Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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domingo, 7 de outubro de 2012

Um tribunal que condena por achar que existe crime onde faltam provas


Ouvi estarrecido de uma ministra do Supremo que não achava razoável supor que o ex-ministro não soubesse do esquema de pagamentos, presumindo-se, desde logo, que os pagamentos teriam sido feitos para comprar votos e não para pagar dívidas de campanha. Ela não disse que os autos demonstram inequivocamente que Dirceu soubesse do esquema. Ela disse o que teria dito um magistrado da ditadura: que Dirceu teve a intenção de montar o esquema O artigo é de J. Carlos de Assis.
J. Carlos de Assis*

Fui um dos últimos, talvez o último jornalista a ser processado por crime de opinião nos termos da infame Lei de Segurança Nacional da ditadura, em 1983. Havia feito uma série de reportagens na “Folha de S. Paulo” vinculando uma trama financeira fraudulenta na cúpula da Capemi a personagens proeminentes do antigo SNI, Serviço Nacional de Informações. A acusação contra mim não era que houvesse mentido mas sim que, ao divulgar informações que podiam até mesmo ser verdadeiras, tinha, em hipótese, a intenção de desestabilizar o regime.

Assim era a Justiça da ditadura: julgava pela intenção imputada subjetivamente, não pelo fato. Contudo, meu processo caiu em mãos de um destemido juiz militar, Helmo Sussekind, que me deu o direito da “exceção da verdade”. A exceção da verdade é a figura jurídica que possibilita ao processado fazer a prova de que o que escreveu ou disse era a verdade, independentemente de intenção. Esse, aliás, é o fundamento que torna a liberdade de imprensa efetivamente justa. Do contrário, seria uma cobertura para a calúnia, a injúria e a difamação.

Recordo-me dessa experiência pessoal porque vejo o Supremo Tribunal Federal caminhar para um tipo de jurisprudência, no caso do chamado mensalão, em que se substitui a criteriosa apuração do fato por uma odiosa e subjetiva suposição sobre as intenções. Supõe-se, sem prova convincente, que recursos financeiros mobilizados pelo PT foram usados para comprar votos. Supõe-se, sem prova convincente, que esse esquema de compra de votos foi comandado pelo ex-chefe da Casa de Civil José Dirceu.

Até as pedras sabem que o sistema de coligações partidárias no Brasil, dada a existência de mais de 30 partidos, implica transações financeiras através de caixas um ou de caixas dois, sobretudo no que diz respeito a compra de tempo de televisão nas campanhas eleitorais. Não há nenhuma ideologia nesse processo, e os que gostariam que houvesse não conhecem a democracia real nem aqui nem em nenhuma parte do mundo. Portanto, no rescaldo das eleições, sempre há acertos financeiros a fazer por conta dos acordos anteriores independentemente do comportamento corrente das bancadas no Congresso.

O contorcionismo feito pelos procuradores e pelo relator do mensalão para demonstrar uma vinculação entre pagamentos pelo esquema de Valério e votações no Congresso é simplesmente ridículo. Não tiveram o cuidado sequer de convocar um estatístico para examinar as correlações. Se chamassem, veriam que não existem correlações significativas do ponto de vista científico. Num processo que tem mais de 60 mil páginas, era de se esperar um pouco mais de escrúpulo para quem cuida de julgar destinos humanos e de suas liberdades.

No caso de Dirceu é ainda mais fantástico. Ouvi estarrecido de uma ministra do Supremo que não achava razoável supor que o ex-ministro não soubesse do esquema de pagamentos, presumindo-se, desde logo, que os pagamentos teriam sido feitos para comprar votos (crime de corrupção ativa e passiva) e não para pagar dívidas de campanha (irregularidade eleitoral). Ela não disse que os autos demonstram inequivocamente que Dirceu soubesse do esquema. Ela disse o que teria dito um magistrado da ditadura: que Dirceu teve a intenção de montar o esquema!

Ainda há seis votos antes da decisão final. São seis votos que separam o Supremo da vergonha de ter sacrificado inocentes sob pressão da uma campanha de mídia infamante, cujo argumento mais sólido, em toda essa tragicomédia, é de que é preciso pegar os peixes grandes para saciar a sede de vingança da opinião pública em relação aos políticos. Sim, os dirigentes do PT denunciados pelo chamado mensalão são aparentemente peixes grandes. Contudo, chegaram aonde chegaram pelo voto popular no exercício da democracia. O número de votos que os pôs lá é grande demais para ter sido comprado.

