Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade
Clic sobre o livro (download gratuito). LEIA E DÊ SUA OPINIÃO

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A prenda,

 uma história encantadora declamada por Mia Couto


(Publicado no portal Geledês) Ghana-©-Kai-Jacobson

A PRENDA
Mia Couto

O menino
recebeu a dádiva.
Era o seu dia, assim disseram.
Estranhou:
os outros dias não eram seus?
Se achegou.
Espreitou.
A oferenda,
era coisa nenhuma
que nem parecia existir.
– O que é isso?, perguntou.
– É uma prenda, responderam.
Que prenda poderia ser
se tinha forma de nada.
– Abre.
Abrir como
se não tinha fora nem dentro?
– Prova.
Como provar
o que não tem onde se pegar?
Olhou melhor.
Fixou não a prenda,
mas os olhos de quem a dava.
Foi, então:
o que era nada
lhe pareceu tudo.
Grato,
retribuiu com palavra e beijo.
O que lhe ofereciam
era a divina graça do inventar.
Um talento
para não ter nada.
Mas um dom
para ser tudo.
Mia Couto
No livro “Vagas e Lumes“, págs. 105 e 106


sábado, 28 de novembro de 2015

Necesidad creciente de renovar las leyes nacionales sobre plaguicidas


La FAO y la OMS publican nuevas directrices sobre legislación y etiquetado




25 de noviembre de 2015, Roma – Treinta años después de que la FAO pusiera en marcha por primera vez su Código Internacional de Conducta para la Distribución y Utilización de Plaguicidas, el organismo de la ONU ha hecho un llamamiento a los países para que se aseguren que los marcos normativos nacionales que rigen el manejo de los plaguicidas se mantienen actualizados.

"A pesar de los avances muy significativos logrados desde la promulgación original del Código, muchas normas nacionales para el manejo de plaguicidas necesitan ser mejoradas para hacer frente a los desafíos de hoy", aseguró Ren Wang, Director General Adjunto de FAO al frente del departamento de Agricultura y Protección del Consumidor.

Ahora sabemos mucho más sobre las consecuencias a largo plazo sobre la salud y el medio ambiente de los plaguicidas, se han puesto en marcha nuevos acuerdos internacionales y se reconoce ampliamente que la mala gestión de los plaguicidas puede tener efectos negativos sobre el comercio de productos agrícolas. La legislación sobre plaguicidas formulada en las décadas de los años 80 y 90 necesita revisarse para asegurar que los países protegen eficazmente a las personas y el medio ambiente, advirtió Wang.

Añadió que a nivel mundial, el uso de plaguicidas ha seguido creciendo en las últimas tres décadas. Los datos de la industria indican que el tamaño del mercado mundial de plaguicidas se ha duplicado en los últimos 15 años y en la actualidad supera los 50 000 millones de dólares EEUU anuales en ventas.

Nuevas directrices sobre legislación y etiquetado
Para ayudar a hacer frente a estos retos, la FAO y la Organización Mundial de la Salud (OMS) han publicado un par de directrices actualizadas sobre legislación y etiquetado de plaguicidas que tienen en cuenta los nuevos avances y preocupaciones.

Las directrices revisadas explican en detalle los elementos de un marco jurídico nacional de plaguicidas valido, que sirva como referencia a los gobiernos que están revisando o actualizando la legislación sobre plaguicidas existente o redactándola a partir de cero.

Y un conjunto de estas directrices está dirigido a las autoridades reguladoras de pesticidas -sobre todo en los países en desarrollo y países con economías en transición- que elaboran o revisan los requisitos nacionales de etiquetado de plaguicidas. Las etiquetas de los plaguicidas -elemento fundamental en la protección de la salud humana y para evitar los impactos ambientales negativos- explican cómo utilizar los productos de forma correcta y lícita, describen los peligros potenciales y las medidas cautelares, y dan instrucciones sobre cómo responder a intoxicaciones o vertidos.

"La FAO insta a todos los países a tener en cuenta estas directrices en la revisión de sus actuales regímenes legislativos y de etiquetado de plaguicidas, con el objetivo de proteger mejor la salud humana y el ambiente y hacer la agricultura más sostenible", señaló Wang.

