Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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quinta-feira, 31 de março de 2011

O dia que durou 21 anos


Na TV Brasil, série  de três episódios revela imagens e depoimentos históricos sobre o Golpe de 64

Vejam às 22h nos dias 4, 5 e 6 de abri
Fonte: O Berro


 *Os que viveram a ditadura militar brasileira, os que passaram por ela em brancas nuvens e os que nasceram depois que ela acabou. Todos podem conhecer melhor e refletir sobre esse período, a partir* *da nova série* *?O Dia que durou 21 anos?,** *que a TV Brasil  exibe nos dias 4, 5 e 6 de abril, às 22 h.

 Em clima de suspense e ação, o documentário apresenta, em três episódios de
 26 minutos cada, os bastidores da participação do governo dos Estados  Unidosno golpe militar de
 1964 que durou até 1985 e instaurou a ditadura no  Brasil. Pela primeira vez na televisão, documentos do arquivo  norte-americano, classificados durante 46 anos como *Top Secret,* serão  expostos ao público. Textos de telegramas, áudio de conversas telefônicas,  depoimentos contundentes e imagens inéditas fazem parte dessa série  iconográfica, narrada pelo jornalista Flávio Tavares.

 O mundo vivia a Guerra Fria quando os Estados Unidos começaram a arquitetar o golpe para derrubar o  governo de João Goulart. As primeiras ações surgem em 1962, pelo então  presidente John Kennedy. Os fatos vão se descortinando, através de relatos  de políticos, militares, historiadores, diplomatas e estudiosos dos dois  países. Depois do assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, o texano  Lyndon Johnson assume o governo e mantém a estratégia d e remover Jango,  apelido de Goulart. O temor de que o país se alinharia ao comunismo e  influenciaria outros países da América Latina, contrariando assim os  interesses dos Estados Unidos, reforçaram os movimentos pró-golpe.
 Peter Korneluh

 A série mostra como os Estados Unidos agiram para planejar e criar as  condições para o golpe da madrugada  de 31 de março. E, depois,  para sustentar e reconhecer o regime militar do  governo do marechal Humberto Castelo  Branco. Envergando uma roupa civil, ele assume o poder em 15 de abril. Castelo era  chefe do Estado Maior do Exército de Jango.

 O governo norte-americano estava preparado para intervir militarmente, mas  não foi necessário, como ressaltam historiadores e militares. O general Ivan  Ca valcanti Proença, oficial da guarda presidencial, resume: Lamento que foi  um golpe fácil demais. Ninguém assumiu o comando revolucionário.

 Do Brasil, duas autoridades americanas foram peças-chaves para bloquear as  ações de Goulart e apoiar Castelo  Branco: o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon; e o general Vernon  Walters, adido militar e que já conhecia Castelo Branco. As cartas e o áudio  dos diálogos de Gordon com o primeiro escalão do governo americano são  expostas. Entre os interlocutores, o presidente Lyndon  Johnson,  Dean Rusk (secretário de Estado), Robert McNamara (Defesa). Além de  conversas telefônicas de Johnson com George Reedy Dean Rusk; Thomas Mann  (Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos) e George Bundy,  assessor de segurança nacional da Casa Branca, entre outros.

  Foi uma das mais longas ditaduras da América Latina. O general Newton Cruz,  que foi chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI) e  ex-comandante militar do Planalto ,
 conclui: A revolução era para arrumar a casa. Ninguém passa 20 anos para  arrumar uma Casa.

 Em 1967, quem assume o Planalto é o general Costa e Silva, então ministro da  Guerra de Castelo. Da linha dura, seu governo consolida a repressão. As  conseqüências deste período da ditadura, seus meandros políticos e  ideológicos estarão na tela. Mortes, torturas, assassinatos, violação de  direitos democráticos e prisões arbitrárias fazem parte desse período  dramático da história.

 O jornalista Flávio Tavares, participou da luta armada, foi preso, torturado  e exilado político. Através da série, dirigida por seu filho Camilo Tava res,  ele explora suas vivências e lembranças. E mais: abre uma nova oportunidade  de reflexão sobre o passado .

 *O Dia que durou 21 anos é uma coprodução da TV Brasil com a Pequi Filmes,  com direção de Camilo Tavares. Roteiro e entrevistas de Flávio e Camilo.*
  
 *Primeiro Episódio:* 
 As ações do embaixador dos Estados  Unidos, Lincoln Gordon, ainda no governo Kennedy, são expostas neste primeiro  capítulo. O discurso do presidente João  Goulart  pregando  reformas sociais torna-se uma ameaça e é interpretado pelos  militares como uma provocação. Nos quartéis temia-se uma movimentação de  esquerda e a adoção do comunismo, que poderia se espalhar por outros países  latinos. Entrevista s e reportagens da CBS são reproduzidas, bem como  diálogos entre Gordon e Kennedy. 
 O documentário expõe a efervescência da sociedade brasileira naquele  período. Para evitar que Goulart chegasse forte às eleições de 1965, foi  criado o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que teria dado  cobertura às ações dos Estudos Unidos para derrubar João Goulart.

 *Segundo Episódio:* 
 Cenas da morte de John Kennedy e  a posse de Lyndon Johnson abrem este capítulo, dando sequência à estratégia  dos Estados Unidos de impedir ao que o ex-presidente americano chamou de  *um  outro regime comunista no hemisfério ocidental.* Vamos ficar em cima de  Goulart e nos expor se for preciso, diria Jonhson. 
 Imagens focam no discurso de Jango na Central do  Brasil,  em 13 de março de 1964, que foi considerado uma provocação pelos arquitetos  do golpe. Os americanos já preparavam o esquema, enviando suas forças  militares para o ?controle das massas?, como se refere um dos entrevistados.
 Paralelamente, articulações para levar Castelo Branco ao poder estavam sendo  engendradas. 
 As forças americanas não precisaram entrar em campo. João Goulart pegou o  avião, foi para Brasília e depois para o Sul do País. Por que Jango não  reagiu? É uma questão posta na tela . O general Cavalcanti, oficial da guarda presidencial, resume: Lamento que foi  um golpe fácil demais. Ninguém assumiu o comando revolucionário 
 Os Estados Unidos estavam mobilizados para, em caso de resistência, fazer a  intervenção militar pela costa e assim ajudar os militares. As  correspondências de Lincoln Gordon com o primeiro escalão da Casa  Brancasão mostradas ao  público, explorando as ações secretas junto às Forças  Armadas, a reação da imprensa e dos grupos católicos no Brasil. Os Estados  Unidos reconhecem o novo governo e imagens da vitória e manifestações de rua  entram em cenas. 

 *Terceiro Episódio:* 
 O cargo de presidente é declarado vago pelo presidente do Senado, Auro Moura  de Andrade . O presidente da  Câmara, Ranieri Mazzilli, é empossado. 
 No dia 15 de abril, o chefe das Forças Armadas, marechal Castelo Branco,  toma posse. 
 Castelo tinha relações amistosas com Vernon Walters, adido da Embaixada dos  Estados Unidos no Brasil. Depois de suas conversas com Castelo, ele se  ocupava em enviar telegramas para os Est ados Unidos, relatando o teor da  conversa. Os textos dos telegramas são revelados no episódio. 
 O governo Castelo Branco recrudesce e dá início aos atos institucionais. O  de número 2 extingue os partidos políticos e torna as eleições indiretas. E  mais: prorroga o seu mandato. Em 1967, ele é substituído pelo general Costa  e Silva , da chamada linha dura  do Exército. O AI 5 é decretado no ano seguinte, e o Brasil entra no  caos,  O AI5 foi uma revolução dentro da revolução, declara o general Newton  Cruz. 
 A repressão e a tortura dominavam o país. Militares e estudiosos falam desse  período. O brigadeiro Rui Moreira Lima, da Força Aérea Brasileira, declara:
 Eu conheci um coronel, filho de um general, que veio de um curso de tortura  no Panamá. Ele chegou e disse: agora estou tinindo na tortura, pega aí um  cara pra eu torturar.
 Os Estados Unidos continuam em campo e Lincoln Gordon pede para o governo  fortalecer ao máximo o regime militar brasileiro. O orçamento da embaixada  cresce, como registra o historiador Carlos  Fico,  da UFRJ, um dos entrevistados de Flávio Tavares.



quarta-feira, 30 de março de 2011

O antes, o durante e e o depois: Barack Obama e o Brasil


Fonte: Carta Maior

A breve passagem do presidente Barack Obama pelo Brasil foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como um exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula. Com base nesta avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional. Tendenciosas, estas avaliações revelavam uma preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. O artigo é de Cristina Soreanu Pecequilo.