Naturalmente que a manipulação da opinião pública pela mídia influi em ministros de caráter fraco. Daí o risco para a Justiça e para a democracia. Mas sempre existe uma saída. O ministro Levendowsky provou a todos nós, que acreditam na independência do Judiciário, que nem tudo está perdido. A própria transparência dos debates no STF ajudam aos mais atentos a formar essa opinião: se por um lado ela favorece o estrelismo do relator, por outro deixa clara a insuficiência da denúncia. Por exemplo, ficou mais do que demonstrado que um mensalão, tal como inicialmente “denunciado” na forma de pagamentos mensais regulares, jamais existiu, tendo-se apenas conservado o nome por vício mídiatico.

(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor, entre outros livros de Economia Política, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, ás terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
Nossa fonte: Carta Maior

Consenso de Brasília, modelo para armar na América Latina

Depois do neoliberalismo extremo do Consenso de Washington, que gerou mais de uma década social perdida, a América Latina experimenta exitosamente uma receita própria: o Consenso de Brasília, que conjuga economia de mercado e inclusão social. "O modelo brasileiro teve um impacto muito positivo como exemplo de que as coisas podem ser feitas de outra maneira: promovendo o crescimento sem renunciar à equidade social", diz José Rivera, secretário permanente do Sistema Econômico Latinoamericano (SELA).

Estrella Gutiérrez - IPS

Caracas (IPS) - Depois do neoliberalismo extremo do Consenso de Washington, que gerou mais de uma década social perdida, a América Latina experimenta exitosamente uma receita própria: o Consenso de Brasília, que conjuga economia de mercado e inclusão social.

Batizado por Michael Shifter, presidente do independente Diálogo Interamericano, como Consenso de Brasília, por contrapor-se ao Consenso de Washington, é conhecido também como "lulismo", em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou modelo brasileiro, e acrescenta seguidores latino-americanos entre governos de esquerda e de direita.

O secretário permanente do Sistema Econômico Latinoamericano(SELA), o mexicano José Rivera, disse a IPS: "O modelo brasileiro teve um impacto muito positivo como exemplo de que as coisas podem ser feitas de outra maneira: promovendo o crescimento sem renunciar à equidade social".

A América Latina e o Caribe, disse, "devem ter como aspiração regional estar integradas, vinculadas e unidas no objetivo comum de que se reduzam as assimetrias e se possa avançar nas grandes dívidas sociais pendentes".

Rivera considerou que para percorrer esse caminho "são positivos os exemplos, ainda mais se são próprios, de governos eficientes em abordar uma dívida social que não se consegue corrigir na região, onde um de cada três latino-americanos vivem na pobreza e cerca de 90 milhões sobrevivem com menos de um dólar por dia".

Consultado por IPS, Shifter afirmou que os traços do Consenso de Brasília "continuam intactos e vigentes", mesmo que Lula tenha deixado a Presidência do Brasil em janeiro de 2011 e o contexto internacional tenha piorado e, em consequência, o regional.

“Não mudou o modelo representado pela ênfase em três eixos: crescimento econômico, equidade social e governabilidade democrática", explica.

“Sua vigência”, acrescentou, “confirma sua propagação como guia de governança para numerosos países da região, seja qual for o ideário político de seu presidente ou presidenta. Isto contrasta com o ocaso ou "encausamento" de outras propostas mais radicais, que foi comandada pelo mandatário venezuelano Hugo Chávez na primeira década do século.

Se trata de uma visão contraposta ao pacote de medidas que os organismos financeiros internacionais e centros de poder com sede em Washington impuseram à América Latina após o estouro de suas crises de dívida soberana em 1984 e, sobretudo, durante a década de 90.

O programa de 10 pontos, síntese da ideologia neoliberal, forçou inclementes ajustes, com eliminação do déficit fiscal, reordenamento do gasto, liberalização financeira e monetária, aumentos de impostos, abertura de mercados e investimentos e massivas privatizações. Tudo para pagar a dívida e estabelecer novas bases para o crescimento econômico.