Código que pone orden en un caos legislativo
"El Código Internacional de Conducta para la Distribución y Utilización de Plaguicidas de 1985 ayudó a imponer un orden muy necesario en una situación de salvaje Oeste, en la que muchos países aún no tenían legislación para el control de plaguicidas, y los problemas con la salud y el medio ambiente derivados de su mal uso eran galopantes", según Wang. "Los que pagaron el precio más alto fueron los millones de agricultores pobres sin acceso a la información, formación y medios adecuados de protección".

El Código –que cambió su nombre al de Código de Conducta sobre manejo de plaguicidas y que ha sido actualizado varias veces, la última en 2013- junto con una serie de directrices técnicas de la FAO, trabajo normativo y programas de campo, ha proporcionado un marco de referencia internacional sobre el control de los plaguicidas tanto para los gobiernos como para el sector privado.

Hoy en día, casi todos los países cuentan con una legislación vigente sobre plaguicidas y los productos generalmente están mejor etiquetados. Los plaguicidas más tóxicos han sido retirados del mercado en muchos países, y cada vez se van incorporando con más frecuencia enfoques alternativos a la utilización de productos químicos en la agricultura, como el integrado, que hace hincapié en los métodos naturales para controlar y prevenir las plagas y enfermedades.

A pesar de este notable progreso, aún queda mucho por hacer. La FAO dará prioridad al apoyo a los países para fortalecer su capacidad de aplicar la legislación y promover el manejo integrado de plagas para reducir la dependencia de los plaguicidas.

El Organismo de la ONU proporcionará también orientación a los gobiernos para ayudarles a revisar su lista nacional de plaguicidas autorizados con el fin de identificar los plaguicidas sumamente peligrosos que requieran atención especial, por ejemplo porque la manera en que se utilizan comúnmente en el país puede plantear riesgos elevados para la salud o el medio ambiente.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Delações aos magotes


Na ação do juiz Moro, a prisão antecipa a pena. Lá se vai a presunção de inocência

por Mauricio Dias — publicado 27/11/2015 em Carta Capital

Talvez não haja no Brasil de agora um instrumento jurídico mais popular do que a contestada delação premiada inaugurada na Lava Jato em outubro de 2014, mas presente na história do Brasil desde 1789, ano em que Joaquim Silvério dos Reis delatou Tiradentes.

No presente momento, em pouco mais de um ano, estão computados mais de 30 delatores. Paira no ar, no entanto, a ameaçadora informação de Rodrigo Janotdada na sabatina no Senado, quando foi reconduzido ao cargo de procurador-geral da República. Até então, disse ele, estavam em negociação no âmbito da Lava Jato entre 50 e 60 delações.

Não se sabe se nos números de Janot estava incluída a explosiva confissão de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. É a mais recente. Foi consumada na sexta-feira 20.

O método do juiz Moro é sustentado por um princípio: da delação nasce a prova. Posteriormente, que seja testada nos tribunais. Segundo os advogados, as confissões são arrancadas, muitas vezes, por critérios ilegais. A prisão antecipa a pena. E, então, lá se vai a presunção de inocência.

Assim Cerveró abriu o bico. O senador petista Delcídio do Amaral tentou calá-lo de forma grotesca e, possivelmente, criminosa. Falou demais. Estava grampeado pelo celular de Bernardo Cerveró.

Bernardo é filho do delator. Grampeou Delcídio e, simultaneamente, pescou André Esteves, peixe bem graúdo. Banqueiro influente, Esteves é um dos homens mais ricos do Brasil. Segundo a revista Forbes, tem cerca de 3 bilhões de dólares.

Com todo esse dinheiro acaricia os amigos mais próximos como Aécio Neves. O senador tucano, acompanhado da mulher, já curtiu alguns dias no majestoso Waldorf-Astoria com viagem e diárias pagas por Esteves.

Como é pequena a elite deste país. Eles se conhecem.

Delcídio tem passe livre para transitar nesse grupo. Foi diretor de Gás e Energia da Petrobras no segundo mandato de Fernando Henrique. Senador por Mato Grosso do Sul, por razões políticas locais saiu do PSDB para o PT. É um político anfíbio. Ele próprio se define como “o mais tucano dos petistas”.

Isso expressa o comportamento das regras básicas das políticas tradicionais. Pouca coisa é feita pelo interesse coletivo. Predomina o interesse pessoal.