A breve passagem do Presidente Barack Obama no Brasil nos dias 19 e 20 de março de 2011, em Brasília e Rio de Janeiro, foi antecedida por imensa expectativa em alguns círculos, que avaliaram a viagem como um exemplo prático da mudança significativa que a política externa estaria sofrendo no início da administração de Dilma Rousseff em comparação a de seu antecessor Lula (2003/2010). Com base nesta avaliação equivocada, inúmeras imagens foram construídas a respeito do que Obama faria ou diria em solo nacional.

Iniciando com a abolição dos vistos, passando pela conclusão de um acordo comercial bilateral ao estabelecimento de uma ampla parceria energética no campo do petróleo e biocombustíveis até a declaração formal de apoio ao pleito brasileiro de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU), a agenda destes grupos era extremamente abrangente. Tendenciosas, estas avaliações revelavam uma preocupação extensiva em desqualificar os esforços diplomáticos anteriores. A utilização repetida do termo “normalização”, associado na década de 1990 a uma perspectiva periférica e acrítica, passava a idéia de uma relação sustentada somente em conflitos e que estaria sendo substituída pela reintegração ao núcleo de poder norte-americano. Mais ainda, revelava o permanente desconhecimento sobre as motivações estratégicas dos EUA.

Se em 2011 o Brasil recebeu Barack Obama como uma potência global, isto se deve aos esforços internos e externos do país que o qualificaram a este status de forma autônoma. Esta situação não emerge de um relacionamento de mão única com aquele que tradicionalmente foi o maior parceiro político-econômico brasileiro no século passado, mas da busca de alternativas que permitiram solidificar uma ação internacional consistente e coerente com as necessidades do país. Com isso, as motivações estratégicas norte-americanas não derivam destes cálculos simplistas que permearam o debate sobre a política externa brasileira, mas da percepção de que o Brasil e a América do Sul são mais dois espaços nos quais os EUA perderam posições.

Assim, era preciso para os norte-americanos sinalizar que desejam preservar o Brasil em sua esfera de influência diante deste vácuo, como já o haviam feito diante da China, da Índia e da Rússia em ofensivas diplomáticas similares em contatos bilaterais prévios. E, no caso, no Brasil e na região, os EUA não perderam somente posições para a China, hoje o maior parceiro comercial brasileiro e aliado no grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), ou para a Índia, também no BRIC e no IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul), ou para a África do Sul, ou para a Rússia, ou para a cooperação Sul-Sul em geral, mas para o próprio Brasil nas Américas e no mundo.

Positivamente, em meio a estes ruídos prévios e construções ideológicas de determinados grupos que ignoravam estas questões, os sinais de Brasília mantiveram a percepção de que a visita de Barack Obama representava o reconhecimento deste processo de consolidação político-econômica-estratégica. Tais sinais já se encontravam presentes nos encontros preparatórios entre os dois países antes da chegada de Obama, e demonstravam clareza quanto o que significava esta viagem: uma oportunidade de aprofundar e promover maior adensamento estratégico das relações bilaterais, a partir do reconhecimento norte-americano do status global de poder do Brasil.

Tendo esta realidade como ponto de partida, de que se tratava de uma viagem de reconhecimento e não de concessões norte-americanas ou subserviência brasileira, deixou-se claro que esta dinâmica bilateral não afeta as prioridades externas do Estado brasileiro em termos de agenda Sul-Sul ou Norte-Sul, demandas e projeção. Parte da iniciativa de ser lider é criar fatos novos, dimensões positivas de interdependência, ação que os emergentes e o Brasil tem feito cada vez de forma mais constante. Neste campo, assumem responsabilidades por seus próprios destinos, e de nações similares ou de menor poder relativo, em suas escalas regionais e em nível global estatal e multilateral.

À medida que na última década o Brasil não manteve sua política ou agenda econômica, atrelada aos EUA, sua importância diante deste país aumentou, da mesma forma que sua vulnerabilidade diminuiu diante das constantes oscilações da política da potência hegemônica. Em seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 19 de Março, Barack Obama mencionou iniciativas brasileiras como a UNASUL (União Sul-Americana de Nações) e projetos sociais direcionados às nações do sul no combate à fome e programas de saúde. Ou seja, o Brasil não era mais só o país do futuro, mas que o futuro teria chegado ao Brasil, como afirmou o Presidente dos EUA.

Fortemente, o país demonstrou não ter ilusões de que este reconhecimento traduzir-se-ia, de imediato, em uma mudança concreta da posição norte-americana em determinados temas. Nestes temas, principalmente no comércio bilateral, arena na qual o Brasil demanda maior igualdade e reciprocidade, e na reforma das organizações internacionais governamentais, principalmente no caso das Nações Unidas e seu CS, a posição brasileira foi de sustentar suas reivindicações. Por sua vez, pode-se até considerar que os EUA responderam positivamente em sua retórica, em suas demonstrações de “apreço” pelo pleito brasileiro, pela fala de Obama a empresários que igualou o país à China e Índia. A retórica, porém, não foi acompanhada pela substância da mudança ou pela sinalização de que os norte-americanos estariam dispostos a fazer concessões para engajar de forma diferente o Brasil nestas dimensões.

Acenar com parcerias para o pré-sal, ações conjuntas no campo energético é sinal do novo papel do Brasil, mas também da natureza pragmática do interesse norte-americano em petróleo, mercados em novos espaços que não surjam como tão conturbados como o Oriente Médio, apostando nas nações “amigas”. E, igualmente sendo pragmáticos, são parcerias que trazem inúmeros riscos ao Brasil, caso o país não busque preservar sua soberania nestas negociações, independente do campo. Neste sentido, o papel, por exemplo, da Comissão Brasil-Estados Unidos para Relações Econômicas Comerciais é o de encontrar pontos de consenso possível e equilibrio no setor, preservando a capacidade negociadora brasileira e sua autonomia. O mesmo raciocínio se estende às arenas da biodiversidade, dos diálogos estratégicos, da cooperação técnica e para a organização e segurança da Copa-2014 e das Olimpíadas-2016. O Brasil não pode se furtar a negociar com os EUA, mas precisa atrelar estas conversações a lograr objetivos que permitam a continuidade de seu crescimento e resolução de assimetrias internas via programas sociais.

Chegando ao mundo “real” não deixa de ser simbólico que enquanto Barack Obama acenava às “nações amigas” da América Latina, como o fez no Brasil, e o fará no Chile, com declarações “históricas” sobre as relações entre “iguais” e a consolidação da democracia, os bombardeios aéreos à Líbia atingissem elevada intensidade, depois da autorização do CSONU à operação na sexta-feira 18/03/2011. Em solo brasileiro, a intervenção foi abordada sob o signo da defesa da democracia e motivos humanitários, enquanto prolongam-se protestos e repressões similares em países aliados norte-americanos na região.

Também não deixa de ser simbólico, que nesta votação do CS, os países que se abstiveram e demonstraram preocupação com a ação, fossem os emergentes membros permanentes deste Conselho e nações pleiteantes, membros temporários eleitos: China e Rússia, somados à Brasil, Índia e Alemanha. São nestas manifestações que se desenha o novo mapa geoestratégico global e as complexas dinâmicas de poder do século XXI que motivam as viagens de Obama e suas declarações de igualdade com seus parceiros.

Porém, como se diz no Brasil, os EUA são um “pouco mais iguais” do que os outros: seu poder militar de superpotência e comando residual das organizações internacionais contrasta com uma economia estruturalmente deficiente e uma sociedade doméstica polarizada. Durante e depois de Obama, o Brasil continua sendo o mesmo de antes, consolidando sua ascensão do nível regional ao global, que busca a continuidade de seu projeto político-social-econômico e estratégico. Com os EUA, e com o mundo, dialogar não é sinônimo de concordar, mas de saber ouvir, negociar e falar em nome do interesse nacional.

(*) Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Os ventos da mudança

Fonte: Carta Maior

Os ventos da mudança são hoje verdadeiramente mundiais. Por enquanto, o epicentro é o mundo árabe, e os ventos ainda sopram ferozes por lá. A geopolítica desta região nunca mais será a mesma. Os EUA e a Europa Ocidental estão fazendo tudo o que está ao seu alcance para canalizar, limitar e redirecionar os ventos da mudança. Mas o seu poder já não é o que costumava ser. E os ventos da mudança estão soprando no seu próprio terreno. É a maneira de ser dos ventos. A sua direção e impulso não são constantes nem, portanto, previsíveis. Desta vez são muito fortes. Já não será fácil canalizá-los ou redireccioná-los. O artigo é de Immanuel Wallerstein.

