Roberto Requião: “Não assino
embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do trabalho”
(Entrevista
de Roberto Requião a Mino Carta, publicada por Carta Capital em 23 DE JUNHO DE 2020)
Em entrevista a CartaCapital,
ex-senador defendeu mobilização por impeachment, mas destacou urgência de
proposta que supere crise econômica
O
ex-senador e ex-governador do Paraná Roberto Requião (MDB-PR) defendeu
mobilizações pelo impeachment, mas rechaçou a proposta de construção de uma
frente democrática que não questione a exploração do trabalho. Em entrevista ao
diretor de redação de CartaCapital, Mino
Carta, nesta terça-feira 23, Requião afirmou que apoia iniciativas voltadas
para exigir o impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, mas não
participará de movimentos que se dizem democráticos e, ao mesmo tempo,
sustentem reformas liberais que precarizem os direitos dos trabalhadores.
“Acho que são coisas diferentes. Tirar o Bolsonaro, assino embaixo. Mas
não assino embaixo de frente democrática que não questiona a exploração do
trabalho”, declarou.
Em sua visão, a aprovação de um projeto de impeachment nas atuais
condições é uma tarefa difícil, porque o Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal (STF) parecem apoiar abertamente as medidas econômicas do
governo federal. Ao mesmo tempo, Requião considera que as políticas de
austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, colaboram para que o Brasil
entre em um cenário caótico após a pandemia do novo coronavírus.
“O impeachment do Bolsonaro, com esse Congresso Nacional eleito nas
circunstâncias em que foi eleito, com esse ‘centrão’, com o meu partido, que é
o MDB, incondicionalmente apoiador das medidas do Paulo Guedes e do Bolsonaro…
O impeachment congressual é muito difícil. Também por uma visão do STF, do
judiciário brasileiro, estão abertamente apoiando o liberalismo econômico proposto
pelo Guedes, a serviço dos interesses geopolíticos norte-americanos e do
capital financeiro no mundo”, afirmou.
Requião acredita que o Brasil está próximo de uma “crise brutal”, com a
previsão de queda de 6% a 11% do Produto Interno Bruto (PIB). Para superar os
efeitos das políticas econômicas do governo, Requião defende a formulação de um
projeto “suprapartidário” que combata as reformas liberais. No entanto, o
ex-senador que parte dos interesses por trás do “Fora, Bolsonaro” consistem na
manutenção das medidas adotadas por Paulo Guedes.
Em suas palavras, Bolsonaro é um “palhaço no picadeiro do circo
nacional”. Mas não basta a nós removermos o Bolsonaro e deixarmos o circo em
pé, que é patrocinado pelo mercado financeiro e operado pelo Guedes, segundo
ele diz.
“Se formularmos um projeto suprapartidário de empolgação nacional e de
devolução da esperança, nós saímos desse buraco. Agora, o Bolsonaro é uma
figura menor, uma consequência, um acidente que aconteceu no caminho dessa
direita. Eles não gostam do Bolsonaro, eles dizem ‘Fora Bolsonaro’ também.
Querem botar freio e bridão no ridículo do Bolsonaro para seguir com a reforma
liberal que já fracassou no mundo”, argumenta.
Na opinião do ex-senador, é preciso abrir uma proposta sustentável para,
a partir disso, criar um espaço democrático. Caso contrário, a tendência é
surgir movimentos de esquerda ou de direita “completamente insustentáveis para
o momento”. Entre as pautas cruciais, segundo ele, está a defesa aos direitos
trabalhistas, já desmontados com a aprovação da reforma trabalhista na gestão
de Michel Temer.
Requião critica privatização de empresas estatais
Para Requião,
o governo federal segue em projeto de dar “fim à nação” com a privatização de
empresas estatais estratégicas. A começar pela privatização da água e do
esgotamento sanitário, resumo da proposta que deve ser votada no Senado
Federal, na quarta-feira 24, no novo marco regulatório do saneamento
básico. O setor privado já mirava as empresas públicas de saneamento desde
o ano passado. O texto é amplamente criticado por especialistas e
entidades que defendem os direitos à água e ao saneamento. O argumento é de que
a privatização deve aprofundar desigualdades com o aumento de tarifas e a falta
de interesse de companhias privadas em atender locais longínquos.
“Não se pode servir ao povo e ao capital financeiro. O capital
financeiro está destruindo a humanidade. E essa loucura toda de privatizar a
água, como está em pauta no Congresso?”, protestou. “Eu vejo a crise chegando
com as bobagens do Guedes e o acelerador do coronavírus.”
Para Requião, é preciso estabelecer um “referendo revogatório” para
recuperar empresas estratégicas que foram vendidas ao setor privado. O
ex-senador citou uma carta que disse ter enviado a embaixadas para alertar aos
compradores de empresas estratégicas brasileiras que a prática é um “crime
contra o país”.
“Quem estava comprando empresas estratégicas brasileiras, estava
comprando de quem não podia vender. De quem não propôs, no processo eleitoral,
essa barbaridade. Estava comprando mercadoria roubada, portanto, cometendo
crime de receptação. E que, mais cedo ou mais tarde, teria que devolver o que
comprou dessa forma receptadora, sem indenização alguma. Nós precisamos da
Petrobras, do Banco do Brasil, da Eletrobrás. E o que eu vejo? É que, apesar da
crise do Queiroz, o que acontece é o avanço do fim da nação. Agora, com a
tentativa de venda das empresas de saneamento e de purificação de água, o que é
um crime contra o país”, disse.
Outra
prioridade defendida por Requião é tirar o Banco Central da dominação dos
bancos privados. Conforme mostrou CartaCapital,
estabelecer a chamada “autonomia” do Banco Central é uma bandeira de grandes
alas parlamentares no Congresso. No entanto, especialistas afirmam que descolar
o Banco Central da política econômica do poder Executivo pode aumentar a
influência das empresas privadas do mercado financeiro sobre a instituição.
Para Requião, é urgente que o Banco Central esteja alinhado com demandas
sociais, como o combate ao desemprego.
“Começa tirando o Banco Central da mão do Bradesco, do Santander e do
Itaú. O Banco Central tem que ser vinculado a um projeto nacional, subordinado
à proposta do presidente da República, eleito pela maioria. Nos Estados Unidos,
o Banco Central se destina à estabilidade da moeda e à manutenção do nível do
emprego”, afirmou
Fonte: Carta Capital