A mudança de estilo de Dilma e Eduardo Campos
Luis Nassif
Novos lances radicais alteram o jogo eleitoral.
Os candidatos disputam dois universos: o popular e o empresarial (e, por tabela, o da classe média midiática).
Vamos a situação atual.
Dilma Roussef
Em nenhum momento, o governo Dilma Rousseff abandonou as políticas sociais. Pelo contrário, aprofundou-as com o Brasil Sorridente, a manutenção da política de reajustes do salário mínimo e isenções da folha que permitiram a ampliação do mercado de trabalho formal.
Seu problema é a postura política em relação aos movimentos sociais (e não só em relação a eles) e aos sindicatos. Sempre os viu de cima para baixo, ela como um poder concedente, não como uma igual, lembrando muito mais a postura de um Getúlio Vargas do que de um Lula.
Dilma sempre se viu como a defensora dos excluídos, dos setores não organizados – o que é uma característica positiva extraordinária.
Os desassistidos não têm quem os defenda, por vulneráveis são pouco exigentes e, também, extremamente reconhecidos a quem os ajuda.
Já os movimentos organizados são petulantes.
Experimente quebrar lanças em favor de determinado movimento social – ou sindical. Ao final do processo, as lideranças dirão que tudo foi possível devido à sua própria pressão política. Políticos sensíveis à causa jamais concedem; são “obrigados a ceder” graças ao espírito de luta das lideranças do movimento.
É irritante, sim, mas essa petulância é um importante sinal de autoafirmação, daqueles recém chegados ao jogo político. É necessário paciência e maturidade para tratar com eles e acompanha-los em seu processo de amadurecimento, entender e aceitar o jogo político das lideranças.
Dilma não parece ter paciência para esse jogo.
Esse é o busílis da questão, o ponto central de desgaste do estilo Dilma em relação a quase todos os setores organizados da sociedade, de movimentos sociais a empresariais.
No atual estágio de desenvolvimento social brasileiro, há pouco espaço para o estilo concedente de Getúlio. O governante tem que se comportar como o líder articulando forças, tratando as lideranças da sociedade como iguais, sem impor soluções.
Em seu período de governo, Dilma procurou a aliança com os chamados setores produtivos da economia, geradores de emprego e desenvolvimento. Mesmo com todas as políticas em relação ao setor, com a ampliação do crédito público, das compras governamentais, das isenções tributárias, Dilma perdeu a batalha tanto junto ao mercado financeiro como ao empresarial em geral– devido ao seu estilo centralizador.
Com seu discurso de ontem, jogou a toalha em relação à conquista do público empresarial e passou a apostar as fichas nos segmentos populares.
Mas atuou com o mesmo estilo com que contemplou setores industriais: do alto do seu poder de presidente, concedeu aos trabalhadores e miseráveis a correção da tabela do Imposto de Renda, o reajuste do Bolsa Família e a manutenção da política de reajustes do salario mínimo. E tudo isso acompanhado de mudanças radicais na retórica.
Essas mudanças de retórica exigem uma estratégia cautelosa de transição que não foi seguida, para não passar a ideia de oportunismo em um momento crítico da sua candidatura
O discurso tem a vantagem de mostrar que Dilma não está inerte. Rompido o imobilismo, é possível que corrija as vulnerabilidades centrais, a teimosia encruada. Mas, para isso, terá que avançar muito além da retórica e cortar na própria carne –na parte central de seu temperamento e estilo de governar.
A reconstrução da credibilidade passa por mudanças ministeriais, para um Ministério de primeira grandeza, por mudanças no estilo autocrático de gestão, pela criação de instâncias de participação da sociedade dotadas de capacidade efetiva de influir em políticas públicas. E pela capacidade de tratar a chamada sociedade civil organizada – de movimentos sociais a empresariais – como um igual.
Eduardo Campos
Já Eduardo Campos está preso a dilemas complexos.
Sua estratégia inicial era se apresentar como um continuador melhorado do governo Lula. Para ganhar massa eleitoral, no entanto, teve que juntar seus ideólogos nacionalistas aos formuladores mercadistas e antidesenvolvimentistas de Marina Silva.
O discurso popular ficou comprometido e ele passou a dedicar todos os esforços para conquistar o público empresarial.
Não avançou muito. A esta altura, parece claro que os grupos de mídia e os maiores grupos empresariais paulistas fecharam com Aécio Neves.