Há 51 anos, a 3 de Fevereiro de 1960, o então primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha, Harold Macmillan, dirigiu-se ao parlamento da África do Sul, cuja maioria era do partido que erigira o apartheid como base do seu governo. A sua intervenção ficaria conhecida como o discurso dos “ventos de mudança”. Vale a pena recordar as suas palavras:
“Os ventos da mudança estão a soprar neste continente, e o crescimento da consciência nacional é um fato político, queiramos ou não. Precisamos aceitá-lo como fato político, e as nossas políticas nacionais têm de levá-lo em conta”.
O primeiro-ministro da África do Sul, Hendrik Verwoerd, não gostou do discurso e rejeitou as suas premissas e o seu conselho. 1960 passou a ser conhecido como “O ano da África”, porque 16 colônias tornaram-se estados independentes. O discurso de Macmillan tinha como alvo, na verdade, os Estados do Sul da África que tinham grupos expressivos de colonizadores brancos (e, quase sempre, enormes riquezas minerais) e resistiam à simples ideia do sufrágio universal, na qual os negros constituiriam a esmagadora maioria dos eleitores.
Dificilmente Macmillan poderia ser considerado radical. Explicava o seu raciocínio em termos de conquistar as populações asiáticas e africanas para o lado do Ocidente, na Guerra Fria. O seu discurso foi significativo por ser um sinal de que os líderes da Grã-Bretanha (e, consequentemente, os dos Estados Unidos) viam como causa perdida o domínio eleitoral branco no Sul da África, que poderia arrastar o Ocidente para o abismo. O vento continuou a soprar, e num país após o outro as maiorias negras impuseram-se, até que, em 1994, a própria África do Sul sucumbiu ao voto universal e elegeu Nelson Mandela presidente. Neste processo, porém, os interesses econômicos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos foram de alguma forma preservados.
Há duas lições que podemos aprender deste episódio. A primeira é que os ventos da mudança são muito fortes e provavelmente irresistíveis. A segunda é que quando os ventos varrem os símbolos da tirania, não é certo o que virá a seguir. Quando os símbolos caem, todos, retrospectivamente, os denunciam. Mas todos querem também preservar os seus próprios interesses nas novas estruturas que emergem.
A segunda revolta árabe, que começou na Tunísia e no Egipto, está agora envolvendo mais e mais países. Não há dúvida de que outros símbolos da tirania vão cair, ou vão fazer grandes concessões e promover amplas mudanças nas suas estruturas estatais. Mas quem vai, então, deter o poder? Na Tunísia e no Egipto, os novos primeiros-ministros foram figuras-chave dos anteriores regimes. E o exército, em ambos países, parece estar dizendo às multidões para porem fim aos protestos. Nos dois países, há exilados que regressam, assumem cargos e procuram prosseguir, ou mesmo expandir, os laços com os mesmos países da Europa e da América do Norte que sustentavam os anteriores regimes. É claro que as forças populares estão reagindo e acabam de forçar a renúncia do primeiro-ministro tunisiano
No meio da Revolução Francesa, Danton aconselhou “de l’audace, encore de l’audace, toujours de l’audace” (“audácia, mais audácia, sempre a audácia”). Ótimo conselho talvez, mas Danton foi guilhotinado não muito tempo depois. E os que o executaram foram guilhotinados em seguida. Depois, vieram Napoleão, a Restauração, 1848, a Comuna de Paris. Em 1989, no bicentenário, quase toda a gente era retrospectivamente a favor da Revolução Francesa, mas é razoável perguntar se a trindade da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – foi realmente realizada.
Algumas coisas são diferentes, hoje. Os ventos da mudança são hoje verdadeiramente mundiais. Por enquanto, o epicentro é o mundo árabe, e os ventos ainda sopram ferozes por lá. A geopolítica desta região nunca mais será a mesma. Os pontos-chave a observar são a Arábia Saudita e a Palestina. Se a monarquia saudita for seriamente desafiada – e parece possível que isso aconteça – nenhum regime do mundo árabe vai se sentir seguro. E se os ventos da mudança levarem as duas maiores forças políticas da Palestina a dar-se as mãos, até mesmo Israel pode sentir que é preciso adaptar-se às novas realidades e levar em conta a consciência nacional palestiniana, queira ou não queira, para parafrasear Harold Macmillan.
Desnecessário dizer que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estão fazendo tudo o que está ao seu alcance para canalizar, limitar e redirecionar os ventos da mudança. Mas o seu poder já não é o que costumava ser. E os ventos da mudança estão soprando no seu próprio terreno. É a maneira de ser dos ventos. A sua direção e impulso não são constantes nem, portanto, previsíveis. Desta vez são muito fortes. Já não será fácil canalizá-los, limitá-los ou redirecioná-los.

(*) Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

terça-feira, 29 de março de 2011

Para impedir uma nova crise alimentar

Fonte: Carta Maior

Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio. Os estoques de alimentos precisam ser vistos de novo como ferramentas essenciais, tanto para enfrentar emergências quanto para estabilizar os preços e o abastecimento, para os agricultores e os consumidores. A concentração fundiária precisa ser interrompida. O artigo é de Jim Harkness.

Quando os preços globais dos alimentos atingiram um pico, entre 2007 e 2008, 100 milhões de pessoas entraram no contingente dos famintos, que ultrapassou pela primeira vez na História a marca de 1 bilhão de seres humanos. Agora, apenas dois anos depois, vivemos outra alta, e é provável que mais fome esteja à espreita.
A FAO, agência da ONU para Alimentos e Agricultura, acaba de publicar seu índice de preços de alimentos, relativo a janeiro de 2011. No caso de alguns produtos, ele chegou ao patamar mais alto (tanto em termos nominais quanto deflacionados) desde que a agência passou a acompanhar a variação das cotações, em 1990. Levantes populares relacionados a alimentos já começaram a ocorrer na Argélia. Enquanto a História se repete, e desenha-se a segunda grande crise de fome em dois anos, é decisivo aprendermos a lição da primeira onda, e enfrentarmos suas causas principais.
A segurança alimentar depende de tempo e mercados estáveis e previsíveis e de acesso a recursos. Tudo isso foi abalado perigosamente nas duas últimas décadas. Desde 1970, o aquecimento global causado pelo ser humano provocou o aumento dos eventos climáticos extremos em todo o mundo. Agricultores que costumavam enfrentar duas perdas de colheitas a cada década agora sofrem inundações, secas ou grandes pragas a cada dois ou três anos. Em 2010 e no início deste ano, alguns dos grandes produtores mundiais de alimentos - Argentina, Austrália, China, Paquistão e Rússia - viveram, todos, eventos climáticos que afetaram fortemente as colheitas.

A segunda fonte de instabilidade é um mercado cada vez mais caótico. Em nome do “livre” comércio, o governo dos Estados Unidos e o Banco Mundial passaram as últimas três décadas forçando a abertura dos mercados dos países pobres a importações baratas, que desorganizaram a produção. Em cruel ironia, os países pobres também foram pressionados a cortar o apoio a seus próprios agricultores e até a vender seus estoques de emergência, sob a lógica de que seria mais eficaz simplesmente adquirir comida no mercado internacional.

Em 2006, mais de dois terços das nações mais pobres dependiam de importações de alimentos. Então, veio a onda de desregulação financeira da década passada, que atraiu os especuladores para os mercados de commodities e criou fundos de índices que atrelaram, como nunca antes, os mercados de alimentos aos de petróleo e metais. Mas a “agregação”, “alavancagem” e demais os “instrumentos inovadores” que deveriam reduzir os riscos nestes mercados provocaram o efeito oposto. A consequência foi um mercado global de alimentos altamente volátil, em que fatores não relacionados com a produção e consumo reais de alimentos frequentemente determinam os preços.

Este duplo golpe global, de instabilidade climática e financeira, não atingiu a todos. A volatilidade é útil aos que atuam com muita força nos mercados. Muitas empresas de agrobusiness estão registrando lucros recordes agora - depois de já terem alcançado idêntico resultado durante a última crise. Houve um pico de concentração de propriedade. Vastas extensões de terras aráveis, nos países do Sul, têm sido compradas por investidores estrangeiros e convertidas em plantações não-alimentares - inclusive matérias-primas industriais e biocombustíveis.

Vale notar, também, que alguns países africanos não serão tão atingidos desta vez. Eles optaram por estimular a produção local, ao invés de confiar nos mercados globais. A maior parte dos agricultores pobres, contudo, luta contra situações hostis. Não é de admirar que a fome tenha se convertido numa nova norma.

