Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Às vésperas das eleições, Operação Lava Jato tenta desgastar imagem do PT



Pela pertinência, estamos apresentando cópia do Boletim da FPA

Fundação Perseu Abramo - Boletim de Política e Opinião Pública
Ano 1 - nº 26 - 28 de setembro de 2016


Às vésperas das eleições municipais, a Operação Lava Jato torna Lula réu, prende Guido Mantega e Antônio Palocci, gerando um forte impacto negativo para o PT, em operações controversas, seletivas, sem provas, com forte teor midiático e claro viés político.

Prisão de Guido Mantega na fase Arquivo X

Em um dos episódios mais desumanos da Operação Lava Jato, a fase
Arquivo X, Guido Mantega,ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e 
Dilma, foi preso no centro cirúrgico do Hospital Albert Einstein, no dia 22
de setembro, enquanto acompanhava sua esposa em uma cirurgia de câncer, 
em puro exercício de arbitrariedade, perversidade, espetacularização,
violação de direitos e fascismo do Estado.

O Ministério Público pediu a prisão preventiva de Mantega devido à suposto pedido de R$ 5 milhões ao empresário Eike Batista, do Grupo OSX, em novembro de 2011, para pagamento de dívidas de campanha do PT. O ex-ministro Mantega e seu advogado negaram a acusação. Algumas horas depois,
o juiz Sergio Moro revogou a prisão. O pedido de prisão preventiva foi considerado confuso, desnecessário e sem critérios e só deve ocorrer quando há risco de fuga do investigado, ameaça à ordem pública ou risco de interferência no trabalho policial, o que em hipótese alguma se aplica ao caso de Mantega. Prisões apenas para colher depoimentos, o que tem sido recorrente na Operação
Lava Jato, não estão previstas nas leis brasileiras.
Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, a prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na nova fase da Operação Lava Jato, é mais uma tentativa de desgastar a imagem do partido às vésperas da eleição.

Prisão de Antônio Palocci na Operação Omertà

Em mais um episódio midiático, da violação de direitos, estado de exceção e intervenção no processo democrático, a Polícia Federal prendeu, no dia 26 de setembro, o ex-ministro da Casa Civil e da Fazenda nos governos Lula e
Dilma Rousseff, Antônio Palocci, em Ribeirão Preto (SP), durante a 35ª
fase da Operação Lava Jato, denominada Operação Omertà. O juiz Sérgio
Moro decretou sua prisão temporária, por suspeitas de recebimento de 
propina, favorecimento e concessão de vantagens econômicas ao Grupo Odebrecht enquanto ocupava cargo no governo.
De acordo com o juiz, as investigações da Operação Lava Jato
mostram que Palocci recebeu R$ 128 milhões para favorecer a construtora
no governo. A suspeita se deve a planilhas da construtora nas quais constam 
o apelido “italiano”, que a PF atribui ao ex-ministro. Entretanto, não há 
provas do recebimento desse dinheiro, e nem em que conta essa quantia teria sido depositada. Para Moro, isso é indício de que Palocci tem contas no
exterior embora as mesmas não tenham sido encontradas. Palocci deve permanecer preso enquanto não houver tal identificação.
Os argumentos de Moro são de que Palocci põe "risco à ordem pública"
e "risco à aplicação penal"e partem de presunções subjetivas, de que 
Paloocci tem contas secretas no exterior (não localizadas), e que poderia movimentá-las e desaparecer com a prova do crime. Se baseia em 
suposições, o que vai contra o entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o pedido de prisão cautelar não pode se basear em 
presunções.

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (PSDB-SP) havia anunciado 
a prisão no dia anterior, a integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL),
durante um comício eleitoral de Duarte Nogueira, candidato à prefeito de Ribeirão Preto pelo PSDB, ex-secretário estadual de Logística e 
Transportes do governo Alckmin, investigado por envolvimento na 
fraude da merenda escolar em São Paulo e arrolado na planilha da 
Odebrecht, como receptor de doações no valor de R$ 540 mil.
No evento o ministro antecipou que haveria mais prisões da Lava Jato. 
“Teve a semana passada e esta semana vai ter mais”, disse Moraes.
A declaração provocou polêmica e indícios de que o Ministério da Justiça
 e o governo estão interferindo na independência da PF na Operação
 Lava Jato, tendo informações prévias sobre as investigações com 
finalidade política, com uso das ações da PF para fins eleitorais.
A prisão de Palocci foi considerada arbitrária, exagerada e mais um 
espetáculo da Operação Lava Jato, uma vez que seu advogado, José 
Roberto Batochio, desconhecia os detalhes das acusações,
Palocci tem domicílio certo e está disposto a prestar esclarecimentos
 a qualquer momento.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) protocolou representação no
Ministério Público Federal contra Moraes e pediu sua convocação para 
depor na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por falta de sigilo por
parte do ministro em operação da Polícia Federal. Afirmou que fará denúncia 
internacional e condenou a partidarização política da Operação Lava Jato:
“agora não é só um ataque a um partido ou um ataque a determinadas pessoas. Isso vai se voltar contra a sociedade brasileira, contra a democracia 
brasileira. Há dois pesos e duas medidas nesses processos de investigação. 
Não é possível que as coisas continuem como estão acontecendo”,
disse Gleisi.

Assessores de Temer chegaram a defender a demissão do ministro 
Alexandre Moraes. A comissão de Ética da Presidência da República deu
prazo de dez dias para o ministro se justificar. Michel
Temer repreendeu o ministro, mas aceitou suas explicações e decidiu mantê-lo
no cargo, avaliando que seu afastamento seria a admissão de que houve vazamento da Lava Jato, o que geraria crise para o governo. Temer deve 
fazer uma reunião nos próximos dias com os demais ministros, para
tentar amenizar as crises causadas por pronunciamentos inusitados da 
equipe, que geram desgastes ao Planalto.

