Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade
Clic sobre o livro (download gratuito). LEIA E DÊ SUA OPINIÃO

quarta-feira, 30 de abril de 2014

“Como eu esqueci as editoras e me tornei um best seller na internet”

Ano passado, lancei meu primeiro livro, “Chéri à Paris”, com algumas das crônicas que escrevi semanalmente durante os cinco anos que vivi na capital francesa. A obra não saiu por nenhuma editora, não está à venda em nenhuma grande rede de livrarias e não foi apadrinhada por nenhum crítico famoso. No entanto, tornou-se um relativo sucesso de vendas, com quase 2 mil cópias vendidas desde seu lançamento, em dezembro.

Digo relativo porque perto do Paulo Coelho isso não é nada. Mas trata-se de um feito considerável para um autor independente e nem um pouco desprezível mesmo para o mercado editorial tradicional, com sua grande rede de distribuição, seus espaços pagos em gôndolas de livrarias e suas campanhas publicitárias.

E é muito mais do que eu sonhava quando resolvi me autopublicar, quando minhas intenções mais ousadas eram apenas pagar os custos que tive com revisão, diagramação, ilustração e impressão do livro.

É verdade que a autopublicação não era minha primeira escolha, mas tenho certeza de que foi a melhor. Durante alguns anos, bati em portas de editoras, enviei originais, fiz ligações internacionais e cheguei até a negociar detalhes de contratos, mas, a coisa sempre dava pra trás em um momento ou outro.

Cansado dessa via crucis, aposentei o projeto do livro, até que fui atiçado pelo amigo e escritor Yury Hermuche, que me incentivou a retomá-lo e lançá-lo, mesmo sem estrutura alguma apoiando. Devolvi o desafio e o convidei a fazermos um lançamento juntos. Em seguida, chamei as escritoras Carolina Nogueira e Gabriela Goulart Mora a participarem da empreitada com a gente. Em comum, além da amizade, a temática das publicações: distâncias, estranhamentos e o sentimento de não pertencer a lugar algum. Dessa reunião de autores em torno de um mesmo conceito nasceu o selo Longe, que lançou as 4 obras em uma noite inesquecível, no Cine Brasília, com mil pessoas presentes e 700 livros vendidos. Setecentos livros! Só aí, as tiragens já foram pagas.

O passo seguinte

Depois do lançamento, estruturamos melhor o trabalho do selo. Fizemos um site conjunto e outros individuais e começamos a divulgação dos nossos escritos e ideias, enviando-os a revistas, jornais, sites, TVs, rádios e a todo mundo que queríamos atingir. A resposta veio rápida: inúmeros veículos deram espaço e destaque à iniciativa.

Menos de um mês mais tarde, o e-book de “Chéri à Paris”, que eu mesmo preparei e publiquei, atingia pela primeira vez o primeiro lugar em vendas na loja Amazon. Um autor que ninguém conhecia lança um livro do qual poucos ouviram falar e ele torna-se o e-book mais vendido de todo o país. Surpreso, imaginei tratar-se de um golpe de sorte, mas o livro voltou a ser o número um algumas semanas mais tarde. Acho que só então entendi se tratar de um feito importante. E que podia indicar um caminho a ser melhor observado pelo selo e por outros escritores independentes.

Outros feitos do Longe incluem o fato de o livro “A Rua de Todo Mundo” ter sido selecionado para ser lançado na II Bienal do Livro e da Leitura de Brasília. De “Anti-heróis e Aspirinas” ter tido mais de 110 mil downloads do e-book em inglês e da trilha sonora composta para a obra. De “Depois das Monções” também ter figurado entre os mais vendidos da Amazon. E de o “Chéri à Paris” estar sendo adotado como material didático em diversas escolas públicas e de línguas de Brasília.

“Chéri à Paris” e o selo Longe não são os primeiros a apostarem na autopublicação. Só pra ilustrar (e sem nenhuma ambição de comparação), vale dizer que Edgar Allan Poe, James Joyce e Charles Dickens também trilharam essa rota em algum momento de suas carreiras. O que talvez possamos mostrar é que vale a pena soprar a poeira dos seus originais – ou do HD onde eles estão guardados – e publicá-los sem medo. Se não for impresso, que seja em e-book. Se não for pago, que seja gratuito.

Trabalho em dobro. Recompensa em triplo

É claro que se autopublicar dá muito mais trabalho do que o caminho tradicional, via editora. Eu mesmo cuido de todas as etapas do processo de divulgação e vendas da minha obra. Faço assessoria de imprensa, publico no site, divulgo em redes sociais, recebo pagamentos e envio os exemplares pelo correio. Mas, como dizemos no manifesto disponível no nosso site, “acreditamos nas nossas ideias o suficiente para corrermos o risco de conviver por um tempo com caixas e mais caixas de papelão espalhadas pelo corredor de casa”.

Todo esse esforço pode ser grande, mas não é nada perto da realização de ter em mãos uma obra que é exatamente a que eu sempre quis lançar, com todos os defeitos e qualidades que possa ter. Da seleção de textos à capa, tudo foi decidido por mim mesmo, em um processo que seria impossível se eu fizesse parte de uma editora.

Sobre o Autor: Escritor, jornalista e publicitário. Em Paris, foi editor-chefe da revista bilíngue Brazuca e cronista no site Chéri à Paris. Diversos textos desse período foram publicados por veículos como Le Monde Diplomatique Online, Outras Palavras e UOL, entre outros.
Nossa fonte:Diário do Centro do Mundo

O poeta dos 99%: a obra engajada de Shelley


por : Paulo Nogueira no Diário do Centro do Mundo

Shelley se eternizou como o campeão dos 99%.


O Massacre de Peterloo

E lá vou eu para mais um trabalho tosco de tradução poética.
Não resisti.
Li versos de Percy Shelley, o grande poeta inglês da era da Revolução Industrial, e tive o impulso irresistível de vir para cá. Para o Diário.
Shelley não era apenas um mestre na arte de juntar palavras. Era um ativista, um homem inconformado com a desigualdade social de seu tempo.

Hoje, ele estaria alinhado com os “99%”, para usar a expressão consagrada pelo movimento Ocupe Wall Street e derivados mundo afora.

Shelley ficou tocado, em 1819, com o que passou para a história como o “Massacre de Peterloo”, em Manchester. Manifestantes – alguns falam em 50 000, outros em 150 000 — se juntaram no centro da cidade para pedir coisas como o sufrágio universal. Naqueles dias, apenas 3% dos ingleses podiam votar – os ricos, naturalmente.

Shelley

A polícia dissolveu o encontro brutalmente. Montados em cavalos, espadas nas mãos, policiais investiram contra as pessoas. Foram dez minutos de derramamento de sangue, ao fim dos quais 500 manifestantes estavam feridos. Houve pelo menos quinze mortes.

Inspirado pelo massacre, Shelley escreveu:

Rise like lions after slumber
In unvanquishable number
Ye are many – they are few.

Coloquemos assim:

Levantem-se como leões depois de dormir
Num número que ninguém haverá de destruir
Vocês são muitos – eles são poucos.

Grande Shelley, o poeta dos humilhados e ofendidos, a voz lírica dos desfavorecidos.

Clap, clap, clap.

Sobre o Autor: O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Assim o Ocidente ressuscita a Guerra Fria




Paraquedistas norte-americanos chegam à Polônia em 23/4, para participar de exercícios militares conjuntos. Desde 1990, EUA desrespeitam compromisso de não ampliar OTAN e instalam bases militares em torno da Rússia
Além de não representar ameaça militar ou econômica, Rússia suportou provocações em série. Mas militares, petroleiras e mídia querem fabricar um demônio
Por Roberto Sávio | Tradução: Antonio Martins

Faz várias semanas, agora, que toda a mídia mainstream está engajada em denunciar primeiro a suposta ação de Putin na Crimeia – e em seguida, na Ucrânia. A última capa de The Economist mosta um urso engolindo a Ucrânia, sob o título “Insaciável”. A unanimidade na mídia é sempre constrangedora, porque significa algum ato de dobrar joelhos. Será possível que os quarenta anos de Guerra Fria estejam sendo ressuscitados?

A inércia desta guerra, na verdade, nunca foi rompida. Diga “o presidente comunista de Cuba, Raúl Castro”, e ninguém ficará chocado. Use a mesma lógica, e chame o presidente Obama de “capitalista” e repare nas reações. Na Itália, Sílvio Berlusconi foi capaz, durante vinte anos, de ganhar as eleições contra a “ameaça” do comunismo – representada, segundo ele, pelo partido à esquerda, agora no poder, sob Matteo Renzi, um católico devoto.

No caso da Ucrânia, há pelo menos quatro pontos fulcrais de análise que estão sendo ocultados pelo coro de mídia. O primeiro é que nunca se mencionam as responsabilidades do Ocidente no caso. Deveríamos lembrar que Mikhail Gorbachev, presidente russo ao final dos anos 1990, negociou com os chefes de Estado dos EUA (Ronald Reagan), Grã-Bretanha (Margareth Thatcher), Alemanha (Helmut Kohl) e França (François Mitterrand) que aceitaria a reunificação da Alemanha; mas que que o Ocidente, em contrapartida, não deveria tentar invadir a área de influência da Rússia. Sobre isso, há grande quantidade de documentos.

Mas assim que Gorbachev foi eliminado, o jogo foi reaberto. A total docilidade de Boris Yeltsin, seu sucessor, diante dos Estados Unidos, é bastante conhecida. Muito menos debatido é o fato de o Fundo Monetário Internacional ter oferecido um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares, para sustantar o rublo. O empréstimo, porém, foi dirigido aoBank of America, que o distribuiu entre várias contas russas. Nenhum centavo chegou ao Banco Central russo. O dinheiro desembarcou nas contas de oligarcas, que puderam comprar praticamente todas as empresas públicas russas. Em seu livroFarewell Russia, Gioulietto Chiesa explica o processo em detalhes. E o FMI jamais sequer balbuciou um protesto. Quando um desconhecido Vladimir Putin foi levado ao poder por Yeltsin, ele foi obrigado a aceitar um acordo de proteção aos oligarcas.

