Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Libertar os animais, reumanizar a vida


Ação espetacular contra maus tratos a cães, em São Roque(SP), reacende debate sobre direitos de outras espécies

Antonio Martins (1)
Um protesto contra sofrimentos impostos a animais, que começou sábado passado (12/10) em frente aos portões do laboratório Instituto Royal, em São Roque (Grande São Paulo), tomou proporções inusitadas nessa sexta-feira (18/10). Dezenas de ativistas invadiram, pela madrugada, o laboratório e libertaram cerca de duzentos cães da raça beagle. A gota d’água que desencadeou a atitude foi a suspeita de que a empresa preparava a retirada e o sacrifício dos animais. A notícia espalhou-se rapidamente pelas mídias sociais. A palavra-chave #institutoroyal tornou-se a mais popular no Twitter. Uma página temática, no Facebook, reuniu mais de 140 mil apoiadores. Os fatos convidam: é preciso intensificar o debate sobre os direitos dos animais. Ele é indispensável, inclusive, para que o ser humano se livre das brutalidades que comete contra si mesmo (Vinícius Gomes).
O tema é debatido no texto a seguir, publicado no ”Diplô Brasil” em setembro de 2006, e que “Outras Palavras” reproduz pela atualidade. (V.G.)
Por Antonio Martins
Um meio-sorriso irônico – parte condescendência, parte desdém – ainda predomina, em alguns ambientes, diante do discurso em favor dos direitos dos animais. Ele soa frívolo, a certos ouvidos: é como se sustentá-lo fosse sinal de futilidade ou escapismo, num mundo em que milhões de crianças passam fome ou padecem nas guerras.
Professor de Direito na Universidade de Rutgers (Nova Jersey), o norte-americano Gary Francione tem uma resposta para esta postura de descaso. Produzido pela redação do Le Monde diplomatique, o texto Manifesto pela Libertação dos Animais (cujo título original é “Pour l’abolition de l’animal-esclave”), que integra a edição de setembro do Le Monde Diplomatique-Brasil, é uma síntese das teorias de Garry Francione sobre a abolição da exploração animal, segundo expostas no colóquio “Théories sur les droits des animaux et le bien-être animal”, na Universidade de Valência (Espanha) em maio de 2006. O texto sugere que o massacre dos animais é também um ato do ser humano contra si próprio. Nós o praticamos porque estamos mergulhados em relações sociais que nos cegam. Enxergar nas outras espécies seres que sentem e sofrem é um enorme passo para nos livrarmos das brutalidades que cometemos entre nós mesmos.
O argumento de Francione é original porque, num aparente paradoxo, associa defesa dos animais a humanismo. Ele não nega o direito da espécie humana a lutar, como todas as outras, por seus “interesses vitais”. Mas demonstra que, na etapa atual de nosso desenvolvimento, continuar confinando, torturando e massacrando outros seres não tem nenhum laço com nossa sobrevivência ou bem-estar – mas com nossa submissão à lógica da propriedade e da mercantilização.
Sim, sustenta o Manifesto: assim como ocorria com os escravos, há três séculos, os animais são considerados mercadorias. E uma sociedade em que a regra essencial de sucesso é a posse de bens materiais torna-se indiferente tanto à crueldade quanto à irracionalidade do massacre. Mais de 8 bilhões de animais são mortos todos os anos (16 mil por minuto), só nos Estados Unidos – o maior consumidor. Na condição de coisas, eles devem ser tão rentáveis quanto possível. Por isso, são confinados, do nascimento ao sacrifício, em celas exíguas, onde muitas vezes os únicos movimentos possíveis são respirar, comer e digerir. Sua execução ocorre quase sempre “em dor e aos gritos, em ambientes fétidos”. Quando destinados a experimentos industriais (em testes de cosméticos, por exemplo), sofrem, vivos, amputações e queimaduras químicas em série. Nas universidades, são freqüentemente utilizados sem necessidade, para “experimentos” repetidos e de resultado óbvio, que poderiam perfeitamente ser substituídos por recursos audiovisuais.
Não precisamos deles para nosso sustento. Ao contrário, mostra o texto: sua criação industrial consome recursos que fazem falta a outros seres humanos e é uma ameaça ao ambiente. “Para cada quilo de proteína fornecida, o animal deve consumir cerca de 6 quilos de proteínas vegetais e forragem; e produzir um quilo de carne exige mais de 100 mil litros de água – enquanto a produção de um quilo de trigo não chega a exigir 900 litros”.
Uma causa que se difunde e obtém vitórias
A indústria da carne animal apóia-se, é claro, num hábito atávico da humanidade. Mas, como tantos outros, ele poderia ser alterado aos poucos, por meio de recursos como a sensibilização e a pesquisa científica voltada para produzir alimentos que imitassem o sabor da carne. No entanto, a mercantilização é um enorme obstáculo, como mostra o Manifesto: “O ’sofrimento’ dos proprietários, por não poder usufruir da ’propriedade’ a seu bel-prazer conta mais do que a dor do animal. (…) Os industriais da carne avaliam que as práticas de mutilar animais, sejam quais forem a dor e o sofrimento suportados por eles, são normais e necessárias. Os tribunais presumem que os proprietários não infligirão intencionalmente atos de crueldade inútil, que diminuiriam o valor monetário do animal”.
Felizmente, as últimas décadas têm sido marcadas pela difusão dos movimentos e organizações que combatem a mercantilização do mundo dedicando-se aos direitos dos animais. Atuam em múltiplas frentes: a defesa das espécies silvestres, a luta contra a caça, a denúncia da experimentação “científica” desnecessária, o combate contra maus-tratos impostos aos bichos domesticados, o resgate dos que são abandonados por seus “donos”. Le Monde Diplomatique tem acompanhado algumas destas ações. Em agosto de 2004, uma reportagem focalizou a Grã-Bretanha – onde tem havido vitórias importantes e onde certos grupos, em nome dos bichos, desafiam leis e agem na clandestinidade. Em agosto de 2002, destacamos o esforço para proteger os elefantes, ameaçados pelo comércio clandestino de marfim. Junto com o ativismo, têm se multiplicado, especialmente na internet, as fontes alternativas de informação sobre o tema. Algumas delas estão relacionadas ao final deste texto.
Nenhuma grande causa merece ser transformada num fundamentalismo. Se você ainda é carnívoro (como o autor destas linhas), deleite-se com seu churrasco, neste fim de semana. Considere a hipótese de substituí-lo por prazeres, digamos, mais humanos… Acompanhe e participe das ações que combatem todos os tipos de maus-tratos. E repare: você tem agora mais um motivo para continuar construindo relações sociais que, livres da ditadura da mercadoria, nos permitam enxergar e enfrentar a crueldade.
Antonio Martins é Editor do Outras Palavras (nossa fonte).