Ao que parece a Operação Lava Jato só considera indícios de corrupção
e remete imediatamente a prisão preventiva ações que envolvem petistas.
A investigação seletiva de Moro ignora os valores pagos pela Odebrecht a políticos dos demais partidos, como PMDB, PP, PR, PSDB e outros, 
assim como ignora políticos de outros partidos que constam da lista de contribuições de Eike Batista.

Nas três últimas ações da Lava Jato, a que tornou Lula réu e decretou as
 prisões dos ex-ministros Guido Mantega e Antônio Palocci, assim como o impeachment da ex-presidenta Dilma têm em comum a culpabilização pelo “conjunto da obra”, sem a apresentação de prova. Não faz parte do Estado de direito conclusões criminais a partir de argumentação política, um processo jurídico requer provas, o que faltou nos quatro casos. Evidente que o cidadão brasileiro quer que a corrupção seja punida e
banida de nossa sociedade, mas, se não há provas a prisão é injusta e ilegal.

A declaração do ministro da Justiça em plena campanha eleitoral denota a 
prática de vazamentos ilegais e seletivos para atender ao momento eleitoral e permite a suspeita de uso da Polícia Federal como polícia política e não 
uma força judiciária de Estado. Nosso sistema político prevê um conjunto
de instituições políticas que se auto fiscalizam mutuamente. Hoje em dia, o centro da democracia brasileira se deslocou para a Justiça. O Brasil está 
sob o governo de juízes, o Ministério Público Federal e STF detém a 
última palavra sobre tudo de relevante que acontece no país. Mas quem 
controla a Justiça? Estaremos indo no perigoso caminho das ditaduras?











sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Solidão




Solidão não é a falta de gente para conversar,

namorar, passear ou fazer sexo...

Isto é carência.


Solidão não é o sentimento que experimentamos pela

ausência de entes queridos que não podem mais voltar...

Isto é saudade.


Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,

às vezes, para realinhar os pensamentos...

Isto é equilíbrio.


Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos

impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida. ..

Isto é um princípio da natureza.


Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...

Isto é circunstância.

Solidão é muito mais do que isto.


Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos

em vão pela nossa alma....


Francisco Buarque de Holanda


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Difícil cair na real



- Dona Pandá parece tão macambúzia! Está trabalhando em alguma ideia ou é
mesmo muita tristeza? - Ousei interpelar minha amiga que estava sentada na varanda olhando o infinito.

- Você me fez lembrar de meu filho que, quando criança, me perguntava: “Mamãe está triste ou puta da vida?”Agora, estou pensando na situação que estamos vivendo e aí não há saída, a tristeza chega junto.


- Dona Pandá, quando a senhora entrou para o PT?
- Na sua criação. Faz tempo. Com tanta coisa acontecendo, a impressão do tempo fica mais forte.

- E quando a senhora saiu?

- Quando Lula partiu para as alianças. Na época, fiquei muito decepcionada. Trabalhamos duro para ganharmos a Presidência da República e lá chegando acontece o governo de maçaroca. Lula havia dito que só se candidataria se fosse para ganhar. Já estava cansado de perder. Com as alianças, as mudanças foram superficiais, nada estrutural. Eu queria um governo revolucionário!
- Isto não é querer demais?

- Sim. Claro! Mas sonhar não é proibido, ou, pelo menos, não era. Também juízo não é para todos. Santa ingenuidade chegou em algumas pessoas, inclusive nesta criatura aqui, e se aboletou. Difícil cair na real!

Se Lula tivesse dado algum sinal de algo parecido com um governo socialista, teria sido impedido de alguma forma. O Partido dos Trabalhadores é um partido com tendências mais à esquerda que os outros da época, nada além disto. Houve muitos erros e muitos acertos. Vejo, hoje, que os Governos do PT foram os melhores que o País já teve. Progressistas em comparação com os anteriores que foram governos de direita. Governavam para manter tudo como estava. FHC governou sob a batuta do capital. Não tinha vergonha de governar para agradar os EUA. Seu programa de privatizações foi de um entreguismo solapador. A corrupção andou solta. O próprio Fernando Henrique trocou os votos do Congresso para sua reeleição por R$200 mil. Isto foi manchete da Folha de S. Paulo. A corrupção dessa época foi relatada e publicada para quem quiser saber. Por que não querem saber?! Tétrico!

Lula fez uma enorme diferença! Tirou o Brasil da miséria e da dependência. É bem verdade quando fala que a diplomacia chefiada pelo Amorim era ativa e altiva. Os pobres passaram a andar de avião e os voos estavam sob o comando de brasileiros. Lembro-me de ouvir, numa fila no aeroporto de Congonhas, um fulano dizendo, com muita raiva, que, agora, tinham que enfrentar filas porque os pobres em vez de irem para a rodoviária iam para o aeroporto. Emblemático. É aí que está a causa dos rapazes de Curitiba, no desespero, aprontarem aquele vexatório power point. Precisam acabar com Lula, o grande perigo para o capital.

- Então, Lula é comunista?!

- Ora, menina, você não tem direito de falar uma bobagem desta. Por acaso você anda lendo a Veja? Quisera eu que fosse. Acontece que Lula é o símbolo dos perigos para a burguesia, os bancos, os grandes empresários, o grande capita e a mídia que defende tudo isto.. Gente de dentro e de fora do País se sente ameaçada. Depois de ganhar duas eleições, sai com a maior aprovação já obtida por um governante e faz sua sucessora.