Depois de Yeltsin, Putin apoiou a invasão iminente do Afeganistão por Washington, de uma forma que teria sido inimaginável durante a Guerra Fria. Aceitou que aviões norte-americanos sobrevoassem o espaço aéreo da Rússia, que os EUA usassem as bases militares nas repúblicas da ex-União Soviética na Ásia Central, e ordenou aos militares que compatilhassem sua experiênia no Afeganistão. Então, em novembro de 2001, Putin visitou George Bush em seu rancho no Texas, em meio a declarações amistosas (“Putin é um novo líder que ajuda a paz mundial… trabalhando em proximidade com os Estados Unidos”). Poucas semanas depois, Bush anunciou que os EUA estavam abandonando o Tratado de Mísseis Anti-balísticos, para poder construir um sistema de guerra no espaço destinado, em palavras a proteger a OTAN do… Irã. Era uma ação claramente voltada, na prática, contra a Rússia, para espanto de Putin.

Na sequência, em 2002, Bush convidou sete nações da ex-União Soviética – entre elas, Estônia, Lituânia e Letônia – a somar-se à OTAN, o que se concretizou em 2004. Em 2003, a invasão do Iraque, sem consentimento da França, Alemanha e Rússia, transformou Putin num cítico aberto dos Estados Unidos e de sua proposta de promover a democracia passando por cima do direito internacional. No mesmo ano, na Geórgia, a Revolução Rosa levou Saakashvili, um pró-ocidental, ao poder. Quatro meses depois, na Ucrânia, a Revolução Laranja empoderou outro presidente pró-ocidental, Yushcenko. Em 2006, a Casa Banca pediu permissão para reabastecer o avião de Bush em Moscou, mas deixou claro que Bush não teria tempo para saudar Putin. E em 2008, houve a declaração unilateral de independência de Kososo da Sérvia, com o apoio dos Estados Unidos e contra as posições da Rússia. Então, Bush pediu à OTAN para incorporar a Ucrânia e a Geórgia – um tapa na cara de Moscou. Em face disso, não deveria ter causado surpresa o gesto de Putin, que interveio militarmente na Geórgia em 2008, quando este país tentou incorporar as regiões da Ossétia do sul e Abkhazia, de maioria russa. Ainda assim, é fácil lembrar que a mídia tratou o movimento como ação sem motivos.

Obama tentou reparar os danos provocados por Bush nas relações internacionais dos EUA. Ele propôs uma retomada (“reset”) nas relações com a Rússia, que foi, de início, bem sucedida. Moscou aceitou oferecer seu espaço aéreo para transporte de suprimentos militares norte-americanos destinados ao Afeganistão. Em 2010, a Rússia e os Estados Unidos assinaram um novo tratado Start, reduzindo seu arsenal nuclear. E a Rússia apoiou as sanções aprovadas pela ONU contra o Irã, desistindo de vender seis mísseis terra-ar S/300 ao Teerã.

Mas logo a seguir, em 2011, tornou-se claro que os Estados Unidos tentaram intervir nas eleições parlamentares russas. Toda a mídia ocidental colocou-se contra Putin, que acusou os EUA de financiarem, com centenas de milhões de dólares, grupos oposicionistas. O embaixador norte-americano, McFaul, afirmou tratar-se de um grande exagero, e acrescentou que apenas algumas dezenas de milhões de dólares haviam sido doados a grupos da sociedade civil. Putin foi eleito novamente para a presidência em 2012 [após quatro anos como primeiro-ministro], já então obcecado com as ameaças ocidentais a seu poder. Em 2013, ele deu asilo ao ex-agente norte-americano Edward Snowden. Em represália, Obama cancelou um encontro bilateral – a primeira vez em que uma reunião de cúpula entre Washington e Moscou foi desmarcada, em cinquanta anos.

Em meio a tudo isso, houve a Primavera Árabe. A Rússia autorizou ação militar na Líbia, mas apenas para garantir ajuda humanitária. Ela foi utilizada para provocar mudança de regime, e Moscou sentiu-se enganada. Protestou, inutilmente. Então, surgiu a crise na Síria e o Ocidente tentou obter novamente o apoio da Rússia para uma mudança de regime – irritando-se com a recusa de Putin. Finalmente, agora, houve a bem conhecida intervenção na Ucrânia, para colocar o país na União Europeia e distante do bloco econômico eurasiano que a Rússia tenta criar.

O segundo ponto é que nenhuma ação política, exceto uma guerra, pode reduzir a Rússia à condição de um poder apenas local. É o maior país do mundo, em território. Estende-se das fronteiras da União Europeia até o Extremo Oriente. É, ao mesmo tempo, Europa e Ásia. Mantém rivalidade com a China na Ásia, tem conflitos territoriais com o Japão e está diante dos EUA no Estreito de Behring. É um produtor destacado de petróleo, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e tem um arsenal nuclear. Qualquer esforço para cercá-la ou enfraquecê-la, agora que o confronto ideológico ficou para trás, só pode ser visto como parte da velha política imperial.

A Rússia não é uma ameça, ao contrário da União Soviética. Seu PIB é 15% da Europa – que tem 500 milhões de habitantes e 16% das exportações mundiais. A China tem 1,3 bilhão de habitantes, e 9% do comércio mundial. A Rússia, apenas 145 milhões e 2,5% das exportações mundiais. Tem poucas indústrias, também porque Putin não está interessado na modernização do país, que inevitávelmente produziria um crescimento da classe de profissionais instruídos, que já se opõe a ele.

O terceiro ponto é que, portanto, a crise ucraniana deveria ser examinada melhor. É um Estado muito frágil, em que a corrupção controla a política e que vive problemas econômicos estruturais. Seu Oeste é mais rural; o Leste, mais industrializado. Os trabalhadores desta região sabem que um ingresso na Europa representaria o fim de muitas fábricas. No Oeste, muitos colocaram-se ao lado dos nazistas na II Guerra Mundial e há um movimento nacionalista forte, próximo ao fascismo. A Ucrânia é um problema muito caro e complicado.

É evidente que intervir apenas para desafiar Putin, e oferecer dinheiro (basicamente, o que fez a União Europeia) parece um pensamento muito tacanho. Estaria a UE preparada para mudar os critérios de pertencimento ao bloco, para aceitar um país que claramente não se adequa a eles; e a assumir um enorme peso, para aparecer como vencedora, na disputa contra um “homem forte”?

Isso finalmente nos leva ao quarto ponto. Putin é um ex dirigente da KGB, para quem a Rússia foi tratada injustamente, na dissolução da União Soviética. Todos os esforços para chegar a um entendimento com o Ocidente foram traídos, com sucessivas ampliações da OTAN, uma rede de bases militares cercando o país, um claro apoio do Ocidente a todas as oposições, um tratamento comercial medíocre. Ele sabe que estas opiniões sobre o declínio russo são compartilhadas por uma ampla maioria de cidadãos. Mas ele também é um autocrata arrogante, para dizer o menos, que nada tem feito para promover modernização econômica – porque, ao manter a produção e o comércio em suas mãos, conserva seu controle.

Para ele, a Ucrânia foi politicamente inaceitável. Ele está apresentando-se como defensor dos cidadãos russos, algo que lhe permite atuar em todos os lugares onde há minorias russas. A questão é: se Putin se for, haverá uma Rússia democrática, participatória, limpa, incorrompida? Aqueles que conhecem bem o país não acreditam nesta hipótese. Há inúmeros exemplos de que a remoção de autocratas não conduz à democracia por si mesma.

Portanto, haveria lógica em continua a cercar Putin, em nome da democracia? Isso não fortaleceria o próprio jogo do presidente, que associa sua imagem à de defensor dos russos? Eles também sofrem com a inércia da Guerra Fria e não veem o Ocidente exatamente como um aliado. Putin é hoje a única força de coesão na Rússia. Se ele se fosse, haveria, muito provavelmente, um longo período de caos. Isso certamente não interessa aos cidadãos russos… e é sempre perigoso praticar jogos de poder sem levar em conta a estabilidade da Europa… Claro, este não é o cálculo dos estrategistas ocidentais, que adorariam eliminar qualquer outro poder…

Como escreve Naomi Klein, o único vencedor, nesta disputa, são as empresas de energia. Elas estão fazendo campanha para que o mundo torne-se independente do petróleo russo. Portanto, vamos acelerar a produção petroleira nos EUA, a despeito dos notórios prejuízos ao ambiente. E vamos torcer para que a Europa deixe de usar gás russo – “nós exportaremos para eles”. Na verdade, não há estruturas para fazê-lo e seriam necessários muitos anos para criá-las… Mas exatamente no momento em que o mundo debate como controlar a mudança climática, e reduzir o uso de combustíveis fósseis, uma contra-estratégia importante é colocar o tema em segundo plano… Tarzi Vittach, um autor do Sri Lanka, disse, certa vez: “no fundo de tudo, há outra coisa”. Não há muitos exemplos de petróleo e democracia caminhando lado a lado…
Nossa fonte: Outras Palavras

Na Itália, uma decisão história: a proibição do cultivo de milho transgênico

O Tribunal Administrativo Regional de Lazio (TAR) rechaçou a recusa apresentada por um agricultor de Friuli, região do extremo nordeste da Itália, que desafiou o decreto pelo qual o governo havia bloqueado durante 18 meses, em julho do ano passado, qualquer tipo de cultivo transgênico no país: de fato, o milho MON810 é o único autorizado na Europa. Portanto, a proibição segue em vigor, como informou o jornal La República, no dia 24 de abril.