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

124 mais ricos do Brasil acumulam 12% do PIB

Forbes divulgou lista das 124 pessoas mais ricas do Brasil, que acumulam um patrimônio que ajuda a entender porque o País é considerado um dos mais desiguais do mundo

Entre os 124 multimilionários brasileiros apenas o cofundador de Facebook, Eduardo Saverin, constituiu seu patrimônio por meio da internet (Forbes)
Estas 124 pessoas integram a última lista de multimilionários divulgada nesta segunda-feira pela revista ‘Forbes’, que inclui todos os brasileiros cuja fortuna supera R$ 1 bilhão.
O investidor chefe do fundo 3G Capital, Jorge Paulo Lemann, que acaba de adquirir a fabricante de ketchup Heinz e é um grande acionista da cervejaria AB InBev e do Burger King, ficou com o primeiro lugar.
A fortuna de Lemann, de 74 anos, chega a R$ 38,24 bilhões, enquanto o segundo da lista, Joseph Safra, empresário de origem libanesa e dono do banco Safra, tem ativos de R$ 33,9 bilhões.
A maioria das fortunas corresponde a membros de famílias que dominam as grandes empresas de setores como mídia, bancos, construção e alimentação.
Entre os 124 multimilionários brasileiros apenas o cofundador de Facebook, Eduardo Saverin, constituiu seu patrimônio por meio da internet.

O empresário Eike Batista, que chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo e perdeu parte de sua fortuna pela vertiginosa queda do valor das ações de sua companhia petrolífera OGX e do resto das empresas de seu conglomerado EBX, ficou em 52º lugar na lista.

A grande fortuna concentrada por estes milionários comprova a veracidade dos indicadores oficiais que classificam o Brasil como um dos países com maiores disparidades entre ricos e pobres.
O índice de Gini do país foi de 0,501 pontos em 2011, em uma escala de zero a um, na qual os valores mais altos mostram uma disparidade mais profunda entre ricos e pobres.
Cerca de 41,5% das rendas trabalhistas se concentram nas mãos de 10% dos mais ricos, segundo dados do censo de 2010, enquanto metade da população vivia, nesse ano, com uma renda per capita mensal de menos de R$ 375.

Nossa Fonte: ControVérsia

Entre Dilma e Marina, escolha não ser machistaEn


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Como debater eleições (e mesmo criticar as candidatas) sem abrir brechas àquele restinho de machismo que você guarda em si…

Por Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa

Nas eleições presidenciais de 2010, pela primeira vez uma mulher era candidata e tinha chances reais de ser eleita (e foi). O desespero das diversas fatias da oposição deu impulso a uma onda misógina e machista durante a campanha. Foi para debater o assunto e rebater tanto sexismo que o grupo Blogueiras Feministas, por exemplo, foi criado. Havia quem não apoiasse Dilma, entre elas. Isso jamais significou, porém, que valia tudo e qualquer coisa para atacá-la.
A mais ou menos um ano da próxima eleição presidencial e, desta vez, com duas figuras femininas de base forte disputando cargos no executivo, precisamos tomar o triplo do cuidado.
Os ânimos se exaltam e é fácil agirmos sem pensar. Criticar Marina Silva pela estética (“feiosa”) e pelo tipo de roupa (“carola”) não é nada diferente de dizer que Dilma parece um Ewok (aqueles ursinhos fofos da saga Star Wars, lembra?), ou de publicar em jornais que – absurdo! é o fim! – a presidenta desfilará sozinha, sem “sua família”, na ocasião da posse. “Não há nada tão parecido com um machista de direita quanto um machista de esquerda”, dizem por aí. Serve o mesmo aqui: “Não há nada tão parecido com uma crítica machista à Dilma quanto uma crítica machista à Marina”.
Os ataques machistas vêm, como o machismo, em diversas fontes, cores, tamanhos e vozes. Uma palavra aqui, uma maneira de classificar ali, um adjetivo usado pra desqualificar acolá. A questão central é quais são as críticas que escolhemos fazer a nossas adversárias políticas, em primeiro lugar. Em segundo, de que maneira as faremos. Esses são os dois aspectos centrais do “machismo-de-campanha” que assistimos todos os anos pela tevê e nos jornalhões, mas também nos blogs e microblogs de jornalistas independentes (sem falar nos comentários… ah, os comentários!).
Ao escolher um aspecto de qualquer candidata mulher para criticar, reflita se você escolheria criticar a mesma coisa num candidato homem. Não parece meio imbecil gostar ou desgostar de Serra “porque ele é careca”? Então por que a estética serviria para gostar ou desgostar de uma candidata mulher? Outro tipo de crítica comum às mulheres é sua vida pessoal. Na única vez em que eu vi um candidato homem ser desonestamente criticado por isso (foi o Kassab, na prefeitura de São Paulo), toda a esquerda e a direita tomaram-lhe as dores e o apoio a sua candidatura cresceu. A história foi bem diferente quando disseram que Marta Suplicy era uma vadia por se separar de Eduardo.
Como regra geral, vale o bom-senso. Se você não observaria essa mesma coisa num candidato homem, há 99,9% de chances de sua escolha estar baseada em machismo – ainda que você, individualmente, não seja machista “convicto/a”.
Então tem isso, que é o que escolhemos criticar. Mas tem também a maneira como escolhemos criticar. Quer dizer, se escolhermos criticar a trajetória política de Marina Silva, por exemplo. É possível abordar essa trajetória de diversas maneiras, assim como a trajetória de Dilma Roussef. Uma das coisas que mais tenho lido por aí (e ainda falta um ano!) é que Marina Silva é “autoritária”, por um lado, e “se faz de boazinha”, por outro.
Se saírmos da política e perguntarmos às mulheres que conhecemos, profissionais de diferentes áreas em posição de liderança, que críticas elas mais ouvem no trabalho, podem apostar: “autoritária” (e derivados) e “boazinha” / “falsa” (e derivados da combinação) certamente estarão entre eles. Quando um homem mostra sua personalidade nas suas decisões profissionais (sobretudo políticos), isso é tratado como sendo apenas sua personalidade, e não um problema. Quando as mulheres mostram sua personalidade, ela é sempre um grande problema, sejam elas autoritárias, boazinhas, ou tendo qualquer outro traço. É uma armadilha fácil de cair, para qualquer pessoa, mesmo aquelas fortemente preocupadas com as diversas opressões de nossa sociedade.
Por isso, muito, muito, muito cuidado.
A largada para a “corrida presidencial” foi dada. Colecionemos as críticas às trajetórias, propostas e ideias de candidatos e candidatas. Troquemos informações. Façamos blogs. Utilizemos a internet ao máximo. Mas, sobretudo, recusemos as velhas formas de pensar, que nos aprisionam quem quer que seja a presidenta – ou o presidente.
Avancemos, enfim.

