Na luta contra o câncer, pesquisador anuncia que resina contém dezenas de vezes mais flavonóides do que vegetais
O assédio a Yong Park começou em junho deste ano, quando ele viajou a Kobe para conferir de perto os resultados relativos à concentração de flavonóides nas amostras de própolis que enviara a colegas japoneses. "A própolis possui dezenas de vezes mais flavonóides do que qualquer vegetal", festeja o professor. A festa se justifica. O flavonóide é um composto fenólico presente nos vegetais e, desde o início dos anos 1990, estuda-se mundialmente a sua eficácia no combate a um perigoso invasor do corpo humano: a dioxina, produzida na degradação de produtos contendo cloro, como plásticos e herbicidas.
A dioxina contamina o solo, a água e os vegetais, sendo absorvida pelos animais e, na ponta desta cadeia alimentar, invade as células humanas levando à formação de substâncias cancerígenas. Por isso, ganhou o nome de hormônio ambiental. Está associado a cânceres de pulmão, cérebro e próstata. "Dentro do corpo se produz o hormônio endócrino, que entra na célula denominada "receptor" e envia sinais ao núcleo, estimulando o gene a formar compostos necessários para nossa fisiologia. Estamos, então, sobrevivendo. O problema é que a dioxina ocupa o lugar por onde entraria o hormônio endócrino. A ingestão de flavonóides combate essa invasão, porque eles deslocam a dioxina do receptor, ocupando a mesma posição na célula", ensina o professor.
Se, por isso, os pesquisadores já reconheciam a importância dos vegetais na dieta alimentar, é imaginável o impacto da notícia de que a própolis contém flavonóides em quantidade exponencial. "Já recebi apoio da Finep para prosseguir nesta linha de pesquisa. Para os testes no Japão, enviei apenas amostras de própolis que tinham o flavonóide em maior concentração. Agora, vamos investigar todas, visto que apresentam propriedades diferentes, além de outros vegetais e ervas que contenham o composto", afirma o pesquisador.
Trajetória: A postura humilde e o espírito risonho dos orientais se acentuam quando Yong Park é convidado a falar da vida pessoal. Recusa-se, gentilmente. A professora Gláucia Pastore, que convive com ele há tempos na FEA, não titubeia: "O professor Park é a maior autoridade mundial em própolis. Para medir a importância de sua linha de trabalho, basta dizer que a própolis, assim como outros vegetais, possuem componentes capazes de reduzir a poluição ambiental que o próprio indivíduo carrega e que pode levar a doenças degenerativas. A dioxina, no caso, é o grande inimigo oculto nas águas e solos das cidades industrializadas".
É a professora, também, quem repassa a trajetória de Yong Park. Nascido na Coréia do Norte, desceu para Seul e formou-se em medicina. Nos tempos da guerra da Coréia, migrou para o Japão, onde estudou por alguns anos, até cruzar o mundo e tornar-se um dos principais patologias das forças armadas americanas. "Mas ele queria propostas novas, nos Estados Unidos seria apenas mais um médico. O Brasil despontava como promessa e o professor veio para o Ital. A convite de Zeferino Vaz, criou na Unicamp a área de bioquímica de alimentos. Nesta área, tudo o que existe no país veio depois dele", afirma.
O enxame: Yong Park guarda na memória as cenas de "O Enxame", de 1978, que enterrou a carreira do produtor de filmes-catástrofe Irwin Allen, depois dos sucessos de "O Destino de Posseidon" e "Inferno na Torre". "A invasão dos Estados Unidos por abelhas africanas é muita fantasiosa, mas comecei a me interessar por própolis", conta. A verdade, na trama, é que tudo começou no Brasil. O pesquisador Warwick Estevan Kerr, considerando baixa a produção de mel pela abelha Apis mellifera, européia, resolveu cruzá-la com uma espécie africana, a mortífera Apis mellifera scutellata. Alguém retirou a malha de proteção e trinta abelhas escaparam, enxameando e se espalhando pelas Américas, fazendo vítimas fatais. Daí, o filme.