Campos tem o apoio da ala influente, mas restrita, ligada ao Banco Itaú, e dos apreciadores de seu estilo de gestão, nada muito além disso. Sua última cartada será a mudança física para São Paulo, para um corpo a corpo com o mundo empresarial.
Para conquistar espaço junto a esse público, cometeu a impropriedade, ontem, de prometer uma meta de inflação de 3%, que, se fosse viabilizada, jogaria o país em uma recessão considerável e acabaria com a conquista do pleno emprego.
Foi uma mudança de retórica tão radical quanto a de Dilma. E, por radical, deverá provocar mais desconfianças do que adesões.
Aécio Neves
Conseguiu fechar acordo com a mídia. Tem apoio do mercado financeiro, dos grupos empresariais paulistas e conseguiu a adesão do ainda influente grupo de financistas de Fernando Henrique Cardoso.
Isolou José Serra trazendo para sua campanha alguns dos principais serristas, como Aloysio Nunes, Alberto Goldmann e o inacreditável Andréa Matarazzo – para cuidar das finanças (!).
Serra tentou uma rabeira no bonde através de balão de ensaio empinado pela colunista Sonia Racy – de que FHC estaria bancando sua candidatura para vice de Aécio. É mais fácil a torcida do Atlético torcer para o Cruzeiro do que consumar-se essa dobradinha.
Nos próximos meses, os grupos de mídia concederão a Aécio algo que sempre foi sonegado quando era adversário de Serra: visibilidade para o modelo mineiro de gestão.
Em 2010, os jornais preferiam falar dos problemas de contabilização de gastos de saúde do que nos avanços ocorridos em alguns setores. Hoje em dia, tecem loas aos avanços na educação.
Aécio terá que enfrentar desafios muito maiores.
Não dispõe de nenhuma proposta efetivamente popular e de nenhum plano para o futuro. Mostra o futuro acenando com o passado do governo Fernando Henrique Cardoso.
No plano econômico, limita-se ao financismo estéril da política monetária – que, em qualquer plano de governo, deveria ser apenas um apêndice, não o ponto central.
Na sua luta com Campos – para passar para o segundo turno – irá aprofundar os ataques a Dilma e a levantar a bandeira do moralismo, auxiliado pela onda denuncista dos grupos de mídia.
Serão as eleições mais vazias de ideias das últimas décadas.
Não haverá nem o tempero de José Serra. Com Serra na parada, pelo menos havia uma bandeira civilizatória em jogo: a soma das mentes democráticas contra aquele que passou a simbolizar as forças mais obscurantistas, totalitárias e inescrupulosas do país.
O nebuloso 2015
Os próximos anos não serão de bonança. Não há mais espaço fiscal para benesses, há o aprofundamento dos déficits externos e a necessidade de corrigir preços represados.
Mais que isso. Por obra dos grupos de mídia, mas muito como consequência dos tempos atuais, se aprofundará o descrédito nas instituições e a sensação de que tudo é corrupção.
Os três candidatos inspiram muito mais desconfianças do que certezas na maneira de administrar esse novo cenário.
No caso de Dilma, há o desafio de recuperação da credibilidade perdida junto aos agentes econômicos, que certamente piorou com o discurso de ontem. Ganham-se eleições sem seu apoio; mas dificilmente se governa com a credibilidade baixa junto a eles.
Os desafios de Aécio e Campos são maiores.
Ambos conseguiram montar alianças políticas e impor-se em seus respectivos estados em cima de acordos de cúpula. Praticamente liquidaram com a oposição, enquadraram as respectivas Assembleias Legislativas e a mídia estadual.
Governar um estado – mesmo um estado complexo como São Paulo – é tarefa facílima para um governador. Até Geraldo Alckmin consegue.
Já o jogo político nacional é muitíssimo mais complexo.
A eleição de qualquer um deles significaria um pesado desafio de montagem das novas alianças, de preenchimento dos cargos na máquina pública e, principalmente, de administração política dos conflitos sociais. E, qualquer um que seja eleito, terá de carregar o pesadíssimo fardo da subordinação ao poder reconstituído dos grupos de mídia em um momento em que as redes sociais atrapalharão o atendimento das demandas midiáticas e de aliados.
Aécio acumulou mais experiência nacional com a presidência da Câmara e do PSDB, mas restrita aos acordos de cúpula. Campos restringiu-se ao nordeste.
