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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Banco do Brasil e Petrobras: qual a próxima?


Paulo Kliass

Que os equívocos de BB e Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses do país.

O governo conseguiu a incrível façanha de implementar duas importantes e polêmicas decisões em matéria de política econômica em uma única semana. Para quem considerava que não havia muita movimentação da equipe da Presidenta em matéria de economia, as novidades surpreenderam. O problema, no entanto, é que os principais beneficiários de tais medidas foram os representantes do financismo e os setores dos conglomerados das petrolíferas internacionais. Os anúncios se converteram em frustração para todos aqueles que se identificam com um projeto de País que signifique, entre tantos outros aspectos, a conquista de maior autonomia e soberania face às forças econômicas do mundo globalizado.

Na segunda-feira, dia 21 de outubro, o governo insistiu em manter a realização do leilão para decidir a respeito de qual seria o consórcio vencedor para explorar o Campo de Libra - primeira área a se tornar operacional no mundo sub-oceânico, ainda pouco conhecido, do Pré Sal. Apenas quatro dias depois, na sexta-feira dia 25, o Diário Oficial da União trazia a publicação de um Decreto Presidencial, por meio do qual são alterados os limites de participação de capital estrangeiro na composição acionária do Banco do Brasil (BB). Duas medidas que apontam para um conservadorismo preocupante.

Entrega de Libra e mais estrangeiros no BB

A recusa do governo em adiar a data do leilão só contribuiu para aumentar as dúvidas a respeito das reais motivações que estariam por trás da insistência e da pressa em abrir a exploração do maior campo de petróleo brasileiro ao capital internacional. Afinal, a grande maioria dos especialistas e técnicos da área da energia e do petróleo opôs algum tipo de restrição à adoção de tal estratégia. A lista de argumentos contrários à abertura da exploração de Libra é extensa, incluindo razões que vão desde elementos de segurança nacional a té a simples sugestão de um pouco mais cautela e prudência no tratamento de tema tão espinhoso. Passando, é claro, por minuciosos estudos demonstrando que a Petrobras teria todas as condições de promover - sem precisar das empresas estrangeiras - a exploração do campo.

Já no caso da participação externa no BB, não houve debate prévio de nenhuma natureza. A sociedade brasileira foi pega de absoluta surpresa, com os termos do texto assinado pela Presidenta. É bem verdade que não foi a primeira vez que uma medida dessas foi anunciada por um governo que deveria passar longe de tal tipo de proposição. Em 2006, Lula foi convencido a publicar um decreto aumentando o limite da presença de capital estrangeiro no BB de 5,6% para 12,5%. Alguns anos depois, em 2009, novamente o então Presidente assina outro documento oficial e eleva esse teto para 20%. E agora Dilma dá continuidade a essa trajetória de benesses concedidas ao financismo internacional e estabelece o novo limite em 30% da composição acionária do banco.

Petrobras e a partilha desnecessária

Na tentativa de convencimento a favor de sua proposta, o governo buscou a comparação com o modelo anterior das parcerias para o petróleo, vigente à época de FHC. Ora, é verdade que o modelo de partilha é bem mais interessante para os interesses nacionais do que o anterior, o de simples concessão. Porém, o fato é que para o caso concreto, desse campo em especial, não haveria nem mesmo a necessidade de compartilhar. Libra já havia sido bastante bem mapeado pela Petrobras e a própria empresa foi exitosa nos poços que perfurou, tendo encontrado o óleo tão desejado. Assim, os procedimentos de exploração comercial praticamente não apresentavam riscos – o principal elemento a justificar uma parceria de partilha com outras empresas.

Por outro lado, às vezes era esgrimida a eventual dificuldade da Petrobras em custear ela mesma as necessidades de investimento para a exploração do campo. Mas atuais e ex-dirigentes da empresa apontavam a fragilidade do argumento, uma vez que tais despesas - significativas, é verdade - seriam realizadas de acordo com um cronograma de médio prazo e não haveria urgência urgentíssima para essa operação. Tanto que, logo após a divulgação dos resultados do leilão, as notícias oficiais falavam do horizonte de 2020 para as primeiras jorradas de óleo economicamente eficientes.