Sob a perspectiva do senso de humor, já é possível visualizar resultados desse vergonhoso episódio político. Ele pode provocar, por um lado, a redução nas ligações via celular e, por outro, talvez seja capaz de reduzir os gastos do Congresso.

Isso teria um provável impacto negativo no ganho das operadoras. Curiosamente, essas empresas, ao fim e ao cabo, são vítimas da tecnologia embutida nos aparelhos de telefone com os quais elas inundam o mercado.

Os políticos como Delcídio precisam ter cuidado com o uso deles

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Carta aberta à ministra Carmen Lúcia, do STF



Prezada Ministra Carmem Lúcia,


Nosso País acordou estupefato com a prisão de um senador da República. Por outro lado, alivio-me com a prisão de um banqueiro, um dos mais ricos do Brasil.

Não guardo intimidade com o pensamento do Senador Delcídio do Amaral em virtude de suas origens políticas, ligadas à privatizações e ao nefasto neoliberalismo. Porém, sua prisão nos coloca sob espanto pelo colorido de arbitrariedade em face da imunidade parlamentar de que gozam os eleitos pelo povo para ocupar cadeira na mais alta casa legislativa.

Perdoe-me, ministra Carmem, por me dirigir a senhora sem o traquejo jurídico próprio dos advogados, já que não sou um e sem a formalidade de um tribunal, já que não pertenço a nenhum.

Aqui tenho o objetivo de questioná-la pelo que disse na 2ª turma do STF ao justificar seu voto na decisão do ministro Teori Zavascki ao ordenar a prisão do Senador Delcídio do Amaral e do Banqueiro André Esteves.

É de se esperar que os homens e as mulheres eleitos e eleitas sejam honestos, honestas, probos e probas nas suas atividades parlamentares, embora alguns afrontem e desrespeitem a sensibilidade social e a cidadania, como é o caso do Senador Ronaldo Caiado, que frequentemente usa camiseta amarela com os sinais de 9 dedos, em deboche a deficiência física do ex-presidente Luiz Inácio Luiz da Silva, sem que seja incomodado em momento algum por esse preconceito e crime.

Nesta carta singela desejo lhe dizer que me senti ofendido e desrespeitado como cidadão com seu discurso ao justificar seu voto a favor da prisão de Delcídio do Amaral, nesta manhã.
A senhora disse que antes nos fizeram acreditar que a esperança venceu o medo. É evidente que a senhora se referiu à campanha eleitoral e eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem citá-lo.

E vencemos mesmo, ministra Carmem. Milhões de brasileiros fomos ameaçados com o estouro do dólar, com a fuga dos empresários que investiriam em outros Países abandonando o Brasil ao desemprego e à pobreza. Uma atriz da TV Globo apareceu em noticiários e na propaganda eleitoral do PSDB fazendo caras teatrais de assustada e dizendo: “ai, estou com medo”. Pois vencemos essa tentativa. Os milhões de votos investidos em Lula transcenderam fronteiras partidárias para afirmar nossa esperança contra as ameaças rasteiras e desonestas. Vencemos o medo, com muita esperança. O Brasil se sentiu recompensado com essa vitória. A senhora sabe!
Como cidadão e como povo me sinto ofendido e agredido em minha esperança e em minha fé com essa sua fala, para mim irônica e sem nenhuma relação com o mensalão da mídia, com muitos casos dúbios e influenciados pela opinião publicada.
A senhora carregou sobre a ironia sem nexo ao afirmar que “agora o escárnio venceu o cinismo”.

Qual a relação do possível crime do Senador Delcídio do Amaral, nem investigado totalmente e, muito menos julgado e condenado, com a vitória da esperança em 2002?
A senhora quer nos envolver em todos os possíveis crimes de Delcídio? A senhora falou pensando em investigação e condenação do ex-presidente Lula, o candidato a respeito de quem se usou o slogan “a esperança venceu o medo”? A senhora já sabe, mesmo sem julgamento, que o Senador Delcídio do Amaral é criminoso, até mesmo antes da manifestação da casa onde ele é parlamentar?
Na fundamentação de seu voto a favor da prisão do aludido senador a senhora asseverou que “ agora o escárnio venceu o cinismo”.

Pergunto se o seu voto não se referia a um senador? Se se referia ao Senador Delcídio do Amaral qual a relação da ironia com os votos de milhões de brasileiros que tiveram esperança de mudar aquela realidade triste de desemprego, de miséria e de pobreza em 2002?

