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sexta-feira, 18 de abril de 2014

García Márquez foi um dos últimos escritores carismáticos


Por: Roberto Amado



Ele talvez tenha sido o último escritor com o carisma dos grandes literatos. Morreu aos 87 anos, vítima de um câncer, depois de escrever mais de 30 livros. Vendeu mais de 40 milhões de exemplares em 30 idiomas.

Gabriel García Márquez viveu plenamente a literatura, dentro e fora dos livros. Quando tinha 17 anos e ainda lutava com as palavras, leu “A Metamorfose”, de Kafka, a história de um homem que um dia acorda transformado em um inseto. “Pode-se escrever desse jeito? Então eu quero ser escritor”.

Mas só muito mais tarde, com 39 anos, é que seguiu a lição de Kafka, a partir de algo que ouviu de seu avôsobre a guerra dos Mil Dias na Colômbia. “Muitos anos depois, em frente ao pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendia haveria de se recordar daquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo”.

Essa é a primeira frase do livro “Cem Anos de Solidão”, que leva a Macondo, reprodução literária de Aracataca, uma aldeia perdida no caribe colombiano, onde nasceu e viveu a infância. Representa o auge do realismo fantástico, uma das responsáveis pelo boom internacional da literatura latino-americana.

“A maioria dos críticos não percebe que ‘Cem Anos de Solidão’ é uma espécie de piada, cheia de referências para amigos próximos”, disse ele. Em 1982, premiado com o Nobel, aos 55 anos, era um dos mais jovens escritores a ganhar o prêmio — no qual apareceu vestido com um “liquiliqui”, típica roupa dos homens colombianos, quebrando o protocolo da sisuda academia. Na cerimônia de entrega do prêmio, perguntaram se esse era o dia mais importante da sua vida. “Não”, respondeu ele secamente. “Esse dia foi quando eu nasci”.

Gabo, como foi chamado a vida toda, era um escritor de rituais, capaz de passar 12 horas debruçado sobre uma velha máquina de escrever — desde que tivesse uma rosa amarela sobre a mesa “para espantar os demônios da literatura”. Falava que “a realidade é muito difícil de interpretar e é sempre melhor do que a ficção”, mas qualquer um que conheça sua obra sabe que ele rompeu essa fronteira sem deixar vestígios. Chegava a fumar até seis maços de cigarro por dia enquanto escrevia, tresloucado, suas histórias.

Saiu de Aracataca para estudar direito em Bogotá, mas, durante o curso, começou a praticar jornalismo — profissão que exerceu até o estrondoso sucesso de “Cem Anos de Solidão”. Ao mesmo tempo, iniciou uma das atividades que conduziu por quase toda a vida: a política. Seu ativismo de esquerda e a amizade que tinha com Fidel Castro fizeram com que se exilasse no México e colecionasse inimigos por todas as partes.

Talvez isso explique a célebre briga que teve com o até então dileto amigo e colega de letras Mario Vargas Llosa. Em 1976, diante de um cinema no México, os dois se encontraram e, ao contrário do abraço que García Márquez esperava, recebeu um direto de direita e caiu no chão. Até hoje não há uma versão oficial para a célebre briga — há quem diga que foi por mulher, outros por política.

Em 1999, ele foi diagnostico com um câncer linfático, mas já sofria de demência senil, anunciada pelo seu irmão em 2012. Foram anos de luta. Gabo queria escrever, mas sofria com as palavras e, principalmente, com a falta de memória. Nos últimos anos, não conseguia dar continuidade às suas histórias porque esquecia-se delas.

Passou a última década recolhido em sua casa na Cidade do México, pouco aparecendo para dar entrevistas ou falar de literatura. Estava fraco, seu olhar não tinha a mesma vivacidade. No ano passado, no dia em que completou 86 anos, 6 de março, fez sua última aparição pública, por alguns minutos. Mas não falou nada, a não ser para rechaçar os jornalistas: “vão caçar notícia em outro lugar”, resmungou.

Apesar de tudo, ele não esteve completamente inativo na última década. Seu último livro, “Memórias de minhas Putas Tristes”, fala de um homem que vive uma velhice safada — como a que ele talvez estivesse vivendo. Mas ainda há uma obra a ser publicada, segundo conta seu editor Cristóbal Pera. “Ele ficou corrigindo obsessivamente o livro e escreveu seis finais”, disse. Tudo indica, no entanto, que terminou o livro, chamado “Em agosto Nos Vemos”, mas com a recomendação de que só fosse publicado depois da sua morte.

