Envelhecer
não é um bicho de sete cabeças. Certo. Deve ser de 14. É a mesma estória de
dizer que a menopausa é apenas uma fase na vida da mulher. Sei. Tenho quase 77
anos, portanto, conheço os dois bichinhos.
Na
menopausa, tive que ouvir o médico alopata dizer que todos os desconfortos, dos
quais me queixei, eram normais e não apresentavam um cronograma confiável de
finalização. Corri para minha bruxinha querida, a médica homeopata. Ela, que me
conheceu antes da minha gravidez, desmentiu oralmente e na prática tudo o que
seu colega afirmou. Passou-me três tinturas – sálvia, agoniada e romã - que
deveria tomar alternando. Quase imediatamente senti seus efeitos e meus
desconfortos diminuíram 95%. Entretanto,
o período mexe com a cabeça da mulher e se não tiver um apoio sábio, poderá se
machucar. Seu corpo sofre as transformações e começa algumas dificuldades.
Uma das
maiores de dificuldades é o preconceito das pessoas em relação à idosa (acho
que com o homem, como sempre, a coisa é mais leve). A cabeça branca é o começo.
Quando parei de trabalhar no tal mercado formal, deixei de pintar os cabelos e
levei alguns sustos com as reações das pessoas. De um dia para o outro,
começaram a me tratar como uma senhora. Nesse período, minhas pernas ainda bem
torneadas e bronzeadas faziam contraste com a cabeça branca (no homem as
têmporas grisalhas é o maior charme). O guarda me parou na estrada – eu estava
a 60 km/h – dizendo que eu estava em alta velocidade para “a minha idade”, mas
quando ele chegou perto o suficiente para olhar dentro da caminhonete e ver
minhas pernas, seus olhos não conseguiam se decidir se afinal era uma velhinha
ou uma mulher de pernas bonitas. Neste
aspecto, houve uma conquista da mulherada que exponencialmente está descobrindo
a liberdade de não estragar suas madeixas com químicas.
Outro dia,
uma jovem senhora me perguntou se eu ainda
dirigia. Aí está outro preconceito. As pessoas determinam (pré concebem
medidas) o que você ainda pode ou não
fazer. Não sei porque razão há aí uma coincidência. As coisas que nos dão
prazer são bem mais colocadas fora do ainda
e as que são consideradas nossa obrigação estão colocadinhas dentro do ainda. Morar sozinha, dirigir, namorar,
ir a lugares como bar e teatro, viajar estão fora, enquanto trabalhar, cuidar
estão bem dentro. Há ocasiões em que, de fato, percebemos que já não damos
conta ou não temos mais prazer naquela atividade, como, por exemplo, corridas
ou alguns exercícios físicos. Neste caso, optamos, é óbvio, por não seguir em
frente. É decisão de foro íntimo. Há uma enorme diferença entre o físico
aparente – cabelos brancos, rugas e outras cositas mais feias – e a força, a
disposição interior. Lembro-me de algumas vezes que diante do espelho me
desconhecia. Fica, para mim, cada vez mais claro que a velhice só pode ser
compreendida por quem está nela.
Difícil,
doloroso é ser mulher em tempos modernos arcaicos. Estamos em 2020 e grande
parte do eleitorado elegeu um fulano que não conseguiu seguir as informações da
atualidade, mas parou em algum século que ficou lá atrás. Esse cara, além de
ignorante, não assimilou os valores da civilização moderna e continua com os da
idade média. Está havendo mudanças complicadas de costumes. A mulher, o
homossexual, o negro, o índio – o brasileiro puro -, o pobre, o trabalhador e
todo diferente levam as bordoadas do ignorante, do retrogrado, do malvado.
Ainda mais, o maléfico expõe sua visão, sua canalhice e é seguido por pessoas
que lhe são semelhantes, pessoas que votaram em quem defende a tortura! Então,
estamos num mundo que não reconhecemos como nosso. Estamos em nossa casa, nosso país e nos
sentimos cruelmente invadidos.
Para piorar
a situação, nossas instituições, num primeiro momento, quiseram aderir àquele
que se tornou a autoridade máxima e depois foram se assustando tanto que
congelaram. Enquanto estavam paralisadas, o maligno e seus comparsas ganharam
terreno e retiraram os direitos dos trabalhadores e, pela mudança dos costumes,
aviltaram a mulher, o homossexual, o negro ... Seus seguidores lhe dão
cobertura na disseminação de suas crueldades, cretinices e, sobretudo, mentiras
Ser mulher
em tempo de bossonero é esquecer que cada geração tem sua tarefa, é buscar
força para colocar a luta dentro do seu ainda.
É tomar para si as batalhas que deveriam ser de outra geração. É dar sua
experiente contribuição e chamar todas as gerações para a resistência.