Nossa fonte: Outras Palavras

Governo brasileiro quer ouvir espião estadunidense

O Diretor de Inteligência da Polícia Federal, José Alberto Iegas, admitiu nesta terça-feira (15), na CPI da Espionagem do Senado, que o governo brasileiro considera fundamental interrogar o ex-técnico da CIA Edward Snowden. Snowden, que atualmente está exilado na Rússia, foi quem denunciou a prática de espionagem pelos Estados Unidos.
Agência Senado
Governo brasileiro quer ouvir espião estadunidense 
A CPI, presidida pela senadora Vanessa Grazzioitn (PCdoB-AM), investiga as denúncias de que os Estados Unidos monitoraram milhões de e-mails e telefonemas no Brasil.
"O Brasil não tem adido na embaixada da Rússia e isso está impedindo a oitiva do Snowden. Estamos tentando através de tratados diplomáticos entre os países", disse Iegas em resposta ao senador Ricardo Ferraço (PMDB), relator da CPI.


Na semana passada, a Comissão ouviu mais uma vez o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que disse que a maior motivação da espionagem é a de garantir vantagens estratégicas para empresas dos Estados Unidos. 
A CPI da Espionagem foi criada, no dia 9 de setembro, para investigar as denúncias de que o governo dos Estados Unidos monitorou milhões de e-mails e telefonemas no Brasil, inclusive de autoridades e empresas públicas.

Segundo denúncias que vieram a público no início de julho, agentes da Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês) juntamente com a Agência de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos mantiveram, pelo menos até 2002, 16 bases de espionagem por várias capitais, inclusive Brasília.

Nossa fonte: Vermelho, Redação em Brasília. Com Agência Congresso

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Agricultura: por que Brasil aposta em modelo decadente

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Embora membro do PT, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária sustenta: pressionado por ruralistas e tecnocratas, governo ignora declínio da monocultura e aprofunda políticas falidas

Gerson Teixeira entrevistado pela IHU On-Line

“Lamento o apagão do pensamento estratégico dentro do governo. (…) Não bastasse, especula-se sobre a proximidade do anúncio de um “pacote agrário” para ser dado de presente ao agronegócio e, assim, mergulhando ainda mais o Brasil nas profundezas dos anacronismos da sua estrutura agrária”, diz o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.
“Há que se pensar, de imediato, em uma ‘nova agricultura’ no decorrer do século XXI, sob pena de possíveis crises alimentares globais que desdobrarão em eventos sociais e políticos imponderáveis”, considera Gerson Teixeira, ao comentar a atual produção agrícola e a demanda por alimentos no futuro.
Segundo ele, “o mundo já se depara com processo de redução acentuada dos níveis da produtividade agrícola (…) e as pesquisas demonstram que a produtividade dos alimentos básicos declinou de 3% ao ano na década de 1960 para 1% ao ano na atualidade”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o engenheiro agrônomo avalia que as políticas adotadas no Brasil estão na “absoluta contramão do que deveria ser feito para habilitar o país ao enfrentamento do grande desafio da segurança alimentar”. E dispara: “Tais políticas refletem, portanto, a temerária hegemonia do agronegócio e têm a pretensão de transformar o Brasil no ‘fazendão do mundo’ sob o controle do capital internacional”.
Neste caso, vivemos a inacreditável situação na qual o agronegócio, com o apoio massivo do governo, exporta 100 bilhões de dólares ao ano, em grande parte para alimentar animais no exterior, e não produz comida para a população brasileira, inclusive, sendo responsável pela evolução do IPCA dos alimentos em patamares acima do IPCA geral”.
Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em Desenvolvimento Agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Confira a entrevista:
Como você avalia a declaração do economista Chris Hurt, especialista em Economia Rural dos Estados Unidos, sobre o menor crescimento da demanda alimentar no futuro?