A senhora ameaçou quem ao afirmar posteriormente que “criminosos não passarão sobre a justiça”, alertando a todos do mundo da corrupção?

Perdão, ministra, mas a minha ofensa também vem do fato de a senhora misturar ironicamente fatos e valores sem nenhuma relação, sendo que a esperança realmente venceu o medo e sempre vencerá as vilanias da classe dominante, principalmente da rapinagem dos poderosos internacionais, que atuam por meio de jagunços nacionais.

Pior, a sua referência de falso senso de oportunidade choca por estabelecer nexos irreais entre um senador atual, preso acusado de atrapalhar investigações, com toda a força da esperança de um povo.

Choca mais o fato de a senhora não fazer nenhuma menção ao banqueiro André Esteves, dono do Banco BTG Pactual, também preso como suspeito de fazer uma operação polêmica na área internacional da Petrobras, ao comprar poços de petróleo na África, sendo ele um dos homens mais ricos do Brasil, um País pobre e, mesmo assim, de esperanças que vencem os medos.
A senhora não disse nada sobre André Esteves foi pelo fato de ele ser banqueiro e rico? Haveria na senhora algum senso de seletividade, como o há na mídia que reforçou com grande destaque as suas palavras?

Enfim, perdoe-me pela ousadia de exercer o direito de questionar, de me indignar contra as seletividades e contra o deboche em relação ao povo que tem esperança, apesar do medo que diuturnamente lhe impingem.

• Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.

Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mana Meiri

Mana Meiri, tão querida, tão amada,
Hoje é dia de seus anos,
Você esperou eu ter três para chegar.
Chegou quietinha, carequinha,
Encantou a todos, deixando Mamãe feliz.
Mamãe sorriu com seu sorriso
Mais lindo que de Mona Lisa
E o encantamento foi tão encantado
Que trouxe o varão sisudo.
Calmo, foi diferente para ter
Da Mamãe a atenção buscada.
Foram mais três anos que Mamãe
Pouco sabia do que não fossem
Seus dois tesouros.
Ah! Aí cheguei eu,
Levando Mamãe do seu aconchego.
Foi Dindinha que me recebeu
E logo foi tirada de perto de mim.
Mamãe e Dindinha choraram.
Percebi que era minha vez
De à Mamãe o sorriso levar.
Você não estava por perto,
O varão também não.
Que mutreta tenho de ser
Pra fazer você de novo encantar
Mamãe, que sorrindo pode espalhar,
Que nem galinha ciscando
Os pintinhos proteger
E ainda o Papai feliz fazer?
Assim, foram 13 anos,
Com mudanças de casa, de cidade, de estado.
De repente, sem que quisessem
A mim fizeram e cheguei apressada,
Com medo de o trem perder.
No lugar do médico, a pequena prima
A Mamâe  ajudar veio.
Você onde estava, mana amada?
Limpando a casa? Fazendo comida?
Começou aí, seu papel de Matriarca,
De todos cuidando com a sua generosidade,
Seu carinho, seu saber.

Alterosas, 24 de novembro de 2015.









domingo, 22 de novembro de 2015

João Cabral relido pela chave da imaginação



Em obra surpreendente, pesquisadora reage ao mito da “racionalidade” do poeta pernambucano, contesta corrente majoritária da critica e descobre um autor notável também ao  expressar sentimentos e criar imagens

Por José Tadeu Arantes, na Agência Fapesp

É possível fazer uma nova leitura de um poeta consagrado e tantas vezes analisado como João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999)? A convicção de poder responder de maneira afirmativa a esta pergunta motivou a tese de doutorado de Cristina Henrique da Costa, atualmente professora no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL – Unicamp).

Apresentado como tese de doutorado na Universidade Montpellier 3, na França, em 2002, o trabalho foi depois substancialmente revisto e ampliado, dando origem ao livro Imaginando João Cabral Imaginando, publicado com o apoio da Fapesp.

“Acredito que uma certa teorização da obra de João Cabral tenha obstruído nossa capacidade de ler sua poesia, tornando-nos surdos à potência de sua imaginação poética. Procurei dar voz ao sentimento, tanto o meu, como leitora, quanto o do poeta, lutando contra a tentativa da crítica de silenciar esse sentimento em nome da razão, por meio da criação do mito de um poeta inteiramente racional”, disse Cristina à Agência FAPESP. “Nossos sentimentos poéticos podem ser muito claros, e, pensando bem, de onde vem a autoridade que os decreta obscuros? Não se pode ler um poema como o “Cão sem plumas” sem sentimento, ou como obra racional, embora seja o mais claro poema de João Cabral”, prosseguiu.