A reportagem é de Graciela Vizcay Gomez, publicado por Rebelión, 25-04-2014. A tradução é do Cepat.
Desde a Associação Argentina de Jornalistas Ambientais- Medii&médio, mediante a nota “Começou a contagem regressiva dos OGM na Itália”, os adiantei os sucessos que estavam ocorrendo na região de Friuli, com o desafio deste agricultor para a proibição do cultivo de transgênico nesse país. Giorgio Fidenato, agrônomo, e o agricultorSilvano Dalla Libera haviam apresentado um recurso para impugnar o Decreto pelo qual o governo havia bloqueado, em julho no ano passado, durante 18 meses, qualquer tipo de cultivo transgênico na Itália. O milho MON810 é o único autorizado na Europa, na Itália foi possível notar a rejeição.

Um fato histórico


Com esta decisão reiterou-se a proibição do cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e também serviu como um alerta para o risco da contaminação.

Visto o compromisso final que está surgindo na Europa, contra os que defendem as empresas de engenharia genética e que querem proteger os produtos tradicionais, orgânicos e biodinâmicos e, de acordo com o anunciado pelos ministros italianos do Meio Ambiente, Gian Luca Galletti, e das Políticas Agrícolas, Maurizio Martina, a União Europeia se prepara para adotar a cláusula de salvaguarda para bloquear o cultivo de transgênicos nos casos em que, devido a especial formação do território, o risco de contaminação seja particularmente alto.

Como destaca o “Grupo de Trabalho para uma Itália livre de transgênicos”: “A Itália é o país mais exposto por este ponto de vista: o tamanho médio dos campos é de aproximadamente oito hectares, de modo que faz com que ele esteja em uma situação essencialmente impossível de sair das zonas tampão necessárias para evitar o risco de contaminação”.

De fato, o risco já se tornou real, ainda que muito limitado, quando um pequeno grupo de agricultores em Friuli cultivou sementes de milho OGM e o Serviço Florestal descobriu a contaminação de 10% nas áreas vizinhas cultivadas. De todo modo, no momento a opção pró OGM na Europa é muito limitada: em 2013, apenas a Espanha, Portugal, República Checa, Eslováquia e Romênia (5 países de um total de 28) cultivaram MON810 (cerca de 148 mil hectares de milho transgênico, quase todos na Espanha).

A decisão do TAR é uma “boa notícia”, segundo o ministro da Agricultura, Maurizio Martina. Para a ONG Legambiente, é uma “decisão histórica, uma grande vitória para a agricultura italiana de qualidade”. Para a Associação Italiana de Agricultura Biológica (AIAB), “A única maneira de salvar uma indústria é com a pena biológica de 3 bilhões de euros”. Também expressaram satisfação a Coldiretti (Confederação Nacional dos Agricultores Diretos) e a Confederação de Agricultores Italianos (CIA).

Há um ano para a realização do evento “Expo Milão 2015”, a Exposição Universal que reunirá mais de 140 países e ocorrerá entre 1º de maio e 31 de outubro de 2015 na Itália, serão tratados os temas “Alimentar o planeta. Energia para a Vida” – “ que transformará nosso país no centro de gravidade da economia da agricultura, a alimentação, a nutrição, o início de uma fase de incerteza sobre a decisão do TAR do Lazio, proibindo o cultivo de organismos geneticamente modificados (que aguardam a Iniciativa Europeia), seria um sinal com devastadoras repercussões”, disseram os promotores da conferência frente a notícia.

Em reposta grupos de ecologistas realizaram a alguns dias uma Contra Expo, a qual chamaram: “Para a Expo 2015: Alimentar o planeta sem transgênicos”. Como isto fosse pouco, a Santa Sé, também terá seu stand e o tema que inspirará seu Pavilhão será: “Não só de pão”.

Giuseppe Sala, comissionado do Governo italiano para a Expo Milano 2015, comentou que a “Expo Milano 2015 tinha posto o desafio de ser uma exposição colaborativa desde o início, para a discussão global dos principais desafios que a humanidade enfrenta. Isto ocorre por estarmos convencidos de que este é o papel que as Exposições Universais do século XXI devem ter. Em um mundo no qual muitas pessoas sofrem de fome e não têm acesso a água limpa, já não podemos ignorar a necessidade urgente de encontrar uma solução global que assegura há todo o mundo o direito a alimentos suficientes, saudáveis e seguros, garantindo um futuro sustentável”.

Uma notável diferença com a Expoagro, a exposição, cujos acionistas são os jornais Clarín e a La Nación, que há pouco fazia a promoção de alimentos saudáveis e seguros, mas cujo objetivo não é outro além de vender maquinarias e venenos para, ao final, brindar pela ganância com champanhe Dom Perignon, com glifosato!
Nossa fonte: página do MST

Os transgênicos e a fome: a revolução fracassada

Parecem ter sido dissipadas as dúvidas sobre a sua periculosidade para a saúde e para o ambiente (sob condições específicas), enquanto – ao contrário das promessas – eles não resolveram a chaga da desnutrição. A única certeza é que as plantas geneticamente modificadas são fonte de enormes negócios para poucas multinacionais e de grandes problemas para os pequenos agricultores.

O padre Paolo Fontana, professor de bioética do Seminário Teológico do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime) de Monza, na Itália, analisa a questão a 40 anos da criação em laboratório do primeiro transgênico "moderno".

O artigo foi publicado na revista Popoli
, de fevereiro de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O homem sempre selecionou plantas e animais, favorecendo, através de uma paciente obra de cruzamentos, variedades vegetais e raças animais com características que resultassem convenientes. Esse processo de "domesticação", que consiste em reproduzir aqueles indivíduos que, de modo já marcado, apresentam as qualidades buscadas, requer tempos longos, ditados pelo ritmo natural das gerações.

A longa história da agricultura e da pecuária registrou, especialmente no século passado, uma forte aceleração, graças à utilização de novas técnicas agrícolas. Mas a reviravolta clara nesse modo de proceder ocorreu com a aplicação aos vegetais (e aos animais) dos conhecimentos biotecnológicos.

Um organismo geneticamente modificado (OGM) é um organismo vivo que possui uma combinação de material genético inédito, obtida com a utilização das biotecnologias. A manipulação genética modifica a estrutura e as funções do organismo vivo e o induz a produzir materiais biológicos ad hoc. As aplicações possíveis abrangem vários campos: da medicina aos cuidados da saúde, do setor alimentar ao químico, da zootecnia à agricultura. O nosso interesse é pelos vegetais transgênicos: portanto, aprofundaremos a sua difusão, as suas características, as suas questões críticas.

Saúde e ambiente

Enquanto a "criação" em laboratório do primeiro transgênico (não vegetal) é datada de 1973, os primeiros vegetais transgênicos cultivados no campo remontam a 1996 e se estendiam por 1,7 Mha (milhões de hectares). Em 2011 foram semeados 160 Mha com transgênicos, o que equivale a um incremento de 94 vezes em 15 anos. Os países mais envolvidos são 29, dos quais 19 estão em desenvolvimento e 10 são industrializados. A taxa de crescimento para as culturas biotecnológicas nos países em desenvolvimento foi de 11% em 2011 em comparação com o ano anterior, quase o dobro em comparação com os países industrializados (+5%).

O líder da produção mundial de culturas biotecnológicas continua sendo os EUA, com 69 Mha cultivados; seguem oBrasil (30,3 Mha, +20% em relação ao ano anterior), a Argentina (23,7) e a Índia (10,6). Nesse ranking, a China está em sexto, com 3,9 Mha, e a África do Sul, em nono (2,3) (ver tabela abaixo).



As plantas geneticamente modificadas mais semeadas são quatro: a soja, com 80 Mha cultivados no mundo em 2011; o milho, com 50 Mha; o algodão e a canola, respectivamente com 22 Mha e 10 Mha. Outros transgênicos cultivados, mas em lotes significativamente inferiores (algumas centenas de milhares de hectares), são: beterraba, alfafa, mamão e abóbora nos EUA; mamão, álamo, tomate e pimentão na China; batata na Alemanha e na Suécia.

As modificações genéticas introduzidas nas quatro espécies mais cultivadas são fundamentalmente de três tipos: a tolerância aos herbicidas, a resistência aos insetos infestantes ou, ao mesmo tempo, as duas modificações anteriores. Se, em um campo, o cultivo é tolerante a um herbicida, será mais fácil limpar o terreno de ervas daninhas sem causar danos à planta; o mesmo vale para a resistência às pragas: o cultivo estarão a salvo dos ataques devastadores mesmo sem a utilização preventiva de inseticidas.

Como se obtêm esses resultados? Com a tecnologia do DNA recombinante, introduzem-se nas células vegetais genes estranhos que dão à planta as características desejadas. Desse modo, cada transgênico é "único" e deve ser examinado individualmente para determinar a sua inocuidade para a saúde humana e para o ambiente. Hoje, estão disponíveis no comércio 121 variedades de transgênicos de milho, 48 de algodão, 30 de canola e 22 de soja, cada uma com sua avaliação de impacto por parte do produtor.

Tal avaliação destina-se a ser repetida por órgãos públicos antes da venda definitiva no país interessado. No que diz respeito à União Europeia, o órgão encarregado de atuar para a comercialização dos transgênicos é a EFSA(Autoridade Europeia de Segurança Alimentar): ela estima o risco e expressa um parecer, mas cabe aos Estados-membros e à Comissão Europeia a decisão final para a comercialização. Os transgênicos no mercado hoje superaram ambos os exames e, portanto, no estado atual do conhecimento, podem ser considerados seguros para a saúde pública e para a alimentação.

Em relação ao ambiente, são dois os pontos críticos a serem superados para evitar a disseminação no território de plantas geneticamente modificadas: a polinização com plantas equivalentes não transgênicas e a dispersão da semente. Para evitar ambas, poderiam ser suficientes precauções agrícolas adequadas, por exemplo as dimensões reduzidas dos lotes, a diferenciação das culturas vizinhas e o afastamento dos lugares onde a flora cresce espontaneamente (por exemplo, nas florestas).

Em todo caso, para evitar a polinização cruzada, as plantas geneticamente modificadas são normalmente modificadas com a característica adicional da "esterilidade masculina": o pólen "fugido" do campo é estéril, isto é, não é capaz de fertilizar nenhuma outra planta.