- E se Lula volta em 2018?!

- Não podem deixar. Então, precisam consolidar o golpe que começou com o impeachment. Há duas frentes dessa consolidação. Uma é correr com as mudanças para agradar o capital nacional e internacional – entra aqui, sobretudo a Petrobras com o Pré-Sal e as privatizações do que for possível. A diplomacia do governo golpista está a serviço dos interesses externos. Nas mãos do Serra, adeus altivez e isto já está demonstrado em muitos episódios. O mundo já sabe dessas mudanças e aquele respeito que o Amorim impôs e foi cultivado por seu sucessor, agora, foi pro ralo.

A outra frente - também, lógico, do agrado do capital - é acabar com os direitos trabalhistas Aqui, o agrado é direto aos empresários, diminuindo os direitos do trabalhador aumenta os ganhos do patrão. Terrível é ouvir que a tal flexibilização da CLT objetiva aumentar a geração de emprego. Isto já está provado que não é verdade tanto quanto o déficit da Previdência.
Se a empresa precisa preencher suas vagas, o fará porque a produção está demandando. É claro que se o empregado for barato, o lucro fica maior e o empresário, contente. Então, o governo que foi para o Planalto pelo golpe custeado pelo empresário vai pagar o empréstimo graças ao término dos direitos do trabalhador.

- Dona Pandá não está exagerando na tristeza? Afinal, sua vida, agora, pouco vai mudar.

- Sabe por que ser feliz é tão difícil? É porque você não consegue a felicidade se ela não estiver no seu entorno. Como você pode ser feliz se há trabalhador sendo explorado, pessoas sendo agredidas, a liberdade sendo massacrada?

- Vamos, então, Dona Pandá preparar aquela pesquisa para seu novo romance?

- Esta é uma proposta inteligente. Primeiro vou fazer um café com aquele pó maravilhoso que ganhei da minha amiga engenheira.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Vai ter luta


ANDRÉ SINGER

Nem bem terminava, na segunda (12), a novela Cunha, o núcleo curitibano da Lava Jato meteu o pé pelas mãos e abriu o capítulo mais grave desta crise. Depois da condução coercitiva e da divulgação de fitas ilegais, a exposição do procurador Deltan Dallagnol na tarde de quarta (14) foi tão vazia que caiu mal até nas hostes antipetistas. Em lugar da seriedade técnica que sobressaía nas primeiras aparições, o jovem funcionário deixou-se levar por arroubos que tiraram a credibilidade da denúncia contra Lula.

Isto posto, embora a derrapada dê ao ex-presidente vantagem na largada da nova partida, por outro lado deixa o país embrulhado numa situação delicada. O juiz Sergio Moro, autor das duas descabidas ações anteriores, está moralmente comprometido a aceitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público. Com isso, irá deflagrar processo político cujo único julgador será ele mesmo, que não é instância adequada nem suficiente para julgar o que Dallagnol colocou em pauta.

O que vem pela frente é mais sério do que o impeachment de Dilma Rousseff. Convém lembrar que a ilegítima destituição da presidente foi decidida por um colegiado senatorial. As acusações eram de responsabilidade e a perda do poder por quem venceu nas urnas, embora manche a democracia, poderia ser corrigida pelo andamento da luta eleitoral, pois o PT teria chance de voltar a vencer.

Agora, o que está em questão é estrutural. Trata-se da tentativa de proscrever Lula e o PT do cenário para sempre, o que dará lugar a uma batalha de proporções épicas. Ao transformar as acusações específicas a Lula, na realidade, pequenas, ainda que desconfortáveis, no combate a uma suposta organização criminosa em que teria se convertido o PT, o procurador fez-se porta-voz da histeria ideológica que deseja "acabar com essa raça", como dizia um senador anos atrás.

Dallagnol não entende duas coisas. A primeira é que Lula e o PT ocupam um espaço garantido no Brasil. Por mais que sofram revezes, cometam erros — que precisariam ser explicados e corrigidos* – e experimentem derrotas— como certamente vai acontecer nesta eleição municipal —, o partido e sua principal liderança respondem à necessidade profunda de representar as camadas populares no processo democrático.

Em segundo lugar, que a esquerda é especializada em resistir*. Por ter nascido e crescido em oposição à ordem estabelecida, sabe melhor que ninguém como sobreviver em condições desfavoráveis. Não foi acaso que Lula, de camiseta vermelha, mencionou no discurso pronunciado quinta-feira (16) o orgulho de haver criado o maior partido de esquerda da América Latina. A mesma esquerda, por vezes, tão maltratada em outras frases suas*.
Vai ter luta.

*Grifos do blog

sábado, 17 de setembro de 2016

Terra, Inimiga da Saúde?



Por Daphne Miller | Tradução: Gabriela Leite

Nos últimos tempos, gosto de pensamentos sujos. Passo meus dias em numa sala esterilizada praticando medicina familiar, mas ainda assim minha mente está na terra. Isso porque estou descobrindo o quanto este meio rico e obscuro influencia na saúde de meus pacientes. Estou até começando a me perguntar sobre o quanto Hipócrates estava errado, ou pelo menos equivocado, quando proclamou: “Deixe o alimento ser tua medicina.” Não me entenda mal – a comida é muito importante para nossa saúde. Mas talvez seja o solo em que os alimentos crescem, ao invés deles próprios, o que nos oferece os verdadeiros remédios.

