Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 10 de abril de 2011

As estrelas de Quintana


                                               
   (Texto dedicado à Elfy Eggert, e à Magda do Canto Zurba)
                                                                      
                                                                      Se as coisas são impossíveis... ora!

                                                                       Não é motivo para não querê-las!

                                                                       Que tristes os caminhos se não fora 

                                                                       A mágica presença das estrelas!

                                                                                              (Mário Quintana)

                     
                                               Complicado dizer mais do que Quintana disse, pois em quatro linhas ele já disse como que tudo! Em todo o caso... 
                                               Penso na Estrela que está lá longe, lá distante, inatingível no céu do meu caminho, mas é por causa dela que o meu caminho  é todo banhado em suave luz que faz com que eu queira sempre continuar caminhando por ele, seja dia ou seja noite. 
                                               Penso na amiga a cujo velório fui ontem, jovem, linda e simpática, brutalmente assassinada[1] quando sonhava em ser mãe, conforme tinha me dito uma semana antes. Ao invés de gerar uma criança que seria filha do seu corpo, preparava-se para ter uma filha do coração. Até nome já tinha para aquela criança que viria: Bárbara. Ela sabia que se podia sonhar com o que se quisesse, acreditava em Quintana.
                                               Penso no povo palestino, neste momento praticamente como que morrendo à míngua, pois até a eletricidade e a água lhes foi cortada na Faixa de Gaza  e a televisão mostrou o bombardeio da sua estação de energia elétrica como se fosse um grande espetáculo pirotécnico Ah! Essa nossa imprensa que faz o jogo da Desgraça e do Poder do Capital! Quando haverá Justiça neste mundo onde vivo? Mas quase à míngua, o povo palestino não pára de estudar, por maiores que sejam os bombardeios sobre suas cabeças, não importando a quantidade de crianças e adultos que são estraçalhadas por mísseis enquanto estudam. É estudando sob o silvo dos disparos que eles conseguem manter acesas as estrelas de um Futuro  que seria deles se não fosse a mágica presença das estrelas? As coisas parecem impossíveis, mas isto não quer dizer que não devamos querê-las, e então os palestinos estudam. Em algum momento haverá algum milagre, ainda não se sabe quando nem como. Porque há estrelas, e porque há um milagre em perspectiva, estudam. 
                                   Leio aqui, em Paulo Freire ... No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem na superação das situações limites[2].  Um teórico e um poeta dizendo a mesma coisa. Que seria do caminho, Paulo Freire, se não fosse a mágica presença das estrelas? Ah! Quintana, como poderia o povo palestino resistir e querer coisas que parecem impossíveis, se não tivessem entendido a tua mensagem, que decerto os poetas deles também sabiam? E Elfy, minha pobre Elfy, para quem as estrelas pararam de brilhar de forma tão terrível! Mas decerto és agora uma estrela também, não é, minha pobre amiga? E agora que tu própria irradias luz, irás cuidar muito bem daquela filha que o teu coração gestava, e que vai estar aqui por este mundo, com outra mãe... Mas serás mãe dela do mesmo jeito, e com tua luz nova poderás iluminar o caminho dela e lhe mostrar que não há coisas impossíveis... Se ela duvidar da própria fé, vais lhe mostrar a fé dos palestinos, e lhe contar dos segredos de Quintana! 
                                   E então penso no meu próprio caminho iluminado por estrela distante, inatingível. Que sentido teria minha própria vida se não houvesse tal Estrela? 
                                   Ah! Quintana, queria escrever uma coisa bem bonita para ti, nestes teus 100 anos, e lembrando do teu poema que fala de todas as possibilidades,  mas aconteceu a tragédia da Elfy, e na Palestina as coisas estão como estão, e minha Estrela tenta cortar-me os pés para que já não possa continuar no caminho iluminado... Perdão Quintana, choro. Acho que vou para casa pendurar a bandeira da Palestina na varanda, e acender um milhão de velas coloridas para Elfy, para que, agora também estrela, ela possa ver que aqui estou a me lembrar tanto dela... Então talvez possa esquecer um pouco os meus pés cortados...
                                                            Blumenau, 06 de Julho de 2006.
  
                                                           Urda Alice Klueger 
                                                           Escritora.



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[1] Elfy Eggert, funcionária do Departamento de Produções Culturais da Universidade Regional de Blumenau, assassinada em 04 de julho de 2006..

[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987. P. 91