Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Conselho Indigenista Missionário esclarece “suicídio coletivo” de índios




O suicídio entre os Kaiowá e Guarani já ocorre há tempos e acomete sobretudo os jovens

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) emitiu nota para esclarecer o que está sendo disseminado nas redes sociais como “suicídio coletivo” dos índios Kaiowá e Guarani. Na verdade, a carta divulgada por eles fala em morte coletiva, já que decidiram ficar na terra e resistir à desapropriação autorizada pela Justiça Federal de Navirai, no Mato Grosso do Sul.

Nota sobre o suposto suicídio coletivo dos Kaiowá de Pyelito Kue

O Cimi entende que na carta dos indígenas Kaiowá e Guarani de Pyelito Kue, MS, não há menção alguma sobre suposto suicídio coletivo, tão difundido e comentado pela imprensa e nas redes sociais. Leiam com atenção o documento: os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las. Vivos não sairão do chão dos antepassados. Não se trata de suicídio coletivo! Leiam a carta, está tudo lá. É preciso desencorajar a reprodução de tais mentiras, como o que já se espalha por aí com fotos de índios enforcados e etc. Não precisamos expor de forma irresponsável um tema que muito impacta a vida dos Guarani Kaiowá.

O suicídio entre os Kaiowá e Guarani já ocorre há tempos e acomete sobretudo os jovens. Entre 2003 e 2010 foram 555 suicídios entre os Kaiowá e Guarani motivados por situações de confinamento, falta de perspectiva, violência aguda e variada, afastamento das terras tradicionais e vida em acampamentos às margens de estradas. Nenhum dos referidos suicídios ocorreu em massa, de maneira coletiva, organizada e anunciada.

Desde 1991, apenas oito terras indígenas foram homologadas para esses indígenas que compõem o segundo maior povo do país, com 43 mil indivíduos que vivem em terras diminutas. O Cimi acredita que tais números é que precisam de tamanha repercussão, não informações inverídicas que nada contribuem com a árdua e dolorosa luta desse povo resistente e abnegado pela Terra Sem Males.

Histórico

Os índios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul (MS), Centro-Oeste brasileiro, cansados da morosidade da justiça, decidiram retomar parte do tekoha (território sagrado) Arroio Koral, localizado no município de Paranhos, em 10 de agosto deste ano. Poucas horas depois, nem bem os cerca de 400 indígenas haviam montado acampamento, pistoleiros invadiram o local levando medo e terror para homens, mulheres e crianças.

No momento do ataque, os indígenas correram e se espalharam pela mata, no entanto, passados os momentos de pânico, aos poucos os Guarani Kaiowá foram retornando para o acampamento e mesmo se sentindo inseguros e amedrontados pretendem não sair mais de lá.

O Guarani Kaiowá Dionísio Gonçalves assegura que os indígenas estão firmes na decisão de permanecer no tekoha Arroio Koral, mesmo cientes das adversidades que terão que enfrentar, já que o território sagrado reivindicado por eles fica no meio de uma fazenda.

- Nós estamos decididos a não sair mais, nós resolvemos permanecer e vamos permanecer. Podem vir com tratores, nós não vamos sair. A terra é nossa, até o Supremo Tribunal Federal já reconheceu. Se não permitirem que a gente fique é melhor mandarem caixão e cruz, pois nós vamos ficar aqui – assegurou.

A batalha pela retomada de terras indígenas não é de hoje no Mato Grosso do Sul. Neste Estado, onde se localizam os mais altos índices de assassinatos de indígenas, esta população luta há vários anos pela devolução de terras tradicionais e sagradas. Dentro deste contexto de luta já aconteceram diversos ataques como os de sexta-feira, muitos ordenados por fazendeiros insatisfeitos com a devolução das terras aos seus verdadeiros donos.

O conflito fundiário e judicial que envolve o território sagrado Arroio Koral parecia estar resolvido quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em dezembro de 2009, um decreto homologando a demarcação da terra.

No entanto, em janeiro de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF), do qual está à frente o ministro Gilmar Mendes, suspendeu a eficácia do decreto presidencial em relação às fazendas Polegar, São Judas Tadeu, Porto Domingos e Potreiro-Corá.

O processo continua em andamento, mas tem caminhado a passos muito lentos, já que ainda não foi votado por todos os ministros. Assim, fartos da morosidade da justiça brasileira, os Guarani Kaiowá decidiram fazer a retomada da terra.