Se de fato consideramos a desnutrição global algo inaceitável - e não uma oportunidade de negócios - é preciso fazer grandes mudanças. Quase todos no Banco Mundial, na ONU ou no G-20 reconhecem a necessidade de apoiar os pequenos agricultores, especialmente mulheres, nos países que enfrentam fome. Em termos globais, 70% da comida é produzida em imóveis de menos de dois hectares, conduzidos em grande parte por mulheres.

A ajuda ao desenvolvimento, assim como as políticas governamentais dos países do Sul, deveriam estar focadas em apoiar as conquistas de produtividade destes agricultores, e sua capacidade de enfrentar as crises. Ao invés de deixá-los impotentes diante das forças globais, deveriam incorporar a sabedoria dos sistemas de produção tradicionais, que, ao combinarem o melhor da ciência ecológica com o conhecimento tradicional dos agricultores, encorajam práticas que reduzem o uso de insumos caros, ampliam a produção e a renda dos trabalhadores. E a produção para atender as necessidades locais deve ter prioridade em relação às culturas de produtos exportáveis.

Há muito mais a fazer. Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio.

Carta Maior entrevista Maria da Conceição Tavares

"Obama foi anulado pelo conservadorismo de bordel dos EUA"

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares fala sobre a visita de Obama ao Brasil, a situação dos Estados Unidos e da economia mundial. Para ela, a convalescença internacional será longa e dolorosa. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, diz. E acrescenta: "a sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”.

Quando estourou a crise de 2007/2008, ela desabafou ao Presidente Lula no seu linguajar espontâneo e desabrido: “Que merda, nasci numa crise, vou morrer em outra”. Perto de completar 81 anos – veio ao mundo numa aldeia portuguesa em 24 de abril de 1930 - Maria da Conceição Tavares, felizmente, errou. Continua bem viva, com a língua tão afiada quanto o seu raciocínio, ambos notáveis e notados dentro e fora da academia e esquerda brasileira. A crise perdura, mas o Brasil, ressalta com um sorriso maroto, ao contrário dos desastres anteriores nos anos 90, ‘saiu-se bem desta vez, graças às iniciativas do governo Lula’.
A convalescença internacional, porém, será longa, adverte. “E dolorosa”. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, dispara Conceição que não se deixa contagiar pelo entusiasmo da mídia nativa com a visita do Presidente Barack Obama, que chega o país neste final de semana.
Um esforço narrativo enorme tenta caracterizar essa viagem como um ponto de ruptura entre a ‘política externa de esquerda’ do Itamaraty – leia-se de Lula , Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães - e o suposto empenho da Presidenta Dilma em uma reaproximação ‘estratégica’ com o aliado do Norte. Conceição põe os pingos nos is. Obama, segundo ela, não consegue arrancar concessões do establishment americano nem para si, quanto mais para o Brasil. ‘Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais. A sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”. O entusiasmo inicial dos negros e dos jovens com o presidente, no entender da decana dos economistas brasileiros, não tem contrapartida nas instâncias onde se decide o poder americano. “O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?”, questiona e responde em seguida: ‘Ele vem cuidar dos interesses americanos. Petróleo, certamente. No mais, fará gestos de cortesia que cabem a um visitante educado’.
O desafio maior que essa discípula de Celso Furtado enxerga é controlar “a nuvem atômica de dinheiro podre” que escapou com a desregulação neoliberal – “e agora apodrece tudo o que toca”. A economista não compartilha do otimismo de Paul Krugman que enxerga na catástrofe japonesa um ponto de fuga capaz, talvez, de exercer na etapa da reconstrução o mesmo efeito reordenador que a Segunda Guerra teve sobre o capitalismo colapsado dos anos 30. “O quadro é tão complicado que dá margem a isso: supor que uma nuvem de dinheiro atômico poderá corrigir o estrago causado por uma nuvem nuclear verdadeira. Respeito Krugman, mas é mais que isso: trata-se de devolver o dinheiro contagioso para dentro do reator, ou seja, regular a banca. Não há atalho salvador’.

Leia a seguir a entrevista exclusiva de Maria da Conceição Tavares à Carta Maior.

CM- Por que Obama se transformou num zumbi da esperança progressista norte-americana?
Conceição - Os EUA se tornaram um país politicamente complicado... o caso americano é pior que o nosso. Não adianta boas idéias. Obama até que as têm, algumas. Mas não tem o principal: não tem poder, o poder real; não tem bases sociais compatíveis com as suas idéias. A estrutura da sociedade americana hoje é muito, muito conservadora –a mais conservadora da sua história. E depois, Obama, convenhamos, não chega a ser um iluminado. Mas nem o Lula daria certo lá.

CM- Mas ele foi eleito a partir de uma mobilização real da sociedade....
Conceição - Exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de base efetiva. Obama foi eleito pela juventude e pelos negros. Na urna, cada cidadão é um voto. Mas a juventude e os negros não tem presença institucional, veja bem, institucional que digo é no desenho democrático de lá. Eles não tem assento em postos chaves onde se decide o poder americano. Na hora do vamos ver, a base de Obama não está localizada em lugar nenhum. Não está no Congresso, não tem o comando das finanças, enfim, grita, mas não decide.

CM - O deslocamento de fábricas para a China, a erosão da classe trabalhadora nos anos 80/90 inviabilizaram o surgimento de um novo Roosevelt nos EUA?
Conceição - Os EUA estão congelados por baixo. Há uma camada espessa de gelo que dissocia o poder do Presidente do poder real hoje exercido, em grande parte, pela finança. Os bancos continuam incontroláveis; o FED (o Banco Central americano) não manda, não controla. O essencial é que estamos diante de uma sociedade congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada...

CM- É uma decadência reversível?
Conceição – É forçoso lembrar, ainda que seja desagradável, que os EUA chegaram a isso guiados, uma boa parte do caminho, pelas mãos dos democratas de Obama. Foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.

CM - Esse colapso foi pedagógico; o poder financeiro ficou nu, por que a reação tarda?
Conceição - A sociedade americana sofreu um golpe violento. No apogeu, vendia-se a ilusão de uma riqueza baseada no crédito e no endividamento descontrolados. Criou-se uma sensação de prosperidade sobre alicerces fundados em ‘papagaios’ e pirâmides especulativas. A reversão foi dramática do ponto de vista do imaginário social. Um despencar sem chão. A classe média teve massacrados seus sonhos do dia para noite. A resposta do desespero nunca é uma boa resposta. A resposta americana à crise não foi uma resposta progressista. Na verdade, está sendo de um conservadorismo apavorante. Forças e interesses poderosos alimentam essa regressividade. A tecnocracia do governo Obama teme tomar qualquer iniciativa que possa piorar o que já é muito ruim. Quanto vai durar essa agonia? Pode ser que a sociedade americana reaja daqui a alguns anos. Pode ser. Eles ainda são o país mais poderoso do mundo, diferente da Europa que perdeu tudo, dinheiro, poder, auto-estima... Mas vejo uma longa e penosa convalescença. Nesse vazio criado pelo dinheiro podre Obama flutua e viaja para o Brasil.

CM – Uma viagem cercada de efeitos especiais; a mídia quer demarcá-la como um divisor de águas de repactuação entre os dois países, depois do ‘estremecimento com Lula’. O que ela pode significar de fato para o futuro das relações bilaterais?
Conceição - Obama vem, sobretudo, tratar dos interesses norte-americanos. Petróleo, claramente, já que dependem de uma região rebelada, cada vez mais complexa e querem se livrar da dependência em relação ao óleo do Chávez. A política externa é um pouco o que sobrou para ele agir, ao menos simbolicamente.

CM – E o assento brasileiro no Conselho de Segurança?
Conceição - Obama poderá fazer uma cortesia de visitante, manifestar simpatia ao pleito brasileiro, mas, de novo, está acima do seu poder. Não depende dele. O Congresso republicano vetaria. Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais.

CM - Lula também enfrentou essa resistência esfericamente blindada, mas ganhou espaço e poder...
Conceição - Obama não é Lula e não tem as bases sociais que permitiriam a Lula negociar uma pax acomodatícia para avançar em várias direções. A base equivalente na sociedade americana, os imigrantes, os pobres, os latinos, os negros, em sua maioria nem votam e acima de tudo estão desorganizados. Não há contraponto à altura do bloco conservador, ao contrário do caso brasileiro. O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?