Em última análise, com as devidas precauções, as contaminações ambientais involuntárias não deveriam alterar o ecossistema mais do que a agricultura tradicional, com as suas sementes selecionadas e os seus híbridos.

Uma resposta para a fome?


A avaliação de impacto dos transgênicos na saúde humana e no ambiente, geralmente, é bastante aprofundada, por ser objeto de um amplo debate. Ao contrário, muitas vezes é omitido o aspecto econômico e social relacionado com a produção das plantas transgênicas. O mercado mundial globalizado, de fato, tende a enfatizá-las e a promovê-las, seja junto aos produtores, seja junto aos consumidores.

As sementes transgênicas são patenteadas, e a sua utilização traz rendas consideráveis para as 18 multinacionais (gráfico abaixo) que as desenvolvem. Além disso, a característica de serem "estéreis masculinas" favorece ainda mais as fáceis tentações de monopólio, uma vez que impõe, a cada ano, a compra de novas sementes.



As implicações econômicas e sociais merecem outras duas exemplificações. Muitas vezes se fala de vegetais geneticamente modificados capazes de aliviar a fome no mundo. Até mesmo a FAO se sentiu no dever de abordar a questão e, há alguns anos, publicou um relatório intitulado: "Biotecnologias agrícolas: uma resposta para as necessidades dos pobres?".

Atualmente, a solução para essa desafiadora questão permanece negativa. Ao contrário, poderia ter uma resposta concreta se as verdadeiras necessidades alimentares dos países pobres fossem levadas em consideração. Por exemplo, se poderia modificar geneticamente plantas como o sorgo, o milhete (milho-miúdo ou painço), a cevada, o arroz, enriquecidas de nutrientes ou capazes de crescer em condições climáticas e de terreno adversas. Se isso não acontece é porque as plantas transgênicas são principalmente estudadas segundo a lógica do lucro econômico dos países desenvolvidos.

A mesma motivação vale para um segundo exemplo. Uma das fronteiras mais promissoras e menos investigadas dos transgênicos é a possibilidade de produzir para as plantas vários tipos de vacinas. O eventual progresso nesse campo científico, com a concomitante renúncia da patente, poderia abrir cenários inesperados para os países pobres: milhões de pessoas poderiam ter fácil acesso às melhores condições sanitárias.

Para orientar o uso das plantas geneticamente modificadas a um bem comum real, parece indispensável que elas sejam integradas em um programa completo de pesquisa e de desenvolvimento agrícola mundial, e que este obtenha a devida atenção, inclusive financeira.

A saúde e o ambiente poderão receber mais cuidado quanto mais as entidades públicas se consorciarem entre si, com a capacidade propositiva da pesquisa orientada e finalizada. A própria sociedade deverá assumir a responsabilidade de participar na definição dos objetivos da pesquisa, das prioridades, das aplicações e da repartição das vantagens daí derivados.

Para que tudo isso possa acontecer, é indispensável uma reflexão pacata, mas distante de qualquer abordagem venal.
Nossa fonte: página do MST

SALVE DANIEL ALVES!


A Fifa pode fazer pouco contra o racismo no futebol — mas gente como Daniel Alves pode muito
Kiko Nogueira
Um amigo me conta que, no começo dos anos 60, Pelé esteve na cidade de sua mãe, no interior do estado de São Paulo. Ele já tinha ganhado a primeira Copa do Mundo e era saudado como um herói nacional.

Pelé estava visitando um amigo. Foi recebido como campeão. E então o levaram à piscina pública, que era uma das grandes atrações locais. Pelé entrou na água. Imediatamente, o salva-vidas mandou que ele se retirasse.

O Crioulo podia passear, conversar com as pessoas, tirar foto e dar autógrafo. Nadar na mesma piscina era demais. Pelé saiu sem falar nada.

Cinquenta anos depois, Pelé continua passando em branco sobre o racismo. Não reclama, muda de assunto, sempre dá um jeito de minimizar o problema.

Não é só ele que é assim, claro. Ele é apenas um símbolo de um jeito de pensar. Por muito tempo se acreditou no mito da democracia racial no Brasil. Hoje vai ficando cada vez mais evidente que somos apenas mais acomodados. Ou éramos.

Daniel Alves dá esperança de novidade, de menos hipocrisia e servilismo. O lateral do Barcelona estava para bater um escanteio quando um canalha na torcida do Villareal atirou-lhe uma banana no gramado.

Não é a primeira vez que isso acontece. Geralmente os torcedores costumam imitar sons de macaco, também. Mas Daniel brilhou: ao invés de fingir que não viu nada, pegou a banana, descascou-a, engoliu-a e cruzou (na seqüência da jogada, no segundo cruzamento seguido, saiu um gol).

“Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada”, disse. Na Copa, a Fifa obrigará os capitães dos times da quartas de final a ler uma declaração de repúdio à discriminação. Não dará em nada.

O que vai mudar alguma coisa, mesmo, serão gestos como o de Dani Alves. De não deixar barato. De quem, ao invés de encarar esse tipo de ofensa como um acontecimento corriqueiro como a chuva — afinal, o que é mais uma banana atirada por um animal? –, tem atitude e presença de espírito. Daniel Alves mitou. E foi mais eficaz do que será qualquer discurso ensaiado por uma entidade corrupta e desacreditada como a Fifa.
Sobre o Autor: Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas
Nossa fonte: Diário do Centro do Mundo

Padilha e o assassinato de reputações

Por Renato Rovai -CdB de São Paulo

Alexandre Padilha tem sido alvo de ataques coordenados pela direita



Alexandre Padilha e sua candidatura estão sofrendo um bombardeio midiático por conta de seu nome ter sido citado na investigação da PF no caso da investigação do doleiro Alberto Youssef. A citação por enquanto se apresenta como algo solto, sem nenhum indício concreto que tenha resultado em vantagem a partir do ministério da Saúde para os indiciados. Muito diferente do que se tem no caso Alstom-Siemens, onde há confissão de culpa de empresas e personagens centrais do esquema, que citam um cartel operando a partir de interesses de grãos-tucanos do Estado.

A desproporção no tratamento desses episódios é mais uma demonstração de como a mídia tradicional perdeu completamente a vergonha de atuar como um partido político. E como o faz em bloco e em uníssono para ajudar aqueles que considera seus aliados e para atacar os que enxerga como adversários.

Padilha que se prepare, ele é o alvo da vez. Uma avalanche de histórias vão ser costuradas para desconstruí-lo numa narrativa típica das novelas policiais. Uma citação aqui, um assessor que foi parar ali, um torpedo encaminhado por acolá. E de repente um deputado pede uma CPI e a sempre combativa PF vaza mais um relatório de alguém que está buscando uma delação premiada. E o monstro esta posto a mesa.

A reputação muitas vezes construída por um longo período de atividade pública é demolida sem que se tente verificar até onde está se fazendo justiça com o acusado. O que se pesa é o que está em jogo. E no caso de Padilha, por mais que ele tenha distribuído sorrisos aos donos da mídia paulista, trata-se de um inimigo.

É esse o espaço que lhe reservam no álbum de figurinhas públicas.

Os donos da tradicional mídia paulista não aceitam cogitar que no Palácio dos Bandeirantes haja um petista no comando. E vão abater quem estiver no caminho para que isso não ocorra.

A candidatura de Alckmin está muito fragilizada. E contas feitas, já se percebeu que num segundo turno quem vier a disputar com ele pode levar. Até porque das torneiras paulistas vai estar saindo ar para tomar banho e escovar os dentes.

Ou seja, o PT não pode ir ao segundo turno. Cabe um Skaf, mas não um petista.

E sendo assim, Padilha não vai ter descanso.

Se quiser ser um candidato vivo e não um espectro de candidato, Padilha terá que mostrar que não tem receio de enfrentar o dragão. No caso, o esquema midiático do Estado. É com essa mídia que transforma uma citação num crime e um cartel numa bolinha de papel que se dará a disputa. Ela é a verdadeira adversária.

Renato Rovái é jornalista, editor de seu blog e da Revista Fórum

domingo, 27 de abril de 2014

João Paulo II versus João XXIII: por que a canonização do papa polonês é um erro

Publicado originalmente no Observatório Eclesial.


João Paulo II e João XXIII

Francisco canonizou no Vaticano dois de seus antecessores, o Papa João XXIII e João Paulo II, em uma cerimônia histórica de ressonância mundial, não só pela relevância de ambas as figuras na história recente da Igreja Católica, mas também porque são dois personagens claramente opostos, representantes de dois modelos opostos de igreja. A “santidade” de um deles, o papa polonês, deve ser julgada tendo como pano de fundo a história contemporânea, uma vez que sob seu pontificado ocorreu o maior número de casos de pedofilia clerical na história do catolicismo.

É preciso avisar os milhões de pessoas prontas a elogiar João Paulo II sobre a injustiça tremenda que envolve esta canonização apressada.

O que pode significar no século XXI esta canonização? Como o teólogo José María Castillo afirma, ao longo dos séculos do Cristianismo “os interesses da Igreja mudaram radicalmente a imagem de santidade”, de modo à canonização revelar as reais intenções e projetos da instituição e de seus líderes.

Quer dizer, por trás do interesse espiritual de colocar uma pessoa como modelo, a canonização envolve também política e interesses econômicos.

Este modelo de santidade é em grande parte o resultado do longo pontificado de João Paulo II, que em 1983 estabeleceu as regras desse processo que, entre outras coisas, reduziu a cinco anos o tempo mínimo de post-mortem para iniciar um processo de beatificação ou canonização. Foi o período com mais santos canonizados na história dos papas (quase mais do que todos os papas anteriores combinados), acentuando o modelo pré-Vaticano II do santo tradicional.

Na mesma cerimônia foi também elevado aos altares o Papa João XXIII, cuja simplicidade de vida e abertura eclesial marcou um “antes e depois” para a Igreja Católica do século XX. Por que exatamente se vão canonizar dois personagens que com vida e pensamento tão diferentes? Por que na mesma cerimônia? Isso também parece ser coisa do papa polonês, que tornou moda a canonização em massa. Mas também se entende essa dupla canonização como uma estratégia de Francisco para mitigar o fervor exacerbado a João Paulo II quando vêm à luz as sombras de seu pontificado.

