Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Salve Rogério Saleme


Em seu aniversário – não sabíamos, então, que  seria o último – fui comemorar com ele, 70 anos. Não sei se bem vividos, mas foram do seu jeito, é possível que se tivesse maior cuidado com sua saúde, deixando de fumar, alimentando-se com respeito a seu organismo e sei lá mais o quê ainda estivesse aqui, conosco. É possível?  Não seria ele. Não nos faria rir, nem alguém diria que a família ficou sem graça.

Nem sempre gostei muito dele. Logo que o conheci  - minha irmã o trouxe para a família, como seu amado-amante, o companheiro de sua vida – tive dificuldades de chegar até ele e ele não se chegou a mim. Achava suas piadas esquisitas, não eram  acadêmicas, eram piadas de observador do cotidiano, retiradas da ocasião vivida, de quem quer viver, aproveitando sua vida e escolhendo sua  melhor parte à sua maneira. Não tinha interesse  em passar imagens, o que não podia era perder a piada. Ah! Também não perdia os amigos. Estes provaram isto no inconsolável demonstrado durante dias e dias após sua ida.  

Percebi que a solidariedade  era dominada intimamente  por ele que também  sabia amar discreta e lealmente. Seu amor  por sua companheira e a cumplicidade dos dois foram uma lição para os jovens com quem conviveram. 

 Foi receptivo quando de minha tentativa de  chegada a ele e nos tornamos amigos-aliados. Mostrou-me alguns de meus pontos cegos, segurou algumas escadas para que a broxa não caísse de minha mão, levou-me a ter boa vontade  e menos preguiça com outras pessoas não tão admiráveis, o que facilitou  minha convivência. Fez-me descobrir quão mais fácil é ser amena que intolerável. 

De alguns hábitos não abria mão. Era incapaz de comprar qualquer coisa se não conseguisse um desconto. Não importava o quanto, era uma questão de honra. Pechinchar lhe era automático, uma diversão, segunda natureza. Precisava honrar a fama de seus ancestrais. Havia uma “fazenda do meu avô, lá na Síria”, onde Itu ficaria com inveja de toda a grandeza e fartura. Essa “fazenda” foi responsável por muitas risadas , pois sua imaginação criava fantasias divertidíssimas, sem qualquer compromisso com o verossímil. Na “fazenda do meu avô” o pomar abastecia 10 cidades; as abóboras não cabiam numa caminhonete e os cavalos eram  ensinados, cumprimentavam os visitantes.

Após o almoço, seu sono era regulamentar. Costumava dizer que com sono nunca brigou, o que o levava a dormir e, pela madrugada, se levantar, fazer algumas coisas, como ver televisão,  cozinhar e, depois, novamente, dormir. 

Fumava muito, mesmo depois da séria advertência de seu médico sobre a precariedade de seus pulmões. Tinha uma posição um tanto estranha para ficar: em pé, debruçado sobre uma almofada, num balcão, onde, ficava fumando e conversando com as pessoas. 

Era um eficiente administrador de recursos materiais e humanos. Sabia conquistar quem com ele trabalhasse. Sem um diploma superior, foi, por puro mérito, diretor do Conservatório e da Impressa da Universidade Federal de Minas Gerais de onde também foi Pro-reitor adjunto. Os lugares, onde esteve na linha de frente foram alterados, marcados por sua brilhante gestão. Na UFMG, era querido tanto quanto na “roda do Aliba-bar”, no bairro onde morava ou na cidade praiana onde passava suas férias.

Sua família faz coro com os amigos que o pranteiam desconsoladamente. Sua falta é sentida e o será por muito tempo. Todos ainda esperam que uma piada seja contada e a lembrança de sua ausência transforma o riso em pranto que nem sempre pode ser solto. Uns querendo não contribuir com a tristeza de outros e todos sentindo a amargura de sua falta.

Sua companheira, mulher forte, valente, discreta e elegante tem segurado, nos ombros e nas gentis palavras, as lágrimas dos que vem com a intenção de prestar a ela seu apoio. Muitos desabam sem conseguir o controle da tão funda quanto inesperada dor.

Hoje, as passagens que levariam o casal para as férias, na praia querida, viraram cinzas  que só adubaram  ainda mais a dor  da frustração. As lembranças começam a  sussurrar  seu nome, sua voz, seus costumes e os cheiros de sua comida. Rogério era um conhecer dos sabores. Ele administrava também os temperos e sabia apreciá-los.

A você, meu amigo, minha homenagem.  A você, minha irmã, meu coração.