A pesquisadora revalorizou os elementos surrealistas presentes na obra do poeta pernambucano. E, para tanto, apoiou-se nas contribuições à teoria e à crítica literárias do filósofo francês Gaston Bachelard (1884 – 1962). Bachelard é mais conhecido no Brasil por seus escritos em filosofia e epistemologia da ciência, que constituíram, conforme a interessante classificação por ele mesmo proposta, sua “obra diurna”. Mas houve também um Bachelard “noturno”, que se dedicou especialmente à prática e ao estudo da imaginação. “Ele considerou a imaginação uma faculdade fundamental, não subordinada à razão, nem ao discurso do inconsciente, na acepção psicanalítica – uma faculdade à qual atribuiu grande parte da criatividade humana”, afirmou Cristina.

Declarado o embasamento teórico de seu livro, porém, a pesquisadora ressaltou que não o escreveu para exemplificar uma teoria. “O que se faz muito é adotar uma teoria e aplicá-la a determinada obra. Com isso, tendo-se decidido de antemão o que a obra irá dizer, é possível fazer com que ela diga qualquer coisa que se queira provar. Não foi o que eu pretendi fazer. Parti da hipótese de descobrir alguma coisa, sem saber o que era. Só assim me pareceu possível enfrentar essa leitura. Mas precisei fazer um grande esforço. Para uma professora de teoria literária, nada é mais fácil do que teorizar”, disse.

Assim, Costa procurou tanto compreender a gênese da poesia cabralina, investigando seus Primeiros poemas, publicados apenas em 1990, quanto reler, pelo método da exaustividade, seus poemas consagrados, especialmente os livros que vão de Pedra do sono (1942) ao Cão sem plumas (1950).
“Comecei pelos primeiros poemas, escritos por João Cabral na adolescência, até os 20 anos de idade. Reza a lenda que, mais tarde, ele chegou a rasgar esses poemas e jogar fora. E que sua primeira esposa, Stella Maria Barbosa de Oliveira, os recolheu e colou. Só foram publicados meio século depois. Usei esses poemas querendo contestar uma tese básica da crítica à obra cabralina, que consiste em dizer que o poeta se valeu do procedimento surrealista como subterfúgio psicológico, para descrever suas obsessões, e depois renegou o surrealismo. Eu quis mostrar, já nos primeiros poemas, que, em vez de cartilha psicológica, o surrealismo foi para ele uma opção estética mais interessante que o simbolismo. Procurei, com isso, revalorizar o surrealismo de João Cabral”, relatou Costa.
É certo que João Cabral não utilizou a chamada “escrita automática”, a livre associação de palavras, considerada o método por excelência do surrealismo. Mas, segundo a pesquisadora, ele recorreu a outro recurso surrealista que é uma certa concepção da imagem. “Esse recurso é muito forte na obra do poeta francês Pierre Reverdy (1889 – 1960). Do meu ponto de vista, Reverdy é uma referência básica para entender João Cabral. Assim como Murilo Mendes (1901 – 1975)”, afirmou.

Diferentemente da metáfora, que consiste em algum tipo de substituição de uma palavra por outra, em função de alguma analogia que se possa perceber entre elas, a imagem, tal como foi concebida por Reverdy, pressupõe a aproximação de duas realidades que nunca foram aproximadas. Teorizando sobre o tema, assim escreveu o poeta francês: “A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos afastadas. Quanto mais distantes e justas as relações entre as duas realidades aproximadas, mais forte será a imagem”.