Em entrevista publicada pelo Valor Econômico de 2 de setembro, esse especialista defendeu teses que contrariam prognósticos de instituições internacionais sobre as tendências na produção de alimentos. Em particular, garante que, doravante, após sete anos de boom dos preços das commodities agrícolas, teremos uma longa trajetória de equilíbrio entre demanda e oferta de alimentos, com os preços retornando à sua trajetória histórica. Segundo Hurt, são equivocadas as previsões da FAO e OCDE sobre as expectativas superlativas para a demanda alimentar nas próximas décadas que desafiam a agricultura mundial.
Portanto, não existiria cenário de ameaças para a segurança alimentar, tampouco de riscos de colapso na agricultura.
O economista fundamenta a sua tese no processo de desaceleração da economia chinesa e no fato de a demanda de milho para a produção de etanol nos EUA supostamente ter alcançado o seu teto. Então, não haveria todo esse crescimento da demanda alimentar mundial no futuro. Os agricultores também não enfrentariam crise com o fim do ciclo de alta dos preços, vez que teriam capacidade de assimilar margens mais apertadas.
É possível que essas previsões se confirmem, mas a própria entrevista revelou pouca convicção do seu autor, uma vez que ao mesmo tempo ele assegurou que, de todo o modo, a agricultura dominante estaria apta a responder ao aumento acentuado da demanda alimentar, pois, ainda segundo o especialista, haveria muita terra e tecnologia a serem incorporadas ao processo produtivo.
Ora, é verdade que as previsões indicam que a China, o grande motor dos mercados agrícolas nos últimos anos, continuará ostentando taxas importantes de crescimento econômico, mas em patamares inferiores à média das últimas décadas. Mas algumas variáveis deixaram de ser consideradas na análise do economista. Primeiro, leve-se em conta, talvez mais que o crescimento demográfico mundial, os expressivos contingentes populacionais em processo de urbanização e migração rural que impactam em demanda maior e menor oferta agrícola potencial.
Veja-se o exemplo da própria China, onde segue forte o fenômeno da urbanização, à taxa de 2,5% ao ano (Bird, 2011), significando que 15 milhões de chineses deixam as áreas rurais a cada ano. De outra parte, aquele país enfrenta pelo menos mais um gargalo estrutural para manter o expressivo desempenho agrícola do período recente: as severas restrições de água em várias regiões.
Especialistas do Ministério da Agricultura, na edição mais recente da Revista de Política Agrícola, apresentam estudo demonstrando que a China continuará com a segurança alimentar altamente dependente do exterior. Tanto que o Departamento de Agricultura dos EUA prevê que, em praticamente dez anos, contados do ano de 2011, os consumos de milho, soja e carne bovina na China terão aumentado em taxas notáveis de, respectivamente, 44,5%, 58,3% e 23,4%. As previsões de Hurt também ignoram os desdobramentos na oferta agrícola das mudanças climáticas e da questão da produtividade.
Então como avalia as previsões da FAO e OCDE, de que a agricultura enfrentará dificuldades para alimentar nove bilhões de pessoas até 2050? Haverá crise estrutural para o agronegócio no futuro?

São organizações respeitáveis que conhecem o assunto, portanto, devemos nos orientar pelas suas previsões, segundo as quais a demanda alimentar em 2050 deverá ser 70% maior comparativamente à posição de 1996. De fato, trata-se de um enorme desafio para a agricultura que poderá ser enfrentado. Contudo, não acredito nessa possibilidade com a manutenção do padrão dominante de agricultura, de larga escala, geneticamente homogêneo e intensivo em químicos e energia de um modo geral.
Por quê?

Há alguns anos, com todos os riscos e limitações, tenho me somado às análises de outros profissionais nos assuntos agrários indicando essas dificuldades. Mas até os especialistas das Nações Unidas que participaram do Informe da Conferência da Unctad sobre Comércio e Meio Ambiente/Revisão 2013, lançado no dia 18 de setembro, alertaram, no documento, sobre o imperativo para a humanidade de uma mudança rápida da produção baseada em monocultura e intensiva em químicos para uma diversidade de sistemas de produção sustentáveis, que melhorem a produtividade dos pequenos agricultores. Advertem que a transformação fundamental da agricultura pode ser um dos maiores desafios, inclusive para a segurança internacional, no século XXI.
O fato é que fatores econômicos e técnicos próprios da organização do agronegócio, combinados com os efeitos da evolução da crise climática sobre a agricultura (uma das principais fontes de emissão e, ao mesmo temo, cada vez mais afetada pelo aquecimento global) sinalizam dificuldades nada triviais para a subsistência futura da grande exploração agrícola capitalista sob qualquer forma de organização.
Tentando resumir, diria que razões diversas impuseram trajetória de declínio dos níveis reais dos preços agrícolas desde o final da década de 1970. Nos últimos sete anos, a constante volatilidade da oferta alimentar derivada da competição dos agrocombustíveis e da maior frequência e intensidade de fenômenos climáticos, perpassada pelos movimentos especulativos com commodities agrícolas pelos fundos de hedge, em particular, provocaram a inflexão nesse processo.
No geral, esse fenômeno não resultou em rentabilidade mais elástica na base primária à medida que os custos de produção também dispararam notadamente daqueles relativos aos inputs químicos. Ademais, parte do ganho adicional derivado do aumento dos preços passou a ser apropriada pelas corporações que controlam o comércio agrícola. Confirmada ou não a avaliação do economista americano sobre o retorno dos preços à sua curva histórica, continuará o aperto das margens ‘dentro da fazenda’.
Os orçamentos nacionais para apoio à agricultura serão cada vez mais robustos, o que implica considerar que se a variável econômica fosse a única determinante, somente os países ricos teriam condições de sustentar a atividade agrícola enquanto setor econômico estruturado.
Contudo, devemos agregar que o mundo já se depara com processo de redução acentuada dos níveis da produtividade agrícola (Revista Science – março/2010, The Economist – 23/03/2011 e estudos do USDA). As pesquisas demonstram que a produtividade dos alimentos básicos declinou de 3% ao ano na década de 1960 para 1% ao ano na atualidade.
Assim, o fenômeno histórico de compressão das margens na fazenda, já num contexto de declínio da produtividade, tende a assumir graves proporções no futuro, posto que, com as mudanças climáticas, o IPCC/ONU estima em um terço a queda dos níveis de produtividade. Isto, caso o aquecimento global não ultrapasse os 2o C.
Essas projeções foram confirmadas recentemente pela 5ª Revisão sobre as mudanças climáticas (reunião do IPCC na Suécia) e pelo 1º Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Vale assinalar que os eventos da pesquisa na tentativa de adaptação/mitigação a esses desafios estão limitados à busca de variedades mais resistentes às situações de déficit hídrico e de temperaturas mais altas e, mesmo assim, no limite de 2oC.
Em suma, quando consideramos o contexto de erosão da biodiversidade no mundo, fruto da “agricultura moderna”; a progressiva restrição da disponibilidade de água para a continuidade dessa atividade no futuro; os desequilíbrios ambientais sistêmicos previstos, há que se pensar, de imediato, em uma “nova agricultura” no decorrer do século XXI, sob pena de possíveis crises alimentares globais que desdobrarão em eventos sociais e políticos imponderáveis.
O governo brasileiro está atento a estes cenários?