Os indígenas escreveram uma carta para os ministros do Supremo Tribunal Federal e para o Governo Federal em que reivindicam o despejo dos fazendeiros que ainda estão ocupando e destruindo territórios tradicionais já demarcados e reconhecidos pelo Estado brasileiro e pela Justiça Federal e exigem a devolução imediata de todos os antigos territórios indígenas.

- Sabemos que os pistoleiros das fazendas vão matar-nos, mas mesmo assim, a nossa manifestação pacífica começa 10 de agosto de 2012. Por fim, solicitamos, com urgência, a presenças de todas as autoridades federais para registrar as nossas manifestações pacíficas, étnicas e públicas pela devolução total de nossos territórios antigos – anuncia o último trecho da carta assinada por lideranças, rezadores, mulheres pertencentes ao Povo Kaiowá e Guarani dos acampamentos e das margens de rodovias, ameaçados pelos pistoleiros das fazendas, dos territórios reocupados e das Reservas, Aldeias Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil

Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS.

Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.

Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados.

Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.

Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos.

Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de
Navirai-MS.

Fonte: CdB

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

José Genoino Neto: Carta Aberta ao Brasil

"Eles passarão, eu passarinho." Mário Quintana

Dizem, no Brasil, que as decisões do Supremo Tribunal Federal não se
discutem, apenas são cumpridas. Devem ser assumidas, portanto, como
verdades irrefutáveis. Discordo. Reservo-me o direito de discutir, aberta e
democraticamente com todos os cidadãos do meu país, a sentença que me foi
imposta e que serei obrigado a cumprir.

Estou indignado. Uma injustiça monumental foi cometida. Não é a primeira
vez. A Corte que me condenou também deportou Olga Benário para ser
assassinada num campo de concentração nazista. A Corte que me condenou não se opôs a ditadura militar e, depois, manteve a anistia para meus
torturadores. A Corte e a justiça brasileira, que foram tão duras comigo,
já foram lenientes, em relação a muitos grandes escândalos de corrupção,
que sequer foram convenientemente investigados. A Corte que agora me
condena sem provas, já absolveu outros políticos com provas em abundância e
retarda o julgamento de outros casos anteriores ao do PT.

A Corte errou. A Corte foi, sobretudo, injusta. Condenou um inocente. Me
condenou sem provas. Com efeito, baseada na teoria do domínio funcional do
fato, que, nessas paragens de teorias mal-digeridas, se transformou na
tirania da hipótese pré-estabelecida, construiu-se uma acusação escabrosa
que pôde prescindir de evidências, testemunhas e provas.

Sem provas para me condenar basearam-se na circunstancia de eu ter sido
presidente do PT. Isso é o suficiente? É o suficiente para fazerem tabula
rasa de todo uma vida dedicada, com grande sacrifício pessoal, à causa da
democracia e a um projeto político que vem libertando o Brasil da
desigualdade e da injustiça.

Pouco importa se não houve compra de votos. A tirania da hipótese
pré-estabelecida se encarrega de “provar” o que não houve. Pouco importa se
não cuidava das questões financeiras do partido. A tirania da hipótese
pré-estabelecida se encarrega de afirmar o contrário. Pouco importa se após
mais de 40 anos de política o meu patrimônio pessoal é o de um modesto
cidadão de classe média. Esta tirania afirma contra todas as evidencias que
não posso ser probo.

Nesse julgamento, transformaram ficção em realidade. Quanto maior a posição
do sujeito na estrutura do poder, maior sua culpa. Se o indivíduo tinha uma
posição de destaque, ele tinha de ter conhecimento do suposto crime e
condições de encobrir evidências e provas. Portanto, quanto menos provas e
evidências contra ele, maior é a determinação de condená-lo. Trata-se de
uma brutal inversão dos valores básicos da justiça e de uma criminalização
da política.

Esse julgamento ocorre em meio a uma diuturna e sistemática campanha de
ódio contra o meu partido e contra um projeto político exitoso que incomoda
setores reacionários incrustados em parcelas dos meios de comunicação, do
sistema de justiça e das forças políticas que nunca aceitaram a nossa
vitória. Nessas condições, como ter um julgamento justo e isento? Como
esperar um julgamento sereno, no momento em que juízes são pautados por
comentaristas políticos?

