios da legalidade;  igualdade e justiça social;  e sempre agasalhando a divisão de poderes, o que pressupõe, para o Poder Judiciário, a  independência do judicial como uma garantia para o cidadão.
Neste desenho, o juiz deve ser o instrumento da Constituição na defesa incondicional e na garantia efetiva dos direitos fundamentais da pessoa humana.  É o  responsável para que a Constituição Federal não se torne letra morta. Nas mãos do Poder Judiciário está a manutenção da higidez constitucional,  a afirmação  do próprio Estado.
Um judiciário democrático é aquele  capaz de dar as respostas necessárias para o projeto de democracia que o país agasalhou na Constituição Federal de 1988. Mas, a expectativa constitucional do povo brasileiro não está encontrando guarida no judiciário pois o povo brasileiro não se reconhece neste poder, na medida que não lhe atribui o requisito fundamental, que é a confiança, o que se pode constatar através de recentes pesquisas, como a do Índice de Confiança na Justiça no Brasil –ICJBrasil, produzido pela FGV, que mostra que de 2013 para cá, a confiança no Judiciário caiu 10 pontos percentuais, passando para 24% em 2017, percentual significativo, pois em anos anteriores não havia oscilações desta magnitude. O Ministério Público não está em melhores condições: em 2014, o índice era de 50% e caiu para 28% em 2017.
Pesquisa da Datafolha indica a percepção majoritária do povo brasileiro em todas as variáveis demográficas: 92% da população avalia que a justiça brasileira trata melhor os mais ricos do que os pobres.
Portanto, forçoso concluir que a imagem que o povo brasileiro tem do  judiciário é que magistrados não estão se subordinando à vontade do povo soberano. Vontade constitucional popular não se confunde, de maneira alguma, com vozes e gritos das ruas, com clamor popular, ou o que a vontade televisiva e  midiática diz ser tal vontade.
Não.
A vontade popular só pode ser encontrada nas palavras da Constituição Federal de 1988, fonte das expectativas de construção da nossa sociedade. Nela encontramos seus princípios, fundamentos e patamares éticos. Já em seu preâmbulo, o povo estabeleceu o  Estado social brasileiro. Nenhum ente estatal  (juiz, legislador, ou membro do executivo) pode substituir estas diretrizes pelas suas ou do que ele interpreta ser a vontade popular.
Ser juiz democrático é ter coragem para se contrapor aos barulhos das ruas, é saber que a sua submissão se encontra na Carta Cidadã.
E a cada dia  a falta de legitimação do Poder Judiciário se aguça, o que ocorre do seu afastamento da missão constitucional de garantia dos direitos dos cidadãos. Na verdade, o que está sendo transmitido é que o judiciário  visa atender os donos do poder econômico.
A desconfiança em relação ao judiciário é maior nos últimos anos, justamente, no período pós rompimento da ordem constitucional, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Este é o marco de maior significação, recheado de várias decisões, em diversos processos, que tiveram repercussão midiática, no qual o judiciário se substitui à vontade legislativa ou realiza a sua função, ao arrepio da norma.
Mas é preciso apontar que o comportamento seletivo do Judiciário já vem de outros tempos. No Império tivemos a Lei Eusébio de Queirós, que proibia a entrada de africanos escravizados no Brasil, mas sabemos que mais de 500 mil entraram no país, mesmo após a promulgação da lei. Na época eram os interesses dos proprietários de terras e de escravos que dominavam o cenário. São pouquíssimos casos que esta conduta foi levada ao Judiciário e quando o foi, magistrados foram repreendidos.
Continuamos a detectar a seletividade. Na justiça criminal a atenção é para os jovens negros e periféricos, como reflexo da  justiça neoliberal, que segundo Antoine Garapon, tem critérios próprios, dentre eles a chamada “segurança”, que está sempre pronta a homogeneizar os processos judiciais, a prestação jurisdicional e, na área criminal, é dirigida à um grupo determinado que precisa de controle pela via punitiva. O inimigo está eleito. Na época da ditadura eram aqueles que sonhavam com um outro país, agora  são uma categoria na qual estão os jovens, negros e periféricos. Uma questão de classe. Esta cultura está arraigada no cotidiano do sistema de justiça.