CM – A reconstrução japonesa, após a tragédia ainda inconclusa, poderia destravar a armadilha da liquidez que corrói a própria sociedade americana ? Sugar capitais promovendo um reordenamento capitalista, como especula Paul Krugman?
Conceição - A situação da economia mundial é tão complicada que dá margem a esse tipo de especulação. Como se uma nuvem atômica de dinheiro pudesse consertar uma nuvem atômica verdadeira. Não creio. Respeito o Krugman, mas não creio. O caminho é mais difícil. Trata-se de devolver a nuvem atômica de dinheiro para dentro do reator; é preciso regular o sistema, colocar freios na especulação, restringir o poder do dinheiro, da alta finança que hoje campeia hegemônica. É mais difícil do que um choque entre as duas nuvens. Ademais, o Japão eu conheço um pouco como funciona, sempre se reergueu com base em poupança própria; será assim também desta vez tão trágica. Os EUA por sua vez, ao contrário do que ocorreu na Segunda Guerra, quando eram os credores do mundo, hoje estão pendurados em papagaios com o resto do mundo –o Japão inclusive. O que eles poderiam fazer pela reconstrução se devem ao país devastado?

CM – Muitos economistas discordam que essa nuvem atômica de dinheiro seja responsável pela especulação, motivo de índices recordes de fome e de preços de alimentos em pleno século XXI. Qual a sua opinião?
Conceição - A economia mundial não está crescendo a ponto de justificar esses preços. Isso tem nome: o nome é especulação. Não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendra desordem. Não estamos falando de emissão primária de moeda por bancos centrais. Não é disso que se trata. É um avatar de moeda sem nenhum controle. Derivam de coisa nenhuma; derivativos de coisa nenhuma representam a morte da economia; uma nuvem nuclear de dinheiro contaminado e fora de controle da sociedade provoca tragédia onde toca. Isso descarnou Obama.
É o motor do conservadorismo americano atual. Semeou na America do Norte uma sociedade mais conservadora do que a própria Inglaterra, algo inimaginável para alguém da minha idade. É um conservadorismo de bordel, que não conserva coisa nenhuma. É isso a aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa. Os EUA se tornaram um gigante de barro podre. De pé causam desastres; se tombar faz mais estrago ainda. Então a convalescença será longa, longa e longa.

CM – Esse horizonte ameaça o Brasil?
Conceição - Quando estourou a crise de 2007/2008, falei para o Lula: - Que merda, nasci numa crise mundial, vou morrer em outra... Felizmente, o Brasil, graças ao poder de iniciativa do governo saiu-se muito bem. Estou moderadamente otimista quanto ao futuro do país. Mais otimista hoje do que no começo do próprio governo Lula, que herdou condições extremas, ao contrário da Dilma. Se não houver um acidente de percurso na cena externa, podemos ter um bom ciclo adiante.

CM – A inflação é a pedra no meio do caminho da Dilma, como dizem os ortodoxos?
Conceição - Meu temor não é a inflação, é o câmbio. Aliás, eu não entendo porque o nosso Banco Central continua subindo os juros, ainda que agora acene com alguma moderação. Mas foram subindo logo de cara! Num mundo encharcado de liquidez por todos os lados, o Brasil saiu na frente do planeta... Subimos os juros antes dos ricos, eles sim, em algum momento talvez tenham que enfrentar esse dilema inflacionário. Mas nós? Por que continuam a falar em subir os juros se não temos inflação fora de controle e a prioridade número um é o câmbio? Não entendo...

CM - Seria o caso de baixar as taxas?
Conceição - Baixar agora já não é mais suficiente. Nosso problema cambial não se resolve mais só com inteligência monetária. Meu medo é que a situação favorável aqui dentro e a super oferta de liquidez externa leve a um novo ciclo de endividamento. Não endividamento do setor público, como nos anos 80. Mas do setor privado que busca lá fora os recursos fartos e baratos, aumentando sua exposição ao risco externo. E quando os EUA subirem as taxas de juros, como ficam os endividados aqui?

CM – Por que o governo hesita tanto em adotar algum controle cambial?
Conceição - Porque não é fácil. Você tem um tsunami de liquidez externa. Como impedir as empresas de pegarem dinheiro barato lá fora? Vai proibir? Isso acaba entrando por outros meios. Talvez tenhamos que implantar uma trava chilena. O ingresso de novos recursos fica vinculado a uma permanência mínima, que refreie a exposição e o endividamento. Mas isso não é matéria para discutir pelos jornais. É para ser feito. Decidir e fazer.

CM - A senhora tem conversado com a Presidenta Dilma, com Lula?
Conceição - O governo está começando; é preciso dar um tempo ao tempo. Falei com Lula recentemente quando veio ao Rio. Acho que o Instituto dele está no rumo certo. Deve se debruçar sobre dois eixos fundamentais da nossa construção: a questão da democracia e a questão das políticas públicas. Torço para que o braço das políticas públicas tenha sede no Rio. O PT local precisa desse empurrão. E fica mais perto para participar.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Levantes populares: do Oriente Médio ao Meio Oeste

Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável. O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão.Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. O artigo é de Amy Goodman - Democracy Now.

Cerca de 80 mil pessoas marcharam no sábado passado ao Capitólio do estado de Wisconsin, em Madison, como parte de uma crescente onda de protesto contra a tentativa do flamante governador republicano Scott Walker, não só de acossar os sindicatos dos servidores públicos, mas de desarticulá-los. O levante popular de Madison ocorre imediatamente em seguida aos que vêm ocorrendo no Oriente Médio. Um estudante universitário veterano da guerra do Iraque, levava um cartaz que dizia “Fui ao Iraque e voltei a minha casa no Egito?”. Outro dizia: “Walker, o Mubarak do Meio Oeste”.

Do mesmo modo, em Madison, circulou uma foto de um jovem em uma manifestação no Cairo com um cartaz que dizia: “Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, em uma tentativa de derrubar o eterno ditador Muammar Kadafi, os líbios seguem desafiando a violenta ofensiva do governo, ao mesmo tempo que mais de 10 mil pessoas marcharam terça-feira em Columbus, Ohio, para se opor à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado legislativo contra os sindicatos.

Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável.

O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão. Enquanto vendida frutas e verduras no mercado, em repetidas oportunidades foi vítima de maus tratos por parte das autoridades tunisianas que acabaram confiscando sua balança. Completamente frustrado, ele ateou-se fogo, o que acabou incendiando os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Durante décadas, o povo da região viveu sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos EUA -, sofreu violações dos direitos humanos, além de ter baixa renda, enfrentar altas taxas de desemprego e não ter praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isso enquanto as elites acumulavam fortunas.

Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. Em um documento recente, Baker diz que devido à crise financeira “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público e, se possível, não cumprir com as obrigações de pensões já assumidas. Grande parte do déficit no sistema de aposentadorias se deve à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.

Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas que provocaram o colapso financeiro foram os responsáveis pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston disse recentemente: “O funcionário público médio de Wisconsin ganha 24.500 dólares por ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do dinheiro destinado a esta aposentadoria anualmente é o que se paga a Wall Street para administrá-lo. É realmente uma porcentagem muito alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.

Então, enquanto a banca financeira fica com uma enorme porcentagem dos fundos de aposentadoria, os trabalhadores são demonizadas e pede-se a eles que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema, em troca, logo obtiveram resgates generosos, agora recebem altíssimos salários e bonificações e não estão sendo responsabilizados. Se rastreamos a origem do dinheiro, vemos que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservador tea party. Além disso, doaram um milhão de dólares para a Associação de Governadores Republicanos, que concedeu um apoio significativo à campanha de Walker. Então, por acaso resulta surpreendente que Walker apoie às empresas ao outorgar-lhes isenções se impostos e que tenha lançado uma grande campanha contra os servidores do setor público sindicalizado?

Um dos sindicatos que Walter e Kasich têm na mira, em Ohio, é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais de Condados e Municípios (AFSCME, na sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais há enfermeiros, servidores penitenciários, seguranças, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde. Vale a pena lembrar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do prédio n° 1733 de AFSCME fez com que o Dr. Martin Luther King Jr. Fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o reverendo Jesse Jackson quando marchava com os estudantes e seus professores sindicalizados, em Madison, na semana passada: “O último ato do Dr. King na terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, foi pelo direito dos trabalhadores negociarem convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da quota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos enquanto se deixa os pobres sem nada”.

Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime deste país. Nas ruas de Madison, sob a cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciaram ao direito a negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 15 de março de 2011

O Processo de Cura com Óleo de Girassol


                           
                                                          
                                MODO DE USAR:
                                
                                Coloca-se na boca uma colher de óleo (no máximo uma colher de sopa - no mínimo, uma colher de chá). Esse óleo vai ser trabalhado na boca, sem pressa e sem esforço.
                                