Além de fazer coincidir matematicamente o julgamento com as eleições,
verificamos na mais alta corte de justiça do país posições de parcialidade
política e ideológica.

Mas não se enganem. Na realidade, a minha condenação é a tentativa de
condenar todo um partido, todo um projeto político que vem mudando, para
melhor, o Brasil. Sobretudo para os que mais precisam

Mas eles fracassarão. O julgamento da população sempre nos favorecerá, pois
ela sabe reconhecer quem trabalha por seus justos interesses. Ela também
sabe reconhecer a hipocrisia dos moralistas de ocasião.

Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes. Não me envergonho de
nada. Continuarei a lutar com todas as minhas forças por um Brasil melhor,
mais justo e soberano, como sempre fiz.

Essa é a história dos apaixonados pelo Brasil que decidiram, em plena
ditadura, fundar um partido que se propôs a mudar o país vencendo o medo. E conseguiram. E, para desgosto de alguns, conseguirão. Sempre.



São Paulo, 10 de outubro de 2012

José Genoino Neto

"A coragem é o que dá sentido à liberdade"


Você teria coragem de assumir como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político honrado? Acharia uma excelente ideia congregar 200 pessoas na porta de uma casa familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um procedimento cardíaco? Pois os meios de comunicação desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais. O texto é de Miruna Genoino.


Miruna Genoino
(*) Carta escrita pela filha de José Genoino.
Com essa frase, meu pai, José Genoino Neto, cearense, brasileiro, casado,
pai de três filhos, avô de dois netos, explicou-me como estava se sentindo em relação à condenação que hoje, dia 9 de outubro, foi confirmada. Uma frase saída do livro que está lendo atualmente e que me levou por um caminho enorme de recordações e de perguntas que realmente não têm resposta.

Lembro-me que quando comecei a ser consciente daquilo que meus pais tinham feito e especialmente sofrido, ao enfrentar a ditadura militar, vinha-me uma pergunta à minha mente: será que se eu vivesse algo assim teria essa mesma coragem de colocar a luta política acima do conforto e do bem estar individual? Teria coragem de enfrentar dor e injustiça em nome da democracia?

Eu não tenho essa resposta, mas relembrar essas perguntas me fez pensar em muitas outras que talvez, em meio a toda essa balbúrdia, merecem ser consideradas...

Você seria perseverante o suficiente para andar todos os dias 14 km pelo sertão do Ceará para poder frequentar uma escola? Teria a coragem suficiente de escrever aos seus pais uma carta de despedida e partir para a selva amazônica buscando construir uma forma de resistência a um regime militar? Conseguiria aguentar torturas frequentes e constantes, como pau de arara, queimaduras, choques e afogamentos sem perder a cabeça e partir para a delação? Encontraria forças para presenciar sua futura companheira de vida e de amor ser torturada na sua frente? E seria perseverante o suficiente ao esperar 5 anos dentro de uma prisão até que o regime político de seu país lhe desse a liberdade?

E sigo...
Você seria corajoso o suficiente para enfrentar eleições nacionais sem nenhuma condição financeira? E não se envergonharia de sacrificar as escassas economias familiares para poder adquirir um terno e assim ser possível exercer seu mandato de deputado federal? E teria coragem de ao longo de 20 anos na câmara dos deputados defender os homossexuais, o aborto e os menos favorecidos? E quando todos estivessem desejando estar ao seu lado, e sua posição fosse de destaque, teria a decência e a honra de nunca aceitar nada que não fosse o respeito e o diálogo aberto?

Meu pai teve coragem de fazer tudo isso e muito mais. São mais de 40 anos dedicados à luta política. Nunca, jamais para benefício pessoal. Hoje e sempre, empenhado em defender aquilo que acredita e que eu ouvi de sua boca pela primeira vez aos 8 anos de idade quando reclamava de sua ausência: a única coisa que quero, Mimi, é melhorar a vida das pessoas...

Este seu desejo, que tanto me fez e me faz sentir um enorme orgulho de ser filha de quem sou, não foi o suficiente para que meu pai pudesse ter sua trajetória defendida. Não foi o suficiente para que ganhasse o respeito dos meios de comunicação de nosso Brasil, meios esses que deveriam ser olhados através de outras tantas perguntas...