Não obstante todas essas ponderaç ões, a data e as condições foram mantidas, apesar de contar apenas com um consórcio inscrito. O chamado “leilão do eu sozinho” não apresentou, por óbvio, nenhuma concorrência e a única proposta apresentada foi vitoriosa. Com isso, o governo brasileiro terminou por entregar 60% da exploração para grupos estrangeiros: i) 20% para a holandesa Shell; ii) 20% para a francesa Total; e iii) 20% divididos igualmente entre 2 estatais chinesas. Com isso a Petrobras ficou apenas com 40% do empreendimento. Não há razão econômica ou energética que justifique tal atitude. O contrato prevê a possibilidade de exploração dos poços encontrados por 35 anos, que apresenta um potencial de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo e de 120 bilhões de m3 de gás.

Petrobras e BB: os interesses do financismo

A mudança no limite de participação de capital estrangeiro no BB guarda alguma similaridade com a postura no caso de Libra. Trata-se de uma liberalidade de mão única, sem exigência de nenhuma contrapartida. O governo brasileiro anuncia - em alto e bom tom – que passa a se interessar pelo compartilhamento do capital acionário de uma de suas principais empresas de economia mista com sócios internacionais, em um patamar mais alto do que os atuais 20%. Ora, é mais do que sabido que o sistema financeiro é um setor bastante sensível da engrenagem e conômica, uma área estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Oferecer mais essa alternativa de investimento ao capital globalizado não proporciona nenhum vantagem ao País chamado Brasil, que não seja a falsa ilusão criada por alguns de seus governantes. Os responsáveis por nossa política econômica dificilmente passarão a ser considerados como adeptos do “bom-mocismo” aos olhos dos representantes da banca internacional.

A única explicação que resta para se tentar compreender a aceitação do leilão do Campo de Libra é a visão estreita do curto prazo, a lógica pequena de fechar as contas no final do mês. O governo se sente pressionado pelo fi nancismo a cumprir a meta de superávit primário para 2013 e parece estar com algumas dificuldades de cumprir o que se propôs. Mas não sentido em se sentir obrigado a promover o desvio de tal volume de recursos das áreas sócias do orçamento público para a esfera puramente financeira. Como um dos dispositivos da oferta pública da ANP é o pagamento antecipado de um valor equivalente a R$ 15 bilhões pelo consórcio vencedor, esse recurso deve entrar no caixa do Tesouro Nacional ainda em 2013. O detalhe que ninguém do governo deseja comentar é que a própria Petrobras deverá pagar sua cota parte, arcando com 40% desse total. Ou seja, R$ 6 bilhões que entram por um lado para as contas do Ministério da Fazenda, estão saindo do próprio bolso do setor público federal. Assim, um saldo líquido de apenas R$ 9 bilhões parece muito pouco para tamanha bondade oferecida às empresas estrangeiras, que se vêem no direito de explorarem nosso petróleo, de forma bastante s egura, por mais de 3 décadas.

A ampliação da presença do capital internacional no BB deve trazer consequências também para a dinâmica dos mercados que giram em torno das Bolsas de Valores. O peso dessa importante instituição financeira do governo federal na cotação dos índices e do movimento financeiro não pode ser negligenciado. Isso implica em muitas possibilidades de valorização ou desvalorização patrimonial, ao sabor da evolução das conjunturas e das apostas especulativas. As experiências recentes com o esfarelamento das empresas de Eike Batista, além de outros naufrágios verificados pelo mundo afora, deveriam servir como alerta e precaução para esse tipo de deslumbramento com o mundo frágil e efêmero do financismo.