E a desconexão do judiciário, com o propósito constitucional, em período contemporâneo ao golpe, vem de suas decisões e suas posturas. Apenas a título de exemplo, menciono alguns episódios e situações que foram divulgados e que escancaram violações à princípios fundamentais pelo judiciário, embora deva ser o ente último a salvaguardá-los.  Vejamos:
– O grande número de conduções coercitivas realizadas ao arrepio da lei. Existem regras claras para que ela possa ser realizada. Se não se encontra nas hipóteses taxativas, o que temos é uma prisão, um cerceamento da liberdade do ir e vir, realizada ao arrepio da lei. A condução coercitiva do acusado só seria cabível depois de intimação prévia, não cumprida.
– A violação de norma constitucional referente à divulgação de diversas escutas telefônicas, de várias pessoas, feitas aos borbotões, culminando com a violação do juiz Sérgio Moro ao divulgar uma ligação da presidência da república, ao ex-presidente Lula, em absoluta afronta à ordem jurídica.
– O impedimento de Lula, candidato à presidência da república, de dar entrevistas ao arrepio ao sistema eleitoral e ao direito de manifestação de todas as pessoas detidas.
– A “criminalização” dos movimentos populares, aqui entendido em seu sentido amplo, encontra no judiciário a sua maior ferramenta, seja na impunidade dos homicídios praticados pelos algozes dos defensores de direitos humanos, seja no cerceamento das manifestações, que são o exercício da liberdade de expressão, pedra fundamental da democracia. No mês de agosto de 2018, magistrados proibiram manifestações favoráveis ao presidente Lula em dois shoppings centers, no Rio de Janeiro e Salvador.
– O sério problema da concentração das decisões, nas mãos de um ministro, na medida que cada um resolve quando coloca o processo para julgamento e depois é a presidenta do Superior Tribunal Federal (STF) quem decide se o processo vai ou não entrar para pauta.
No primeiro caso, no campo direto da democracia,  podemos  lembrar do caso de financiamento eleitoral por empresários, no qual o ministro Gilmar Mendes, após pedido de vista, segurou o processo por mais de um ano, em que pese já tivesse posição sobre a questão.
Na segunda hipótese o caso das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam do tema da execução provisória, da prisão, após a decisão em segunda instância. A democracia não pode ficar à mercê do tempo ou da vontade particular dos ministros do STF. Precisamos de um judiciário capaz de dar as respostas necessárias para o projeto de democracia do país.
Sobre esta questão, o  STF relativizou o alcance do princípio da presunção de inocência, direito fundamental, em contrariedade ao texto da Constituição, e, deste modo, feriu violentamente a segurança jurídica e a integridade do Direito. A questão que o povo pergunta é: por que houve uma mudança de posição do STF pouco antes do julgamento do presidente Lula? E por que um tema em que a maioria dos ministros pensam de uma forma, julgam de outra?
O que mais choca a população é que tudo isto é oriundo  do guardião do sistema democrático, do poder que têm o dever de salvaguardar o núcleo do Estado Brasileiro, os direitos fundamentais, que não admite flexibilização alguma.
Este quadro permite concluir que o judiciário foi um dos principais atores do rompimento constitucional e está com sua legitimidade questionada pelo povo soberano, justamente porque não o vê como aquele que resguarda seus direitos. Está na hora de conectar-se com as razões do povo brasileiro sem esquecer que o poder não lhe pertence: o dono é o povo soberano.
Respeitemos.
*Por Kenarik Boujikian, cofundadora e ex-presidenta da Associação Juízes para a Democracia, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