Há pouco, na literatura médica convencional, para apoiar estas afirmações. Procure os termos “solo” e “saúde” no banco de dados da PubMed e os resultados principais apresentarão o solo como uma substância de risco, cheia de leveduras patogênicas, bactérias resistentes a antibióticos, radônio, metais pesados e pesticidas. Mas passe reto por estes relatórios cruéis e irá descobrir uma pequena, mas crescente, coleção de pesquisas que pintam o solo com uma cor muito diferente. Estes estudos sugerem que a terra, ou pelo menos alguns tipos dela, pode ser benéfica à nossa saúde.

Os cientistas que estão investigando essa relação entre a saúde e a terra pertencem a um grupo muito variado — botânicos, agrônomos, ecologistas, geneticistas, imunologistas, microbiologistas – e coletivamente estão oferecendo razões para dar atenção aos lugares onde nossa comida é plantada.

Solo vívido, comida boa

Por exemplo, utilizando a tecnologia do sequenciamento do DNA, agrônomos da Universidade do Estado de Washington descobriram recentemente que um solo com ampla abundância de diversidade de seres (especialmente bactérias, fungos e nematóides) tem probabilidades maiores de produzir alimentos densos de nutrientes. É claro que isso faz sentido quando se compreende que a cooperação entre bactérias, fungos e as raízes das plantas (coletivamente referidas como a rizosfera) é responsável por transferir carbono e nutrientes do solo para a planta — e, ao final, para nossos pratos.
Dado este fluxo de nutrientes dos micróbios do solo para nós, como podemos impulsionar e diversificar a vida no solo? Uma série de estudos mostra consistentemente que a agricultura ecológica produz biomassa microbial e diversidade muito maiores que os cultivos convencionais. A agroecologia compreende muitos sistemas (biodinâmica, regenerativa, permacultura, ciclo completo etc) que compartilham princípios fundamentais holísticos: proteger o solo superficial com coberturas e aração mínima, rotação de culturas, conservação da água, limitação do uso de químicos (sintéticos ou naturais), e reciclagem de todo o lixo orgânico e animal de volta para a terra. Muito desta pesquisa apoia o que os agricultores tradicionais pelo mundo sabem há muito tempo ser verdade: quanto mais ecologicamente plantamos, mais nutrientes colhemos.

Micróbios de combate à alergia

Enquanto os cientistas da terra ocupam-se documentando estas ligações entre o solo e a comida, imunologistas e alergistas na Europa estão trabalhando para descobrir outra conexão intrigante entre a terra e a saúde: o chamado “efeito fazenda”. Por que as crianças que crescem em propriedades que adotam a agroecologia, na Europa Central, têm muito menos incidência de alergia e asma que as que crescem em fazendas industrializadas? Novamente, quase tudo aponta para os micróbios — no estrume, no leite não pasteurizado, na poeira do estábulo, na comida que não é lavada e, sim, no solo. No estudo, pesquisadores estudaram colchões de crianças de fazenda e encontraram uma grande variedade de bactérias – a maioria das quais é tipicamente encontrada no solo.

Como os micróbios do solo e de fazendas protegem contra doenças alérgicas é ainda questão em debate, mas as pesquisas estão apontando cada vez mais para a nova ideia que, por falta de um termo melhor, vou chamar de “hipótese da mudança do microbioma”.

A explicação padrão para o “efeito fazenda” é a hipótese da higiene, que afirma que a exposição a uma variedade de micróbios no começo da vida (incluindo no útero) amortece a resposta alérgica de nosso sistema imunológico adaptativo.

O problema com esta teoria é que nosso sistema imunológico é surpreendentemente simplista e parece reagir similarmente tanto ao se encontrar com um conjunto diverso de micróbios em uma fazenda ecológica quanto com com uma porção relativamente homogênea de micróbios tipicamente encontrada em um apartamento ou numa fazenda convencional. Mas, e se nossas células imunológicas forem simplesmente uma proteção de retaguarda, para uma primeira linha de defesa mais sofisticada — nossos micróbios residentes?

E se um microbioma de solo saudável e diverso puder nutrir um bioma humano mais diverso e protetor? De fato, novas pesquisas sugerem que é o caso, e que uma troca microbial solo-intestino pode oferecer o real “efeito fazenda”.

Troca de genes no nível do intestino

É claro que isso é tudo muito novo — e para mim, como médica, um pouco desorientador. Na escola de medicina, aprendi que nossas bactérias internas pertencem a um clube restrito e que elas não têm nada a ver com micróbios em nosso ambiente externo. Patógenos como a salmonela e a e.coli devem ultrapassar esta barreira, como acontece quando sofremos intoxicação alimentar ou outras infecções, mas sua influência foi considerada transitória – embora ocasionalmente devastadora. Mas agora que podemos sequenciar o DNA de um microbioma inteiro, usando uma técnica chamada metagenômica, estamos começando a conectar os pontos e descobrindo que podem ocorrer trocas genéticas entre nosso microbioma e o mundo exterior – particularmente em lugares onde cresce nossa comida.

Entre os primeiros a documentar esta transferência de genes está um grupo de microbiologistas franceses. Eles identificaram a mesma sequência exata de DNA em duas espécies de bactérias Bacteroidete diferentes – uma vivendo em uma alga marinha e outra, nos intestinos de japoneses. Concluíram que a bactéria marinha pegou carona até o intestino humano via sushi e outros pratos com algas nori e passou seu DNA para os micróbios residentes do humano hospedeiro. O resultado final desta troca é que muitos japoneses – e possivelmente pessoas de outras culturas comedoras de algas – adquiriram maior habilidade que para extrair nutrientes valiosos de suas nori.

Justin Sonnenburg, um microbiólogo em Standford que estuda como o ambiente influencia em nosso microbioma, contou-me que as descobertas deste estudo de algas nori são, provavelmente, apenas a ponta do iceberg. Ele acredita que vamos continuar a descobrir novas formas de interação entre o solo, os oceanos e nosso microbioma – e seu enorme papel em nossa saúde.

