Ao
André, meu filho único em tantos sentidos.
A quarentena em si, o ficar em casa, não tem me
afetado muito. O que vem com ela, sim, suas causas e consequências são tétricas.
A ideia do tolhimento do ir e vir, da nossa liberdade, como povo e como
indivíduo, é suficiente para incomodar. Preciso me concentrar no motivo para me
acalmar e respeitar o isolamento. Assim, acredito que as pessoas que não o
respeitam o fazem por não ter a consciência do seu significado. São ignorantes
da história recente do Planeta. Não sabem o que e como o vírus Covid-19 fez com
os humanos da China, da Itália, por exemplo, pois estou falando do mundo. Se
pudessem – se seu conhecimento permitisse -
comparar os efeitos do vírus e o comportamento dos governantes,
consequentemente, da população de países como EUA com Vietnã, não sairiam de
casa.
Abro
parêntesis: (No Brasil, a grande exceção mundial, o presidente é cruel “a quem
apraz derramar sangue, causar dor; cruento que gosta de fazer o mal,
atormentar, maltratar; impiedoso, duro, implacável, intransigente; insensível”. (Definição segundo Dicionário Eletrônico Houaiss) Os 30% de brasileiros que o seguem são seus semelhantes, embora não
disponham das informações que um chefe de país tem. Esta crueldade é compatível
com interesses espúrios, havendo, inclusive, o aproveitamento da situação - horrenda
para o povo -, visando alcançar alguns objetivos.) Fecho parêntesis.
Concentrando-me, então, nos dados relativos aos EUA e comparando-os aos
do Vietnã, procuro amenizar minha perda temporária de liberdade. Como ela é, já
disse Fernando Sabino, o espaço da felicidade e disto, tenho, em todo meu ser,
certeza, a dificuldade aumenta exponencialmente. Não deixa de ser um desafio. A
primeira ideia que me vem é chamar Dona Pandá.
Ela chega com Bethânia: -Quem me
chamou? Eu estou aqui, o que que há? Então você está à caça da felicidade?
- Nem tanto – respondo – quero amenizar a prisão domiciliar.
- Assim não vai dar. Chamando este lugar lindo, com verde pra todo canto,
desse nome feio, não ajuda amenizar nadinha. Quer saber? A felicidade, precisa
de outras coisas além da liberdade.
- Ah! Então a senhora concorda...
- Eu não sou tão doida a ponto de discordar do mineiro. Você é meio
ignorante em literatura, mas mesmo assim sabe que Sabino era mineiro, não é?
- Não precisa ofender!
- É, fui grosseira. Vamos retornar ao assunto.
- De que outras coisas a felicidade precisa?
- Não é propriamente precisar. Há coisas que são caminhos para...Acabo
de me lembrar de um atalho garantido, o amor. Se alguém se apaixona por outrem,
a felicidade não escapa. Há até a expressão muita usada, aqui, pelas Alterosas:
Feliz que nem bobo quase sempre se refere a alguém apaixonado. Qualquer amor traz
felicidade, pode trazer outras coisas, mas o amor correspondido é tiro certo.
- Esse atalho, no isolamento, ou já existe ou fica para procurar depois
desta quarentena. Pode rir, mas sem ser atalho, pode dar outros caminhos?
Aposto que não conhece.
- Deixa de falar bobagem, menina. Vamos lá. Vou listar algumas coisas
que sei em relação a você, não são muitas, já que você, como todos jovens, muda
de gosto. Não precisa fazer esta cara. Este mudar de gosto é saudável,
significa crescimento. Você tem um gosto musical, hoje, mais requintado do que
há alguns anos.
- Dona Pandá, me desculpe a ousadia, mas a senhora está, de novo, saindo
do assunto.
- Agora você me lembrou uma criança adorável que falava “de ovo”. Está
bem vamos retornar de novo. Continuando no musical, que, neste seu caso, é um
exemplo perfeito: escutar a boa música é um bom caminho. Compor, para você,
ouso dizer que é outro atalho garantido. Criar é uma atividade exigente,
solitária e egoísta. Exige toda sua alma, não aceita pedaços. Se você está
menos que inteiramente, a criação sai medíocre, não satisfaz. Aí é bobagem, não
é caminho.
- Estamos falando de composição, de música?
- E de você. Se estivéssemos falando do meu amigo Roberto, o caminho
seria literatura. Certo? Então, o atalho seguro, aqui, é a criação de música,
da boa música.
- Se não “sair” a boa música?
- Você fará a boa música se se entregar a ela. A exigência dela é total,
ela quer sua alma. Em dando o que ela exige, só sai a boa música. O parâmetro
do que é bom é a satisfação do criador. É claro que estamos falando de você que tem a
arte na alma. É por isto que precisa doá-la sem regatear.
A criação é solitária. É claro que há criações coletivas, mas estamos no
isolamento. Sua inspiração se relaciona com sua vida passada, presente ou
desejada, com seus sentimentos, com tudo onde consegue chegar, mas ninguém anda
por você. A captação é de sua capacidade. Não vivemos isolados, ao contrário
vivemos cercados de um mundo interno e externo que percebemos e que levamos
para nossa criação. Ainda assim, no ato de criar, estamos sós, com tudo que é
nossa captação, com toda nossa vida.
A criação é egoísta. Não aceita
preguiça ou distração. Nada que a divida, que a restrinja.
Esta falação toda é para lhe mostrar que estando no ato de criar, você
não sente a falta da liberdade. A arte é libertária.
- Dona Pandá, e os caminhos? A senhora falou de dois atalhos seguros.
- Você pode, nos intervalos do amor e da música, buscar outros prazeres,
como por exemplo, mexer com a terra, plantar. Dispor da terra já é um caminho
dado. É uma boa hora de planejar uma horta, um pomar. Cuidar dos bichinhos. Na
realidade, são atividades de que você gosta e que já realiza. Acho que o fundamental é manter a cabeça
longe da restrição de não poder ir e vir.
O segredo da vida é buscar ser feliz, inventar lugares para a felicidade
e estar lá.