Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Dilemas humanos perante a crise econômica: perspectivas

Guilherme C. Delgado

            Pensar que a vida humana em sociedade depende de maneira crescente do funcionamento do sistema econômico é uma idéia que chega a provocar medo, especialmente em momentos de crise funcional ou estrutural da própria economia. Como essas situações críticas ocorrem cada vez mais freqüentemente e de maneira profunda, provavelmente temos problemas de fundamentos não devidamente enfrentados.
           Veja-se no receituário aviado esta semana pela União Européia para os novos "ajustes" impostos a Grécia: corte de valores do salário mínimo, das aposentadorias e pensões e demissão expressiva de funcionários públicos, para uma economia que já carrega o mais alto nível de desemprego da Europa, depois de quatro anos de decréscimo da atividade econômica. Tudo isso é imposto, sob pena de exclusão da zona do euro, pela União Européia e, indiretamente, pela própria economia mundial na sua conformação atual.
          Implícita a essa punição aos gregos, há uma curiosa captura teológica da tese do sacrifício purgatório, mas de maneira completamente invertida do seu significado cristão. A cruz na qual o povo grego está sendo pregado é a mesma que os romanos utilizaram para desmoralizar publicamente os rebeldes do império ? exemplo de crueldade exemplar para punir com morte dolorosa os "criminosos", segundo a visão de Roma. Esse sacrifício impõe escravização e morte e nada tem a ver com a experiência de liberdade, Ressurreição e plenitude da vida que é a resposta de Jesus Cristo à cruz romana.
           O exemplo da Grécia é apenas um caso particular de uma situação mais geral, que em pleno século XXI assume uma densidade nunca dantes verificada na história do capitalismo dos últimos 250 anos. Uma proporção grande demais dos 7 bilhões de seres humanos em todo o mundo depende do funcionamento da economia mercantil para produzir e reproduzir condições essenciais à vida humana em sociedade. Moradias, alimentos, vestuário, água potável, terras, saúde e educação, convertidos em bens mercantis. Dependem de empregos, que em última instância provêem dinheiro,  meio de troca para suprir necessidades. Observe-se que no Século XXI a dependência da reprodução da vida humana em relação ao funcionamento da economia capitalista é infinitamente maior do que fora nos anos 30 do século passado.
           Necessidades humanas básicas quando convertidas em mercadorias de consumo de massa impõem à economia política exigências éticas que são completamente estranhas ao utilitarismo social, fundamento ético da economia capitalista desde Adam Smith até os nossos dias. E não basta, como propunha Keynes na sua obra clássica, uma agenda de justiça social para além da sua Teoria Gera. Hoje há que se pensar a "idéia da justiça" e da liberdade no cerne do desenvolvimento humano, a exemplo do economista indiano Amartya Sen, sob pena de reproduzirmos uma contradição insanável no processo de crescimento material da economia relativamente às condições de cidadania da maioria da população.
           Por outro lado, a dinâmica real de crescimento do capital financeiro em escala global e sua absoluta hegemonia nos planos econômico e político nos Estados centrais do sistema mundial obstam a concretização de limites políticos à completa liberalidade de acumulação e circulação desse capital. Em tais condições, crises sucessivas de caráter estritamente financeiro, como foi o caso das hipotecas imobiliárias nos EUA em 2008 e atualmente a crise de endividamento dos países menos desenvolvidos da zona do euro, convertem-se rapidamente em problemas de desemprego em massa, com alto potencial de contaminação para a economia mundial. Em face desse risco iminente, a solução das crises financeiras tem sido pela via da da socialização das perdas, sem afetar e responsabilizar seriamente os promotores do super-endividamento das famílias.
           Os remédios contra o desemprego, a instabilidade e a desigualdade econômica que emergiram nos anos 30 e 40 do século passado, de inspiração keynesiana,  planejamento governamental do investimento, Estado do bem Estar, estrito controle das operações monetário-financeiras pelos Bancos Centrais - continuam válidos para economias nacionais, mas impotentes no plano global. Mesmo nas economias nacionais, estão sob intenso ataque dos arautos do capital e do dinheiro plenamente liberados.
           Do exposto parece-nos evidenciada a necessidade de reconstrução das próprias bases da economia política contemporânea, no contexto da qual a política social adquiriria centralidade, no sentido da garantia das condições de reprodução da vida humana em sociedade. Isto certamente só é possível sob a égide de um sistema econômico protegido da instabilidade intrínseca da acumulação financeira. Tais assertivas soam evidentemente utópicas quando confrontadas com os poderes globais ora constituídos. O problema maior é que tais poderes em crises sucessivas de dominação não sinalizam bons presságios para a humanidade.

           Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

Nossa fonte: O Berro

Habitação: especulação e moradia


O crescimento acelerado da economia e os investimentos feitos na área imobiliária, inclusive os feitos pelo governo federal para as classes de menor renda, tiveram também seu efeito colateral, segundo análise do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Nabil Georges Bonduki, professor-doutor em assuntos de Habitação Urbana pela FAU-USP.


De acordo com o secretário, as consequencias são uma alta valorização da terra urbana, que acabam provocando uma forte especulação imobiliária e anulando os efeitos de políticas habitacionais para a população de baixa renda.

“O país voltou a crescer, voltou a investir em áreas importantes, transporte e outras coisas, inclusive habitação. Urbanização das favelas é um bom exemplo. O que acabou acontecendo, no entanto, foi uma valorização exagerada da terra e as políticas habitacionais, embora com recursos, acabaram por não responder às necessidades”, afirma Bonduki.

Grandes obras de planejamento urbano destituídas de uma política fundiária para conter a especulação imobiliária resultam na expulsão dos mais pobres. “Projetos urbanos, projetos viários e crescimento que, em tese, seriam positivos, têm como conseqüência a expulsão dos mais pobres, não somente por via direta (como remoções de ocupação), mas também indireta, (preços e custo de vida)”, diz Nabil Bonduki. “A procura de terras por pessoas de renda mais alta, criou uma dificuldade de atender a demanda popular”, conclui.

Acontecimentos como os incêndios de favelas em São Paulo são colocados pelo professor como resultado de uma disputa por terras no mercado imobiliário. “O problema de habitação na cidade de São Paulo se agrava por conta do tamanho da cidade e indisponibilidade de terra, sem contar superaquecimento do mercado imobiliário”, afirma. Programas federais acabam não respondendo ao déficit habitacional específico da maior capital do país, pois a cidade convive com particularidades que devem ser levadas em consideração na procura de saídas. 

“Por exemplo, o programa Minha Casa, Minha Vida, em outras cidades, acaba localizando os conjuntos na periferia; em São Paulo, isso fica mais difícil. Aqui tem o problema dos mananciais, das grandes distâncias e de uma disputa da terra para habitação da periferia com condomínios fechados”.

Governos tucanos

Frente às especificidades da cidade, o governo tucano não tomou medidas de política urbana. Seria fundamental, na opinião de Bonduki, a participação municipal para a regulamentação do uso do solo paulistano. “No fundo, quando falamos política fundiária, claro que o governo federal tem um papel, mas o principal é o município, é ele quem regulamenta o uso do solo da cidade”

Na cidade de São Paulo, a partir de 2005, a gestão tucana retrocedeu em relação a certos avanços na área da Habitação obtidos em administrações anteriores, como, por exemplo, no Programa de Reabilitação da Área Central, coerente com o então Plano Diretor Estratégico. O Conselho Municipal de Habitação, instituído por lei de 2002, da administração Marta Suplicy, perdeu sua eficácia quando o governo do PSDB conseguiu maioria de seus integrantes.

“De uma maneira geral, eu diria que ele [Conselho] está esvaziado como fórum de decisão, nada efetivamente importante passa por ele. Isto faz com que o Conselho deixe de ser um espaço de controle social e participação” critica Bonduki. Já em relação ao Plano Diretor Estratégico, o professor faz fortes críticas ao atual governo municipal, “muitos instrumentos que o PDE previa não foram implementados.”

As secretarias de Habitação e Planejamento são fundamentais para efetivação de um projeto inteligente de habitação que, segundo o professor, “poderiam, de maneira mais forte, ter implementado os instrumentos urbanísticos. O IPTU progressivo para os terrenos vazios demorou, foi alcançado pela Câmara e não pelo Executivo, e ainda restrito só a Área Central”. Ele ainda alerta que houve mudanças substanciais na conjuntura que devem fazer rever o projeto: “Este quadro novo, de mais investimentos gerais na cidade, em habitação, financiamento, é um quadro muito diferente do de 2002, quando foi feito o PDE. O programa deve ser aprofundado naquilo que propôs: em regras pra conter a valorização das terras da cidade e pensar as leis em função do processo de investimentos que serão feitos agora na cidade”. 

O professor pensa em uma contabilização conjunta nos orçamentos de obras que se levantam na cidade paulistana. “É necessário um plano de orçamento em Habitação da própria obra”. Com o crescente investimento em grandes obras na cidade, o professor sugere um cálculo previsto para atender às demandas de habitação, crucial para que o avanço e melhoria do espaço urbano, não seja um fator para expulsão dos mais pobres.

O problema da especulação acontece à revelia da vontade pública, mas é na vontade pública e no seu plano de governo que reside mecanismos de regulação e controle do valor abusivo do solo paulistano, concluiu o urbanista.

Fonte: Carta Maior