Na prática, as reformas estiveram longe de gerar crescimento, promoveram a desindustrialização regional e fizeram cair o produto interno bruto por quase uma década, balizada por várias crises financeiras nacionais, algumas de alcance global.

Mas o mais grave foi seu impacto na população. Durante a "década perdida", o gasto social se minimizou em todos seus ramos, em especial na educação, na saúde, na moradia e na assistência aos setores mais vulneráveis, enquanto também pioraram as condições trabalhistas.

A consequência foi o incremento da pobreza e da indigência, uma maior favelização das cidades e o predomínio da economia e do trabalho informal, entre outros impactos negativos.

Lula consolidou, durante seus oito anos no poder (janeiro de 2003 à janeiro de 2011), outro modelo que mantém o pilar da estabilidade macroeconômica e fiscal, a autonomia da autoridade monetária e o cambio livre, mas que acrescenta agressivas políticas industriais e de produção interna.

Além disso, adiciona-se como prioridade a inclusão social, com aumento de salários, geração de empregos formais e um alto gasto em políticas para erradicar a fome, reduzir a pobreza, melhorar a educação e a saúde e, em geral, uma maior transferência de renda à sociedade.

Como marco central, a democracia, com a ampliação de direitos e o incentivo à participação cidadã e sua organização pela base.

Shifter, cujo instituto tem sede em Washington, assegurou que a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, "decidiu ter um menor protagonismo global que Lula, mas isso não afeta o modelo do Consenso de Brasília". Ela "tem outro estilo, outras prioridades e outro tipo de liderança", sintetizou.

Rousseff aplicou diferentes políticas para estimular a economia e amortizar o impacto da recessão econômica no Norte industrial, em especial na Europa. Preocupou-se, além disso, em reforçar os programas sociais nesse novo cenário desfavorável.

Uma recente frase sua ressalta a sua postura. "Eu, o que quero e pelo que luto é para que o Brasil se transforme na sexta potência social", afirmou sobre o fato de que seu país tenha passado a ser a sexta economia mundial e avance para a quinta posição.

Entre os países latino-americanos cujos governos têm como guia geral, com suas variáveis, o Consenso de Brasília, Shifter citou o Chile, a Colômbia, El Salvador e Uruguai. Outras administrações tomam vários elementos, enquanto "híbridos" entre o lulismo e o chavismo como é o caso da Argentina e do Paraguai, até a derrubada de seu presidente Fernando Lugo, em junho.

O estudioso deu especial relevância ao caso do presidente do Peru, Ollanta Humala, que escolheu o lulismo e não o modelo "bolivariano de Chávez", abrindo seu ocaso regional.

Também considerou notável que, na Venezuela, o candidato opositor para as eleições deste domingo, dia sete, Henrique Capriles, "sublinha que seu modelo é Lula, e seu programa o confirma".

Barro nos pés
Mas, embora o Consenso de Brasília não tenha os pés de barro, tem, sim, barro nos pés, por sua forma de desenvolvimento histórico e também, no passado imediato, pelas sequelas do Consenso de Washington.

Rivera, máximo dirigente do SELA, com sede em Caracas, destacou que as brechas sociais continuam presentes na região e "se necessita um grande e continuado esforço para consolidar a inclusão e a equidade social".

Com esse objetivo, a região tem diante de si três desafios, esboçou o chefe do organismo que congrega 28 países latino-americanos e caribenhos.

O primeiro é "crescer a taxas maiores às atuais e de maneira sustentável, porque não é saudável um comportamento irregular" e para que "os Estados possam enfrentar seus compromissos com a população", acrescentou.

O crescimento deve ser "sustentador além de sustentável ", em segundo lugar. Tem que "ir em direção a um crescimento de economia verde, porque até agora se destruiu o ambiente, se danificaram os recursos naturais e se produziu de forma ineficiente", disse.

O terceiro "é o desafio da inclusão e o de abrir espaços nos mercados internos para que a gente saia da pobreza e se incorpore à classe media", frisou.

E esta combinação de metas, refletiu, requer "em definitivo, um novo direcionamento do Estado", que elimine as ainda muito visíveis cicatrizes do Consenso de Washington.(FIM/2012)
Nossa fonte: Carta Maior