                                Faz-se bochechos com o óleo, de boca fechada, durante 15 a 20 minutos. O óleo não deve ser engolido de jeito nenhum. A princípio o óleo deve estar pastoso, mas depois vai ficando mais fluido. Quando a boca estiver bem cheia de líquido, cospe-se tudo. O líquido que sai tem que estar branco como leite. Se ainda estiver amarelo é sinal que se bochechou por pouco tempo. Depois de cuspir, lave a boca várias vezes com água corrente e escove os dentes. O líquido branco que foi cuspido está cheio de veneno (no sentido figurado), de tal forma que a pia ou o lavatório onde se cuspiu o líquido, tem que ser bem lavados.                                 
                                No líquido cuspido se encontra uma quantidade imensa de bactérias, vários tipos de micróbios patogênicos e outras substâncias patogênicas prejudiciais à saúde. Se nós formos examinar uma gota deste líquido num microscópio que aumenta 600 vezes, veremos uma série de fibras se movimentando. Estas fibras são exatamente os micróbios em estágio inicial de desenvolvimento, não permitindo que se atinja um estado de saúde permanente. Um dos efeitos mais acentuados é fortalecimento dos dentes bambos, acaba com sangramento das gengivas e os dentes se tornam mais brancos.                                
                                É melhor fazer este bochecho com o óleo de manhã cedo, ao se levantar e sem ter lavado o rosto e escovado os dentes, isto é, antes de tomar o café da manhã. Se quiser apressar o processo de cura, pode-se repetir o processo por três (03) vezes ao dia, antes das refeições e com o estômago vazio. A única coisa que acontece é o aceleramento do processo de cura e não há prejuízo à saúde.                                
                                Este tratamento deve ser mantido até que:                                
                                a) o organismo volte a ter sua fortaleza original,
                                b) você volte a ter sono tranqüilo,
                                c) ao acordar não sinta fadiga nenhuma,
                                d) os olhos devem estar sem olheiras,
                                e) um apetite saudável, um bom sono e uma memória sem problemas voltem a existir.                                
                                Aqui é bom salientar que no princípio possa aparecer uma piora aparente, especialmente nos pacientes que sofrem de várias doenças ao mesmo tempo. Este sentimento aparece principalmente quando os focos de infecção começam a desaparecer ou quando um foco de infecção inflamado começa sobre outro foco, que no futuro iria se converter numa doença perigosa.                                
                                Não há, entretanto, por causa disto, nenhum fundamento para interromper o tratamento, mesmo que apareça febre. Uma piora significa apenas que a doença está desaparecendo e o organismo está se recuperando. A cura em si acontece durante o bochechar com o óleo e, quantas vezes por dia se quer aplicar o tratamento, fica por conta da decisão de cada pessoa. Doenças súbitas demoram de dois a quatro dias para serem curadas. Doenças crônicas demoram até um ano para serem curadas.                                
                                Não interrompa o tratamento até conseguir a cura
                                
                      Tradução por Cleuza During, baseada no texto publicado na revista "Natur und Medizin" -  Nº 1 - Jan/Fev - 1993 - Pág 08 - Endereço: Am Nichaelshof 6.5300 - Bonn 2 - Alemanha 14 03 93     
                                              
                                Esta é uma técnica bem natural e suave, que pode curar inúmeros problemas de saúde, como pode ser observado na literatura: vide http://www.oilpulling.com/ e http://www.earthclinic.com/Remedies/oil_pulling.html, por exemplo.
                                
                                   Como funciona: O óleo extrai os mucos, bactérias e toxinas de seu corpo utilizando sua saliva. De acordo com a Medicina Ayurvédica, o muco é um veneno que deve ser removido de seu corpo.                                
                                Comentário: Esta parece ser também uma técnica de cura muito popular na Rússia [Dr. F. Karach]. Como qualquer técnica curativa, pode surgir certo agravamento de sintomas [crise curativa] antes da cura completa da doença aguda ou crônica. Muitos problemas orgânicos têm sido sanados com esta técnica, tais como: mau hálito, limpeza e clareamento dos dentes, eliminação de inflamações na gengiva (gengivite e periodontite), refixação de dentes moles (com mobilidade), eliminação de febres, gripes e resfriados, artrite, doenças femininas (regularização da menstruação e distúrbios hormonais), redução de varizes (veias saltadas) nas pernas, melhoria na visão, bons resultados nos casos de câncer e AIDS, etc.
(Fonte: O Berro)
                            

O Livro Negro do Cristianismo





    
       Em 1º de junho de 1307, frei Dulcino, líder da seita cristã dos apostólicos, foi queimado vivo em Vercelli, na Itália. Acusado de heresia, antes de ser atirado a fogueira teve a carne arrancada com alicate quente, o nariz quebrado e os órgãos genitais mutilados. Sua história é uma entre as tantas narradas em O livro negro do cristianismo, um vasto panorama das atrocidades praticadas pela Igreja Católica ao longo de dois mil anos.Aqui o catolicismo é analisado sem restrições: da época de seu reconhecimento pelo imperador romano Constantino, no século IV, até a polêmica omissão da Igreja diante do movimento nazifascista em plena Segunda Guerra Mundial, todos os pecados cometidos em nome de Deus são listados em detalhes. A extensa relação de crimes inclui enriquecimento ilícito, tortura e milhares de mortes.Vividos pelos primeiros cristãos, os ensinamentos de Jesus Cristo deram lugar a rígidos dogmas impostos aos fiéis com o passar do tempo. .Qualquer idéia contrária ao que determinava o papa era sinônimo de heresia, e o resultado dessa postura intolerante são acontecimentos tão importantes quanto lamentáveis: a perseguição aos judeus, o genocídio nas Cruzadas, os suplícios promovidos pela Santa Inquisição, o massacre dos huguenotes, o apoio ao regime escravocrata na América católica, entre outros. Uma obra para quem deseja conhecer os obscuros porões da instituição mais poderosa de nossa era.
      Nome: O Livro Negro do Cristianismo
      Autores: JACOPO FO / SERGIO TOMAT / LAURA MALUCELLI
      Nº de páginas: 262
      Tamanho: 300 KbFormato: rar/doc
    

sábado, 12 de março de 2011

Proposta: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA TERRA E DA HUMANIDADE


 (Fonte: O Berro)
            Preâmbulo

      CONSIDERANDO que Terra e Humanidade fazem parte de um vasto universo em evolução e que têm o mesmo destino, ameaçado de destruição pela irresponsabilidade e pelo descuido dos seres humanos; e que a Terra compõe com a Humanidade uma única entidade, complexa e sagrada, o que fica bem claro quando é vista do espaço exterior; e que além do mais a Terra é viva e se comporta como um único sistema autorregulado, formado por componentes físicos, químicos, biológicos e humanos que a tornam propícia à geração e reprodução da vida, e que por isso é a nossa Grande Mãe e nosso Lar Comum.
      Levando-se em conta que a Mãe Terra é composta pelo conjunto dos ecossistemas, nos quais gerou uma multiplicidade magnífica de formas de vida que se interdependem e se complementam, formando a grande comunidade de vida, e que existe um laço de parentesco entre todos os seres vivos, pois todos são portadores do mesmo código genético de base que determina a unidade sagrada da vida em suas múltiplas formas e que, portanto, a Humanidade é parte da comunidade de vida e do momento de consciência e de inteligência da própria Terra, fazendo com que o ser humano - homem e mulher - seja a própria Terra que fala, pensa, sente, ama, cuida e venera.
      CONSIDERANDO que todos os seres humanos, com suas culturas, línguas, tradições, religiões, artes e visões do mundo constituem uma única família de irmãos e irmãs, com a mesma dignidade e os mesmos direitos, e que a Mãe Terra providenciou tudo o que precisamos para viver, e que a vida natural e humana depende de uma biosfera saudável, com todos os ecossistemas sustentáveis, com água, vegetação, animais e incontáveis micro-organismos preservados. E que, além do mais, o crescente aquecimento global pode por em risco a vitalidade e a integridade do sistema Terra, e que podem ocorrer graves devastações, afetando milhões e milhões de pessoas e, eventualmente, inviabilizando a sobrevivência de toda a espécie humana.
      RECORDANDO que é preciso renovar e articular organicamente o contrato natural com o contrato social, que ganhou um papel de exclusividade, propiciando o antropocentrismo e instaurando estratégias de apropriação e dominação da Natureza e da Mãe Terra, já que o modo de produção vigente nos últimos séculos - e atualmente globalizado - não conseguiu atender as necessidades vitais dos povos, ao contrário: gerou um fosso profundo entre ricos e pobres.
      CONSIDERANDO, finalmente, que a consciência da gravidade da situação crítica da Terra e da Humanidade torna imprescindíveis as mudanças nas mentes e nos corações, que seja criada uma coalizão de forças em torno de valores comuns e princípios inspiradores que sirvam de fundamento ético e de estímulo para práticas que busquem um modo sustentável de viver.
      As pessoas, as instituições, os líderes políticos, as ONGs, as religiões e igrejas que assinam esta Declaração vêm a urgência de se proclamar a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA TERRA E DA HUMANIDADE, cujos ideais e critérios devem orientar os povos, as nações e todos os cidadãos em suas práticas coletivas, comunitárias e pessoais, bem como nos processos educativos, para que o Bem Comum seja progressivamente reconhecido, respeitado, observado, assumido e promovido universalmente, visando o bem-viver de cada um e de todos os habitantes deste pequeno planeta azul e branco, nosso Lar Comum.
      Artigo 1
       O Bem Comum supremo e universal, condição para todos os outros bens, é a própria Terra que, por ser nossa Grande Mãe, deve ser amada, cuidada, vivificada e venerada, como nossas mães.
      I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade pede que entendamos a Terra como Viva e merecedora de dignidade. Não pode ser tomada por ninguém, individualmente, nem ser tratada como mercadoria, nem sofrer agressão sistemática, por nenhum modo de produção. Pertence, comunitariamente, a todos os que a habitam e ao conjunto dos ecossistemas.
      II. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade exige que se proteja e restaure a integridade dos ecossistemas, com especial preocupação pela diversidade biológica e por todos os processos naturais que sustentam a vida.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade se fortalece quando todos os seres são considerados como interligados e com valor intrínseco, independentemente de seu uso humano.