“Essa definição de imagem é fundamental para compreender também o que esteve em jogo para João Cabral como criador de imagens, e não apenas como pensador preocupado ‘racionalmente’ com definições metapoéticas. Pode-se afirmar que nele toda aquela discussão sobre o signo, sua fragilidade, sua impossibilidade moderna de representar alguma coisa, foi superada pelo desejo de criar imagens novas com as palavras. O que não significa que essas questões não o tenham ocupado. Ao contrário, tratou de tentar resolvê-las com imaginação”, discorreu a pesquisadora.
Como exemplos das muitas imagens “reverdyanas” presentes na obra de João Cabral, Cristina citou os próprios títulos dos livros Pedra do sono e Cão sem plumas. “O ‘cão sem plumas’, de João Cabral, é aquilo que Reverdy chamaria de ‘imagem inadaptável’, a imagem que, uma vez enunciada, passa a designar aquilo que antes não tinha nome”, afirmou. “Assim como a ‘mulher vestida de gaiola’, a ‘faca só lâmina’, a ‘paisagem zero’, e tantas outras.”

Tais imagens não são de forma alguma arbitrárias. Se não correspondem a coisas perceptíveis pelos sentidos realisticamente disciplinados, correspondem por certo a um sentimento poético sobre as coisas. O “cão sem plumas”, ao qual o poeta pernambucano comparou o rio Capibaribe, que atravessa a cidade de Recife, é algo que, por assim dizer, “estava lá”. Faltava que alguém o imaginasse e o nomeasse.

As primeiras quatro estrofes do longo poema estabelecem com precisão a que essa imagem refere:
A cidade é passada pelo rio
como uma rua

é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos polvos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.”

Assim utilizada, a imagem assumiria um importante papel cognitivo, ampliando, uma vez enunciada, a visão que se tem da realidade. Isso daria ao poema um valor político, independentemente da temática o ser ou não. “Na metáfora, estamos sempre dependentes do passado: uma coisa que lembra outra coisa, e nos prende ao arcaico. A imagem, ao contrário, nos projeta para o futuro imaginável”, comentou Cristina.

Para penetrar no mundo das imagens cabralinas, a pesquisadora recorreu, ela mesma, à imaginação. “Meu método foi usar a imaginação para entrar em poemas que me pareciam de início inteiramente incompreensíveis e herméticos. A primeira leitura de A educação pela pedra (1966) foi, para mim, a experiência de não entender nada. Então, eu me pus a imaginar suas imagens, no lugar de ter que explicá-las racionalmente, ou no lugar de não compreendê-las, atitudes que são para mim as duas faces de uma mesma moeda da leitura que teoriza. E descobri que, imaginando as imagens dos poemas desse livro, podia chegar a um conteúdo afetivo, estabelecendo com elas uma relação de simpatia. Minha pretensão foi superar, por meio da imaginação, o mito do poeta racional, que o próprio João Cabral construiu e a crítica comodamente corroborou”, explicou.

“É curioso, de fato, que se dê mais ouvidos às intenções declaradas pelo poeta do que aos seus próprios poemas. Ora, o que João Cabral disse em entrevistas não foi o que ele fez na poesia, felizmente. Foi preciso também fazer a experiência de leitura dessa contradição para olhar a beleza e a violência de João Cabral. Considerem-se as imagens de esfolamento, corte, feridas, facas, ácidos, pontas e esqueletos afiados por dentro, para nem falar dos mortos cremados, dos corpos apodrecidos, das flores fecais e das diversas decomposições retratados em seus poemas. Mas, elas estão lá, assim como as mulheres ondas, calores uterinos, pães quentes, luzes internas e ovos misteriosos, que ajudam a compor um mundo habitável. Isso pouco tem a ver com frieza objetiva e projeto racional, embora possa ser compreendido claramente e compartilhado pela leitura”, argumentou a pesquisadora.

Embora o empenho de Cristina Henrique da Costa tenha sido acessar a poesia de João Cabral a partir dela mesma, e não de sua inserção na história, a pesquisadora não pôde se furtar à descoberta de uma relação tensa, intranquila, entre João Cabral e sua herança histórica. “Nascido como poeta no contexto da ditadura do Estado Novo (1937 – 1945), em um universo de censura, em uma região sitiada [o governador de Pernambuco, Lima Cavalcanti, foi acusado de envolvimento com o comunismo], João Cabral desde então falou, à sua maneira, do real proibido. Sua ‘objetividade’, longe de indicar uma posição de distância em relação aos seus objetos, apontou muitas vezes para o drama da impossibilidade de objetivar aquele que dos objetos desejava falar. Em João Cabral, a valorização do real não deixa também de ser uma máscara para dissimular a recusa de se assumir como parte da realidade”, concluiu.
Fonte: Outras Palavras

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O antipetismo em nome de um moralismo de fancaria