Você teria coragem de assumir como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político honrado? Acharia uma excelente
ideia congregar 200 pessoas na porta de uma casa familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um procedimento
cardíaco? Dedicaria suas energias a colocar-se em dia de eleição a falar, com a boca colada na orelha de uma pessoa, sobre o medo a uma prisão que essa mesma pessoa já vivenciou nos piores anos do Brasil?
Pois os meios de comunicação desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais.

Hoje, nesse dia tão triste, pode parecer que ganharam, que seus objetivos foram alcançados. Mas ao encontrar-me com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que apenas deram forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história de garra, HONESTIDADE e defesa daquilo que sempre acreditou.

Nossa família entra agora em um período de incertezas. Não sabemos o que virá e para que seja possível aguentar o que vem pela frente pedimos encarecidamente o seu apoio. Seja divulgando esse e/ou outros textos que existem em apoio ao meu pai, seja ajudando no cuidado a duas crianças de 4 e 5 anos que idolatram o avô e que talvez tenham que ficar sem sua presença, seja simplesmente mandando uma palavra de carinho. Nesse momento qualquer atitude, qualquer pequeno gesto nos ajuda, nos fortalece e nos alimenta para ajudar meu pai.

Ele lutará até o fim pela defesa de sua inocência. Não ficará de braços cruzados aceitando aquilo que a mídia e alguns setores da política brasileira querem que todos acreditem e, marca de sua trajetória, está muito bem e muito firme neste propósito, o de defesa de sua INOCÊNCIA e de sua HONESTIDADE. Vocês que aqui nos leem sabem de nossa vida, de nossos princípios e de nossos valores. E sabem que, agora, em um dos momentos mais difíceis de nossa vida, reconhecemos aqui humildemente a ajuda que precisamos de todos, para que possamos seguir em frente.

Com toda minha gratidão, amor e carinho,
Miruna Genoino
09.10.2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Um tribunal que condena por achar que existe crime onde faltam provas


Ouvi estarrecido de uma ministra do Supremo que não achava razoável supor que o ex-ministro não soubesse do esquema de pagamentos, presumindo-se, desde logo, que os pagamentos teriam sido feitos para comprar votos e não para pagar dívidas de campanha. Ela não disse que os autos demonstram inequivocamente que Dirceu soubesse do esquema. Ela disse o que teria dito um magistrado da ditadura: que Dirceu teve a intenção de montar o esquema O artigo é de J. Carlos de Assis.
J. Carlos de Assis*

Fui um dos últimos, talvez o último jornalista a ser processado por crime de opinião nos termos da infame Lei de Segurança Nacional da ditadura, em 1983. Havia feito uma série de reportagens na “Folha de S. Paulo” vinculando uma trama financeira fraudulenta na cúpula da Capemi a personagens proeminentes do antigo SNI, Serviço Nacional de Informações. A acusação contra mim não era que houvesse mentido mas sim que, ao divulgar informações que podiam até mesmo ser verdadeiras, tinha, em hipótese, a intenção de desestabilizar o regime.

Assim era a Justiça da ditadura: julgava pela intenção imputada subjetivamente, não pelo fato. Contudo, meu processo caiu em mãos de um destemido juiz militar, Helmo Sussekind, que me deu o direito da “exceção da verdade”. A exceção da verdade é a figura jurídica que possibilita ao processado fazer a prova de que o que escreveu ou disse era a verdade, independentemente de intenção. Esse, aliás, é o fundamento que torna a liberdade de imprensa efetivamente justa. Do contrário, seria uma cobertura para a calúnia, a injúria e a difamação.

Recordo-me dessa experiência pessoal porque vejo o Supremo Tribunal Federal caminhar para um tipo de jurisprudência, no caso do chamado mensalão, em que se substitui a criteriosa apuração do fato por uma odiosa e subjetiva suposição sobre as intenções. Supõe-se, sem prova convincente, que recursos financeiros mobilizados pelo PT foram usados para comprar votos. Supõe-se, sem prova convincente, que esse esquema de compra de votos foi comandado pelo ex-chefe da Casa de Civil José Dirceu.

Até as pedras sabem que o sistema de coligações partidárias no Brasil, dada a existência de mais de 30 partidos, implica transações financeiras através de caixas um ou de caixas dois, sobretudo no que diz respeito a compra de tempo de televisão nas campanhas eleitorais. Não há nenhuma ideologia nesse processo, e os que gostariam que houvesse não conhecem a democracia real nem aqui nem em nenhuma parte do mundo. Portanto, no rescaldo das eleições, sempre há acertos financeiros a fazer por conta dos acordos anteriores independentemente do comportamento corrente das bancadas no Congresso.