Impressionado pela crescente evidência de que nossa saúde depende de nosso solo saudável, converti meus “pensamentos sujos” em ação. Agora, digo a meus pacientes que a comida que cresce em um solo bem tratado deve oferecer distintas vantagens, relacionadas a obter melhores nutrientes e construir um sistema imunológico saudável.

É claro que identificar essa comida pode ser complicado, já que a certificação de produtos orgânicos, apesar de ser certamente útil, nem sempre nos leva aos produtores mais saudáveis. Muitas propriedades certificadas como orgânicas são realmente ecológicas, mas algumas propriedades que produzem em larga escala, com este certificado, ainda aram profundamente e usam agrotóxicos aprovados – duas práticas que danificam o solo e seus micróbios. Ao mesmo tempo, há agricultores que não podem pagar por um certificado orgânico, embora estejam implementando as práticas da agroecologia, que produzem comprovadamente um solo rico e uma população microbial próspera. Como não existe nenhum selo de “solo saudável” ou “micróbios saudáveis” que possam nos levar a estas fazendas minha sugestão é perguntar uma questão simples:

“O agricultor vive em sua fazenda?”

Agricultores que vivem em sua terra e alimentam sua família com ela tendem a se importar com seu solo como se fosse mais um membro da família. Ir a feiras de produtores é um meio confiável de obter este tipo de produção, e alguns supermercados [nos EUA] também estão começando a apoiar os agricultores locais. Lembre-se: quando mais procurarmos estes produtos, mais eles irão fazê-lo.

Claro: outra opção é plantarmos nossa própria comida. Comer alimentos frescos de um solo saudável não é uma opção “tudo ou nada”. Usar todos os dias um punhado de ervas, de um canteiro de apartamento, pode ter um impacto positivo em nossa saúde. Sobre a comida plantada em casa, ou produzida localmente, sempre proponho a meus pacientes pensar duas vezes, antes de descascar. Afinal de contas, quem sabe que bactérias benéficas podem ser eliminadas? Por sinal, comer vegetais frescos fermentados é uma ótima maneira de adquirir uma mega-dose de bactérias do solo.

Eu também falo aos pacientes sobre algumas outras vantagens (não comestíveis) de se conectarem com agriculturas saudáveis. Por exemplo, apesar de os dados não serem conclusivos, é provável que passar um tempo em uma plantação local possa oferecer uma prevenção relativamente segura e de baixa tecnologia para as famílias com predisposição à alergia. “Tempo na terra” parece especialmente atrativo por prevenir a necessidade de antialérgicos ou doses de antiistaminicos. Pesquisas recentes dizem que o tempo que uma pessoa passa trabalhando na terra é um meio de construir relações de comunidade, melhorar a força e a condição física, diminuir a probabilidade de demência em idosos e melhorar o desempenho escolar dos adolescentes. Seria simplista enxergar a presença em fazendas saudáveis como panaceia para tudo que nos aflige, mas é uma parte importante de minha caixa de ferramentas médica.

Cuidando de nossa sujeira

Passei a ver meus pacientes como uma parte integrante de um ciclo de agroecologia, onde o fluxo de saúde é bidirecional. Nossas escolhas influenciam diretamente na saúde da agricultura – que, em retorno, produz impactos em nossa saúde. A compostagem é uma maneira de alimentar a agricultura local e, em consequência, nos fortificar. Encorajo os pacientes a proteger seu solo como protegem seus corpos. Embora muitos de nós estejamos cientes de que as químicas usadas no solo podem ser danosas para nossa saúde, raramente percebemos que produtos que usamos em nós mesmos e em nossas casas – como triclosanos, compostos orgânicos voláteis, parabenos, PBAs, PVCs e lixívia – podem afetar a saúde do solo e seus micróbios. (Por sinal, extratos de alecrim ou manjericão produzem excelentes antissépticos, vinagre é o melhor produto de limpeza, karité e manteiga de cacau são hidratantes perfeitos, e bicarbonato de sódio diluído é um shampoo excelente.

Sei há muito que antibióticos, esteroides e outras drogas bactericidas podem causar efeitos colaterais não intencionais em meus pacientes. Agora, entendo como estas drogas podem causar impacto na vida microbial sob nossos pés e, em última instância, em nossas próprias células.

Certamente, qualquer produto químico que diminua a diversidade microbial irá, em consequência, diminuir o valor nutricional de nossa comida. Mas existe outra preocupação: microbiologistas da Universidade de Washington em Saint Louis perceberam recentemente que as bactérias do solo, quando expostas a antibióticos e outros químicos, podem desenvolver genes resistentes a antibióticos que, assim como as enzimas digeridoras de algas nori, podem ser transferidas para nosso microbioma, converterndo bactérias a princípio benignas em “superbugs” nocivos e resistentes a medicamentos.

Pensar em um corpo saudável como extensão de uma agricultura saudável, e vice versa, é uma mudança de paradigma para muitos de nós. Mas quando consideramos que todas as nossas células crescem obtendo do solo e das plantas seus nutrientes, tudo faz sentido. Na verdade, não é tanto exagero dizer: nós somos terra.


Fonte: Outras Palavras



terça-feira, 13 de setembro de 2016

Como surgiu a " mulher freudiana?"