É necessário deter a canonização de Karol Wojtyla. Vozes credenciadas provam isso. Não só as das vítimas de seu pontificado, mas de cardeais jesuítas eminentes como Carlo Maria Martini, que declarou abertamente que não era necessária a canonização de João Paulo II, “era suficiente considerar apenas a evidência histórica de seu sério compromisso com a Igreja e a serviço das almas”.

As razões por que a canonização de João Paulo II é um ato político e não religioso:
Ele lutou contra a liberdade de pensamento e de ensino na Igreja, silenciando ou excomungando mais de 500 teólogos em todo o mundo durante o seu pontificado.
Atacou, sem conhecer, a teologia da libertação através de um processo sistemático de desarticulação da Igreja dos pobres com a condenação dos seus principais representantes, do cancelamento de centros de ensino teológico e da aliança com o poder político conservador na América Latina.
Seu silêncio perante as ditaduras militares da América Latina e do Caribe custou a vida de inúmeros cristãos em nosso continente, incluindo a do arcebispo Oscar Arnulfo Romero, que um ano antes de sua morte visitou Roma e não foi recebido pelo papa.
Ele negou a dignidade das mulheres na igreja, não reconhecendo a participação feminina na tomada de decisões relacionadas aos líderes homens, enfatizando apenas seu papel de mães, esposas e virgens. (Mulieris dignitatem)
Apoiou e protegeu até sua morte Marcial Maciel, sabendo da dor e do abuso infligido a inúmeras vítimas.
Está em causa o seu papel no encobrimento de inúmeros padres pedófilos​(incluindo bispos e cardeais) ao mandar que eles mudassem de residência para se proteger da justiça e, assim, multiplicando os danos às crianças, suas famílias e à própria igreja. Pois, mesmo aceitando que o abuso sexual não é um comportamento generalizado na igreja católica e sim casos individuais (digamos, no mínimo, um sacerdote pederasta em cada uma das cerca de 3.000 dioceses católicas do mundo), estaríamos falando de centenas de milhares de vítimas.

Embora o Vaticano tenha lavado as mãos de João Paulo II, negando o tempo todo que ele sabia de casos de abuso de crianças, é pouco crível que os acobertamentos tenham acontecido sem o consentimento do papa. Um pecado de omissão que e teve e continua a ter consequências terríveis.

Do outro lado da moeda está um papa desconhecido para a maioria das pessoas, dada a distância que nos separa da primavera do Vaticano II. João XXIII, um homem simples, um pastor, alguém que não queria ser reconhecido ou reverenciado. Seu catolicismo abriu as janelas para deixar entrar ar fresco. Um revolucionário, um homem religioso que queria conhecer os anseios, sonhos, preocupações, tristezas, de milhões que nele confiaram. Um homem que proclamou a Igreja para os pobres, tornada realidade por milhões de latino-americanos.

Como podemos avaliar essa contradição? Como reflexo de da profunda crise da igreja, que se debate com lutas internas pelo poder.

MARCHA DA MACONHA

CIDADANIA

Dez mil pessoas passaram pela manifestação, dizem organizadores

por Flávia Albuquerque - Repórter da Agência Brasil

São Paulo – De acordo com a Polícia Militar, cerca de 3 mil pessoas estiveram na marcha. Mais cedo, os organizadores estimaram mais de 10 mil pessoas no ato. A concentração ocorreu no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), de onde os manifestantes saíram em passeata pela Avenida Paulista em direção à Praça Roosevelt, onde o ato foi encerrado. A marcha ocorre desde 2007 no Brasil. Em São Paulo, teve início em 2008. Este ano, o lema é Cultivar a liberdade para não colher a guerra.

De acordo com o integrante do coletivo Desentorpecendo a Razão, Rodrigo Vinagre, um dos organizadores do ato, a forma atual de combate às drogas está falida, levando à morte e prisão os jovens pobres e negros. “Estamos aqui marchando pela paz e em busca de uma nova política para as drogas. A legalização da produção, distribuição e consumo da maconha é o primeiro passo para isso”.

Vinagre explicou que a lei de 2006 criou a figura do usuário, com intuito de descriminalizar o consumidor, porém não define qual a quantidade para que o indivíduo seja considerado traficante ou não. “Essa lei é totalmente subjetiva cabendo ao policial definir se a pessoa é usuária ou traficante. Assim o branco de classe média é enquadrado como usuário, e um negro pobre da periferia como traficante mesmo que estejam com a mesma quantidade”.

Durante a marcha, os participantes receberam orientações de segurança. E uma das ideias era fazer um cordão de isolamento com intuito de reforçar o caráter pacífico do ato. “Queremos mostrar que não precisamos da tutela da polícia nem do Estado para fazer uma manifestação. A ideia também é não usar maconha durante o ato”.

Em defesa do uso medicinal da substância, um grupo de pessoas, usuário da maconha para minimizar sintomas de diversas doenças, caminhou na frente da marcha. A artista plástica Maria Antônia Goulart, de 65 anos, teve câncer há sete anos e contou que usou a maconha com consentimento médico. “Isso me ajudou muito porque a maconha reduziu meus enjoos e dores, me deu sono, fome, me tirou do foco da doença”. Quando terminou o tratamento, ela parou de usá-la. Em seguida, descobriu outra doença e retomou o uso para diminuir os efeitos da fibromialgia, síndrome que provoca dores por todo o corpo por longos períodos.

Gabriela Moncau, do bloco feminista da Marcha da Maconha em São Paulo, avaliou que o debate da legalização da droga está ligado à questão de gênero. “Tem o debate também do direito ao prazer. Até mesmo quando usam as drogas lícitas as mulheres são malvistas. Uma mulher sozinha em um bar, que bebe em uma festa ou que use qualquer outra droga é vista como disponível. O debate do direito ao prazer vem casado ao direito ao próprio corpo”, disse.

A incrível ascensão do 1%: como a desigualdade se alastrou pelo mundo nos últimos 30 anos



Os 99% se insurgiram

O artigo abaixo, escrito pelo economista americano Paul Krugman, foi publicado na Carta Maior.
Thomas Piketty , professor da Escola de Economia de Paris, não é um nome familia, mas isso pode mudar com a publicação em língua inglesa de sua magnífica e arrebatadora reflexão sobre a desigualdade , “O Capital no Século XXI” . No entanto, sua influência é mais profunda. Tornou-se um lugar-comum dizer que estamos vivendo uma segunda Idade de Ouro, ou, como Piketty gosta de dizer, uma segunda Belle Époque definida pela incrível ascensão do “um por cento” da população. Mas isso só se tornou um lugar-comum graças ao trabalho de Piketty.

Em particular, ele e alguns colegas (especialmente Anthony Atkinson em Oxford e Emmanuel Saez , em Berkeley ) foram pioneiros de técnicas estatísticas que tornam possível rastrear a concentração de renda e riqueza em profundidade em direção ao passado, chegando ao início do século XX nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, e refazendo todo o caminho até o final do século XVIII, no caso da França.

O resultado tem sido uma revolução na nossa compreensão das tendências de longo prazo na formação da desigualdade. Antes dessa revolução, a maioria das discussões sobre a disparidade econômica mais ou menos ignorava os muito ricos.

Alguns economistas (para não mencionar os políticos ), tentaram calar qualquer menção ao papel da desigualdade. “Das tendências que são prejudiciais para a economia me parece que o mais sedutor, e na minha opinião o mais venenoso , é se concentrar em questões de distribuição (de renda)”, declarou Robert Lucas Jr. , da Universidade de Chicago, o macroeconomista mais influente de sua geração, em 2004. Mas, mesmo aqueles que estão dispostos a discutir a desigualdade, geralmente focam na lacuna entre os pobres ou a classe operária e os meramente bem de vida, não os verdadeiramente ricos (dedicam-se ao estudo comparativo dos ganhos de salário dos que tiveram acesso à universidade, em comparação aos trabalhadores menos instruídos, ou à riqueza de um quinto da população, em relação aos outros quatro quintos, mas não levam em consideração, o vertiginoso aumento dos rendimentos de executivos e banqueiros).

Foi como uma revelação quando Piketty e seus colegas mostraram que os rendimentos do agora famoso “um por cento “, e até mesmo de grupos mais restritos , são na verdade a grande história de aumento da desigualdade. E esta descoberta veio acompanhada de uma segunda revelação: o que poderia ser uma hipérbole, ao se falar de uma segunda Era Dourada, não o era absolutamente. Nos Estados Unidos, em particular, a parcela da renda nacional que vai para o topo do “um por cento” mais rico tem seguido um grande arco em forma de U. Antes da Primeira Guerra Mundial, o “um por cento” recebeu cerca de um quinto do total da renda na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Por volta de 1950, essa participação foi cortada pela metade. Mas, desde 1980, o um por cento tem visto sua parcela de renda aumentar de novo e, nos Estados Unidos, está de volta ao que era há um século.

Ainda assim, a elite econômica de hoje é muito diferente daquela do século XIX, não é? Naquela época, uma grande riqueza tendia a ser resultado de herança; as pessoas da elite econômica de hoje não conquistaram a sua posição? Bem, Piketty nos diz que isso não é tão verdadeiro como se pensa e que, em qualquer caso, este estado de coisas pode não ser mais duradouro do que a sociedade de classe média , que floresceu por uma geração após a Segunda Guerra Mundial. A grande ideia de “Capital no Século XXI” é que nós não apenas voltamos aos níveis de desigualdade de renda do século XIX, como também estamos em um caminho de volta para o “capitalismo patrimonial”, onde os altos comandos da economia são controlados não por indivíduos talentosos, mas por dinastias familiares.