O contorcionismo feito pelos procuradores e pelo relator do mensalão para demonstrar uma vinculação entre pagamentos pelo esquema de Valério e votações no Congresso é simplesmente ridículo. Não tiveram o cuidado sequer de convocar um estatístico para examinar as correlações. Se chamassem, veriam que não existem correlações significativas do ponto de vista científico. Num processo que tem mais de 60 mil páginas, era de se esperar um pouco mais de escrúpulo para quem cuida de julgar destinos humanos e de suas liberdades.

No caso de Dirceu é ainda mais fantástico. Ouvi estarrecido de uma ministra do Supremo que não achava razoável supor que o ex-ministro não soubesse do esquema de pagamentos, presumindo-se, desde logo, que os pagamentos teriam sido feitos para comprar votos (crime de corrupção ativa e passiva) e não para pagar dívidas de campanha (irregularidade eleitoral). Ela não disse que os autos demonstram inequivocamente que Dirceu soubesse do esquema. Ela disse o que teria dito um magistrado da ditadura: que Dirceu teve a intenção de montar o esquema!

Ainda há seis votos antes da decisão final. São seis votos que separam o Supremo da vergonha de ter sacrificado inocentes sob pressão da uma campanha de mídia infamante, cujo argumento mais sólido, em toda essa tragicomédia, é de que é preciso pegar os peixes grandes para saciar a sede de vingança da opinião pública em relação aos políticos. Sim, os dirigentes do PT denunciados pelo chamado mensalão são aparentemente peixes grandes. Contudo, chegaram aonde chegaram pelo voto popular no exercício da democracia. O número de votos que os pôs lá é grande demais para ter sido comprado.

Naturalmente que a manipulação da opinião pública pela mídia influi em ministros de caráter fraco. Daí o risco para a Justiça e para a democracia. Mas sempre existe uma saída. O ministro Levendowsky provou a todos nós, que acreditam na independência do Judiciário, que nem tudo está perdido. A própria transparência dos debates no STF ajudam aos mais atentos a formar essa opinião: se por um lado ela favorece o estrelismo do relator, por outro deixa clara a insuficiência da denúncia. Por exemplo, ficou mais do que demonstrado que um mensalão, tal como inicialmente “denunciado” na forma de pagamentos mensais regulares, jamais existiu, tendo-se apenas conservado o nome por vício mídiatico.

(*) Economista e professor de Economia Internacional na UEPB, autor, entre outros livros de Economia Política, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, ás terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
Nossa fonte: Carta Maior

Consenso de Brasília, modelo para armar na América Latina

Depois do neoliberalismo extremo do Consenso de Washington, que gerou mais de uma década social perdida, a América Latina experimenta exitosamente uma receita própria: o Consenso de Brasília, que conjuga economia de mercado e inclusão social. "O modelo brasileiro teve um impacto muito positivo como exemplo de que as coisas podem ser feitas de outra maneira: promovendo o crescimento sem renunciar à equidade social", diz José Rivera, secretário permanente do Sistema Econômico Latinoamericano (SELA).

Estrella Gutiérrez - IPS

Caracas (IPS) - Depois do neoliberalismo extremo do Consenso de Washington, que gerou mais de uma década social perdida, a América Latina experimenta exitosamente uma receita própria: o Consenso de Brasília, que conjuga economia de mercado e inclusão social.

Batizado por Michael Shifter, presidente do independente Diálogo Interamericano, como Consenso de Brasília, por contrapor-se ao Consenso de Washington, é conhecido também como "lulismo", em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou modelo brasileiro, e acrescenta seguidores latino-americanos entre governos de esquerda e de direita.

O secretário permanente do Sistema Econômico Latinoamericano(SELA), o mexicano José Rivera, disse a IPS: "O modelo brasileiro teve um impacto muito positivo como exemplo de que as coisas podem ser feitas de outra maneira: promovendo o crescimento sem renunciar à equidade social".

A América Latina e o Caribe, disse, "devem ter como aspiração regional estar integradas, vinculadas e unidas no objetivo comum de que se reduzam as assimetrias e se possa avançar nas grandes dívidas sociais pendentes".