Confira o texto que a filósofa Marilena Chaui escreveu para a nova edição, revista e ampliada, do clássico "Deslocamentos do feminino", de Maria Rita Kehl


marilena-chaui-maria-rita-kehl Marilena Chaui

Como surgiu a “mulher freudiana”? Em Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade, com essa indagação, Maria Rita Khel, partindo da declaração de Freud de que não se nasce mulher nem homem, mas nos tornamos um ou outro, propõe desconstruir a figura universal e abstrata de A Mulher, isto é, um conjunto de imagens e representações que tentam produzir uma identidade para todas as mulheres sem alcançar nenhuma delas em sua singularidade. Para responder a essa indagação, Maria Rita propõe o conceito de deslocamento, que permite acompanhar as mudanças nos conceitos de feminino e feminilidade (bem como de masculino e masculinidade) conforme se desloca a posição das mulheres com a formação da sociedade burguesa, na passagem da Revolução Francesa para a sociedade urbana industrial do século XIX, quando nasce a psicanálise.

Deslocamento possui dupla significação: é objetivo, isto é, determinado pelas condições históricas da modernidade, e subjetivo, isto é, forma o conjunto de representações singulares que as mulheres passam a ter si mesmas. O núcleo deste livro se encontra nas análises que levam ao surgimento da figura das mulheres como histéricas. Por isso, deslocamento possui um terceiro sentido, apresentado de maneira direta e singela pela autora: as mulheres comofundadoras da psicanálise juntamente com Freud. Sentido gigantesco, como logo se vê, pois as mulheres não foram passivas e sim o que tornou a psicanálise possível.

Quatro questões principais formam a teia cerrada da interrogação de Maria Rita, que as enfrenta percorrendo com erudição, argúcia, elegância e firmeza a história social, a lingüística, a literatura, a teoria literária, a psicanálise freudiana e lacaniana, e a filosofia.

Primeira questão: como e porque se dá o deslocamento da posição feminina na modernidade? Para responde-la, Maria Rita examina a presença das mulheres durante a Revolução Francesa, isto é, sua presença colocaram no espaço público, graças à declaração dos direitos à igualdade e à liberdade, e o temor burguês diante dessa aparição. Ocorrerá com as mulheres o mesmo que com as massas trabalhadoras: o grito igualitário e libertário de 1789 produzirá pavor na burguesia e será substituído pela repressão de 1848. No caso das mulheres, a negação da igualdade e da liberdade se efetua com a construção de uma “natureza feminina”, imagem tensa da mulher como naturalmente sensual e desmedida, e, ao mesmo tempo, naturalmente sensível e amorosa, destinada ao casamento (por amor, é claro) e à maternidade, funções que só realizará se for domesticada (no duplo sentido da palavra), isto é, se for obrigada a passar daquilo que ela é àquilo que eladeve ser. Instinto desgovernado nas mocinhas e frigidez nas mulheres casadas: eis o imaginário burguês. E o contraponto das vozes femininas singulares que, na literatura e nos “escritos sobre si”, se ergueram contra isso.

A segunda questão, como conseqüência, indaga: porque Emma Bovary é uma das expressões mais fortes e terríveis dessa mulher (freudiana)? Atacando com ironia impiedosa a mediocridade, estupidez e ignorância do senso-comum burguês, Flaubert constrói Emma Bovary como a menina provinciana educada num convento e alimentada (como as jovens da época) pelos romances “para moças”, que incendeiam sua imaginação na busca do amor e da aventura e que viverá entre homens medíocres, pomposos e inescrupulosos. A narrativa acompanha os deslocamentos sucessivos da personagem, que, sem cessar, só pode inventar personagens para si mesma: adolescente mística, esposa virtuosa, adúltera, primeiro como amante seduzida e, depois, como amante sedutora e experiente, insatisfeita e vazia, se torna consumista voraz (impedida de ser, acredita realizar-se pelo ter) e, finalmente, suicida. Madame Bovary se desloca de uma posição passiva a uma ativa, porém, sempre na posição histérica, isto é, “sua completa dependência em relação ao outro – no caso, um homem; mais ainda, o homem da relação amorosa”, marido, amantes e Jesus. Mesmo quando passa da posição passiva à ativa, “é capaz de manejar o falo, não é capaz de reconhecer que o faz”. É falada pelo discurso do Outro ou objeto do discurso do Outro, sem alçar-se à posição de sujeito. Fracassa sempre.

Donde a terceira questão: qual a relação entre a cura analítica e a ética? Se Lacan tem razão ao afirmar “eu sou onde não penso/ eu penso onde não sou”, indaga Maria Rita: como “furar o discurso do Outro”? Como tornar-se sujeito? Seja sujeito falante, sujeito do desejo? Como tomar o próprio destino em nossas mãos? A distinção lacaniana entre o real, o imaginário e o simbólico abre caminho para a criação de respostas, juntamente com a desmontagem do imaginário burguês com sua glorificação abstrata do livre-arbítrio e do dever, gênese da culpa, da neurose e da impossibilidade da vida ética.

Essa distinção lacaniana é uma das chaves para a quarta questão: por que Freud permaneceu cego para suas descobertas sobre o feminino, ele que foi capaz de escutar as falas e narrativas de mulheres que jamais haviam sido ouvidas e que, com ele, fundaram a psicanálise? Resposta: porque se deteve no real (biológico) e no imaginário (as representações), sem passar ao simbólico, mesmo em suas obras de metapsicologia e sobre a cultura. Freud se refere ao feminino como mistério e enigma, conserva a imagem vitoriana da mulher dependente e doméstica quando tinha tudo para supera-la. Escreve Maria Rita: “A manutenção de um ponto enigmático sobre o querer feminino, a representação da mulher como continente negro da psicanálise seriam, a meu ver, recursos a que Freud recorreu para manter-se ignorante a respeito do queele mesmo não queria saber, embora já tivesse revelado ao resto do mundo: a diferença fundamental entre homens e mulheres é tão mínima que não há mistério sobre o “outro” sexo a que um cavalheiro não pudesse responder indagando a si próprio. O que fez Freud, aliás, mas, como bom neurótico, não podia saber o que estava fazendo”. Sou onde não penso, penso onde não sou…