Certamente têm quadros no governo atentos a esses riscos. Mas uma combinação de fatores, como a correlação de forças, a contaminação da burocracia por neoliberais com “tucanos de carteirinha” nos mais altos escalões da administração federal e as contingências imediatas do quadro de transações correntes, dita políticas na absoluta contramão do que deveria ser feito para habilitar o país ao enfrentamento do grande desafio da segurança alimentar. Tais políticas refletem, portanto, a temerária hegemonia do agronegócio e têm a pretensão de transformar o Brasil no “fazendão do mundo” sob o controle do capital internacional.
Neste caso, vivemos a inacreditável situação na qual o agronegócio, com o apoio massivo do governo, exporta 100 bilhões de dólares ao ano, em grande parte para alimentar animais no exterior, e não produz comida para a população brasileira, inclusive, sendo responsável pela evolução do IPCA dos alimentos em patamares acima do IPCA geral.
A propósito, de forma lúcida, a presidente Dilma recentemente garantiu que, com o pré-sal, não deixará o Brasil sucumbir à “maldição do petróleo” (uma alusão aos efeitos macroeconômicos maléficos de economias centradas em recursos naturais – tese da ‘maldição dos recursos naturais’).
Mas o governo deveria voltar a atenção também para a “maldição instalada do agronegócio”, pois, neste caso, tem o agravante de um “apagão estratégico”, com consequências políticas e socioeconômicas potencialmente desastrosas para o futuro do Brasil. Aliás, vivemos também a “maldição do ferro”, que recairá com maior intensidade ainda sobre os interesses nacionais caso venha a ser aprovado o texto da proposta do novo código mineral enviada pelo governo ao Congresso.
Como ficam a reforma agrária e a agricultura familiar nesse debate?

De plano, me alinho às recomendações dos cientistas da Unctad sobre o imperativo de uma “nova agricultura”, fundada na biodiversidade, menor escala e em sistemas ambientalmente amigáveis como caminho para enfrentarmos o grande desafio da segurança alimentar em décadas futuras.
Assim, a iminência de um colapso do agronegócio no futuro oferece oportunidade histórica inusitada para a agricultura familiar e camponesa no presente. Esta reúne atributos congênitos que lhe proporcionam maior capacidade de resiliência aos efeitos das adversidades econômicas e ambientais comentadas.
Mas, como afirmei, as políticas caminham no sentido oposto. A atual política para a agricultura familiar, não obstante os méritos inclusivos, induz à erosão dos fundamentos da economia camponesa, nivelando-a às bases técnicas e organizativas da agricultura do agronegócio e, assim, submetendo-a aos mesmos riscos de colapso.
Até mesmo a vocação para a produção de alimentos pelos agricultores familiares tem sido interditada com a imposição da pauta de produtos do agronegócio. Enquanto isso, o capital internacional, especulativo ou não, investe em terras, também para alimentos, pois sabe que rigorosamente se trata de um ‘negócio da China’ no presente e, mais ainda, no futuro.
A reforma agrária, cuja importância na atualidade ultrapassa os seus objetivos clássicos para assumir estratégia de proteção das futuras gerações contra as incertezas e armadilhas deste século, simplesmente foi sepultada.
Como petista que reconhece e comemora os avanços do país em várias áreas desde 2003, lamento o apagão do pensamento estratégico dentro do governo e obviamente sinto enorme frustração com o fato de, nos últimos três anos, terem sido publicados apenas 86 decretos de desapropriação de latifúndios improdutivos.
Não bastasse, especula-se sobre a proximidade do anúncio de um “pacote agrário” para ser dado de presente ao agronegócio e, assim, mergulhando ainda mais o Brasil nas profundezas dos anacronismos da sua estrutura agrária. Entre outras medidas, constariam do “pacote” mecanismos para a transferência, para o mercado, de áreas dos assentamentos; a homologação das posses nas áreas de fronteira; e nada sobre a regulação efetiva do acesso a terra por pessoas estrangeiras. A ver!
Como avalia a proposta de Márcio Matos, um dos líderes do MST, de que o governo feche o Incra diante da inoperância?