Rivera considerou que para percorrer esse caminho "são positivos os exemplos, ainda mais se são próprios, de governos eficientes em abordar uma dívida social que não se consegue corrigir na região, onde um de cada três latino-americanos vivem na pobreza e cerca de 90 milhões sobrevivem com menos de um dólar por dia".

Consultado por IPS, Shifter afirmou que os traços do Consenso de Brasília "continuam intactos e vigentes", mesmo que Lula tenha deixado a Presidência do Brasil em janeiro de 2011 e o contexto internacional tenha piorado e, em consequência, o regional.

“Não mudou o modelo representado pela ênfase em três eixos: crescimento econômico, equidade social e governabilidade democrática", explica.

“Sua vigência”, acrescentou, “confirma sua propagação como guia de governança para numerosos países da região, seja qual for o ideário político de seu presidente ou presidenta. Isto contrasta com o ocaso ou "encausamento" de outras propostas mais radicais, que foi comandada pelo mandatário venezuelano Hugo Chávez na primeira década do século.

Se trata de uma visão contraposta ao pacote de medidas que os organismos financeiros internacionais e centros de poder com sede em Washington impuseram à América Latina após o estouro de suas crises de dívida soberana em 1984 e, sobretudo, durante a década de 90.

O programa de 10 pontos, síntese da ideologia neoliberal, forçou inclementes ajustes, com eliminação do déficit fiscal, reordenamento do gasto, liberalização financeira e monetária, aumentos de impostos, abertura de mercados e investimentos e massivas privatizações. Tudo para pagar a dívida e estabelecer novas bases para o crescimento econômico.

Na prática, as reformas estiveram longe de gerar crescimento, promoveram a desindustrialização regional e fizeram cair o produto interno bruto por quase uma década, balizada por várias crises financeiras nacionais, algumas de alcance global.

Mas o mais grave foi seu impacto na população. Durante a "década perdida", o gasto social se minimizou em todos seus ramos, em especial na educação, na saúde, na moradia e na assistência aos setores mais vulneráveis, enquanto também pioraram as condições trabalhistas.

A consequência foi o incremento da pobreza e da indigência, uma maior favelização das cidades e o predomínio da economia e do trabalho informal, entre outros impactos negativos.

Lula consolidou, durante seus oito anos no poder (janeiro de 2003 à janeiro de 2011), outro modelo que mantém o pilar da estabilidade macroeconômica e fiscal, a autonomia da autoridade monetária e o cambio livre, mas que acrescenta agressivas políticas industriais e de produção interna.

Além disso, adiciona-se como prioridade a inclusão social, com aumento de salários, geração de empregos formais e um alto gasto em políticas para erradicar a fome, reduzir a pobreza, melhorar a educação e a saúde e, em geral, uma maior transferência de renda à sociedade.

Como marco central, a democracia, com a ampliação de direitos e o incentivo à participação cidadã e sua organização pela base.

Shifter, cujo instituto tem sede em Washington, assegurou que a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, "decidiu ter um menor protagonismo global que Lula, mas isso não afeta o modelo do Consenso de Brasília". Ela "tem outro estilo, outras prioridades e outro tipo de liderança", sintetizou.

Rousseff aplicou diferentes políticas para estimular a economia e amortizar o impacto da recessão econômica no Norte industrial, em especial na Europa. Preocupou-se, além disso, em reforçar os programas sociais nesse novo cenário desfavorável.

Uma recente frase sua ressalta a sua postura. "Eu, o que quero e pelo que luto é para que o Brasil se transforme na sexta potência social", afirmou sobre o fato de que seu país tenha passado a ser a sexta economia mundial e avance para a quinta posição.

Entre os países latino-americanos cujos governos têm como guia geral, com suas variáveis, o Consenso de Brasília, Shifter citou o Chile, a Colômbia, El Salvador e Uruguai. Outras administrações tomam vários elementos, enquanto "híbridos" entre o lulismo e o chavismo como é o caso da Argentina e do Paraguai, até a derrubada de seu presidente Fernando Lugo, em junho.

O estudioso deu especial relevância ao caso do presidente do Peru, Ollanta Humala, que escolheu o lulismo e não o modelo "bolivariano de Chávez", abrindo seu ocaso regional.

Também considerou notável que, na Venezuela, o candidato opositor para as eleições deste domingo, dia sete, Henrique Capriles, "sublinha que seu modelo é Lula, e seu programa o confirma".