A direita se vale do moralismo da elite financeira que sonega impostos e suborna funcionários públicos

A tarefa prioritária, ingente e agônica da esquerda e dos liberais progressistas é esmagar o ovo da serpente antes que a peçonha contamine por completo o corpo social, costurando as bases de um Estado reacionário, conservador, autoritário e, ninguém se engane, protofascista. Assim se vem modificando o caráter da sociedade brasileira, aos poucos mas sistematicamente.
Ele se manifesta sob as mais variadas facetas, no Parlamento e na vida social.
antipetismo em nome de um moralismo de fancaria  – esse que a imprensa e os partidos de oposição destilam – é apenas uma só de suas máscaras, como o moralismo é apenas um disfarce. Pois tudo, fatos e criações, são, tão-só o instrumento de uma tentativa, em marcha desde 2013, ou antes, de implantação, entre nós, de uma clima de violência que lembra (pelos efeitos psicossociais) o  fascismo italiano e o nazismo alemão em suas infâncias, envenenando as entranhas de suas sociedades.
Não caminham, ainda, pelas ruas, os camisas pretas, os grupos paramilitares quebrando lojas de judeus e espancando homossexuais, prostitutas, negros e comunistas, mas celerados conspurcam velórios e atacam o Instituto Lula. Ontem, nos anos da ascensão integralista brasileira, os camisas verdes das hordas de Plínio Salgado desfilavam impunes até a tentativa de assassinar o presidente Vargas em um putsch covarde que lembrava e imitava a primeira tentativa hitlerista de tomada do poder (levante de Munique, 1924) pelo golpe de força. 
Nos idos brasileiros da repressão militar, grupos de aloprados depredaram no Rio de Janeiro o Teatro Opinião e em São Paulo invadiram  o Teatro Ruth Escobar durante montagem de “Roda Viva”? Nos estertores do terrorismo praticaram atentados contra a OAB e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e tentaram o felizmente frustrado massacre do Riocentro. São sempre os mesmos, variam os países, variam as datas e os pretextos mas a ideologia do ódio e a covardia na ação são as mesmas. 
Agora, súcias de ululantes bem nutridos, vestidos ou não com a camisa da seleção canarinha, tentam, em todo o país, mediante o amedrontamento físico, interditar, em um hospital da grã-finagem paulistana, nas ruas, nos bares, nos aviões, nos aeroportos, a livre circulação de homens de bem como, Guido Mantega, João Pedro Stédile e, de último, o ministro Patrus Ananias.
Tudo isso está na crônica jornalística. Mesmo em seus momentos mais acres de disputa política, a direita brasileira jamais havia ousado tanto e jamais nossas esquerdas haviam recuado tanto, e jamais os liberais foram tão omissos.
Os primeiros sinais foram dados na abertura dos Jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro (2007), e replicados em Brasília na abertura da Copa das Confederações em 2013. A esquerda não quis ver nem ouvir, fez-se de morta, como se as vaias e as agressões – primeiro a Lula, depois a Dilma – não lhes dissessem respeito e, assim, silente e inerte permaneceu sem qualquer tentativa de compreender as jornadas de 2013 – prenúncio as dificuldades de 2014, que assistiu atônita.