Um efeito colateral esperado do sentimento de frustração que também acometeu o companheiro.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

"EUA são o pior inimigo da democracia nas Relações Internacionais",


 

O


 diz  filósofo italiano em entrevista a Ópera Mundi

Para Domenico Losurdo, crise provoca questionamentos nos fundamentos liberais, que poderão ser respondidos com ajuda da esquerda da América Latina

A crise econômica global iniciada em 2008 afetou não somente as economias das grandes potências ocidentais como também a crença desses países no liberalismo triunfante, que se iniciou após o fim da Guerra Fria. Essa é a opinião do filósofo, historiador e cientista político marxista Domenico Losurdo, que está no Brasil para uma série de atividades e palestras.

Nesta quarta-feira (02/10), ele concedeu entrevista a
Opera Mundi em um hotel no centro de São Paulo, ocasião em que criticou as atitudes imperialistas belicistas dos EUA em contraponto à sua retórica em prol da liberdade e da democracia.
 Ele também teceu severas críticas à social-democracia na Europa, a quem denominou de “esquerda imperial” e de possuir objetivos muito próximos aos partidos da direita tradicional, fazendo parte de um sistema “monopartidário competitivo”.

Losurdo é professor da Universidade de Urbino, na Itália, e também de entidades como o Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialekttisches Denken e da Associação Marx-XXIesimo Secolo. Leia abaixo a primeira parte da entrevista.
Opera Mundi: Como podemos classificar o atual momento do liberalismo no século XXI? Ao mesmo tempo em que o mundo se encontra em uma crise econômica que já dura cinco anos, os liberais têm obtido sucesso no processo de desmantelamento do estado de bem-estar social.

Domenico Losurdo: O liberalismo está em crise. Você tem razão quando fala do desmantelamento do estado de bem-estar social na Europa. Mas isso ocorre porque estamos em um momento de fraqueza. No fim da II Guerra Mundial, foram o movimento operário e os movimentos populares que conquistaram o estado de bem-estar social, em um momento onde o comunismo contava com muita estima e exercia grande influência.


No decorrer da crise atual, esse ataque ao estado social está fazendo com que muitos comecem a colocar em questão o sistema capitalista liberal. Foram criadas uma série de ilusões após o fim da Guerra Fria, quando se falou até mesmo em “Fim da História” [pelo cientista político Francis Fukuyama] já que o liberalismo teria triunfado em nível planetário. Hoje isso é ridicularizado.

No contexto internacional vemos outros aspectos dessa crise: a decadência econômica do capitalismo ocidental corresponde à ascensão de países como a China. E a China não segue aos ditames do “consenso de Washington”, onde o mercado domina tudo e o estado não tem papel na economia. O que presenciamos agora é o "consenso de Pequim", que defende a intervenção do estado na economia.

OM: Sob o ponto de vista eleitoral, na Europa, Angela Merkel venceu mais uma vez. Já a social-democracia, a centro-esquerda, não soube aproveitar as vitórias nos últimos anos para realizar transformações em seus mandatos, enquanto os partidos de esquerda, salvo o grego Syriza, não apresentaram programas que chamaram atenção de parte considerável do eleitorado.

DL: De acordo. Na Europa ainda vemos uma desorganização de forças que podem ser alternativas ao sistema dominante. No momento, esse sistema político europeu é constituído pelo que chamo de monopartidarismo competitivo, uma categoria que elaborei em meu livro Democracia ou Bonapartismo. Ou seja, os partidos que certamente têm alguma competitividade são expressões da mesma classe social, da grande burguesia, exprimem mais ou menos a mesma ideologia e perseguem projetos políticos quase semelhantes.

Já os partidos populares são muito fracos, não podemos ignorar. Por outro lado, na opinião pública, o prestígio do capitalismo liberal se encontra muito enfraquecido. O problema é como transformar esse descontentamento que se desenvolve em projeto político concreto. E devo reconhecer que, infelizmente, a esquerda e os comunistas estão em grande atraso.

OM: Em suas palestras o sr. cita frequentemente John Locke, ao mesmo tempo pai do liberalismo e associado à African Company, que explorava a escravidão a seu tempo. Isso lembra, aqui no Brasil, o discurso da corrente liberal dominante que defende a tese do estado mínimo alegando que o poder público é obeso, incapaz de gerir uma sociedade cada dia mais complexa e dinâmica. Em resposta, são lembrados dos pedidos de ajuda dos bancos aos governos e de que grandes sucessos privados como Google e Apple hoje são o que são graças à ajuda governamental e à intervenção estatal. O senhor está de acordo que exista essa dicotomia constante no discurso liberal?

DL: A tese do estado mínimo é ideológica e uma auto apologia. Pegando o exemplo de um país como os Estados Unidos, o estado é mínimo na relação de direitos econômicos e sociais, na garantia dos direitos da saúde, por exemplo. Mas não se considerarmos o aparato policial e militar. Os dois aspectos devem ser considerados.

O presidente dos EUA, Barack Obama, tem o poder de decidir sozinho qual suspeito de terrorismo pode ser eliminado. Isso não tem a ver com garantias liberais. O presidente dos EUA tem até mesmo o poder de iniciar uma guerra, não precisa nem mesmo da aprovação do Congresso – ele o fez agora no caso da Síria, mas não tinha necessidade jurídica para isso.

