Dona Pandá anda preguiçosa. Diz que não está mais em seu
lugar. Diz que seu País virou de cabeça pra baixo. Diz que não quer viver o que
já viveu. Logo esclarece: aquilo de que não quer se lembrar. Aposto um bombom que
há muitas coisas que gostaria de viver uma, duas e mais vezes. Quando lhe disse
isto, não é que levei uma bordoada de palavras e resmungos! Depois ficou séria,
sorriu pra ela mesma e explicou.
O Riobaldo Tatarana disse que “viver é muito perigoso”. Sabia das coisas esse cara e mesmo assim não
conseguiu a vida desejada com sua Diadorim.
- Dona Pandá, o que o pobre Riobaldo tem a ver com a senhora
querer viver o que já viveu?
- Primeiro “Fora Temer”. Segundo, a vida é muito curta para reprises.
Releia o Grande Sertão e vai ver a
sabedoria do cara. Às vezes, os momentos muito bons os perdemos ao buscar a
segunda vez. Precisamos respeitar o tempo, sobretudo quando é de felicidade.
Bem vivido ele permanece num plano aceitável de chamamento e fiel. Você o
chama, ele vem. Se se obstinar em reproduzir, a fidelidade se apaga e o risco
passa a ser de sua inteira responsabilidade. O sábio é construir o novo. Assim,
você tem os dois e o risco maior é o da superação.
- Dona Pandá, está construindo um novo?
- Tenho tentado. Confesso que o macro – no sentido que meu
amigo Joca dá, o entorno próximo e aquele em que apesar de nele estarmos
inseridos, nada temos do seu controle – não tem ajudado em nada. Ainda estava semeando quando um bando de
abutres, sem perceber que não era carniça e sim boas sementes, invadiu meu pomar
e me deixou de embornal vazio. Novas sementes foram plantadas e estavam
despertando verdinhas. Eis que os gafanhotos fizeram a festa.
- Dona Pandá, está falando do pomar ou do Brasil?
-Ora, menina, até plantamos feijão guandu para melhorar essa
terra seca, mas o Brasil está com bandos soltos de quem o moço de Curitiba não
encontra os endereços. Você se lembra
daquela noite tenebrosa quando o mundo viu a exposição de motivo dos fulanos
que dedicavam seu voto a deus, jesus, pai, filho (será que o papagaio foi
chamado?), ao marido, exemplo de honestidade (preso quase em seguida por
corrupção) e sei lá mais que barbaridades? Naquele momento, nosso Brasil começou
seu calvário. Chamaram tanto Jesus que ele resolveu emprestar a nosso País. O
fulano que abriu os absurdos estava lá curtindo seu gesto de vingança sem se
incomodar com o preço porque a conta não iria pra ele.
Numa outra hora a gente continua essa tétrica história. Agora,
o medo e a revolta – plantados pelo ódio, a covardia direcionados e garantidos pelo capital – falam mais alto. Minha geração
já viveu isto e, apesar de não se tratar de tempos felizes, bem ao contrário,
foram cruéis, sabe que o perigo chegou. Vamos precisar de muita luta. Como
disse um grande homem: sabemos fazer isso. Então, vamos fazer, sem repetir os
erros, vamos fazer a luta boa, a luta do trabalhador brasileiro pelos direitos
conquistados, pela Democracia.