12 de janeiro


Hoje ele faria aniversário. Faz anos, muitos anos que se foi me deixando cheia de não falei, não fiz, não vivi o que ele queria. Seu nome era Encanto, sobrenome, Solidão. Era poeta. Por isto incompreendido e solitário.
Muitas vezes, me pediram para falar dele. Nunca pude. Nada lhe faz jus. Todas as palavras são pobres, pequenas e ele as usava tão bem! Em sua boca ou caneta elas se tornavam grandes, justas, perfeitas. Em mim, elas não passam pela garganta. Sua lembrança toma conta de mim e me torna muda. Dói não conseguir lhe fazer o retrato, a homenagem e ele está em mim. 
Nada me traz tanta frustração que o saber do que não vivemos. Ele se foi sem me dar tempo. Eu precisava amadurecer e ele já sabia tudo. É mais que saudade!
Éramos crianças e brincávamos tão juntos. Éramos jovens e eu não soube mais brincar. Era adulta e estava só, ele já se fora, mas ficou, não sai de mim. Fica me mostrando minha incapacidade, meu tamanho curto.
Na foto, estamos juntos numa época quando ainda eu poderia ter aceitado seu convite de vida. A foto está amarelando e sua imagem ficando mais nítida em mim. Nem o papel me ajuda. Não precisa. A memória é presente. Seu olhar me fala, mas não me aquece, não me acalma. Quero o que já foi sem ter sido. Ele é o meu futuro do pretérito, o meu inexorável, sempre.











Carta para Bia




Minha querida Pequerruça,

Você se foi. Agora, está morando no meu coração.
Bei está viúvo. Sofremos juntos. Tem sido deserto. É o luto. Ainda não falei do   luto primeiro, a perda da Chácara Xury, o meu lugar para onde levei você e Bei. Preciso falar do segundo luto, a sua perda, minha Pequerruça. Sinto que uma perda se confunde com a outra. Não poderia ser diferente. Você, Bei e eu somos a CXury. Agora, não temos a CXury, não temos você. Bei e eu estamos em estado de sofrimento. Ele, que nunca havia ficado sozinho nesta sua vida de 13 anos, fica à procura e só a mim ele encontra. Cuido dele, sou apenas sua tutora, sua amiga. Ele cuida de mim, é meu guardião zeloso, amoroso. Não temos a terra, as árvores, os macacos, “as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”. Não temos a CXury. Não temos nossa Pequerruça.

Você vem, passa no meio das minhas pernas, volta, passa de novo e vai na frente, olha de lado para ter certeza de que estou no meio e Bei atrás. Seu andar é rebolante, sua cabeça balança no ritmo da mudança das pernas e minhas mãos alcança sua anca que se imobiliza para ganhar o carinho. Sinto o focinho do ciumento que busca a partilha. Estamos no corredor atrás da casa grande, mas já os muros desaparecem dando lugar às árvores da matinha que vai até o minhocário e você para, cheira uma planta, anda, para, cheira mais. Bei passa por mim e vai cheirar junto, se embolam, um de um lado, árvore no meio, outro anda mais para frente, volta, trocam de lugar e novamente vai você na frente, rebolando, enquanto Bei me cede lugar e fica na retaguarda. Também sinto os cheiros da mata, os cheiros da CXury.

Pequerruça, tirei vocês, nós do nosso lugar. Foi, tem sido doloroso. O inexorável! Lá ficou nossa saúde. Você fez o câncer que a levou. Bei emagreceu 13 kg e eu fiquei velha, com dores no corpo e na alma. Dona Pandá, aquela personagem gozadora que povoava meu blog está na UTI, sem muita esperança. O blog foi abandonado. Não escrevo mais.

