Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Novas estórias dos cachorros de Dona Pandá

Novelinha em capítulos (continuação)


Capítulo 5

Eram 23:30h quando Dona Pandá ouviu o ganido de Bia, como se tivesse recebido uma pedrada. Abandonou o livro na mesinha de cabeceira e correu para ver o que era. Chegou na garagem, onde encontrou a cadela e seu companheiro que chegava esbaforido, com a língua de fora pelo esforço da corrida.
Bei se encontrava no portão de entrada da chácara, distante da casa.  Os dois foram diretos para um determinado lugar perto  da cerca que separa o terreno  ao meio.

                                BIA

Bia pôs o focinho no chão e cheirando, cheirando foi andando pela chácara, levando Dona Pandá desentendida atrás, com o Bei lhe trançando as pernas a cada passo, mal lhe dando espaço para andar. Depois de algum tempo e de quase cobrir toda a chácara, tropeçando em  paus, pedras e sabe-se lá o que mais, enxergando apenas o que a luz da lanterna, percebeu que estava na hora de ela dar o comando de volta à casa. Com certa dificuldade para convencer Bia a desistir da caçada e Bei a lhe permitir andar com mais rapidez, voltaram. Dona Pandá conseguiu, não sem grande esforço,  deixá-los em suas respectivas camas, na varanda, ao lado da porta. Com o sono tendo passado ao largo, retomou sua leitura, mas o mistério com suas perguntas martelava sua cabeça. O que fez Bia ganir, Bei chegar com tanta pressa, como se viesse em socorro da companheira, e o passeio noturno tão esquisito?  E o Bei dando voltas a seu redor, quase a impedindo de andar?  Por fim, lamentando não entender ainda a língua canina, caiu no sono.

Na manhã seguinte, um belo dia com o Sol chamando e os passarinhos fazendo coro, Dona Pandá estava tomando seu café, numa bancada da cozinha, cuja vista dá exatamente para aquele lugar para onde os cachorros haviam ido, perto da cerca. Distraída procurava com os olhos os pássaros que cantavam e descobriu um buraco, uma grande meia lua, na cerca. Correu para lá e percebeu que a tela havia sido cortada por um instrumento tipo alicate e por mãos fortes. Um humano nada amigo havia tentado entrar,  Bia lhe sentiu o cheiro e recebeu uma pedrada. O ladrão deve ter  tentado afugentá-la, mas a valente guadiã, ao contrário, foi para cima do invasor que se viu obrigado a recuar, enquanto Bei e Dona Pandá apareciam como reforço ao trabalho da Bia. Somente depois que o buraco foi fechado, os cachorros voltaram ao comportamento normal. Eles que adoram explorar novos cheiros em novos lugares, ficaram plantados vigiando o buraco e resistindo ao chamamento de novas aventuras externas.    




Nosso futuro próximo

Perspectivas econômicas para 2011

ESCRITO POR GUILHERME C. DELGADO(1)   
04-JAN-2011

A convenção que vai se formando - dos círculos oficiais a alguns mercados organizados - é a de que o próximo quadriênio do governo Dilma será uma espécie de ‘canteiro de obras’. Investimentos volumosos em infra-estrutura urbana preparatórios à Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016, combinados com outra massa de investimentos nos setores de energia elétrica (duas maiores hidroelétricas mundiais em construção) e petróleo (programa de investimentos e parcerias da Petrobrás), capitaneados pelo setor público, puxariam o setor privado a também investir.
Também faz parte de uma espécie de acordo ou pacto implícito estatal-privado expandir as exportações de "commodities" agrícolas e minerais, possivelmente no mesmo ritmo desta primeira década, quando as exportações de Produtos Básicos cresceram muito à frente da exportação de Produtos Manufaturados, caracterizando já no final da década um claro processo de "primarização" das exportações e relativa "desindustrialização" do nosso comércio exportador. 
A convenção ou pacto de interesses classistas a que me refiro somente não é dominante nos chamados mercados organizados, porque o segmento financeiro reluta e resiste a mudanças de políticas monetária e cambial, que são imprescindíveis à plena estruturação desse processo de expansão econômica. 
Por outro lado, esses dois vetores de demanda efetiva - investimento público (em infra-estrutura e energia) e exportação privada de "commodities" - dependem fortemente de condições externas favoráveis, do mesmo ritmo de crescimento da demanda externa de "commodities" da década passada e da aderência do mercado externo de capitais às demandas por financiamento dos investimentos programados. Mas mesmo que imaginemos satisfeitas tais condições, o que podemos esperar desse estilo de crescimento é a confirmação da aposta de uma estratégia de crescimento puramente assentada na modernização técnica. 
O sistema econômico se expande, aumenta a produtividade do trabalho mediante investimento em infra-estrutura; a demanda efetiva é planejada em setores que têm capacidade de arrasto. Mas o nó górdio desse estilo de crescimento é a reprodução de dois dilemas clássicos do subdesenvolvimento, tão bem teorizados por Celso Furtado: maior dependência externa, maior desigualdade na repartição do excedente econômico, materializado em renda e riqueza sociais ultraconcentradas. Isto tudo significa mais miséria e violência urbana e rural como padrão de civilização, calcado na desigualdade, que infelizmente grande parte da nossa elite econômica e cultural se acostumou a considerar "natural". 
Mas no ambiente político e econômico do governo Dilma comparece um terceiro importante protagonista do crescimento, a respeito do qual ainda não há consenso na aliança política que ganhou as eleições sobre como tratá-lo: a chamada ‘classe C’, consumidora de bens-salário; trabalhadora assalariada; portadora de direitos sociais, mas que também é produtora atual e potencial de bens e serviços no segmento da chamada economia familiar ou do micro-empreendimento. 
Com tantas e diferenciadas caracterizações, esse amplo arranjo de formações sociais tem em comum um traço relevante: depende de políticas públicas permanentes, voltadas à igualdade social, para consolidar sua participação na distribuição da renda. 
Essa ‘classe C’, medida pela PNAD na faixa de meio até dois salários mínimos de renda per capita familiar, já representa mais de metade das famílias e, para se manter e elevar sua presença no espectro da distribuição de renda, precisaria contar com uma estratégia explícita de redistribuição do excedente econômico, gerado a partir dos ganhos de produtividade a que nos referimos anteriormente. 
Deve-se assinalar a contradição latente, presente na economia política desse novo governo que ora se inicia. A convenção ou acordo para o crescimento, malgrado algumas resistências, é para um clássico processo de "modernização conservadora" - rural e urbana. 
Mas a base político-eleitoral que elegeu Dilma será expelida do processo distributivo se não houver estratégia redistributiva claramente delineada, não apenas nas políticas sociais clássicas, como também nas políticas de fomento econômico. A conseqüência política disso seria uma enorme frustração, com implicações certamente perversas para o mínimo de coesão social. 
Finalmente, deve-se assinalar que o governo Dilma, assim como os dois governos Lula que ela continuará, herda as crises latentes da economia mundial, cuja incidência e freqüência histórica têm se acelerado, década a década, nos últimos 30 anos. 
Tais crises são sempre um campo antinômico de riscos e oportunidades para vencermos as dificuldades tradicionais da nossa dependência e desigualdade social. No passado, ofereceram, pela expansão do mercado interno, uma via de escape à estagnação. Terá chegado a hora do paradigma da igualdade? 
  
(1)Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.