Lula, com mais facilidade, Dilma com menos, conseguiram estabelecer diálogos com movimentos sociais e permitiram avanços em várias áreas ligadas à inclusão. A panela de pressão não explodiu – inclusive porque as condições da economia facilitaram.
Seja qual for o resultado das eleições, 2015 será ano de muitas emoções.
Até agora, nenhum dos três candidatos conseguiu construir sua utopia para apresentar em forma de plano de governo.
Luis Nassif
Novos lances radicais alteram o jogo eleitoral.
Os candidatos disputam dois universos: o popular e o empresarial (e, por tabela, o da classe média midiática).
Vamos a situação atual.
Dilma Roussef
Em nenhum momento, o governo Dilma Rousseff abandonou as políticas sociais. Pelo contrário, aprofundou-as com o Brasil Sorridente, a manutenção da política de reajustes do salário mínimo e isenções da folha que permitiram a ampliação do mercado de trabalho formal.
Seu problema é a postura política em relação aos movimentos sociais (e não só em relação a eles) e aos sindicatos. Sempre os viu de cima para baixo, ela como um poder concedente, não como uma igual, lembrando muito mais a postura de um Getúlio Vargas do que de um Lula.
Dilma sempre se viu como a defensora dos excluídos, dos setores não organizados – o que é uma característica positiva extraordinária.
Os desassistidos não têm quem os defenda, por vulneráveis são pouco exigentes e, também, extremamente reconhecidos a quem os ajuda.
Já os movimentos organizados são petulantes.
Experimente quebrar lanças em favor de determinado movimento social – ou sindical. Ao final do processo, as lideranças dirão que tudo foi possível devido à sua própria pressão política. Políticos sensíveis à causa jamais concedem; são “obrigados a ceder” graças ao espírito de luta das lideranças do movimento.
É irritante, sim, mas essa petulância é um importante sinal de autoafirmação, daqueles recém chegados ao jogo político. É necessário paciência e maturidade para tratar com eles e acompanha-los em seu processo de amadurecimento, entender e aceitar o jogo político das lideranças.
Dilma não parece ter paciência para esse jogo.
Esse é o busílis da questão, o ponto central de desgaste do estilo Dilma em relação a quase todos os setores organizados da sociedade, de movimentos sociais a empresariais.
No atual estágio de desenvolvimento social brasileiro, há pouco espaço para o estilo concedente de Getúlio. O governante tem que se comportar como o líder articulando forças, tratando as lideranças da sociedade como iguais, sem impor soluções.
Em seu período de governo, Dilma procurou a aliança com os chamados setores produtivos da economia, geradores de emprego e desenvolvimento. Mesmo com todas as políticas em relação ao setor, com a ampliação do crédito público, das compras governamentais, das isenções tributárias, Dilma perdeu a batalha tanto junto ao mercado financeiro como ao empresarial em geral– devido ao seu estilo centralizador.
Com seu discurso de ontem, jogou a toalha em relação à conquista do público empresarial e passou a apostar as fichas nos segmentos populares.
Mas atuou com o mesmo estilo com que contemplou setores industriais: do alto do seu poder de presidente, concedeu aos trabalhadores e miseráveis a correção da tabela do Imposto de Renda, o reajuste do Bolsa Família e a manutenção da política de reajustes do salario mínimo. E tudo isso acompanhado de mudanças radicais na retórica.
Essas mudanças de retórica exigem uma estratégia cautelosa de transição que não foi seguida, para não passar a ideia de oportunismo em um momento crítico da sua candidatura
O discurso tem a vantagem de mostrar que Dilma não está inerte. Rompido o imobilismo, é possível que corrija as vulnerabilidades centrais, a teimosia encruada. Mas, para isso, terá que avançar muito além da retórica e cortar na própria carne –na parte central de seu temperamento e estilo de governar.
A reconstrução da credibilidade passa por mudanças ministeriais, para um Ministério de primeira grandeza, por mudanças no estilo autocrático de gestão, pela criação de instâncias de participação da sociedade dotadas de capacidade efetiva de influir em políticas públicas. E pela capacidade de tratar a chamada sociedade civil organizada – de movimentos sociais a empresariais – como um igual.
Eduardo Campos
Já Eduardo Campos está preso a dilemas complexos.
Sua estratégia inicial era se apresentar como um continuador melhorado do governo Lula. Para ganhar massa eleitoral, no entanto, teve que juntar seus ideólogos nacionalistas aos formuladores mercadistas e antidesenvolvimentistas de Marina Silva.