Cito Immanuel Kant que fez a seguinte questão: “Como podemos saber se um líder é déspota ou não?” Quando um líder político diz que a guerra deve ser feita e esta acontece. É aquele que pode decidir sozinho ou quase sozinho o início de uma guerra. Se considerarmos essa afirmação correta, então devemos considerar Obama um déspota, segundo Kant. Portanto, o Estado não é tão mínimo quanto a propaganda apresenta.

Sobre os direitos econômicos e sociais no estado mínimo, Marx já escreveu como este funcionava:  a extrema polarização social e a presença de uma pequena minoria de luxo de um lado, com extrema pobreza de outro, devem ser tratadas como temas privados. Mas quando há crise econômica de grande envergadura, mesmo o estado liberal mínimo deixa de sê-lo porque procura socializar os prejuízos enquanto o lucro é privatizados. É assim que funciona o estado liberal.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Os sinais de ressaca na campanha sobre a AP 470

É curioso o estágio atual da mídia frente a AP 470. Ainda há espaço para os carniceiros, os estimuladores da manada. Mas, em momentos cada vez mais frequentes percebe-se um cansaço, uma certa lassidão que sucede os grandes episódios orgiásticos, seja na guerras sangrentas ou na pornografia. São sentimentos similares, denotadores da falta de limites.

Por Luis Nassif*, em seu blog

A manifestação de Ives Gandra da Silva Martins - que, antes da Folha, já externara o mesmo desconforto na insuspeita revista da Associação Comercial de São Paulo - é significativa, por partir de uma das fontes preferenciais do establishment midiático.

O desconforto não é apenas em relação à teoria do domínio do fato - que poderá reverter contra os advogados em suas causas futuras. É também em relação à postura de magistrados, à perda de referenciais de cortesia, ao deslumbramento com os refletores.

A ele se somam manifestações de colunistas mais independente, pequenas brechas na muralha para abrigar o desconforto de outros juristas, advogados, análises mostrando a inutilidade do carnaval para as eleições de 2014.

Os objetivos não alcançados

A ofensiva midiática teve dois objetivos. O primeiro, desviar o foco da cobertura da CPMI de Carlinhos Cachoeira. O segundo, o de não apenas condenar, mas liquidar, humilhar, destruir, salgar a terra por onde passasse José Dirceu, pelo desplante de ter afrontado a mídia em diversas ocasiões.

Faz parte de uma lógica imperial: quem ousar se interpor no caminho da mídia precisa ser totalmente destruído como tática de dissuasão.

Ninguém ganhou com essa demonstração irresponsável de poder.

Perdeu a mídia, perdeu o país e, principalmente, perdeu o Supremo.

Em nome da vingança atropelaram-se normas básicas de direito individual. Caminham para transformar réus em vítimas. Se preso, Dirceu se tornará herói em vida, ao invés da pessoa que, para garantir a governabilidade ao partido, singrou por águas turvas

O que era para ser a punição exemplar de práticas políticas condenáveis, transformou-se no oportunismo mais rasteiro, revelando a outra face da mesma moeda de corrupção política: quando agentes se valem seletivamente dos vícios do sistema para jogadas oportunísticas.

A hipócrita política brasileira

De fato, não há diferença entre réus e alguns dos julgadores. Todos fazem parte da mesma tradição de hipocrisia do modelo político brasileiro.

O jogo sempre é o mesmo. Há um conjunto de vícios no modelo. Partidos de oposição se fortalecem denunciando os vícios de quem está no poder. Quando conquistam o poder, repetem os mesmos vícios. Aí a nova oposição passa a criticar os vícios, utilizando-os de escada para reconquistar o Poder. Mas ninguém se preocupa em corrigir os vícios, porque todos se beneficiam deles - quem pratica e quem denúncia.

Ao julgar seletivamente os vícios do PT, ministros do Supremo agiram com a mesma hipocrisia dos partidos políticos. Não há diferença. Pertencem todos ao mesmo lodo institucional, no qual impera a esperteza, jamais o compromisso de aprimorar as regras do jogo.

A ressaca

Agora, tem-se essa lassidão. Há um incômodo generalizado no sistema judiciário, pelo fato da face pública do poder ser um Gilmar Mendes, um Luiz Fux, um Joaquim Barbosa, e não mais um Moreira Alves ou mesmo um Celso de Mello. Um incômodo generalizado entre jornalistas independentes - que trabalham ainda na velha mídia - pelo fato de, na fase mais dura do macartismo, não terem podido externar sua indignação com o anti-jornalismo praticado.

À medida que cessa o álibi da guerra total, vai caindo a ficha geral sobre o estrago que esses tempos de devassidão jurídica provocaram na imagem do Judiciário e na esperança daqueles que ainda acreditavam que o escândalo é a espoleta para as mudanças. No país da jaboticaba, não é: é apenas o holofote para levantar o ego togado de ministros de pouca grandeza.


* Luis Nassif é jornalista, colunista e blogueiro

terça-feira, 1 de outubro de 2013

As razões do sentimento anti Lula, anti Dilma, anti PT da classe média

O que epidermicamente já se sabia, agora se confirma em pesquisa recente. Refiro-me ao descontentamento, ( na forma mais radical revela-se em manifestações de preconceito, intolerância e ódio de classe) de boa parcela da classe média tradicional aos governos trabalhistas de Lula e Dilma.
De comentários e piadinhas onde esses personagens aparecem associados à ladroagem e corrupção, até ilações que lançam suspeitas sobre a dependência etílica de Lula ou às preferências supostamente homossexuais da presidente Dilma.
De uma forma ou outra, muitas vezes entre os dentes, aparece o desgosto e a hipocrisia, a raiva e a satisfação em repercutir as manchetes acusatórias e negativas da mídia oposicionista (sempre tidas como verdade indiscutível), que exalta a desqualificação dos governos do PT.