      Artigo 2
       Para assegurar o Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade é necessário reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados na produção e no consumo, garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos e buscar o bem-viver a partir da suportabilidade dos ecossistemas, em cooperação com os outros e em harmonia com os ritmos da Natureza.
      I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade resulta da utilização sustentável dos bens renováveis como água, solo, recursos florestais e da vida marinha, de forma que possam ser repostos e garantidos para as gerações atuais e futuras.
      II. A administração dos bens não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis, deve ser realizada de modo a reduzir sua extinção e não afetar gravemente o Bem Comum da Terra e da Humanidade.
      Artigo 3
       Adotar padrões de produção e consumo que garantam a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a igualdade social na Humanidade, o consumo responsável e solidário e o bem-viver comunitário.
      I. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade requer a utilização sustentável das energias disponíveis, privilegiando as matrizes renováveis e outras fontes alternativas, como a energia solar, a eólica, a maré-motriz e a agroenergia.
      II. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade é potencializado quando se reduz ao máximo a poluição de qualquer parte do ambiente, de forma a evitar os efeitos perversos do aquecimento global e a não se permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas e de outras substâncias químicas perigosas.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade não é compatível com a existência de armas nucleares, biológicas e químicas, nem com outras armas de destruição em massa, que devem ser totalmente eliminadas.

      Artigo 4
       A biosfera é um Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, um patrimônio compartilhado por todas as formas de vida, da qual os seres humanos são tutores.
 
      Artigo 5
       Pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade os recursos naturais, como o ar, o solo, a fertilidade, a flora, a fauna, os genes, os micro-organismos e as amostras representativas dos ecossistemas naturais, bem como o espaço exterior.
      I. A água pertence ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade porque é um bem natural, comum, vital e insubstituível para todos os seres vivos, especialmente para os humanos, que têm direito a seu uso, independentemente dos custos de captação, reserva, purificação e distribuição, que serão assumidos pelo poder público e pela sociedade.
      II. Os oceanos são Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, porque constituem os grandes repositórios de vida, os reguladores dos climas e da base física e química da Terra.
      III. As florestas pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade, contêm a maior biodiversidade do planeta, a umidade necessária para o regime de chuvas e são as grandes sequestradoras de dióxido de carbono.
      IV. Os climas pertencem ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade porque são a condição essencial para a manutenção da vida. As mudanças climáticas devem ser tratadas mundialmente e com responsabilidade compartilhada.

      Artigo 6
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade e da Terra os alimentos em sua diversidade e os recursos genéticos filogenéticos necessários à sua produção, sobre os quais está proibido qualquer tipo de especulação comercial.

      Artigo 7
      São Bens Públicos da Humanidade as energias necessárias à vida, à saúde e à educação, os meios de comunicação, a Internet, os correios e os transportes coletivos. Os medicamentos produzidos por laboratórios particulares passam a pertencer ao Bem Comum da Humanidade, cinco anos após a sua fabricação. Em situações de emergência, podem ser imediatamente declarados públicos.
 
      Artigo 8
      As atividades petrolíferas, minerais e os agrocarburantes devem ser submetidos a um controle estatal e social, devido aos efeitos nocivos que possam ter sobre o Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra.
 
      Artigo 9
       O grande Bem Comum da Terra e da Humanidade são os seres humanos, homens e mulheres, portadores de dignidade, consciência, inteligência, amor, solidariedade e responsabilidade.
       I. É preciso afirmar a dignidade inerente a todos os seres humanos, bem como seu potencial intelectual, artístico, ético e espiritual.
       II. A missão dos seres humanos é cuidar e proteger a Terra e a Humanidade, como uma herança recebida do universo.
       III. As comunidades, em todos os níveis, têm a obrigação de garantir o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, criando condições para que cada pessoa realize seu pleno potencial e contribua para o Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade.
 
      Artigo 10
       Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade todos os saberes, artes e técnicas acumuladas ao longo da História.
       I. O Bem Comum da Terra e da Humanidade requer o reconhecimento e a conservação dos saberes tradicionais e da sabedoria espiritual de todas as culturas que contribuem no sentido de cuidar da Terra, desenvolver o potencial da Humanidade e favorecer o Bem Comum.
       II. O Bem Comum da Humanidade pode ajudar, com recursos financeiros, técnicos, sociais e intelectuais, os povos pobres e vulneráveis, para que alcancem um modo sustentável de viver e colaborem com o Bem Comum.
      III. O Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade exige a erradicação da pobreza como um imperativo humanitário, ético, social, ambiental e espiritual.
       IV. A justiça social e a ecológica não podem ser dissociadas, pois ambas servem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade.
       V. Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade a equidade de gênero, a superação de qualquer tipo de discriminação, a proteção de meninos e meninas contra todo tipo de violência e a seguridade social de todos aqueles que não possam se manter por conta própria.

       Artigo 11
       Pertencem ao Bem Comum da Terra e da Humanidade todas as formas de governo que respeitam os direitos de cada ser humano e da Mãe Terra e propiciam a participação ativa e inclusiva dos cidadãos na tomada de decisões, favorecem o acesso irrestrito à justiça e cuidam do entorno ecológico.
 
      Artigo 12
       O Bem Comum da Terra e da Humanidade exige que se protejam as reservas naturais, incluindo as terras selvagens e as áreas marinhas, os sistemas de sustento da vida na Terra, as sementes, a biodiversidade, e que se resgatem as espécies ameaçadas e os ecossistemas devastados.
       I. Controlar a introdução de espécies exógenas e submeter, rigorosamente, ao princípio de prevenção todos os organismos geneticamente modificados, para que não causem danos às espécies nativas e à saúde da Mãe Terra e da Humanidade.
       II. Garantir que os conhecimentos dos vários campos do Saber, que são de vital importância para o Bem Comum da Terra e da Humanidade, sejam considerados de domínio público.
       III. É proibido patentear recursos genéticos fundamentais para a alimentação e a agricultura. As descobertas técnicas patenteadas devem observar, sempre, sua destinação social.
 
      Artigo 13
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a multiplicidade das culturas e das línguas, os diferentes povos, os monumentos, as artes, a música, as ciências, as técnicas, as filosofias, a sabedoria popular, as tradições éticas, os caminhos espirituais e as religiões.
 
      Artigo 14
       Pertence ao Bem Comum da Terra Viva e da Humanidade a hospitalidade pela qual acolhemos e somos acolhidos, mutuamente, como habitantes do mesmo Lar Comum, a Terra.
 
      Artigo 15
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a socialidade e a convivência pacífica com todos os seres humanos e todos os seres da Natureza, pois todos somos filhos e filhas da Mãe Terra, corresponsáveis pelo mesmo destino comum.
 
      Artigo 16
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a tolerância que acata as diferenças como expressões da riqueza de uma natureza humana única e que não permite que tais diferenças sejam consideradas como desigualdades.
 
      Artigo 17
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a comensalidade que expressa o sonho ancestral de todos os povos de sentar-se juntos, como irmãos e irmãs da mesma família, ao redor da mesa, comendo e bebendo alegremente os frutos da generosidade da Mãe Terra.
 
      Artigo 18
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade a compaixão por todos os que padecem na natureza e na sociedade, aliviando seus sofrimentos e impedindo qualquer tipo de crueldade contra os animais.
 
