Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade
Clic sobre o livro (download gratuito). LEIA E DÊ SUA OPINIÃO

sábado, 10 de novembro de 2012

Dona Pandá e Garrincha (II – Final)

No dia seguinte, Dona Pandá, após seu café da manhã, para esperar Garrincha, foi se sentar na varanda da Pousada, onde se hospedara. Combinaram que ele passaria por lá para pegar seu presente. O menino contou que aqueles moleques gostavam de provocar os menores e temia que quisessem lhe roubar a bola. Dona Pandá esperou mais de meia hora após o combinado e, como Garrincha tinha aula, ficou claro que não adiantaria continuar esperando. Ele deve ter perdido a hora e deixado para vir após as aulas, pensou. Resolveu, então, fazer uma caminhada num parque próximo de onde estava.

Ela se percebeu distraída, não sabia quantas vezes passara pela pontezinha com o chorão. Estou preocupada com o garoto, pensou e resolveu voltar. Antes do almoço, no horário em que as aulas da manhã terminavam, novamente esperou na varanda e Garrincha não apareceu. Sem nada que pudesse fazer já que não tinha a menor ideia de onde ele morava, procurou se ocupar com uma boa leitura.

Na tarde do outro dia, foi chamada à portaria e lá encontrou uma senhora de cerca de 40 anos, vestida de uma forma simples, blusa com um remendo, muito limpa. Tentava se controlar, mas seus olhos vermelhos e o torcer compulsivo das mãos denunciavam um nervosismo contaminante. Foi olhá-la e perceber que só podia ser mãe do Garrincha tal a semelhança entre os dois. Quando Dona Pandá a cumprimentou, ela foi logo dizendo:

- Machucaram meu menino - e suas lágrimas desobedeceram a sua vontade. Entre soluços, contou que uns rapazes o pegaram quando ele ia para a escola. Queriam a bola, queriam que ele contasse onde estava já que não a encontram com ele.

- Onde ele está, agora?

- Na nossa casa. Outros colegas chamaram alguém da escola que levou meu menino para o pronto socorro e lá engessaram seu braço. Eles quebraram o braço do meu menino!

- Será que eu poderia ir com a senhora para vê-lo?

- Ele me pediu para não lhe contar, mas também não quer ficar como tratante com a senhora.

- Mas que bobagem! Vou pegar a bola, passamos na padaria para eu poder levar o sanduiche de que ele gosta.

Dona Pandá ficou muito aborrecida e se sentindo culpada por não ter percebido a realidade da vidinha de seu pequeno amigo. A visita acalmou a todos, depois que Garrincha contou que não deixou barato, mordeu a orelha do grandão e ainda chutou o saco de outro. Estava com um olho roxo e muito inchado, mostrando um quadro mais feio que grave. Quando viu a bola, ficou com aquele sorrisão gostoso que contagiou a casa e todos puderam, então, tomar o café que Dona Marta oferecia.

Dona Pandá se despediu, contando que estava de partida no dia seguinte, iria continuar sua viagem e na volta queria encontrá-lo bom para outro show de bola. Desde que vira o menino brincar com a bola, Dona Pandá ficou matutando em como poderia fazer alguém “descobrir” o novo Garrincha. Ela não tinha nenhuma relação com o futebol, por mais que gostasse de ver belos gols. Já estava praticamente no final de suas andanças e não parava de pensar no menino e tampouco descobrira como ajudá-lo. Estava sentindo -se chata. Era só conhecer alguém e lá estava ela querendo saber se a pessoa podia lhe dar uma boa ideia. Até que acabou sendo abordada, enquanto aguardava o chamado de seu voo, por um senhor que confessou ter ouvido sua conversa no balcão do café sobre o menino prodígio. Disse-lhe que se o garoto fosse de fato um novo Garrincha, poderia conseguir uma vaga para ele na escola de futebol do Timão. Dona Pandá quase imitou o menino e beijou a mão do homem. Trocaram seus cartões e ela lhe afirmou que daria um jeito de lhe apresentar o garoto com a bola.

Quando Dona Pandá foi procurar o Anastácio – custou-lhe lembrar do nome verdadeiro – ele havia viajado. Todos os dias, depois da retirada do gesso, o garoto ia até a pousada ver se sua amiga voltara e acabava ficando na calçada brincando com a bola. O acaso trouxe um casal em lua de mel, cujo marido era alguém entendido de talentos de pés e convencera Dona Marta e deixar Anastácio ir fazer um teste. Dona Marta mostrou-lhe o cartão. Dona Pandá pegou na sua bolsa outro cartão idêntico e, sorrindo, perguntou:

- Lua de mel, é? Ele devia mudar seu nome para Senhor Ligeirinho.