“A vida não é o que vivemos, mas o que o lembramos e como contamos o que lembramos”, disse ele em uma de suas últimas entrevistas.


Sobre o Autor: Jornalista, escritor, cineasta e advogado
Nossa fonte: Diário do Centro do Mundo

Globo tenta intimidar blogueiros que entrevistaram Lula

Em matéria publicada nesta quinta-feira (17) no jornal impresso “O Globo”, nota-se uma grande manipulação dos fatos para tentar deslegitimar e intimidar os jornalistas e blogueiros que participaram da entrevista com o ex-presidente Lula na semana passada. Rodrigo Vianna, do Blog do Escrevinhador, que estava na coletiva de Lula, concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal Vermelho sobre essa repercussão na grande mídia.

Ramon de Castro, para Rádio Vermelho




“O que fica claro é o interesse da Globo em intimidar os blogueiros que apesar desuas limitações oferecem uma narrativa que é uma alternativa ao poder da globo de manipular”, disse Rodrigo. Mas para o blogueiro, como diz o ditado, o feitiço virou contra o feiticeiro. “É uma retaliação clara, uma tentativa de intimidar, mas ao invés disso estão ajudando a tornar os blogs ainda mais conhecidos”, completou.

Vianna foi procurado pelas jornalistas da Globo para dar a entrevista e recusou, pois o único pedido do blogueiro para dar a entrevista foi negado. “Pedi para a jornalista mandar as perguntas por escrito e que só daria a entrevista se a Globo esclarecesse o caso da suposta sonegação fiscal de R$1 bilhão.”, revelou. “Como a jornalista não quis nem ao menos mandar as perguntas, não respondi”, indagou.

Para Rodrigo, nenhum dos participantes da coletiva com Lula deveriam falar com a Globo. “Eles pensam em nos deslegitimar e por que vamos lhes dar legitimidade? A Globo não tem estatura moral para ser fiscal de blogueiro”, falou.

Vianna lembrou que as entrevistas do Lula aos blogueiros sempre foram transmitidas ao vivo e com acesso universal. “As duas entrevistas do ex-presidente foram transmitidas de forma pública, uma no Palácio do Planalto e outra no Instituto Lula”, recordou. “Eu queria saber por que o Merval Pereira, da Globo, se esconde para falar com o cônsul e embaixador dos Estados Unidos, ele é informante do governo dos Estados Unidos e tem vergonha disso?”, questionou.

Especificamente sobre o papel das jornalistas que assinaram a matéria publicada nesta quinta-feira (17) no jornal “O Globo”, Rodrigo acredita que as repórteres fazem esse papel talvez por medo e pensando na ascensão no mercado de trabalho. “Um dia elas vão descobrir que entre elas e a empresa há uma diferença, pois estão achando que são a empresa e vão perceber que há uma grande diferença entre o jornalista e o dono da empresa de jornalismo, e assim vão perceber o papel que estão se prestando”, disse.
Ouça a entrevista completa na Rádio Vermelho:

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As invenções de Garcia Marquez como jornalista




Este texto foi publicado na bbc. O autor, Néfer Muñoz, é um jornalista da Costa Rica com doutorado em literatura na Universidade de Harvard. O título de sua tese é “Romanceando o jornal e reportando o romance na América Latina”.

Em 1954, o jornal colombiano El Espectador envia um de seus jovens jornalistas, Gabriel García Márquez, para cobrir um grande protesto contra o governo na remota cidade de Quibdó, no estado de Chocó.

Após dois dias viajando na selva, García Márquez e seu fotógrafo chegam finalmente a seu destino e têm uma surpresa: a cidade de Quibdó está completamente calma. O correspondente local do El Espectador, Primo Guerrero, havia inventado fatos que narrou para a redação em Bogotá.
Ou seja, García Márquez percebeu que os protestos não ocorreram. Diante do panorama, o jovem jornalista diz a Guerrero que não quer voltar para a capital de mãos vazias. Os dois fazem um acordo e, “com tambores e sirenes”, convocam e organizam um protesto para escrever a reportagem e tirar as fotos.

A matéria é publicada no El Espectador com o título História íntima de uma manifestação de 400 horas e, nela, García Marquez afirma que o protesto durou 13 dias, “nove dos quais choveu de forma implacável”.

A reportagem dizia que, sob a chuva, os manifestantes choravam e se lavavam na via pública.
Anos mais tarde, ao se lembrar do episódio, em uma entrevista com o jornalista Daniel Samper, o escritor confessou: “inventávamos cada notícia…”

Uma das características dos romances de García Márquez era sua capacidade de inventar uma “realidade que transborda”, segundo escreveu o crítico Claudio Guillén. E isso está relacionado, em parte, com o uso da hipérbole, o exagero.