Os riscos da abertura descontrolada ao capital internacional

Ao longo dos últimos anos o Brasil tem apresentado problemas graves de maior exposição de suas contas externas. O desempenho ainda positivo no mero saldo da Balança Comercial (exportações menos importações de bens) não pode servir como fator de ilusão a re speito das dificuldades no conjunto do Balanço de Pagamentos. Isso porque, quando são computadas as entradas e saídas de recursos externos relativos aos serviços e ao universo financeiro a situação, se revela mais grave. Nesse caso, por exemplo, houve um déficit de US$ 76 bilhões em 2012 no total da conta Rendas e Serviços. E ainda corremos o risco de fechar um valor negativo de US$ 90 bi no final desse ano. A fragilidade começa a se expressar de forma mais aguda ainda quando são verificadas as movimentações envolvendo apenas as contas de Rendas, pois ali estão registrados o resultado dos valores líquidos entre os recursos que entram no país e os que são enviados ao exterior sob a forma de juros e lucros. Em 2012 o saldo foi negativo em US$ 35 bi e agora devemos fechar dezembro com algo próximo a US$ 40 bi.

Como se vê, não é esse o melhor momento para se estimular a probabilidade de maiores riscos de perturbação no setor externo, como ocorre com a remessa dos lucros auferidos por empresas estrangeiras operando ou transacionando por aqui. Espera-se que os equívocos do BB e da Petrobras sejam o encerramento de um breve ciclo a ser esquecido e não o início de uma tendência prejudicial aos interesses brasileiros.

Nossa Fonte: Carta Maior


O Bolsa Família e os gastadores de gente


Hoje são 14 milhões de famílias beneficiadas em todo o país pelo Programa Bolsa Família com direito a uma transferência média de US$ 35 por mês.

 Saul Leblon

"Aos olhos das nossas classes dominantes, antigas e modernas, o povo é o que há de mais réles. Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, a gente comum, os trabalhadores, são tidos como uma mera força de trabalho - um carvão humano- a ser desgastada na produção. É preciso ter coragem de ver este fato porque só a partir dele, podemos romper nossa condenação ao atraso e à pobreza, decorrentes de um subdesenvolvimento de caráter autoperpetuante ...”(Darcy Ribeiro; 1986)
 

