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O Boletim Ponto a Ponto a Ponto, em braille - Trabalho de quem está de bem com a vida


Informação na ponta dos dedos

Boletim criado por artista plástica compila reportagens transcritas em braille

Esta matéria é de autoria de Nathalia Ziemkiewicz (24/09/2009) sobre o generoso trabalho de Silvia Valentini



Sessenta páginas em branco, forradas de pontinhos em relevo, são decifradas por dedos sedentos de conhecimento. Ali, a assistente social Sandra Taioli Cassares entendeu o pré-sal, descobriu o formato de um carrapato e como é a atividade de um vulcão. Aos 59 anos, está agora encantada com um simples caça-palavras – em braille! Portadora de deficiência visual congênita, ela recebe há um ano o Boletim Ponto a Ponto, periódico mensal que compila reportagens de jornais e revistas. Todos transcritos para o sistema de leitura por meio do tato. “Só existe um veículo para cegos, mas é trimestral”, diz Sandra. “Ficava sem acesso a informações atualizadas e aprofundadas.”

A transformação na rotina de Sandra foi promovida pela artista plástica e paisagista paulistana Silvia Valentini, cujo único problema de visão, aos 60 anos, é uma miopia leve. Ela idealizou o boletim em 2006. “Os cegos não param numa banca, folheiam e escolhem o que ler: existe muita coisa acontecendo sem que eles saibam.” Ela só se deu conta disso quando, motivada por uma notinha de jornal publicada em 1994, virou voluntária da audioteca Clube da Boa Leitura. Silvia, que vivia no Rio de Janeiro, conheceu deficientes visuais e aprendeu o braille: “Achei incrível aquela possibilidade de aquisição de informação e superação”.

Ao perceber a escassez de material escrito e o isolamento social dos que não podem enxergar, ela primeiro criou um banco de endereços para correspondências. Assim, mais de 400 inscritos utilizaram o braille para trocar experiências, receitas e até alian-ças. Um dos remetentes, um senhor surdo-cego do Paraná que havia terminado o segundo grau e almejava o vestibular, viu no projeto a chance de aprimorar seu conhecimento. Escrevia para Silvia querendo saber, por exemplo, como era uma criação de codornas. E lá ia ela buscar o assunto na revista Globo Rural, traduzir e mandar pelo correio. Fez isso com mais de 300 artigos, que também emprestava a outros interessados.
A demanda por artigos transcritos era tanta que ela decidiu criar o Boletim Ponto a Ponto. Há um ano, os 2 mil exemplares mensais têm patrocínio da Petrobras Cultural – com término neste mês. A cada edição, é preciso escolher apenas sete das 30 reportagens publicadas por diversos veículos e já filtradas por Juliana, filha de Silvia. “Cabe muito pouco: cada lauda em tinta corresponde a quatro em braille”, afirma. “Queremos ampliar para 120 páginas.” Os boletins trazem também uma ilustração adaptada para o sistema binário: mapas sobre clima, posição das constelações, etc.

Organizado, o periódico segue para a Fundação Dorina Nowill, que faz a transcrição para braille, a diagramação, a revisão, a gravação da chapa matriz e a impressão. A distribuição (gratuita) é feita em bibliotecas e instituições públicas de todo o país. Estima-se que cada exemplar passe por cerca de 30 mãos diferentes. Sumário e editorial vão escritos em tinta e em braille, para despertar o interesse de quem enxerga. Se tiverem vontade de saber sobre o conteúdo, terão que pedir para um cego ler. Essa situação invertida devolve a autoestima. “Uma página em braille é escultura, peça tridimensional que faz superar limites”, diz Silvia.

Esta é uma reportagem do Projeto Generosidade. Todas as revistas e sites da Editora Globo participam desta ação por um mundo melhor. Conheça os detalhes do projeto no site www.projetogenerosidade.com.br