Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 27 de março de 2020

O envelhecer e a resistência





Envelhecer não é um bicho de sete cabeças. Certo. Deve ser de 14. É a mesma estória de dizer que a menopausa é apenas uma fase na vida da mulher. Sei. Tenho quase 77 anos, portanto, conheço os dois bichinhos.

Na menopausa, tive que ouvir o médico alopata dizer que todos os desconfortos, dos quais me queixei, eram normais e não apresentavam um cronograma confiável de finalização. Corri para minha bruxinha querida, a médica homeopata. Ela, que me conheceu antes da minha gravidez, desmentiu oralmente e na prática tudo o que seu colega afirmou. Passou-me três tinturas – sálvia, agoniada e romã - que deveria tomar alternando. Quase imediatamente senti seus efeitos e meus desconfortos diminuíram 95%.  Entretanto, o período mexe com a cabeça da mulher e se não tiver um apoio sábio, poderá se machucar. Seu corpo sofre as transformações e começa algumas dificuldades.

Uma das maiores de dificuldades é o preconceito das pessoas em relação à idosa (acho que com o homem, como sempre, a coisa é mais leve). A cabeça branca é o começo. Quando parei de trabalhar no tal mercado formal, deixei de pintar os cabelos e levei alguns sustos com as reações das pessoas. De um dia para o outro, começaram a me tratar como uma senhora. Nesse período, minhas pernas ainda bem torneadas e bronzeadas faziam contraste com a cabeça branca (no homem as têmporas grisalhas é o maior charme). O guarda me parou na estrada – eu estava a 60 km/h – dizendo que eu estava em alta velocidade para “a minha idade”, mas quando ele chegou perto o suficiente para olhar dentro da caminhonete e ver minhas pernas, seus olhos não conseguiam se decidir se afinal era uma velhinha ou uma mulher de pernas bonitas.  Neste aspecto, houve uma conquista da mulherada que exponencialmente está descobrindo a liberdade de não estragar suas madeixas com químicas.

Outro dia, uma jovem senhora me perguntou se eu ainda dirigia. Aí está outro preconceito. As pessoas determinam (pré concebem medidas) o que você ainda pode ou não fazer. Não sei porque razão há aí uma coincidência. As coisas que nos dão prazer são bem mais colocadas fora do ainda e as que são consideradas nossa obrigação estão colocadinhas dentro do ainda. Morar sozinha, dirigir, namorar, ir a lugares como bar e teatro, viajar estão fora, enquanto trabalhar, cuidar estão bem dentro. Há ocasiões em que, de fato, percebemos que já não damos conta ou não temos mais prazer naquela atividade, como, por exemplo, corridas ou alguns exercícios físicos. Neste caso, optamos, é óbvio, por não seguir em frente. É decisão de foro íntimo. Há uma enorme diferença entre o físico aparente – cabelos brancos, rugas e outras cositas mais feias – e a força, a disposição interior. Lembro-me de algumas vezes que diante do espelho me desconhecia. Fica, para mim, cada vez mais claro que a velhice só pode ser compreendida por quem está nela. 

Difícil, doloroso é ser mulher em tempos modernos arcaicos. Estamos em 2020 e grande parte do eleitorado elegeu um fulano que não conseguiu seguir as informações da atualidade, mas parou em algum século que ficou lá atrás. Esse cara, além de ignorante, não assimilou os valores da civilização moderna e continua com os da idade média. Está havendo mudanças complicadas de costumes. A mulher, o homossexual, o negro, o índio – o brasileiro puro -, o pobre, o trabalhador e todo diferente levam as bordoadas do ignorante, do retrogrado, do malvado. Ainda mais, o maléfico expõe sua visão, sua canalhice e é seguido por pessoas que lhe são semelhantes, pessoas que votaram em quem defende a tortura! Então, estamos num mundo que não reconhecemos como nosso.  Estamos em nossa casa, nosso país e nos sentimos cruelmente invadidos.

Para piorar a situação, nossas instituições, num primeiro momento, quiseram aderir àquele que se tornou a autoridade máxima e depois foram se assustando tanto que congelaram. Enquanto estavam paralisadas, o maligno e seus comparsas ganharam terreno e retiraram os direitos dos trabalhadores e, pela mudança dos costumes, aviltaram a mulher, o homossexual, o negro ... Seus seguidores lhe dão cobertura na disseminação de suas crueldades, cretinices e, sobretudo, mentiras
Ser mulher em tempo de bossonero é esquecer que cada geração tem sua tarefa, é buscar força para colocar a luta dentro do seu ainda. É tomar para si as batalhas que deveriam ser de outra geração. É dar sua experiente contribuição e chamar todas as gerações para a resistência.