“O quanto é comum o exagero no jornalismo de García Márquez?” Para minha tese de doutorado, estudei a promíscua relação entre o jornalismo e a literatura na América Latina.

No caso de García Marquez, é possível detectar exageros e invenções em diferentes etapas de seu jornalismo. Em alguns momentos, esses exageros e invenções estão presentes de uma forma abundante e aberta e, em outras, de forma dosada e velada. Este é um fenômeno que se enquadra no que chamamos de realismo mágico de García Márquez.

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, em seu livro História de um Deicídio, documenta a invenção que García Márquez fez do protesto em Quibdó e disse que era parte de sua personalidade aventureira e sua satisfação pelos feitos e pelos personagens inusitados.

Segundo Vargas Llosa, “o que seduzia” García Márquez no jornalismo não eram as páginas editoriais, mas o trabalho da reportagem “que se mobiliza para encontrar a notícia e, se não a encontra, a inventa”.

O crítico Raymond Williams afirma que muitos dos textos jornalísticos de García Márquez são “anedotas ficcionais”.

Em 1948, o autor colombiano dedicou uma coluna de jornal ao poeta César Guerra Valdés na qual contava sobre quando ele visitou a redação do El Universal, de Cartagena, onde Márquez trabalhava.

Márquez elogiou o poeta e argumentou que ele era “autor de cinco livros fundamentais” e “um dos grandes revolucionários estéticos” da América Latina. A coluna ressaltava o calor das palavras do poeta e dizia que, apesar de passar desapercebido localmente, o escritor estaria provocando uma renovação na literatura latino-americana.
Entretanto, muitos críticos confirmaram que o poeta César Guerra Valdés nunca existiu.

Mais tarde, trabalhando no jornal El Heraldo de Barranquilla, García Márquez começa a publicar reportagens sobre a vida e os milagres de uma extravagante marquesa alemã, cujo marido havia ordenado o assassinato diversas vezes. Em uma de suas colunas, Márquez recria uma conversa fictícia com a alemã e, no diálogo, diz que todos os seus personagens são “imaginários”.

Entrevistei para minha tese Jaime Abello Banfi, diretor geral da Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano (FNPI), a escola de jornalismo com sede em Cartagena das Índias fundada por García Márquez, em 1994.

Alberto Banfi afirma que há um discurso dúbio nos círculos jornalísticos e literários, já que, por um lado, a posição oficial dos manuais e convenções jornalísticas proíbe a inclusão de dados falsos nos textos de imprensa.

Entretanto, na prática nota-se como os grandes escritores usam licenças poéticas quando escrevem textos jornalísticos.

Em seu contato com García Márquez e com escritores como Tomás Eloy Matínez e Ryzard Kapuscinski, Alberto Banfi diz que eles admitiram ter inventado ocasionalmente em suas reportagens. Eles o fazem de uma maneira dosada, de uma forma que os leitores “não se dão conta”.

Isso sim é um reconhecimento de que o terreno entre a ficção e a não ficção é um campo movediço, cuja instabilidade aumentou ainda mais com as novas tecnologias, como a internet.

A relação porosa entre a ficção e a não ficção na América Latina não é um fenômeno novo. Márquez é parte de uma tradição latino-americana de escritores que ziguezagueiam entre a produção de notícias e contos, romances e poemas.

As trocas nos dois sentidos são comuns.

O crítico Aníbal González explica como na América Latina, em diferentes épocas, a literatura e o jornalismo têm adotado estratégias de dissimulação e imitação mútuas para evitar a censura perante a vigilância da lei, da religião e do Estado.

Um exemplo de jornalista e escritor, uma figura literária que Roland Barthes chama de ‘escrita-escritor’, é o primeiro romancista latino-americano José Joaquín Fernández de Lizardi.

Ele publicou em 1816, no México, El Periquillo Sarniento, considerado o primeiro romance latino-americano ao mesmo tempo em que editava o jornal O Pensador mexicano.

Desde então a lista de jornalistas escritores tem nomes como José Martí, Rubén Darío, Lima Barreto, José Marín Cañas, Roberto Arlt, Jorge Amado e Tomás Eloy Martínez, apenas para dar uns poucos exemplos.

E aqui me refiro a escritores que trabalharam em tempo integral nas redações.
Porque, se fizer uma lista de escritores latino-americanos que publicaram em jornais, teria que incluir praticamente todos.