Em janeiro de 2003, quando o programa Fome Zero foi lançado como primeiro ato do primeiro dia útil do governo Lula, havia um clima de terceiro turno no país.
Inconsolável com a derrota de seu eterno candidato José Serra, a mídia conservadora mostrava as garras.
O objetivo do cerco era acuar a gestão petista numa crise de desgoverno para, ato contínuo, retificar o deslize das urnas de forma saneadora.
Da universidade não faltavam contribuições obsequiosas.
Intelectuais de bico longo e ideias curtas pontificavam o despropósito de um programa de combate à fome num país onde, dizia-se de forma derrisória, esse era um problema menor.
O Fome Zero era o nome fantasia de uma ampla política de segurança alimentar.
Incluía duas dezenas de políticas e ações, entre as quais a recuperação do poder de compra do salário mínimo e sua extensão aos aposentados, a expansão e o fortalecimento da merenda escolar, o fomento e o crédito à agricultura familiar, estratégias de convivência com a seca no semi-árido, reforma agrária e transferências condicionadas de renda aos excluídos.
O Bolsa Família foi um pedaço de vertebra que ganhou vida própria e assumiu a linha de frente do guarda-chuva mais geral.
Supostamente filiado ao focalismo do Banco Mundial –gastar estritamente com os miseráveis e por tempo curto— desfrutou de um espaço maior de tolerância, o que favoreceria a sua fulminante implantação.
Hoje são 14 milhões de famílias beneficiadas em todo país com direito a uma transferência média de US$ 35 por mês.
Ninguém mais mexe nesse vespeiro vigiado de perto por zelosas abelhas rainhas.
As mulheres detém a titularidade de 94% dos cartões de acesso aos saques.
Gerem, portanto, um benefício que contempla uma fatia da população equivalente a 52 milhões de brasileiros: 25% do país.
Quem são essas mulheres?
O que pensam? O que pretendem do novo ciclo de crescimento brasileiro? Que papel poderiam desempenhar na construção democrática de alternativas à encruzilhada econômica atual?
São perguntas que não deveriam mais ser ignoradas depois de dez anos.
O governo, com razão, substituiu o ‘clientelismo’ potencial em qualquer programa social por relações impessoais no caso do Bolsa Família.
A tecnologia do cartão magnético estabeleceu uma relação sanitária direta entre o detentor do benefício e a política pública de Estado.
O cuidado é louvável, mas não deveria interditar o potencial participativo do programa.
Quando foi criado o Fome Zero incluía um canal de aperfeiçoamento e engajamento de seus participantes, rapidamente demonizado pelo conservadorismo.
Os Comitês Gestores do Fome Zero eram compostos majoritariamente por representantes das famílias beneficiadas, aglutinadas em núcleos municipais.
A virulenta oposição de prefeitos e coronéis à emergência do novo poder local levaria rapidamente à extinção desse braço participativo.
Se o êxito do programa dá razão ao recuo pragmático feito há dez anos, hoje a ausência de um fórum democrático para as 14 milhões de famílias soa como uma aberração política.
O destino dessas famílias está no centro das escolhas do desenvolvimento brasileiro.
E vice versa.
Não apenas isso.
Esse entrelaçamento é a pedra mais incômoda no sapato da agenda conservadora nos dias que correm.
O desafio é adequar o invólucro ao novo conteúdo que empurra a velha embalagem com os cotovelos em alça.
A opção do conservadorismo é devolver a pasta de dente ao tubo com a alavanca de um arrocho disfarçado de responsabilidade fiscal.
A tentativa progressista até agora consiste em esticar ao máximo as linhas de passagem, dando tempo ao tempo para acomodação da crise mundial e a materialização de investimentos e retornos, como os do PAC e os do pré-sal.
Não há receita pronta.
Quem dá coerência macroeconômica ao desenvolvimento é a correlação de forças da sociedade em cada época.
Quanto pode avançar a arrecadação fiscal sobre o estoque da riqueza para acelerar o calendário dos investimentos requeridos pelo país?
Qual a chance de se fixar uma taxa de câmbio favorável às exportações, sem anular o poder de compra popular com uma guinada devastadora nos preços relativos?
Estados fragilizados por privatizações, déficits externos asfixiantes, obsolescência industrial, atrofia fiscal , dispersão de interesses e de energia política são ingredientes incompatíveis com um ciclo de investimentos à altura do novo mercado interno brasileiro.
A hegemonia capaz de acomodar esse conjunto requer um misto de força e consentimento ancorado em um projeto crível de futuro.
Isso não se faz sem sujeito histórico correspondente, dotado de organização mínima que institucionalize seus interesses.
A ninguém ocorre fazer de 14 milhões de famílias do Bolsa Família uma correia de transmissão de conveniências de governos. Sejam eles quais forem.
A construção do Estado social brasileiro, porém, não avançará muito mais se menosprezar os interesses catalisados pelas políticas populares dos últimos dez anos.
Dificilmente os comitês gestores do Fome Zero serão ressuscitados.
Mas a meta original de dar voz e espaço na condução do programa aos seus principais interessados pode e deve ser recuperada.
Uma Conferência Nacional das mulheres que fazem do Brasil a referência mundial na luta contra a fome e a miséria, por certo adicionaria avanços não apenas ao programa.
Mas também à hegemonia social de que o Brasil necessita para distanciar cada vez mais a sua agenda de desenvolvimento da lógica regressiva dos ‘gastadores de gente’, de que falava o desassombro do saudoso Darcy Ribeiro.


Nossa fonte:  http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-Bolsa-Familia-e-os-gastadores-de-gente/29383