Barro nos pés
Mas, embora o Consenso de Brasília não tenha os pés de barro, tem, sim, barro nos pés, por sua forma de desenvolvimento histórico e também, no passado imediato, pelas sequelas do Consenso de Washington.

Rivera, máximo dirigente do SELA, com sede em Caracas, destacou que as brechas sociais continuam presentes na região e "se necessita um grande e continuado esforço para consolidar a inclusão e a equidade social".

Com esse objetivo, a região tem diante de si três desafios, esboçou o chefe do organismo que congrega 28 países latino-americanos e caribenhos.

O primeiro é "crescer a taxas maiores às atuais e de maneira sustentável, porque não é saudável um comportamento irregular" e para que "os Estados possam enfrentar seus compromissos com a população", acrescentou.

O crescimento deve ser "sustentador além de sustentável ", em segundo lugar. Tem que "ir em direção a um crescimento de economia verde, porque até agora se destruiu o ambiente, se danificaram os recursos naturais e se produziu de forma ineficiente", disse.

O terceiro "é o desafio da inclusão e o de abrir espaços nos mercados internos para que a gente saia da pobreza e se incorpore à classe media", frisou.

E esta combinação de metas, refletiu, requer "em definitivo, um novo direcionamento do Estado", que elimine as ainda muito visíveis cicatrizes do Consenso de Washington.(FIM/2012)
Nossa fonte: Carta Maior

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A lição de método de Marx e o legado de Hobsbawm

Paul Valéry, no início de sua “Introdução ao Método de Leonardo da Vinci”, disse que “o que fica de um homem é o que nos leva a pensar seu nome e as obras que fazem desse nome um signo de admiração, de ódio ou de indiferença”. A obra de Eric Hobsbawm é um signo de admiração e de lições para o século XXI. Em um de seus últimos trabalhos, reafirmou sua confiança política e metodológica na obra de Marx: “o liberalismo econômico e o liberalismo político, sozinhos ou combinados, não conseguem oferecer uma solução para os problemas do século XX. Mais uma vez chegou a hora de levar Marx a sério”.

Marco Aurélio Weissheimer

Em um de seus últimos trabalhos publicados no Brasil (Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo. Companhia das Letras, 2011), Eric Hobsbawm conta a seguinte história para falar da força e da atualidade do pensamento de Marx:

“No Cemitério Highgate estão sepultados dois pensadores do século XIX – Karl Marx e Herbert Spencer – e, curiosamente, da tumba de um se avista o outro. Quando ambos eram vivos, Herbert era considerado o Aristóteles da época, enquanto Karl era um sujeito que morava nas ladeiras mais baixas de Hampstead à custa do dinheiro do amigo [Engels]. Hoje ninguém sabe que Spencer está sepultado ali, enquanto peregrinos idosos, vindos do Japão e da Índia, visitam o túmulo de Karl Marx, e comunistas exilados iranianos e iraquianos fazem questão de ser enterrados à sua sombra” (Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo, p. 14).

Marx foi um autor que acompanhou a vida e a obra do historiador inglês, que morreu na manhã desta segunda-feira (1º), aos 95 anos. O livro citado acima é uma coletânea de textos que Hobsbawm escreveu sobre o assunto entre 1956 e 2009, “um estudo sobre a evolução e o impacto póstumo do pensamento de Karl Marx (e de seu amigo inseparável Friedrich Engels)”, como ele próprio define. Nesta obra, o historiador defende uma tese central: “Marx é hoje, mais uma vez, e com toda justiça, um pensador para o século XXI”. Como uma das melhores formas de homenagear alguém que partiu é manter acesa a memória das obras de uma vida, cabe falar um pouco sobre essa tese que sintetiza uma parte importante das preocupações e compromissos desse historiador extraordinário.

Paradoxalmente, observou Hobsbawm, quem “redescobriu” Marx foram os capitalistas e não os socialistas. O ano de 1998 foi emblemático neste processo. Neste ano, comemorou-se o sesquicentenário do Manifesto Comunista. A data coincidiu, ironicamente, com o início de uma forte turbulência na economia internacional. Hobsbawm relata que ficou espantado quando, num almoço mais ou menos na virada do século, George Soros perguntou o que ele achava de Marx: “Por saber o quanto nossas ideias eram divergentes, preferi evitar uma discussão e dei uma resposta ambígua. Esse homem, disse Soros, descobriu uma coisa com relação ao capitalismo, há 150 anos, em que devemos prestar atenção”.