Querida, nem posso dizer que quero voltar. Você se foi. Bei não aguentaria uma viagem de 700 km. Preciso cuidar dele. Não quero que ele viva muito, mas cuido para que viva com algum prazer. Para lhe dar uma compensação, quando de sua ida, contratei o Nego – o rapaz que trabalha meio período aqui no sítio Catita – para caminhar meia hora com ele no condomínio. É o grande momento do dia para Bei. Fizemos juntos esse passeio algumas vezes. Paramos devido a outros cachorros que ficam soltos e vocês dois poderiam partir para um confronto que me deixaria em má situação. Você era tão indisciplinada, tão parecida comigo. Nada de cerca para você. Quantas vezes você liderou uma fuga, furando cercas, saindo da CXury. Um final de tarde, vocês dois entraram no lodo preto, catinguento da chácara vizinha e às 8;30 da noite fria enfrentamos o banho. Dois cachorros fedorentos, inquietos,  com  frio. Tive que secá-los com o secador de cabelo. Vocês odiando o barulho, travando uma luta que acabou em brincadeira. Bei tão nervoso, bravo; você tão doce e teimosa.

Minha querida, depois continuo. Acho que virei muitas vezes falar com você, mas, agora, minhas lágrimas me cegam.


Cá estou de novo, minha Pequerrucha.  Bei está com uma secreção nos olhos, fiz chá de cavalinha e estou lavando seu olho. Ele não gosta, abaixa a cabeça quando o chamo “para limpar o olhinho”. Vem, com muita má vontade, mas vem e deixa eu cuidar. Ele não quer saber de ficar longe de mim. Não quer ficar só. Você o acostumou assim.

Começaram os preparativos de Natal. Não gosto desta época. André e eu – depois de seu casamento, Dai se juntou a nós – sempre gostamos de comemorar a passagem do ano. Você e Bei odeiam os fogos e esta é a parte ruim. No último ano que passamos na CXury, André ficou com vocês no canil e  fomos brindar o ano, tomando um gostoso espumante, lá. Dai corria do canil para a casa, onde os pequenos – Tute, Mel e Pretinho - ficaram  também com medo do barulho. Eram poucos os fogos se comparados com os que soltam por aqui. Lá, a chácara fica no meio do mato, vizinhança rarefeita. Aqui,  um codomínio enorme,  muitos vêm da residência urbana com alguns gestos incivilizados como fazer barulho com fogos e música alta. Por causa disto, não posso ir comemorar a entrada de um novo ano com Dai e André, deixando Bei sozinho. Sinto mais saudades deles e da minha Xury nesta época. Todos se reúnem aqui na Casa Grande da Mana, felizes. Esforço-me para não me deixar abater, pois mancharia de tristeza a  festa de Natal da família. Quando Mamãe ainda estava conosco – ela que era tão católica -   a data era comemorada com muita coerência e mesmo sem sua crença eu a respeitava. Muitas vezes, André estava conosco. As mudanças não têm sido bem aceitas por mim. Será que é a impertinência da velhice?  Nesses dois anos em  que estou aqui, a pior época é o Natal. A presença das manas, cunhado e dos sobrinhos faz um clima de solidário regozijo que me perturba  por explicitar com maior intensidade a ausência  sentida.
Nossa vinda para cá teve seu lado positivo e me apego a isto.

Tive, agora, uma notícia das melhores, André consertou o telefone fixo de sua casa. Havia um bocado de tempo que eu pedia para que ele providenciasse esse conserto.  Meu Filhote tem seu tempo, tão diferente do meu. Sou lebre, ele tartaruga. Eis aí uma questão fundamental no relacionamento dos humanos, mais ainda dos casais.  É quase impossível a adequação perfeita dos tempos, o que torna difícil a convivência diária. Não sei quem é o mais incomodado a lebre que fica na espera ou a tartaruga que é pressionada. Para variar a harmonia está na tolerância.
Ontem, o susto foi grande. Bei pegou o pescoço do Pretinho e não soltava nem com a mangueira de água fria que joguei nele. O pequeno é mesmo atrevido  e o grandão fica injuriado quando está preso aqui na nossa casa e o outro solto vem latir. Os portões ficam fechados, mas um bate do lado de fora, enquanto o outro empurra de dentro o portão abriu e Bei pulou já com a bocaça no pescoço do atrevidinho. Com as imagens bem vívidas das vezes que vocês mataram meus gatos, entrei em desespero. Perdi o controle, gritei, gritei, enviei a mão na boca do Bei e nada consegui. Vi o sangue escorrer e manchar minha roupa, tive um momento de dúvida – lembrei-me do quanto Hilda sofreu por eu tentar soltá-la de vocês dois -, mas continuei lutando para salvar a vida do Pretinho. Depois de muito tempo, multiplicado por meu pânico, os dois se separaram e  Pretinho, completamento ileso já que o sangue era da língua do Bei e da minha mão, ainda parou e latiu numa provocação absurda. Minha mão doía muito pelo esforço e soltou a coleira do Bei que consegui ainda segurar com as duas pernas e, sem o provocador que, enfim, se mandou, atendeu meu comando e entrou para a casa. A imagem do meu descontrole provocou uma ressaca de tirar o sono.

