Como debater eleições (e mesmo criticar as candidatas) sem abrir brechas àquele restinho de machismo que você guarda em si…
Por
Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa
Nas eleições presidenciais de 2010, pela primeira vez uma mulher era
candidata e tinha chances reais de ser eleita (e foi). O desespero das
diversas fatias da oposição deu impulso a uma onda misógina e machista
durante a campanha. Foi para debater o assunto e rebater tanto sexismo
que o grupo Blogueiras Feministas, por exemplo, foi criado. Havia quem
não apoiasse Dilma, entre elas. Isso jamais significou, porém, que valia
tudo e qualquer coisa para atacá-la.
A mais ou menos um ano da próxima eleição presidencial e, desta vez,
com duas figuras femininas de base forte disputando cargos no executivo,
precisamos tomar o triplo do cuidado.
Os ânimos se exaltam e é fácil agirmos sem pensar. Criticar Marina
Silva pela estética (“feiosa”) e pelo tipo de roupa (“carola”) não é
nada diferente de dizer que Dilma parece um Ewok (aqueles ursinhos fofos
da saga Star Wars, lembra?), ou de publicar em jornais que – absurdo! é
o fim! – a presidenta
desfilará sozinha,
sem “sua família”, na ocasião da posse. “Não há nada tão parecido com
um machista de direita quanto um machista de esquerda”, dizem por aí.
Serve o mesmo aqui: “Não há nada tão parecido com uma crítica machista à
Dilma quanto uma crítica machista à Marina”.
Os ataques machistas vêm, como o machismo, em diversas fontes, cores,
tamanhos e vozes. Uma palavra aqui, uma maneira de classificar ali, um
adjetivo usado pra desqualificar acolá. A questão central é quais são as
críticas que escolhemos fazer a nossas adversárias políticas, em
primeiro lugar. Em segundo, de que maneira as faremos. Esses são os dois
aspectos centrais do “machismo-de-campanha” que assistimos todos os
anos pela tevê e nos jornalhões, mas também nos blogs e microblogs de
jornalistas independentes (sem falar nos comentários… ah, os
comentários!).
Ao escolher um aspecto de qualquer candidata mulher para criticar,
reflita se você escolheria criticar a mesma coisa num candidato homem.
Não parece meio imbecil gostar ou desgostar de Serra “porque ele é
careca”? Então por que a estética serviria para gostar ou desgostar de
uma candidata mulher? Outro tipo de crítica comum às mulheres é sua vida
pessoal. Na única vez em que eu vi um candidato homem ser
desonestamente criticado por isso (foi o Kassab, na prefeitura de São
Paulo), toda a esquerda e a direita tomaram-lhe as dores e o apoio a sua
candidatura cresceu. A história foi bem diferente quando disseram que
Marta Suplicy era uma
vadia por se separar de Eduardo.
Como regra geral, vale o bom-senso. Se você não observaria essa mesma
coisa num candidato homem, há 99,9% de chances de sua escolha estar
baseada em machismo – ainda que você, individualmente, não seja machista
“convicto/a”.
Então tem isso, que é o que escolhemos criticar. Mas tem também a
maneira como escolhemos criticar. Quer dizer, se escolhermos criticar a
trajetória política de Marina Silva, por exemplo. É possível abordar
essa trajetória de diversas maneiras, assim como a trajetória de Dilma
Roussef. Uma das coisas que mais tenho lido por aí (e ainda falta um
ano!) é que Marina Silva é “autoritária”, por um lado, e “se faz de
boazinha”, por outro.
Se saírmos da política e perguntarmos às mulheres que conhecemos,
profissionais de diferentes áreas em posição de liderança, que críticas
elas mais ouvem no trabalho, podem apostar: “autoritária” (e derivados) e
“boazinha” / “falsa” (e derivados da combinação) certamente estarão
entre eles. Quando um homem mostra sua personalidade nas suas decisões
profissionais (sobretudo políticos), isso é tratado como sendo apenas
sua personalidade, e não um problema. Quando as mulheres mostram sua
personalidade, ela é sempre um grande problema, sejam elas autoritárias,
boazinhas, ou tendo qualquer outro traço. É uma armadilha fácil de
cair, para qualquer pessoa, mesmo aquelas fortemente preocupadas com as
diversas opressões de nossa sociedade.
Por isso, muito, muito, muito cuidado.
A largada para a “corrida presidencial” foi dada. Colecionemos as
críticas às trajetórias, propostas e ideias de candidatos e candidatas.
Troquemos informações. Façamos blogs. Utilizemos a internet ao máximo.
Mas, sobretudo, recusemos as velhas formas de pensar, que nos aprisionam
quem quer que seja a presidenta – ou o presidente.
Avancemos, enfim.
Nossa fonte: Outras Palavras