Dona Pandá voltou


Dona Pandá e Garrincha
 


Dona Pandá retornou à Chácara Xury depois de sua longa viagem para “terras distantes”. Não consegui ainda saber onde são essas terras, mas dá para perceber que fizeram bem à nossa amiga que parece um pouco cansada, mas bastante falante. Quer saber tudo e contar mais ainda.
Numa cidade das “terras distantes” Dona Pandá conheceu um menino dos seus 12 anos, magrinho, cabelos encaracolados, pretos e cheirosos, as pernas formavam um ângulo esquisito, pernas de Garrincha, olhos castanhos, vivos, brilhantes a cada pergunta. Eta menino curioso!
Eles se encontraram na praça. Dona Pandá estava descansando numa banco sob a sombra generosa de um flamboaiã quando alguma coisa bateu em seu braço esquerdo. Era uma bola de papel na frente de um moleque, cujo pé foi o responsável pelo chute.  Ela sentiu uma leve dor, viu a perna ainda no ar e ouviu um assobio estridente e interrogativo. O garoto chegou pedindo desculpas e, pegando a bola, quis correr.
- Veja lá, rapaz, está pensando que meu braço é trava de gol? Venha cá.
- Já pedi desculpas, moça.
- Moça?! Ora, você não enxerga mesmo? Então, lá sou moça?
- Você quer ser chamada de velha? Nunca vi uma mulher achar ruim por ser chamada de velha. Você é esquisita. Com esse chapéu aí maior que a árvore... Está rindo de mim? O que você tem nesse embrulho?
- O meu almoço. Você já almoçou? – Ao olhar para o menino, percebeu que dera um fora. Suas roupas, pés no chão e magreza diziam que almoçar podia não ser costume diário. – Vem cá, sente aqui e vamos comer juntos. Como você se chama?
- Anastácio, mas me chamam de Perninha. – Foi falando, chegando, assentando-se e os olhos cada vez maiores, grudados no sanduíche. Dona Pandá lhe entregou o objeto de seus fortes desejos e disse: - Deveriam chamar você de Garrincha. Sabe quem foi Garrincha? – Entre uma mordida e outra, o menino respondeu:
- O maior driblador do mundo. Vou ser que nem ele.
- Está bem, então come, depois a gente continua o papo. É feio falar com a boca cheia.
- Tô com uma fome danada!
Depois desse dia e enquanto ficou naquela cidade, Dona Pandá se encontrava com o garoto para lhe dar o sanduiche e especular sobre a vida do novo amigo. Soube que era filho de uma senhora que fazia faxina em algumas casas  perto da praça. Estudava pela manhã e à tarde ficava batendo bola perto, esperando a mãe que, às vezes, lhe trazia alguma coisa para comer.
Um dia,  Dona Pandá chegou com uma sacola e gritou para o menino que chutava sua bola de jornal: - Ô Garrincha, venha cá.
- Boa tarde, dona.
- Ah, agora, não sou mais moça, sou dona?! – Ele lhe deu um largo sorriso, mostrando seus dentes bonitos e foi logo falando: - Você é moça bonita!
- Que malandrinho! Vai ganhar um presente. – Falou, entregando-lhe a sacola, onde havia o sanduiche, uma lata de suco e a bola. O garoto pegou a bola e começou a pular e a gritar, largando a sacola com o lanche no chão. Sua alegria chegou a deixar Dona Pandá preocupada. Rodopiava, assobiava, jogava a bola para cima, chutava a bola e o ar, corria atrás da bola e de nada. Depois de algum tempo, correu para a amiga e perguntou:
- É mesmo para mim? Ou é só por um pouquinho? – Ao receber a resposta, pegou a mão de Dona Panda e beijou. Foi uma cena tão bonita, que a levou ao devaneio de como seria gostoso poder dar uma bola para cada moleque que visse. Voltando à realidade, pegou a sacola esquecida, tirou o lanche e gritou para o menino que já se distanciava cabeceando a bola:
- Vem comer, vem. - Ele veio brincando com a bola, pegou a sanduiche e ela o segurou:
- Coma primeiro que saco vazio não para em pé. Você já almoçou?
- Hoje, não. Mãe não veio me trazer nada porque ela está trabalhando na casa da Dona Euclécia.
- E a Dona Euclécia não tem almoço? Ou ela não gosta que sua mãe saia do trabalho?
- Ela vigia a mãe. Vou comer e depois vou fazer um show para você.
Ele deu mesmo um show com a bola e ainda estava rindo e se exibindo para a amiga quando chegaram os moleques. Garrincha abraçou-se com a bola e correu para o banco onde estava a mulher e lhe disse baixinho: - Fala que a bola é sua.
O garota mais velho veio na frente dos outros  e foi falando: - Ô Perninha, joga pra mim.
Dona Pandá pegou a bola e muito séria se dirigiu ao moleque: - Eu não conheço vocês, com é que vou lhes emprestar minha bola? – Os meninos não esperavam por esta e entre curiosos e querendo se divertir:
- Eu sou o Pelé, vovó.
- Eu sou o Neymar, vovó,
- E eu sou o Ronaldinho, vovó.
Pois eu sou o Mano e não gosto de netos. - Levantou-se, pôs a bola na sacola, deu um jeito de piscar para o Garrincha e falou: - Você vai me mostrar onde é a farmácia?
Os dois saírem andando, enquanto os “netos” ficaram a ver navios. Então, Dona Pandá falou:
- É melhor você ficar comigo até sua mãe sair e amanhã vamos ter que mudar de lugar.
 No dia seguinte ...