É uma notável afirmação e precisamente por ser tão notável , precisa ser examinada com cuidado e de forma crítica. Antes de entrar nesse debate ,porém, quero dizer desde logo que Piketty escreveu um livro verdadeiramente soberbo . É um trabalho que mescla grande varredura histórica – quando foi a última vez que você ouviu um economista invocar Jane Austen e Balzac ? – com análise de dados meticulosa. E mesmo que Piketty zombe da profissão de economista por sua “paixão infantil para a matemática”, subjacente a sua discussão há um tour de force de modelagem econômica, uma abordagem que integra a análise do crescimento econômico com o da distribuição de renda e riqueza. Este é um livro que vai mudar muito a maneira como pensamos a sociedade e o modo como fazemos economia.

Salve MUJICA!

Presidente José Mujica mobiliza Uruguai para proteger sem-teto do frio

Por Redação do CdB, com correspondente - de Montevidéo




O presidente José Mujica dispensou o palácio presidencial para seguir morando em seu sítio, nos arredores de Montevidéo

Com a proximidade do inverno, o presidente uruguaio, José Mujica, começou a colocar em prática o planejamento estratégico do país para que nenhum cidadão fique sem um lugar seco e aquecido onde passar as próximas noites. Assessores do presidente comentaram com jornalistas, neste sábado, que Mujica tem mantido reuniões com o ministro do Desenvolvimento Social, Daniel Olesker, no sentido de agilizar as medidas necessárias a se atingir o objetivo. Em 2011, cinco pessoas morreram de hipotermia no país de atuais 3,3 milhões de habitantes, o que custou o cargo da ministra anterior.

Mujica, que vive com a mulher em seu sítio, nos arredores de Montevidéo, voltou a colocar a residência oficial à disposição dos sem-teto, caso haja uma procura extra aos albergues disponíveis nas cidades uruguaias, com estrutura para receber, abrigar, alimentar e oferecer os serviços da República nas possíveis situações de desequilíbrio social àqueles que correm o risco de morrer congelados. Em 2012, o Uruguai viveu uma intensa onda polar durante o deslocamento de uma massa de ar frio a partir da Antártica.

O presidente uruguaio, no atual levantamento, colocou entre os objetivos primários da ação em curso o levantamento de edifícios públicos capazes de abrigar os necessitados. Mujica é considerado um dos presidentes mais pobres do mundo, com um salário de US$ 12,5 mil mensais, e doa cerca de 90% do que ganha aos projetos de ajuda e obras de caridade em seu país.

Aos 76 anos, 13 dos quais passados na prisão por sua luta contra a ditadura militar instaurada naquele país, em meados do século passado, o presidente socialista chegou ao governo pela Frente Ampla, um movimento que reúne partidos de esquerda e de centro, que lhe assegura maioria absoluta no Parlamento. Mujica também doará a maior parte de seus vencimentos, na aposentadoria a que faz jus por exercer a Presidência da República, para o Fundo Raúl Sendic, administrado por seu partido e pelo Movimento de Participação Popular (MPP).

A doação oferecida por José Mujica servirá de exemplo para que todos os demais ex-dirigentes uruguaios passem a colaborar com projetos sociais naquele país.

sábado, 26 de abril de 2014

A morte da imaginação

Por Jacques Gruman - do Rio de Janeiro para o Correio do Brasil

Nunca entendi essa obsessão por sorrisos em fotografias. Deve ser um conluio com os dentistas. (Nora Tausz Rónai)


Especialistas em informática previram que, num futuro não muito distante, chips serão implantados no corpo. Estão atrasados. Corpos já pertencem a máquinas

Reza uma antiga lenda que dois reinos estavam em guerra. Os perdedores acabaram condenados ao confinamento do outro lado dos espelhos, um primitivo mundo virtual em que eram obrigados a reproduzir tudo o que os vencedores faziam. A luta dos derrotados passava a ser como escapar daquela prisão. O genial Lee Falk inspirou-se nesta narrativa para criar, na década de 1940, O mundo do espelho, para mim uma das mais aterrorizantes histórias do Mandrake. Espelhos foram, aliás, protagonistas de algumas sequências cinematográficas assustadoras. Bóris Karloff, um clássico do gênero, aproveitou muito bem o medo, que desde crianças carregamos, de que nossos reflexos nos espelhos ganhem autonomia. Ui! Já imaginaram se isso virasse realidade? Teríamos que conviver com nossos opostos, um estranhamento no mínimo desconfortável. Os quadrinhos exploraram o assunto também na série do Mundo bizarro, do Super-Homem. Era um nonsense pouco habitual no universo previsível dos super-heróis.

Estava pensando nos estranhamentos do mundo moderno quando me deparei com uma pequena nota de jornal. Encenava-se a ópera Carmen, de Bizet, no Theatro Municipal do Rio. Suponho que a plateia, que pagou caro, estava mergulhada na história e na interpretação da orquestra e dos solistas. Não é que um cidadão saca seu iPad e passa um tempão checando os e-mails, dedinhos nervosos para cima e para baixo, com a tela iluminando a penumbra indispensável para a fruição plena do espetáculo? Como esse tipo de desrespeito está entrando na “normalidade”, apenas uma pessoa esboçou reação. Uma espécie de angústia semelhante à incontinência urinária se espalha como praga nas relações pessoais e no uso dos espaços público e privado. Tudo passou a ser urgente. Todos os torpedos, e-mails e chamadas no celular viraram prioridade, casos de vida oumorte. Interrompem-se conversas para olhar telinhas e telonas, desrespeitando interlocutores. Como este tipo de patologia tende a se diversificar, já há gente que conversa (?) e olha o computador ao mesmo tempo, como aqueles lagartos esquisitos cujos olhos se movimentam sem aparente coordenação. Outros participam de reuniões sem desligar sua tralha eletrônica (na verdade, não estão nas reuniões). Especialistas em informática previram que, num futuro não muito distante, chips serão implantados no corpo. Estão atrasados. Corpos já pertencem a máquinas. A vida é controlada à distância e por outros.

Outro estranhamento vem da inundação de imagens, aflição que chamo de galeria dos sem imaginação. Enxurradas de fotos invadem o espaço virtual, a enorme maioria delas sem o menor significado e perfeitamente descartáveis. O Instagram recebe 60 milhões de fotos por dia, ou seja, quase 700 fotos por segundo! Fico pensando no sorriso irônico ou, quem sabe, no horror em estado bruto, que Cartier-Bresson esboçaria se esbarrasse nisso. Ele, que procurava a poesia nos pequenos gestos, no cotidiano que se desdobrava em surpresas, nos reflexos impensados, jamais empilharia a coleção de sorrisos forçados que caracteriza a obsessão pelos clics.

Essa história dos sorrisos foi muito bem notada pela Nora Rónai, que citei logo no início. Vivemos a era das aparências. Com a multiplicação das imagens, vem a obrigação de “estar bem”. Afinal de contas, quem vai querer se exibir no Facebook ou nas trocas de mensagens com uma ponta de melancolia ou, pelo menos, um suspiro de realidade? O mundinho virtual exige estado de êxtase permanente. Uma persona que não passa de ilusão. Criatividade não quer dizer tristeza, claro, mas certamente precisa incorporá-la como tijolo construtor da nossa personalidade. O resto é fofoca. Eric Nepomuceno, tradutor e escritor, fez o seguinte comentário sobre seu amigo Gabriel Garcia Márquez, que acabara de morrer: “Tudo o que ele escreveu é revelador da infinita capacidade de poesia contida na vida humana. O eixo, porém, foi sempre o mesmo, ao redor do qual giramos todos: a solidão e a esperança perene de encontrar antídotos contra essa condenação”. Nada que essas maquininhas onipresentes possam registrar, elas que jamais entenderiam a fina ironia de Fernando Pessoa no Poema em linha reta, que começa assim: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. Mais adiante: “Arre, estou farto de semideuses. Onde é que há gente nesse mundo ?”.

A praga narcísica desembarcou nas camas. Leio que nova moda é fazer selfies depois do sexo. O casal transa, mas isso não basta. É urgente compartilhar! Tira-se uma foto da aparência de ambos, coloca-se no Instagram e … pronto. O mundo inteiro será testemunha de um momento íntimo, talvez o mais íntimo de todos. Meu estranhamento vai ao paroxismo. É a esse mundo que pertenço? Antigamente, era costume dizer que o que não aparecia na televisão não existia. Atualizando a frase: pelo visto, o que não está na rede não existe. É a universalização do movimento apenas muscular, sem sentido, leviano, rapidamente perecível.

Durante o exílio, o poeta argentino Juan Gelman passou um bom tempo sem conseguir escrever. A inspiração não vinha. Disse ele: “A poesia é uma senhora que nos visita ou não. Convocá-la é uma impertinência inútil. Durante uns bons quatro anos, o choque do exílio fez com que essa senhora não me visitasse”. Quando, finalmente, a senhora chega, tudo muda, como narra o poeta: “A visita é como uma obsessão. Uma espécie de ruído junto ao ouvido. Escrevo para entender o que está acontecendo”. Não consigo imaginar uma serenidade como essa no mundo virtual. Tudo nasce e morre antes de ser completamente absorvido. Cada novidade passa a ser vital, filas se formam nas madrugadas nas portas de lojas que começam a vender modelos mais avançados de produtos eletrônicos. Não dá pra esperar um dia, muito menos uma hora. O silêncio e a introspecção são guerrilheiros no habitat plugado. Estou me alistando neste exército de Brancaleone.

Jacques Gruman, é engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro

quinta-feira, 24 de abril de 2014

O PSTF — Partido do Supremo Tribunal Federal

Por Paulo Nogueira


Rosa Weber fez o que se esperava que fizesse

Um STF partidarizado é uma tragédia nacional.

Esta é a principal conclusão que você pode tirar da decisão da ministra Rosa Weber por uma CPI exclusiva da Petrobras.

Não vou nem discutir aqui se o melhor seria mesmo uma CPI exclusiva ou uma abrangente, na qual coubessem as propinas do metrô de São Paulo.

Meu ponto é o STF como partido. O PSTF, Partido do Supremo Tribunal Federal.

O drama é que, tomado de interesses políticos, o STF perde completamente o caráter técnico que deveria ter. E isso é um golpe avassalador na ideia da justiça como um conceito acima de interesses.