Kerr levou a culpa pelo acidente, mas conseguiu o cruzamento com as abelhas que restaram e fez nascer a Apis mellifera africanizada. Ele e Yong Park viriam a se conhecer e trocar idéias posteriormente. No Sul, o professor da FEA desenvolveu uma pesquisa comparativa em campo, constatando que a abelha africanizada é muito mais eficiente do que a européia na produção de própolis. Este trabalho foi publicado no Japão e alavancou a trajetória de Park na área de biotecnologia voltada à própolis e outros alimentos funcionais. Kerr, por seu lado, ganhou o respeito dos apicultores brasileiros ao multiplicar por dez a produção de mel.
O truque das abelhas
O professor Yong Park explica que os vegetais, no estágio de brotos, estão vulneráveis a microorganismos e insetos; para se proteger, produzem enzimas que funcionam como os anticorpos nos humanos. A colméia, que guarda o néctar das plantas, ficaria igualmente vulnerável a invasores. Ocorre que as abelhas aprenderam a coletar as enzimas que protegem os vegetais, fechando com elas a parte externa das colméias. "Países europeus, principalmente do leste, há dois mil anos usam a resina das colméias para tratar de doenças infecciosas", conta.
Hoje estão confirmadas as propriedades antiinflamatórias, antimicrobianas, antioxidantes e anticancerígenas da própolis. O detalhe é que não existe apenas um tipo de própolis, como se pensava. Estados Unidos e Europa pensavam assim porque possuem climas temperados, em que maioria dos vegetais é visitada pela abelha da espécie "álamo", sendo esta a resina predominante. "No Brasil, com a maior biodiversidade do planeta e seu clima tropical ou subtropical, encontramos variados tipos de própolis, conforme a origem botânica, e todos com atividades farmacológicas diferentes", acrescenta Yong Park.
Em 1994, o professor apresentou o trabalho de sua equipe na Europa e Japão, classificando 12 grupos de própolis, divididos conforme a concentração de compostos químicos. Era fruto da avaliação de 500 amostras coletadas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Testes nos EUA, comprovando propriedades citotóxicas, anti-HIV e anti-cárie nas amostras, foram repercutidos por publicações científicas e pela mídia.
Yong Park orgulha-se de ver seu orientado Michel Koo contratado pela Universidade de Rochester, com seu próprio laboratório e equipe. Michel Koo vem aprofundando as pesquisas que iniciou na Unicamp sobre a ação de compostos da própolis contra a enzima da bactéria Streptococcus mutans, que provoca a cárie. Na Universidade da Carolina do Norte, testes de atividade citotóxica indicaram uma variação de 14% a 97% na inibição do crescimento de células cancerígenas, notadamente as de mama, intestino, naso-faringe e renal. Quanto à atividade anti-HIV, são promissores os resultados obtidos com os grupos 1 e 5, da região Sul, segundo os testes na Biotech Research Laboratories.
O caminho: Mas Yong Park não pensa apenas em própolis. Adverte que o mundo já tomou outro rumo e que o Brasil depende da exploração sustentável de sua rica biodiversidade para sobreviver. Para isso, deve investir na biotecnologia voltada para produtos naturais. Estados Unidos e Europa sempre usaram medicamentos gerados da síntese química, mas hoje recorrem cada vez mais a produtos naturais com atividades farmacológicas. No ramo de ingredientes e alimentos funcionais, o mercado mundial movimentou 20 bilhões de dólares em 2000, e a cifra deve triplicar até 2010", informa.
Trata-se de um alerta de cientista, pois negócios não fazem parte da vida de Yong Park, que vira e mexe recusa convites de empresários para trabalhar em pesquisas com própolis visando à exportação. Quando um colega americano insistiu em patentear uma amostra de própolis capaz de inibir o vírus da Aids, Park rompeu relações e publicou o trabalho para a comunidade científica: "Não sou comerciante, sou professor".