Alguns depois, em 2008, o jornal londrino Financial Times estampou em sua manchete: “Capitalismo em convulsão”. “Não podia mais haver dúvida de que Marx estava de volta aos refletores. Enquanto o capitalismo mundial estiver passando por sua mais grave crise desde o começo da década de 1930, será improvável que Marx saia de cena. Por outro lado, o Marx do século XXI será, com certeza, bem diferente do Marx do século XX”, advertiu Hobsbwam. Quais seriam essas diferenças?

O Marx do século XXI
A resposta a essa pergunta está intimamente ligada ao diagnóstico sobre quais aspectos da análise de Marx continuam válidos e relevantes. O historiador inglês destaca dois deles: (i) a análise da dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e de sua capacidade de destruir tudo o que se antepuser a ele; (ii) a análise do mecanismo de crescimento capitalista, por meio da geração de contradições internas, levando a crises sucessivas e a uma crescente concentração econômica numa economia cada vez mais globalizada.

E a força dessas análises reside, em larga medida, no método empregado por Marx, um método que rejeita a ideia de modelo e procura pensar o mundo como um todo. Não se trata de um pensamento interdisciplinar no sentido convencional, assinala Hobsbwam, mas de um pensamento que integra todas as disciplinas, abordando os fenômenos sociais a partir de distintos pontos de vista: econômicos, políticos, científicos e filosóficos. “Não podemos prever as soluções dos problemas com que se defronta o mundo no século XXI, mas, quem quiser solucioná-los, deverá fazer as perguntas de Marx, mesmo que não queira aceitar as respostas dadas por seus vários discípulos”, defende o historiador.

Marx tem, pois, uma lição metodológica que é, de diferentes modos, destacada por Hobsbawm. No método de Marx, não há lugar para determinismos, dogmas ou modelos pré-concebidos que possam ser aplicados mecanicamente a qualquer momento histórico. E esses pressupostos foram assumidos também por Hobsbawm em seu trabalho como historiador. No final do artigo “Marx e o trabalhismo: o longo século” (op.cit. pp. 358-375), ele reflete sobre os fracassos do século XX, os problemas do século XXI, reafirmando sua confiança no método de análise de Marx:

“Paradoxalmente, ambos os lados têm interesse em voltar a um importante pensador cuja essência é a crítica do capitalismo e dos economistas que não perceberam aonde levaria a globalização capitalista, como ele previra em 1848. Mais uma vez é óbvio que as operações do sistema econômico devem ser analisadas tanto historicamente, como uma fase da história, e não como seu fim, quanto de forma realista, isto é, em termos não de um equilíbrio de mercado ideal, e sim de um mecanismo integrado que gera crises periódicas capazes de transformar o sistema.” (op.cit. p.375)

Para Hobsbawm, a crise atual mostra que o “mercado” não tem nenhuma resposta para o “principal problema com que se defronta o século XXI”: “o fato de que o crescimento econômico ilimitado e cada vez mais tecnológico, em busca de lucros insustentáveis, produz riqueza global, mas às custas de um fator de produção cada vez mais dispensável, o trabalho humano, e, talvez convenha acrescentar, dos recursos naturais do planeta”. O historiador conclui: “O liberalismo econômico e o liberalismo político, sozinhos ou combinados, não conseguem oferecer uma solução para os problemas do século XX. Mais uma vez chegou a hora de levar Marx a sério”.

O que fica de um homem?
Paul Valéry, no início de sua formidável “Introdução ao Método de Leonardo da Vinci” (publicado no Brasil pela editora 34), disse que “o que fica de um homem é o que nos leva a pensar seu nome e as obras que fazem desse nome um signo de admiração, de ódio ou de indiferença. Pensamos que ele pensou, e podemos reencontrar entre suas obras esse pensamento que lhe é dado por nós: podemos refazer esse pensamento à imagem do nosso”.

A longa, profícua e aguda obra de Hobsbwam está aí para que nós melhoremos o nosso próprio pensamento sobre a nossa história e, sobretudo, sobre os desafios que o presente desfia a nossa frente. Não há fim da história, o mercado não é um deus e os homens e mulheres seguem lutando para sobreviver e levar a humanidade a um patamar melhor do que o que está aí. As palavras, as reflexões e a vida de Eric Hobsbwam seguirão a nossa disposição para deixar esse caminho um pouco menos sombrio.
Fonte: Carta Maior