Marilena Chaui é professora de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e autora, entre outros livros, de A nervura do real, Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária e Introdução à história da filosofia. Recentemente colaborou com os livros Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (Boitempo, 2016) 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma (Boitempo, 2013), organizada por Emir Sader.



sábado, 10 de setembro de 2016

Dona Pandá e o café mineiro


Ontem, à noite, como acontece às sextas-feiras, Dona Pandá e sua mana foram buscar, na boulangerie do Condomínio, os maravilhosos pães que a boulangère Sandra nos oferece semanalmente. Ganhou de uma das garotas um pacote de café especial, produzido aqui nas Gerais. Como a mana já chegou avisando que abriria um vinho, ela nem tentou resistir.

Hoje, ao se levantar, foi direto para a maquininha fazer um expresso. Depois de ter saboreado a bebida, que, de fato, é especial, sabor e aroma pra nenhum cafezista botar defeito, Dona Pandá se lembrou de que a maquininha não fora usada há algum tempo. Apesar de já ter feito seu café, resolveu que precisava limpar a máquina.

- Antes tarde… resmungou e abriu a tampa hermética - logo percebeu que o nunca teria sido melhor – e … pan! Com um belo estrondo, a água que ficara na máquina e estava represada com o calor da fervura foi, sem qualquer aviso ou cerimônia, em direção ao rosto da pobre Dona Pandá.

Ah! Não é que ela conserva seus reflexos de chacareira! Com um pulo para trás e um grito pouco discreto, conseguiu se safar da queimadura.

Bei – o cachorro – e eu assustados corremos para saber o que provocara aquele escândalo. Encontramos Dona Pandá sentada rindo às gargalhadas. Bei olhou para sua dona e deve ter pensado algo como “normal, não vou dar bola”, deu meia volta e foi novamente para sua cama já que ainda não era hora de se levantar.

Não entendendo nada e sendo menos cautelosa que o cão, quis saber o motivo que me fizera sair da cama tão cedo e tão estabanadamente. Dona Pandá, teve certa dificuldade de parar de rir para me contar. Estava enebriada por ter se safado com tamanha agilidade. Ficava repetindo seu pulo pra lá e pra cá enquanto ria. Acabou me contagiando e me vi rindo sem ter ouvido a piada. Até que me lembrei da reação do Bei, virei as costas e fui andando em direção ao meu quarto: - Espere, menina. - Com grande esforço, parou de rir e me contou sua proeza de não se deixar alcançar pela água quente.
Acabei ganhando um café expresso delicioso.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O dia da Pátria Amada

Hoje é dia da Pátria Amada. “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas”...  O hino que comemora a independência do nosso Brasil é um dos mais bonitos do mundo. Foi composto com inspiração privilegiada e segue inspirando poetas e o povo brasileiro
Dona Pandá disse não saber se a Pátria Amada merece os parabéns!  Passados alguns segundos de sua interrogação, corrigiu-se dizendo que a Pátria Amada merece tudo, seus filhos – aqueles que fogem à luta – é que a estão machucando. Querem entregá-la, tirar sua altivez e soberania.

- Veja só, menina. Uma grande construtora está para ser vendida aos chineses. A tal Lava Jato, que deveria dar um basta à corrupção, foi parar na mão do moço de Curitiba e cada vez mais coloca em prática o que aprendeu nos “esteites’, cujo interesse continua sendo dominar o mundo. No caso do Brasil, o pré- sal é o maior alvo.

As construtoras nacionais são grandes empresas com tecnologia e capacidade para atuação em vários países, trazendo divisas e empregos para cá. Estão sendo destruídas. Também elas não são as vilãs. As empresas são dirigidas por homens, alguns honestos e outros corruptos.  Elas são detentoras do know how  que foi construído ao longo de sua vida. A Petrobras desenvolveu, com altíssimos investimentos humanos e técnicos tecnologia única. Ao invés de punir os homens corruptos, a Lava Jato auxiliada pela grande mídia, tem agido como se a empresa toda estivesse corrompendo o mundo. As consequências  para nossa economia são as mais desastrosas.

- Dona Pandá, a senhora não pode mudar de assunto?  - Quando percebi o que eu havia falado, já Inês estava mortinha. - Acho que o sino do portão tocou. Vou ver quem é.

- Vai nada. Você se esqueceu de que depois que pus o aparelho auditivo escuto tudo e o sino não tocou porque não ouvi. Não precisa ficar com medo de eu me zangar. Afinal, dou meu braço a torcer.  Está muito difícil aceitar o que estamos vivendo. A BBC Brasil publicou uma espécie de retrato do Senado. Deixa claro que se não houver eleições já para renovar aquilo lá, vamos para a cucuia.  Do que você está rindo, menina?

- A senhora não percebeu que continuou falando sem mudar de assunto!

Dona Pandá se levantou e fez um gesto com a mão que traduzi como deixa pra. Deixei. Ela foi andar no pomar e voltou com as mãos em concha cheias de tamarindos. O humor mudado.

- Venha comer uns tamarindos e vou lhe contar algo para você rir mais um pouco de mim. Ah! Para com isto. Você ri muito de mim, mas não faz mal. Eu também, às vezes, acho que sou inspiradora de risos. Veja só o que me aconteceu. Estava andando por aí, pensando que você tem razão, ando muito chata.

- Não falei isto, mas a senhora não está sentido um cheiro esquisito?!

