Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

"EUA são o pior inimigo da democracia nas Relações Internacionais",


 

O


 diz  filósofo italiano em entrevista a Ópera Mundi

Para Domenico Losurdo, crise provoca questionamentos nos fundamentos liberais, que poderão ser respondidos com ajuda da esquerda da América Latina

A crise econômica global iniciada em 2008 afetou não somente as economias das grandes potências ocidentais como também a crença desses países no liberalismo triunfante, que se iniciou após o fim da Guerra Fria. Essa é a opinião do filósofo, historiador e cientista político marxista Domenico Losurdo, que está no Brasil para uma série de atividades e palestras.

Nesta quarta-feira (02/10), ele concedeu entrevista a
Opera Mundi em um hotel no centro de São Paulo, ocasião em que criticou as atitudes imperialistas belicistas dos EUA em contraponto à sua retórica em prol da liberdade e da democracia.
 Ele também teceu severas críticas à social-democracia na Europa, a quem denominou de “esquerda imperial” e de possuir objetivos muito próximos aos partidos da direita tradicional, fazendo parte de um sistema “monopartidário competitivo”.

Losurdo é professor da Universidade de Urbino, na Itália, e também de entidades como o Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialekttisches Denken e da Associação Marx-XXIesimo Secolo. Leia abaixo a primeira parte da entrevista.
Opera Mundi: Como podemos classificar o atual momento do liberalismo no século XXI? Ao mesmo tempo em que o mundo se encontra em uma crise econômica que já dura cinco anos, os liberais têm obtido sucesso no processo de desmantelamento do estado de bem-estar social.

Domenico Losurdo: O liberalismo está em crise. Você tem razão quando fala do desmantelamento do estado de bem-estar social na Europa. Mas isso ocorre porque estamos em um momento de fraqueza. No fim da II Guerra Mundial, foram o movimento operário e os movimentos populares que conquistaram o estado de bem-estar social, em um momento onde o comunismo contava com muita estima e exercia grande influência.


No decorrer da crise atual, esse ataque ao estado social está fazendo com que muitos comecem a colocar em questão o sistema capitalista liberal. Foram criadas uma série de ilusões após o fim da Guerra Fria, quando se falou até mesmo em “Fim da História” [pelo cientista político Francis Fukuyama] já que o liberalismo teria triunfado em nível planetário. Hoje isso é ridicularizado.

No contexto internacional vemos outros aspectos dessa crise: a decadência econômica do capitalismo ocidental corresponde à ascensão de países como a China. E a China não segue aos ditames do “consenso de Washington”, onde o mercado domina tudo e o estado não tem papel na economia. O que presenciamos agora é o "consenso de Pequim", que defende a intervenção do estado na economia.

OM: Sob o ponto de vista eleitoral, na Europa, Angela Merkel venceu mais uma vez. Já a social-democracia, a centro-esquerda, não soube aproveitar as vitórias nos últimos anos para realizar transformações em seus mandatos, enquanto os partidos de esquerda, salvo o grego Syriza, não apresentaram programas que chamaram atenção de parte considerável do eleitorado.

DL: De acordo. Na Europa ainda vemos uma desorganização de forças que podem ser alternativas ao sistema dominante. No momento, esse sistema político europeu é constituído pelo que chamo de monopartidarismo competitivo, uma categoria que elaborei em meu livro Democracia ou Bonapartismo. Ou seja, os partidos que certamente têm alguma competitividade são expressões da mesma classe social, da grande burguesia, exprimem mais ou menos a mesma ideologia e perseguem projetos políticos quase semelhantes.

Já os partidos populares são muito fracos, não podemos ignorar. Por outro lado, na opinião pública, o prestígio do capitalismo liberal se encontra muito enfraquecido. O problema é como transformar esse descontentamento que se desenvolve em projeto político concreto. E devo reconhecer que, infelizmente, a esquerda e os comunistas estão em grande atraso.

OM: Em suas palestras o sr. cita frequentemente John Locke, ao mesmo tempo pai do liberalismo e associado à African Company, que explorava a escravidão a seu tempo. Isso lembra, aqui no Brasil, o discurso da corrente liberal dominante que defende a tese do estado mínimo alegando que o poder público é obeso, incapaz de gerir uma sociedade cada dia mais complexa e dinâmica. Em resposta, são lembrados dos pedidos de ajuda dos bancos aos governos e de que grandes sucessos privados como Google e Apple hoje são o que são graças à ajuda governamental e à intervenção estatal. O senhor está de acordo que exista essa dicotomia constante no discurso liberal?

DL: A tese do estado mínimo é ideológica e uma auto apologia. Pegando o exemplo de um país como os Estados Unidos, o estado é mínimo na relação de direitos econômicos e sociais, na garantia dos direitos da saúde, por exemplo. Mas não se considerarmos o aparato policial e militar. Os dois aspectos devem ser considerados.

O presidente dos EUA, Barack Obama, tem o poder de decidir sozinho qual suspeito de terrorismo pode ser eliminado. Isso não tem a ver com garantias liberais. O presidente dos EUA tem até mesmo o poder de iniciar uma guerra, não precisa nem mesmo da aprovação do Congresso – ele o fez agora no caso da Síria, mas não tinha necessidade jurídica para isso.

Cito Immanuel Kant que fez a seguinte questão: “Como podemos saber se um líder é déspota ou não?” Quando um líder político diz que a guerra deve ser feita e esta acontece. É aquele que pode decidir sozinho ou quase sozinho o início de uma guerra. Se considerarmos essa afirmação correta, então devemos considerar Obama um déspota, segundo Kant. Portanto, o Estado não é tão mínimo quanto a propaganda apresenta.

Sobre os direitos econômicos e sociais no estado mínimo, Marx já escreveu como este funcionava:  a extrema polarização social e a presença de uma pequena minoria de luxo de um lado, com extrema pobreza de outro, devem ser tratadas como temas privados. Mas quando há crise econômica de grande envergadura, mesmo o estado liberal mínimo deixa de sê-lo porque procura socializar os prejuízos enquanto o lucro é privatizados. É assim que funciona o estado liberal.