O moralismo da elite financeira que sonega impostos e suborna funcionários públicos sempre foi a chave para a conquista da classe média. Dele sempre se valeu a direita, no Brasil e em todo o mundo.
Assim foi entre nós nos idos de 1954 quando a classe média, majoritariamente, e setores liberais da sociedade, populares e mesmo o movimento estudantil, e mesmo setores da esquerda e comunistas sob a liderança de Pestes, abraçaram  o cantochão da direita  que a todos mobilizou no pedido de renúncia de Getúlio Vargas, quando o alvo, encoberto pela denúncia de  um ‘mar de lama’ que jamais existiu, era a política nacionalista do ditador feito presidente democrata. A história não se repete, mas há pontos de contato entre dois momentos históricos tão distintos.
Getúlio também levara a cabo uma campanha presidencial levantando as teses progressistas do nacionalismo e do trabalhismo, mas, para executa-las, montara um ministério  reacionário. Era a sua forma de compor com as elites, especialmente paulistas, que  sempre lhe foram hostis. Era a velha ilusão da conciliação de classes, que conquistaria Lula tantos anos passados.
Não deu certo com Getúlio como não daria certo com Lula e não está dando certo com Dilma. Atacado pela direita, inconformada com a aliança do trabalhismo com o nacionalismo, viu-se Vargas em 1954  sem o apoio das massas trabalhistas. Essas só foram às ruas – e foram como turba, sem vanguarda – depois do suicídio. E, aí, nada mais havia a ser feito.
Naquela altura como hoje, e como nos preparativos de 1964, a imprensa brasileira, igualmente monolítica e igualmente de forma quase unânime, servia à saturnal dos ódios que envenenava a opinião publica e deixava aturdido o povo, mesmo os trabalhadores – então como agora desassistidos ideologicamente por seus partidos e organizações.
Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê no cume de uma campanha de descrédito presidida pela imprensa, uma vez mais a partir da cantilena moralista. Uma vez mais o governo de centro-esquerda se vê desprotegido no Congresso, onde dominam ora uma oposição ensandecida, ora uma base parlamentar movida a negócios e negociatas e negocinhos a cada votação.
Para não dizer que a história se repete, lembremos que os postos antes ocupados por Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro e outros de igual calibre é exercido hoje por Paulinho da Força, Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha – o que apenas diz que o aviltamento da linguagem e dos procedimentos alcançou o mais baixo nível da República.
Uma vez mais, agora como em 1954, as grandes massas não afluem em defesa de seu governo.
Uma vez mais a moralidade é um mero biombo dos grandes interesses em jogo.
Pois o que está em jogo não é a moralização dos costumes – e quem é contra? – nem é só a tentativa de assalto  ao mandato legítimo da presidente Dilma. Não é só a destruição do PT e dos demais partidos de esquerda, inclusive daqueles que ainda hoje pensam que passarão incólumes. Não é apenas a destruição de Lula, ainda a maior liderança popular deste país depois de Vargas.
O que está em jogo são os interesses dos trabalhadores, da economia e da soberania nacionais, de defesa  ainda mais difícil após eventual derrocada do atual governo. Adiada – até quando ? – a hipótese do impeachment clássico, a oposição põe em prática um novo projeto de golpe, contra o qual nem a base parlamentar do governo – heterogênea e frágil –,  nem muito menos sua articulação política parecem preparadas para enfrentar.
Trata-se da tática de impedir o governo de governar, e contra essa artimanha nem mesmo as últimas negociações ministeriais – penosas, rasteiras, pedestres e nada republicanas – se mostraram eficientes.  E enquanto o governo não governa e se desgasta perante a opinião pública, a direita governa, desfazendo, no Congresso ordinário, as grandes conquistas da Constituição de 1988.
A direita, sob a batuta de Eduardo Cunha, faz sua parte, e dessa desconstituição conservadora fazem parte o  fim do desarmamento, o fim da demarcação das terras indígenas (fim dos índios?), o fim dos direitos sexuais das mulheres, e a quase legalização do estupro,  o fim da pós-graduação pública gratuita.
A destruição do governo Dilma levará de roldão a política de prioridade nas compras estatais aos produtos e bens nacionais, levando consigo, de saída, a indústria naval brasileira. Levará de roldão os projetos sociais, como o Minha casa, Minha vida; o Luz para Todos; como o Bolsa Família. Mudará a política de reajuste do salário-mínimo e, fundamentalmente, a política de transferência de renda.
Será a renúncia ao pré-sal (já caminha o projeto José Serra), será o fim de uma política externa autônoma, com a aliança subserviente e submissa aos interesses dos EUA, será o fim do Mercosul e a retomada da Alca, nossa recolonização, será um torpedo contra os BRICS e uma ameaça às experiências de governos independentes na América do Sul. (
Por isso, certa está  a Frente Brasil Popular por entender que os erros da atual política econômica – agravados pela crise ética que assolou os governos do PT –  não podem servir de argumento para a omissão na defesa do mandato da presidente Dilma, ou, dito por outras palavras, nem a defesa do mandato inviabiliza a crítica à política econômica, nem a crítica à politica econômica inviabiliza a defesa do mandato.
Ao contrário, a  defesa do mandato deve ser feita de par com o combate à política recessiva e esse combate deve ter em vista a reaglutinação das forças progressistas de esquerda, com objetivo claro, deter a reação. Para isso é preciso construir uma nova correlação de forças.
Fonte: Carta Capital