Machado de Assis escreveu que o maior pecado depois do pecado é a publicação do pecado. Já se imaginava, há algum tempo, que a justiça não fosse exatamente neutra. Agora, isto é amplamente conhecido.

As consequências da partidarização do STF são calamitosas.

Se uma decisão cabe a um juiz, você sabe antecipadamente como ele vai votar. Se houvesse uma casa de apostas jurídicas, não haveria jeito de você errar em seu palpite.

Caiu nas mãos da ministra Rosa Weber o veredito sobre a CPI. Dado o seu retrospecto – ela entrou para a história ao dizer que mesmo sem provas se achava no direito de condenar Dirceu – já se sabia desde sempre qual seria a escolha.

Deu a lógica.

Imagine que o caso parasse nas mãos de Lewandowski. Teríamos uma CPI abrangente.

Repito: não estou julgando aqui qual caminho é o melhor, se é que algum deles é bom. A discussão é sobre a negação da justiça representada pelo PSTF.

Pessoas pagam o preço disso. Dirceu, por exemplo. Joaquim Barbosa faz tudo que pode para atrapalhar a vida de Dirceu. O mesmo vale para Genoino, tratado como se fosse saudável como, para usar uma imagem cara a Nelson Rodrigues, uma vaca premiada, mesmo com o coração comprometido seriamente.

Dirceu e Genoino terão que esperar Joaquim Barbosa deixar a presidência do Supremo para se livrarem de uma perseguição inclemente.

Com o PSTF, o real perdedor é a sociedade.

A mim chamou a atenção, na votação dos embargos infringentes, como uma questão simples – uma segunda jurisdição está ou não na Constituição – foi tratada com caudalosos, eruditos, intermináveis pronunciamentos que simplesmente se anulavam.

Sim, estava. Ponto. Mas ministros como Gilmar Mendes e Luiz Fucs defenderam, em minúcias, a tese absurda de que a segunda jurisdição não estava na Constituição.

É, como se vê, um PSTF dividido.

Se há alguma coisa boa no julgamento do Mensalão, é que os brasileiros puderam ver quanto é precário o Supremo, a principal corte nacional.

Se ela é assim, imagine as cortes inferiores.

Não se trata apenas de reformar a justiça. Trata-se de reinventá-la no Brasil.

Quanto mais se conhece o STF, mais fica clara sua extraordinária falta de qualidade e de grandeza.

Agora mesmo, no calor da decisão de Rosa Weber, vazou a informação de que um filho dela trabalha na Globo, como jornalista.

É o segundo caso do gênero. Também um filho de Barbosa foi acolhido pela Globo.
Nada contra os filhos dos juízes do STF, mas como esperar imparcialidade dos pais se chegar a eles alguma decisão que diga respeito à Globo?

Alguém vai votar contra o empregador do filho? Quem acredita nisso, como disse Wellington, acredita em tudo. Há, portanto, conflito de interesses, dado o peso e considerada a folha corrida da Globo.

A tarefa urgente, essencial na reinvenção da justiça nacional é tirar o P do PSTF. Não pode ser um partido, ou a sociedade é alvo de intensa, cruel, insuportável injustiça.


Sobre o Autor: O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo (nossa fonte).

Grafite e arte engajada: Moema amanhece com instalação pedindo atenção aos direitos indígenas

IMG_1040
De autor desconhecido

Nem toda arte tem que ser engajada, e nem todo engajamento tem que ser artístico.

O patrulhamento que alguns artistas engajados fazem, como se só isso validasse uma obra, é das coisas mais chatas já criadas desde a berinjela. Mas a verdade é que quando motivação artística e social se juntam, você tem obras não melhores, mas com função dupla – de emocionar artisticamente e de propor questionamento.

E então Moema, bairro de São Paulo famoso por ter ruas com nomes de índios, amanheceu hoje com uma instalação. A Alameda dos Tupiniquins se tornou a Alameda dos “Tupiniquins Sob Ameaça”.

Perguntei à atriz Nina Dutra, minha amiga moradora do bairro que mandou a foto, se havia mais placas com a intervenção. “Que eu tenha visto, só essa”.

E aqui uma digressão: já imaginou se todas as ruas do bairro amanhecessem com uma faixa dessa? “Avenida Iracema Sob Ameaça”; “Rua Jurandir Sob Ameaça”. Qual o impacto que isso poderia causar?

Bem, voltando à questão inicial, a arte de rua tem essa característica mesmo. Nasceu, afinal, nos guetos de Nova Iorque com propósitos de liberdade de expressão. Foi trazido ao Brasil com o mesmo objetivo.

Daí a característica, que se pode observar ainda hoje em grande parte dos casos.

Agora, o mais interessante é se essa instalação não tiver nenhuma intenção artística. Toda essa discussão e o cara só queria se manifestar a favor dos índios. Tipo Homer Simpsons quando virou artista por acidente.

Isso não diminuiria o resultado artístico final da obra, afinal a mensagem, segundo a teoria de José Marques de Melo, está em quem recebe, e não em quem transmite.
Eduardo Kobra
Do brasileiro Eduardo Kobra
questionamento religioso do americano Keith Haring
Do americano Keith Haring
questionamento social de OsGemeos
Dos brasileiros OsGemeos
mensagem em favor dos parques do inglês Banksy
Do inglês Banksy
do brasileiro Stephan Doitschinoff
Do brasileiro Stephan Doitschinoff
Do brasileiro Onesto
Do brasileiro Onesto

Sobre o AutorEmir Ruivo é músico e produtor formado em Projeto Para Indústria Fonográfica na Point Blank London. Produziu algumas dezenas de álbuns e algumas centenas de singles. Com sua banda, Aurélios, possui dois álbuns lançados pela gravadora Atração. Seu último trabalho pode ser visto no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=dFjmeJKiaWQ
Nossa fonte: Diário do Centro do Mundo

Dilma sanciona lei da internet livre durante encontro internacional


Por Redação do CdB - de São Paulo



Dilma sanciona a lei sobre a neutralidade da internet no Brasil, que servirá de modelo para a governança mundial

A presidenta Dilma Rousseff sancionou, nesta quarta-feira, durante o Encontro Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet (NetMundial), o Marco Civil da Internet. Segundo Dilma, o Brasil tem muito a contribuir no processo de construção de uma nova governança da Internet a partir do amplo processo interno que resultou na lei do Marco Civil da Internet.

– O Brasil tem muito a contribuir, a partir do amplo processo interno que resultou na lei do Marco Civil da Internet, aprovada pelo Congresso Nacional e que tenho a honra de sancionar, aqui, neste evento. A lei, que Sir Tim Berners-Lee considerou ‘um presente para a web em seu 25º aniversário’, demonstra a viabilidade e o sucesso de discussões abertas e multissetoriais, bem como da utilização inovadora da Internet como plataforma interativa de debates – disse.

Dilma lembrou que o Marco Civil consagra a neutralidade de rede, ao estabelecer que as empresas de telecomunicações devem tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Disse ainda que as empresas também não podem bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados.

– O Marco Civil protege a privacidade dos cidadãos, tanto na relação com o governo quanto nas relações com empresas que atuam na Internet. As comunicações são invioláveis, salvo por ordem judicial específica. A lei traz, ainda, regras claras para a retirada de conteúdo na rede. O Marco Civil, exemplo de que o desenvolvimento da Internet não pode prescindir dos Estados nacionais, é uma referência inovadora porque, em seu processo de elaboração, ecoaram as vozes das ruas, das redes e das instituições – afirmou.

Rede neutra

A conferência propõe uma espécie de “Declaração Universal dos Direitos Humanos da Internet”, incluindo princípios como os direitos à liberdade de expressão, privacidade, transparência e governança participativa. O documento quer ser o ponto de partida de um debate mais amplo sobre o futuro da Internet e de uma reforma que diminua o atual peso dominante dos EUA na administração da rede que já interliga um terço da humanidade.

– Nos próximos anos vai haver um redesenho da governança. Esta reunião é a semente para dar partida a essas mudanças – disse à agência inglesa de notícias Reuters o secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia Virgilio Almeida, presidente do NetMundial.

O desafio será encontrar um terreno em comum entre governos como os do Brasil e Alemanha, que querem regras claras contra a espionagem, os da China e Cuba, que controlam o conteúdo da rede, e empresas como Google e Facebook, que veem a regulação como uma ameaça. O principal foco de tensão nas reuniões preparatórias foram questões políticas relacionadas a privacidade, liberdade de expressão e a inviolabilidade dos dados.

– Esperamos que daqui saia algo com um máximo denominador comum. Se alguém propõe uma Internet livre e aberta, quem vai levantar a mão e dizer que não? – arguiu o presidente no Brasil da administradora de domínios na Internet, Demi Getschko, outro dos organizadores do NetMundial.

Estão presente no NetMundial profissionais, empresários, acadêmicos e ativistas de 85 países, entre os quais um assessor de cibersegurança do presidente dos EUA, Barack Obama, e o ministro da Internet da China.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Mia Couto e seu colar de miçangas incomuns

Por RÔNEY RODRIGUES



Escritor moçambicano conta que tece novos mundos substituindo eurocentrismo e ciência-absoluta por aposta em seres múltiplos, pós-valor e olhar não-cartesiano
Entrevista exclusiva a Rôney Rodrigues

Nu e cru, eis o fato: Mia Couto cola miçangas. Com sua fala macia, vai compondo as palavras, devagar, com esmero, e sem que nem mesmo percebamos o fio articulador, está pronto um “colar vistoso”. “Assim é a voz do poeta”, explica em um texto. “Um fio de silêncio costurando o tempo”.