Bia, enquanto escrevo, Bei está deitado aqui perto, dormindo. Quando chega a hora do seu passeio um despertador invisível toca e ele vai para perto do protão esperar o Nego.

Nosso Brasil está mal, deixando os trabalhadores  brasileiros em perigo gravíssimo. Ainda tenho uma réstia de esperança (como disse Cortella, do verbo esperançar que inclui luta) de conseguirmos reverter o grande desastre do golpe dado neste ano. O pior é que, além de muita luta, sofrimento para nosso povo, nossas riquezas estão sendo solapadas tirando nossa dignidade e altives.

Vou parar novamente, mas tenho a impressão de que falar com você pode me trazer de volta a escrita.



quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Lula Livre

terça-feira, 20 de novembro de 2018

ANÔNIMOS


HOMENAGEM AOS HERÓIS ANÔNIMOS QUE EMPENHARAM
A PRÓPRIA VIDA EM PROL DA LIBERDADE!...

Emérita Andrade

Vem, nos protege, Zambi!
Faze uma lira cantar
Toda a grandeza ancestral
Da África milenar!
Teu povo ainda explorado
E qual besta, escravizado,
A ferros sempre esmagado,
A estupidez fez sangrar!
E a grandeza desta raça,
Velhos e jovens marcou:
Destemidos sob a dor,
Temperados na desgraça!...
Temíveis guerreiros,
De brilho e fulgor,
Na lança e na pena,
Mostraram valor...
Com mãos calejadas,
Doçura ofertaram
E em braços cansados
Fizeram ninar...
Seus rostos sofridos,
Em prantos colhidos,
Nos corpos marcados,
Conservam calor!...
Vem, ó Zambi, sobre as asas
Do vento que vem do mar...
Teus pés, pisando na areia,
Traçam desenhos sem par...
Vinde, ó filhos da África,
Fazer a Lucas* ninar!...
Cuidar de um bravo guerreiro
Que vi na praça sangrar!
Vinde, ó moças bonitas!
Vinde, rapazes gentis!
Vamos todos, de mãos dadas,
Libertar nosso país!...
*Lucas Dantas de Amorim Torres nasceu na Cidade do Salvador, em 1774,
 filho de Domingos da Costa e Vicência Maria,sendo residente no Largo do 
Cruzeiro de São Francisco. Solteiro, escravo liberto, marceneiro e soldado 
do Regimento de Artilharia, foi preso em 09 de setembro de 1798, julgado
 pelo Tribunal da Relação em 05 de novembro de 1799,enforcado e
esquartejado, na Praça da Piedade, em 08 de novembro de 1799, aos 24 anos.
Mártir do Movimento Revolucionário de 1798, intitulado Conspiração dos 

Búzios,Revolta dos Alfaiates ou Conjuração Baiana, defendeu a causa da
independência do Brasil, da proclamação da República, da abolição da 
escravatura e dos direitos iguais para todos os cidadãos. 
(Fonte: Fundação Gregório de Mattos)


Emérita Andrade
Nome Literário: ESA Andrade
71 2137-0817 / 3373-2724