Publicada recentemente, pesquisa coloca o dedo na ferida e confirma que a política de inclusão social dos governos petistas tem tirado da classe média tradicional certos privilégios, certas exclusividades que garantiam a seus membros um sentimento de afastamento das camadas populares e proximidade com a elite burguesa da sociedade. Acessível às camadas mais pobres devido sua melhora das condições de trabalho e vida, certos equipamentos e serviços antes exclusivos de uma classe média endinheirada rompeu-se as cadeiais e esse viram-se invadidos "pelos pobres".


Ricos perdem exclusividade e reclamam da classe emergente
Segundo Renato Meirelles, do Data Popular, serviços mais caros e enriquecimento das classes C e D geram desconforto entre os endinheirados

Bárbara Ladeia - iG São Paulo

Na última semana, o lançamento do iPhone 5C levantou uma polêmica entre usuários nas redes sociais. Com a Apple dedicando esforços à popularização de seus produtos, houve quem reclamasse que os smartphones da marca, antes restritos a uma minoria privilegiada, virariam “coisa de pobre”.
O aparelho não tem nada de "pobre" – as versões desbloqueadas do aparelho custarão no mínimo US$ 549 (cerca de R$ 1,3 mil), um preço suficientemente impeditivo frente aos principais concorrentes. No entanto, o movimento nas redes fez lembrar o lançamento do Instagram para Android, quando um coro de usuários dizia temer pelas fotos que “infestariam” a rede.
A questão não é a qualidade do produto ou do serviço, mas o status que o uso dessas ferramentas agrega. O fato é que as classes mais altas andam muito incomodadas com o enriquecimento dos chamados emergentes, principalmente porque sentem o peso da perda da “exclusividade”.
Essa é uma das percepções de Renato Meirelles, presidente do Data Popular, consultoria de pesquisas especializada nas classes emergentes. “Não tenho dúvidas que é a perda da exclusividade que está incomodando esses consumidores”, afirma.
Entre 2010 e 2011, segundo dados da pesquisa O Observador , a renda média disponível para as classes C e D aumentou 50%. A renda dos mais pobres cresceu três vezes mais que a renda dos mais ricos nos últimos dez anos. Naturalmente, a maior parte do que era acessível apenas a alguns privilegiados já está ao alcance dos emergentes. “Hoje é comum, por exemplo, empregada e patroa usarem o mesmo perfume. O exclusivo está cada vez mais democrático”, explica.
Para completar, esse crescimento desproporcional da renda coloca os mais ricos em situação ainda mais desfavorável: diante da inflação de serviços, o dinheiro da classes A e B já não comporta grandes gastos. “Agora para o mais rico adquirir o produto ou serviço ‘exclusivo’, vai precisar desembolsar um dinheiro que não tem”, diz Meirelles. “Os mais ricos têm a sensação de que saíram perdendo.”

Erro de avaliação

Na última semana, no C4 (Congresso de Cartões e Crédito ao Consumidor), a consultoria de pesquisas Data Popular exibiu um vídeo em que apresentava entrevistas de cidadãos comuns – de classes A e B – falando sobre o “incômodo” que a popularização dos serviços provocava no seu dia a dia. ”Incomoda ver como as pessoas entram nos aviões carregando coisas absurdas”, diz uma senhora. “Empresas como a CVC acabaram como a nossa boa vida. Viajar de avião não é mais classe A”, afirmou outro rapaz.
Esse grupo, no entanto, muitas vezes ignora que boa parte desses emergentes de fato já são mais ricos que eles. Meirelles destaca que 44% das pessoas que compõe as classes A e B são os primeiros ricos da família.
“São pessoas com histórico de classe C, com jeito de pensar de classe C, mas que têm renda muitas vezes até maior que o 'rico' que reclama”, diz.“Um dono de padaria ou mercadinho de bairro, por exemplo, fatura R$ 100 mil por mês. O engenheiro ou advogado quase nunca tira tudo isso.”
É no histórico que mora a principal diferença. Enquanto no passado o novo rico costumava esconder sua origem, hoje ele se orgulha de sua trajetória e já não tem mais as classes A e B como referência inconteste.
“Quem acha que a aspiração da classe C é ser classe A está enganado”, afirma Meirelles ressaltando que a lógica social das duas classes são inversas. “Enquanto a classe C trabalha na lógica da inclusão, a elite trabalha na lógica exclusividade. Os mais ricos esperavam que esse novo público os tivesse como exemplo de comportamento, mas isso não aconteceu.”

Do aspiracional para o inspiracional

Há um processo de acomodação em curso. Segundo os prognósticos do Data Popular, na próxima década, as classe A e B vão crescer duas vezes mais que a classe C. Com isso, empresas de todo o País estão em busca de novos modelos de operação, de forma a atender eficientemente os novos clientes.
Nesse novo contexto, as aspirações perdem espaço para as inspirações.
“O indivíduo deixa de usar o consumo para mostrar algo que não é, preferindo ferramentas que o façam uma pessoa melhor”, afirma. Mesmo que já estejam significativamente mais próximas dessa nova realidade, as empresas ainda não entenderam completamente quem é esse novo rico – e seus principais comportamentos de consumo.
Para Meirelles, o perfil do novo rico brasileiro está mais alinhado com o que se vê nos Estados Unidos – onde a pauta central é do consumo e da cultura do espetáculo. Esse formato é oposto ao modelo europeu, por exemplo, que valoriza o capital cultural, social e acadêmico.
Por aqui, Meirelles aposta na terceira via.
“Temos esse traço na nossa cultura, de aproveitar todas as experiências e mostrar um caminho com a nossa cara”, diz. “Vejo dois componentes a mais no nosso contexto: a flexibilidade do brasileiro e a vontade de reduzir os pontos de conflito.”
 
Nossa fonte: Blog INTERAÇÃO