E o escritor moçambicano já costurou muitos fios em seus 58 anos. Escreveu 23 livros, traduzidos para seis idiomas e publicados em mais de vinte países. Em 2013, venceu o Prêmio Camões – o mais importante da língua portuguesa – e o Prêmio Literário Internacional Neustadt, considerado o Nobel norte-americano. Biólogo de formação, Mia Couto também dirige uma empresa que realiza estudos de impacto ambiental em Moçambique e é professor de ecologia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Antes que a entrevista comece, neste 14 de novembro de 2013, ele me conta um pouco de seu último livro, “Cada Homem É uma Raça”. “O título é tirado de um diálogo que eu imaginei; um diálogo entre a polícia e um vendedor de pássaros”, explica. “A polícia pergunta para esse vendedor qual é a sua raça. ‘A minha raça sou eu, João Passarinheiro.’. Explique-se melhor, disse a ele o policial. E ele disse: ‘minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia’.

Enquanto toma um gole de café, queixa-se que seu relógio biológico está desregulado, afinal o fuso horário de cinco horas entre Moçambique e Brasil ainda o abate, embora as viagens sejam costumeiras. Cansado então? “Não, agora já estou acostumado”. Não acreditei. Mas não precisamos acreditar em tudo, não é verdade?

PARTE UM
Isso que se chama realidade
Uma vez você disse que os moçambicanos – assim como os brasileiros – concebem e aceitam a realidade de uma maneira pouco realista. Mais ou menos vivemos em uma história de realismo mágico?
De fato, temos tipos de culturas misturadas, miscigenadas, e essa mestiçagem se fez com nações, culturas, sentimentos e sensibilidades olhassem essa categoria chamada realidade de outra maneira e não fizesse a fricção entre o que é certo ou não certo. Tanto o Brasil como Moçambique são países que resultaram dessa emergência, dessas sensibilidades diferentes. Essas culturas – vou falar no caso de Moçambique – têm uma diferente maneira de olhar essa linha de fronteira entre o que é verdadeiro, o que é falso, o que é mágico e o que é real. Isso, obviamente, impregnou nossos países a olhar a realidade com uma interrogação. Os próprios europeus, que têm essa filosofia que valoriza tanto essa chamada realidade, criaram isso que se chama “realismo mágico”. De qualquer maneira, nunca seria um brasileiro, um latino-americano ou um africano a inventar a categoria de realismo mágico porque nós temos outro olhar. Trata-se de uma filosofia – de um modo de estar de estar no mundo – de um povo que não leva muito a sério o chamado sentido da realidade e não se deixa intimidar por uma certa racionalidade que é muito normativa em relação à necessidade de festejar o corpo e a alegria de viver.

Essas classificações são porosas, claro. Você acha que elas ajudam a gente entender os processos?


Nós temos uma tendência natural, digamos assim, para criar esses compartimentos e pensar nos estereótipos à base de clichês. A única maneira é essa: construir para nos desconstruir. Se nós não nos tomarmos muito a sério, de maneira que não nos arrumem a nós e que seja uma ferramenta que a gente possa usar e desfazer – tendo consciência dela –, tudo bem. Mas pensar em classificar também me parece uma preocupação que temos por influência de certa filosofia europeia.

Você costuma falar que contar história é uma maneira de rezar. Queria que você me falasse como essa reza ajuda a recuperar as histórias contadas dos outros.

Toda literatura faz isso. Quer dizer, há todo um convite para essa realidade, que foi nossa primeira pátria. Não aconteceu comigo, na minha casa, por essa circunstância particular de se contar muitas histórias, mas todos nós nascemos crianças e chegamos à palavra por via desse pensamento. Não é só um assunto técnico – de estar escrito –, mas é um modo de estar aberto, em sintonia com o que é visível e não-visível. Nos deixamos guiar pela palavra, somos absorvidos por ela, somos produtores dela. E isso a literatura resgata. É como dizer: “vamos permitir que uma certa infância se reinstale dentro de nós”. É isso que me faz feliz em ser escritor, é, sobretudo, eu ter feito contas com minha identidade, dizendo assim: “eu não sou uma única pessoa, sou várias, ao mesmo tempo sou tudo isso, tem uma parte negra, uma parte branca, uma parte mulher, uma parte homem, uma parte cientista, uma parte poeta”.

PARTE DOIS
Os comedores de nações

Era 12 de junho 2001 e Mia Couto subiu ao palco da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para receber o prêmio Mário António Fernandes de Oliveira – atribuído de três em três anos – por “O último voo do flamingo”. Tinha na ponta da língua o que dizer:

“O último voo do flamingo fala de uma perversa fábrica de ausência – a falta de uma terra toda inteira, um imenso rapto de esperança praticado pela ganância dos poderosos”, pronunciou. “O avanço desses comedores de nações obriga-nos a nós, escritores, a um crescente empenho moral”.

E desse empenho moral, Mia Couto entende: participou da luta pela independência de Moçambique, quando se juntou à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Nunca pegou em uma arma de fogo porque os insurgentes proibiam brancos de andarem armados. A arma, desde aquela época, era a mesma de hoje: caneta e papel.

O que é a fábrica de ausências?

Hoje, infelizmente, não há nenhum país que não esteja nessa condição. Desde o início, desde crianças, nós somos colocados numa circunstância de consumir: consumimos filmes, sons… Consumimos o tempo que já não tem tempo para nós. Precisa-se devolver essa condição de produtor, de maneira que, desde o início, desde que a criança começa a enxergar o mundo, se aceite que ela tem um discurso próprio – mesmo que esse discurso seja completamente errado aos olhos do adulto, mesmo que ele seja só no nível da poesia. Quando a criança pergunta – ou quer se encantar por qualquer coisa, seja a chuva, a nuvem, o vento –, que seja aceito esse discurso como uma coisa que está sendo criada e, portanto, é uma construção que não deve ser interrogada se é errada ou não. A criança se coloca como sujeito de si próprio e parte dos adultos tem a tentação de corrigir a criança, dizendo: “não, o vento não é isso o que estais a dizer?”, e explica o que é o vento. Isso promove uma maneira de verhegemônica, fundada na ciência. Precisamos reinventar o mundo.

E esse seria o “empenho moral” do escritor?

Sim, construir o espaço do sonho possível. Numa sociedade em que o valor está, simplesmente, no que pode ser comprado e vendido, alguma coisa tem que ir além disso: o prazer que temos em sermos outros, em sonharmos, em viajarmos através do outro. A preservação desse espaço está para além da razão do lucro e do mercado. Esse é o nosso empenho moral e nos interessa que o livro seja capaz de produzir esse território do conhecimento.

Você esteve ligado à Frelimo, que buscava a independência de Moçambique. Na medida do possível, essa independência chegou?

Não. Moçambique precisa conquistar um caminho próprio, um caminho que seja original. Essas são as grandes urgências da nossa sociedade. Moçambique não teve tempo. Na verdade, o que houve foi que não lhe é dado esse tempo, uma nação tem que se integrar no mundo e esse mundo é ditado por essa pratica de ser global e de se encaixar na economia. Eu sei que é uma coisa muito utópica, mas poderíamos ter esse tempo e espaço para criarmos uma via própria – que poderia não ter o nome concreto de socialismo ou capitalismo – uma via que dê mais respostas à nossa própria cultura, à nossa própria realidade.

Mas como desbloquear essa via, que parece estar sempre impedida, usando uma expressão sua, pelos “comedores de nações”?
Essa é uma resposta que eu não tenho. O que eu acho é que estamos todos perdidos em relação a isso, pois vivemos esses confrontos. Não é um caso só pra Moçambique: o Brasil também vive isso. Não há nação que não viva isso, mas podemos ter uma identidade própria e não uma que seja reproduzida e imposta por uma coisa que não tem rosto. Precisamos estar conscientes de que esse caminho não nos serve mais, mas ainda estamos todos apalpando no escuro.

Algumas pessoas se referem à sua literatura como altamente politizada, também por sua história de militância. Você a vê assim?

Queria que ela fosse, em primeiro lugar, literatura. E que fosse política só na medida em que ela fosse literatura. Toda literatura é política. Essa classificação é demasiadamente apolítica e me é preocupante, acaba por deixar escapar outra coisa que é mais importante. A biologia narra a história da vida. E a literatura também: é a arte de celebrar o fato de estarmos vivos.

PARTE TRÊS
Poeiras e cinzas do chão
Em o “Afinador de Silêncios”, Mia Couto, provavelmente recordando-se de sua infância tímida – “refinando silêncios, no plural” – adverte que “uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros”. E conclui: “eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio”. Queria saber quando é que o escritor decide romper esse silêncio.

Você se recorda de quando se sentiu absorvido pela palavra?

Sim, sobretudo quando eu escutava murmúrios – nunca foi pela voz proclamada, não uma coisa que se dissesse em voz alta – mas algo que sussurrava: os murmúrios das histórias que minha mãe me contava. Era como se a história fosse meu leito, onde eu me deitava naquele momento de transição entre a vigília e o dormir. A palavra me conduzia.

Você já disse uma vez o silêncio é uma música em estado de gravidez. Quando a papel está em branco ou a tela do editor de textos aberta à sua frente, como você apura esse silêncio para tentar transformar em encantamento?
A relação com o silêncio é importante para mim, porque eu tive que aprender e isso teve uma importância decisiva. Não apenas porque meu pai era um poeta, mas porque vivíamos em estado de poesia em nossa casa. O meu pai ensinou uma coisa: olhar para as pequenas coisas, ao jeito das lições de Manoel de Barros, procurando brilhos entre poeiras e cinzas do chão. Ele nos ensinou também a ouvir poetas em noites de poesia com ele e poetas amigos. A palavra era como se fosse música. A minha origem – parte de mim, que é meu pai – me ensinava que o silêncio era um vazio, e era preciso ocupá-lo. Havia um medo do silêncio e, esse mesmo medo fazia com que a gente conversasse para ocupar o silêncio. Mas acho que a África me deu muitos silêncios e algumas coisas eu não teria, se não fosse daquele lugar. Ali o silêncio não é uma ausência, é uma presença. Alguém sempre está falando conosco quando não dizemos nada. O trabalho foi de me fazer recuar diante do medo, deixar de temê-lo e perceber que no silêncio há qualquer coisa pedindo para ser escutada.
Nossa fonte: Outras Palavras