- Ah! Como eu estava tentando falar e a maritaca me interrompeu! Você está rindo antes da piada.  Andava olhando as árvores para ver se havia alguma erva de passarinho não detectada, uma raiz que, ontem, lá não estava  surgiu na frente de meus pobres pés. Estes coitados, sem a proteção dos olhos, fizeram uma acrobacia não ensaiada. O esquerdo chutou o grande obstáculo, contando que seu aliado, o direito, daria conta deste corpinho que afinal não é lá tão pesado. Isto não aconteceu e o desequilíbrio me mandou para cima da moita da babosa. Olhei bem – nesta hora já os olhos perceberam seu desvio e correram a procura de uma muleta - lá estava ela, uma pilha de sacos cheios da comida preferida das minhocas,  onde cai sentadinha. Pronto pode rir. Vou tomar banho para tirar o cheiro de esterco.


‘Aquarius’ está muito além de seu peso político.

Nathali Macedo

Eis uma coincidência providencial: o aclamado ‘Aquarius’ estreou no Brasil justamente nesta incendiária semana em que o golpe se concretiza.
Embora seja louvável que tenhamos no Brasil uma equipe que vê na resistência criativa uma boa alterntiva diante do golpe corajosamente denunciado em Cannes, reconhecer o longa apenas pelas polêmicas que passaram a permeá-lo e pelo seu peso político seria injusto e desonesto: Aquarius vai muito além disso.
A história da escritora Clara, que resiste em desocupar o edifício em que mora, em Boa Viagem (Recife), mesmo diante de todas as investidas de uma grande construtora representada por Diego (Humberto Carrão), que pretende substituí-lo por um luxuoso empreendimento, nos conduz a um inevitável e necessário choque geracional entre a preservação da memória e a promessa de modernização e higienização que transforma as cidades – e as pessoas – em fantasmas frios e sem vida.
Essa dualidade – em torno da qual se alicerça toda a história – é expressa da maneira mais tocante e sensível possível, com uma força que se mostra justamente na beleza das sutilezas.
A sutileza pungente é, aliás, o que mais claramente caracteriza Aquarius, que toca com naturalidade em pontos no mínimo delicados para a sociedade brasileira ainda tão conservadora: Revolução sexual feminina, câncer de mama, questões raciais e de gênero, a arrogância da jovem burguesia brasileira, a tendência moderna a esvaziar de sentido e de memórias todos os espaços… Está tudo posto, com uma sutileza grandiosa que contrasta com os ânimos tão exaltados de uma atmosfera política adstringente.
O humor também sutil contido no longa faz jus a um parágrafo inteiro: A comicidade comedida ora suaviza, ora amplifica as tensões naturais de uma história tão densa. O humor pontual – que, de tão sutil, pode, mas não deve passar despercebido – está carregado de significado, exatamente como pede esta geração.
A atuação plena de Sônia Braga, por outro lado, dispensa comentários. Não é injusto dizer que ninguém jamais incorporou com tanta maestria a beleza da maturidade.
Clara é uma representação justa e honesta da mulher dos novos tempos: lúcida, autêntica e bem-resolvida, uma personagem que sai do lugar comum, que saúda a beleza das memórias e as marcas do tempo e personifica a resistência que estes tempos sombrios nos têm exigido.
Não por acaso, o diretor Kleber Mendonça Filho jamais concebeu um protagonista homem para o longa. “Aquarius não seria tão forte se não fosse uma personagem mulher.”
A sensualidade presente na personagem não remonta, sequer minimamente, a sexualização fetichista que o cinema comumente atribui à mulher. É, antes disto, a inevitável sensualidade da própria Sônia, incorporada com naturalidade a uma personagem completa.
Talvez seja esta a grande questão – fico tentada a pensar – em torno do boicote do Ministério da Justiça ao estabelecer uma classificação indicativa de 18 anos para o filme, justificada em uma “situação sexual complexa”: a sexualidade feminina não é fetiche. Trata-se, antes disso, de uma libertadora e sutil constatação, apenas posta diante de nossos olhos, sem nenhum pretensiosismo, para que lembremos que mulheres não estão adstritas à sexualidade, tampouco dela estão isentas, o que certamente incomoda aos setores conservadores para os quais a sexualidade feminina não pode ser expressa se não estiver a serviço do deleite masculino.
A classificação foi, inclusive, reduzida para 16 anos, e não poderia ser diferente. O que pode ser lido em Aquarius como sexo explícito é, sob um olhar mais atento, um simbolismo – que obedece a medida do necessário – acerca da revolução sexual feminina.
Se os personagens são um presente e a história simplesmente nos desnuda enquanto povo brasileiro, a trilha sonora é um espetáculo à parte. Nenhum filme jamais honrou tanto a música brasileira: Gil, Bethânia, Taiguara e Ave Sangria simplesmente conversam com a história.
Talvez o peso político de Aquarius tenha uma explicação simples, embora jamais reducionista: falar de política significa falar de nós mesmos. E não há melhor maneira de fazê-lo – neste momento em que uma mulher é injustamente destituída da presidência – do que através de uma personagem como Clara: uma mulher de 65 anos disposta a lutar pela preservação de seu direito de ser quem é, de permanecer onde sempre esteve, de preservar o que lhe é importante, de resistir a uma cruel e higienizadora verticalização.
O Brasil ganha de presente um filme capaz de dissecá-lo e traduzi-lo com toda a elegância de uma protagonista que contempla irretocavelmente o sentimento de uma geração que, a duras penas, se redescobre.
Fonte: DCM (Diário do Centro do Mundo)
Nathali Macedo
Sobre o Autor
Colunista, autora do livro "As Mulheres que Possuo", feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta blues nas horas vagas.