      Artigo 19
       Pertencem ao Bem Comum da Humanidade os princípios éticos do respeito a cada ser, do cuidado com a natureza e da responsabilidade universal pela preservação da biodiversidade e pela continuidade do projeto planetário humano, bem como os princípios de cooperação e da solidariedade de todos com todos, começando pelos mais necessitados, para que todos sejam incluídos na mesma Casa Comum.

       Artigo 20
       Pertence ao Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade a permanente busca pela paz que resulta da correta relação consigo mesmo, de todos com todos, com a natureza, com a vida, com a sociedade nacional e internacional e com o grande Todo do qual fazemos parte.

       Artigo 21
       Pertence ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a convicção de que há uma Energia amorosa, subjacente, em todo o Universo, que sustenta cada um dos seres e pode ser invocada, recebida e venerada.

      Artigo 22
      Todos estes ideais e critérios do Bem Comum da Mãe Terra e da Humanidade prolongam e reforçam os direitos humanos que constam da Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia da ONU, que será agora enriquecida com os direitos da Mãe Terra e da Humanidade.

      Texto elaborado por Miguel d'Escoto Brockmann, ex-Presidente da Assembléia da ONU - 2008-2009 - e Leonardo Boff, professor emérito de Ética da Universidade do Rio de Janeiro. Esta proposta faz parte do artigo desses autores intitulado "A Reinvenção das Nações Unidas, uma organização indispensável".
      Tradução de Yara Camillo, São Paulo, Brasil.



Especuladores da fome fazem preço dos alimentos aumentar



Fonte: Carta Maior

Não são apenas más colheitas e mudanças no clima; especuladores também estão por trás dos preços recordes nos alimentos. E são os pobres que pagam por isso. Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores cuja especulação nos mercados financeiros globais causaram a crise das hipotecas de alto risco (sub-prime) são responsáveis por causar as alterações e a inflação no preço dos alimentos. A acusação contra eles é que, ao se aproveitar da desregulamentação dos preços dos mercados de commodities globais, eles estão fazendo bilhões em lucro da especulação sobre a comida e causando miséria ao redor do mundo. O artigo é de John Vidal (The Observer)

Há pouco menos de três anos, as pessoas da vila de Gumbi, no oestede Malawi, passaram por uma fome inesperada. Não como a de europeus,que pulam uma ou duas refeições, mas aquela profunda e persistente fome que impede o sono e embaralha os sentidos e que acontece quando não se tem comida por semanas. Estranhamente, não houve seca, a causa tradicional da mal nutrição e fome no sul da África, e havia bastante comida nos mercados. Por uma razão não óbvia o preço de alimentos básicos como milho e arroz havia quase dobrado em poucos meses. Não havia também evidências de que os donos de mercados estivessem estocando comida. A mesma história se repetiu em mais de 100 países em desenvolvimento.

Houve revolta por causa de comida em mais de 20 países e governos tiveram que banir a exportação e subsidiar fortemente os alimentos básicos. A explicação apresentada por especialistas da ONU em alimentos era de que uma “perfeita” conjunção de fatores naturais e humanos tinha se combinado para inflar os preços. Produtores dos EUA, diziam as agências da ONU, tinham disponibilizado milhões de acres de terra para a produção de biocombustíveis; preços de petróleo e fertilizantes tinham subido intensamente; os chineses estavam mudando de uma dieta vegetariana para uma baseada em carne; secas criadas por mudanças no clima estavam afetando grandes áreas de produção.

A ONU disse que 75 milhões de pessoas se tornaram mal nutridas em função do aumento de preços. Mas uma nova teoria está surgindo entre economistas e mercadores. Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores cuja especulação nos mercados financeiros globais causaram a crise das hipotecas de alto risco (sub-prime) são responsáveis por causar as alterações e a inflação no preço dos alimentos. A acusação contra eles é que, ao se aproveitar da desregulamentação dos preços dos mercados de commodities globais, eles estão fazendo bilhões em lucro da especulação sobre a comida e causando miséria ao redor do mundo.

Conforme os preços sobem além dos níveis de 2008, fica claro que todos estão agora sendo afetados. Os preços da comida está subindo até 10%por ano no Reino Unido e na Europa. Mais ainda, diz a ONU, os preços deverão subir pelo menos 40% na próxima década. Sempre houve uma modesta, mesmo bem-vinda, especulação nos preços dos alimentos e tradicionalmente funcionava assim. O produtor X se protegia contra o clima e outros riscos vendendo sua produção antes da colheita para o investidor Y. Isso lhe garantia um preço e o permitia planejar o futuro e investir mais, e dava ao investidor Y um lucro também. Num ano ruim, o fazendeiro X tinha um bom retorno. Mas num ano bom, o investidor Y se saía melhor.

Quando esse processo era controlado e regulado, funcionava bem. O preço da comida que chegava ao prato e do mercado de alimentos mundial ainda era definido por reais forças de oferta e demanda. Mas tudo mudou no meio dos anos 1990. Na época, após um pesado lobby de bancos, fundos de investimento de risco e defensores do "mercado livre" nos EUA e no Reino Unido, as regulamentações no mercado de commodities foram abolidas. Contratos para comprar e vender alimentos foram transformados em “derivativos” que poderiam ser comprados e vendidos por negociantes que não tinham relação alguma com a agricultura. Como resultado, nascia um novo e irreal mercado de “especulação de alimentos”.

Cacau, sucos de fruta, açúcar, alimentos básicos e café agora são commodities globais, assim como petróleo, ouro e metais. Então, em 2006, veio o desastre das hipotecas podres e bancos e especuladores correram para jogar os seus bilhões de dólares em negócios seguros, alimentos em especial. “Nós notamos isso [especulação de alimentos] pela primeira vez em 2006. Não parecia algo importante então. Mas em 2007, 2008 aumentou rapidamente”, disse Mike Masters, gerente de um fundo no Masters Capital Management, que confirmou em testemunho ao Senado dos EUA em 2008 que a especulação estava inflando o preço mundial dos alimentos. “Quando você olha para os fluxos, se tem uma evidência forte. Eu conheço muitos especuladores e eles confirmaram o que está acontecendo. A maior parte do negócio agora é especulação – eu diria 70 a 80%.” Masters diz que o mercado agora está muito distorcido pelos bancos de investimentos. “Digamos que apareçam notícias sobre colheitas ruins e chuvas em algum lugar. Normalmente os preços vão subir algo em torno de 1 dólar (por bushel). Quando se tem 70-80% de mercado especulativo, sobe 2 a 3 dólares para levar em conta os custos extras. Cria volatilidade. Vai acabar mal como todas as bolhas de Wall Street. Vai estourar.”

O mercado especulativo é realmente vasto, concorda Hilda Ochoa-Brillembourg, presidente do Strategic Investment Group de Nova York. Ela estima que a demanda especulativa para o mercado agrícola de futuros tenha aumentado entre 40 e 80% desde 2008. Mas a especulação não está apenas em alimentos básicos. No ano passado, o fundo Armajaro, de Londres, comprou 240 mil toneladas – mais de 7% do mercado mundial de cacau – ajudando a elevar o preço do chocolate ao seu mais alto valor em 33 anos. Enquanto isso, o preço do café pulou 20% em apenas três dias, resultado direto de aposta de especuladores na quebra do preço do café.

Olivier de Schutter, Relator da ONU para o Direito à Alimentação, não tem dúvidas que especuladores estão por trás do aumento de preços. “Os preços do trigo, do milho e do arroz tem aumentado de modo significante, mas isso não está ligado a estoques ou colheitas ruins, mas sim a negociantes reagindo a informações e especulações do mercado”, ele diz. “As pessoas estão morrendo de fome enquanto os bancos estão se matando para investir em comida”, diz Deborah Doane, diretora do Movimento Global de Desenvolvimento de Londres.

A FAO, órgão da ONU para agricultura, se mantém diplomaticamente evasiva, dizendo, em junho, que: “Fora mudanças reais em oferta e procura em alguns commodities, o aumento dos preços pode também ter sido amplificado pela especulação no mercado de futuros”. A [visão da] ONU tem o apoio de Ann Berg, uma das mais experientes negociantes do mercado de futuros. Ela argumenta que diferenciar commodities dos mercados de futuro e os relacionados com investimento sem agricultura é impossível. “Não existe maneira de saber exatamente [o que está acontecendo]. Tivemos a bolha das casas e o não-pagamento dos créditos. O mercado de commodities é outro campo lucrativo [onde] os mercados investem. É uma questão sensível. [Alguns] países compram direto dos mercados. Como diz um amigo meu. “O que para um homem pobre é um problema, para o rico é um investimento livre de riscos”.

Tradução: Wilson Sobrinho