O discurso popular ficou comprometido e ele passou a dedicar todos os esforços para conquistar o público empresarial.
Não avançou muito. A esta altura, parece claro que os grupos de mídia e os maiores grupos empresariais paulistas fecharam com Aécio Neves.
Campos tem o apoio da ala influente, mas restrita, ligada ao Banco Itaú, e dos apreciadores de seu estilo de gestão, nada muito além disso. Sua última cartada será a mudança física para São Paulo, para um corpo a corpo com o mundo empresarial.
Para conquistar espaço junto a esse público, cometeu a impropriedade, ontem, de prometer uma meta de inflação de 3%, que, se fosse viabilizada, jogaria o país em uma recessão considerável e acabaria com a conquista do pleno emprego.
Foi uma mudança de retórica tão radical quanto a de Dilma. E, por radical, deverá provocar mais desconfianças do que adesões.
Aécio Neves
Conseguiu fechar acordo com a mídia. Tem apoio do mercado financeiro, dos grupos empresariais paulistas e conseguiu a adesão do ainda influente grupo de financistas de Fernando Henrique Cardoso.
Isolou José Serra trazendo para sua campanha alguns dos principais serristas, como Aloysio Nunes, Alberto Goldmann e o inacreditável Andréa Matarazzo – para cuidar das finanças (!).
Serra tentou uma rabeira no bonde através de balão de ensaio empinado pela colunista Sonia Racy – de que FHC estaria bancando sua candidatura para vice de Aécio. É mais fácil a torcida do Atlético torcer para o Cruzeiro do que consumar-se essa dobradinha.
Nos próximos meses, os grupos de mídia concederão a Aécio algo que sempre foi sonegado quando era adversário de Serra: visibilidade para o modelo mineiro de gestão.
Em 2010, os jornais preferiam falar dos problemas de contabilização de gastos de saúde do que nos avanços ocorridos em alguns setores. Hoje em dia, tecem loas aos avanços na educação.
Aécio terá que enfrentar desafios muito maiores.
Não dispõe de nenhuma proposta efetivamente popular e de nenhum plano para o futuro. Mostra o futuro acenando com o passado do governo Fernando Henrique Cardoso.
No plano econômico, limita-se ao financismo estéril da política monetária – que, em qualquer plano de governo, deveria ser apenas um apêndice, não o ponto central.
Na sua luta com Campos – para passar para o segundo turno – irá aprofundar os ataques a Dilma e a levantar a bandeira do moralismo, auxiliado pela onda denuncista dos grupos de mídia.
Serão as eleições mais vazias de ideias das últimas décadas.
Não haverá nem o tempero de José Serra. Com Serra na parada, pelo menos havia uma bandeira civilizatória em jogo: a soma das mentes democráticas contra aquele que passou a simbolizar as forças mais obscurantistas, totalitárias e inescrupulosas do país.
O nebuloso 2015
Os próximos anos não serão de bonança. Não há mais espaço fiscal para benesses, há o aprofundamento dos déficits externos e a necessidade de corrigir preços represados.
Mais que isso. Por obra dos grupos de mídia, mas muito como consequência dos tempos atuais, se aprofundará o descrédito nas instituições e a sensação de que tudo é corrupção.
Os três candidatos inspiram muito mais desconfianças do que certezas na maneira de administrar esse novo cenário.
No caso de Dilma, há o desafio de recuperação da credibilidade perdida junto aos agentes econômicos, que certamente piorou com o discurso de ontem. Ganham-se eleições sem seu apoio; mas dificilmente se governa com a credibilidade baixa junto a eles.
Os desafios de Aécio e Campos são maiores.
Ambos conseguiram montar alianças políticas e impor-se em seus respectivos estados em cima de acordos de cúpula. Praticamente liquidaram com a oposição, enquadraram as respectivas Assembleias Legislativas e a mídia estadual.
Governar um estado – mesmo um estado complexo como São Paulo – é tarefa facílima para um governador. Até Geraldo Alckmin consegue.
Já o jogo político nacional é muitíssimo mais complexo.
A eleição de qualquer um deles significaria um pesado desafio de montagem das novas alianças, de preenchimento dos cargos na máquina pública e, principalmente, de administração política dos conflitos sociais. E, qualquer um que seja eleito, terá de carregar o pesadíssimo fardo da subordinação ao poder reconstituído dos grupos de mídia em um momento em que as redes sociais atrapalharão o atendimento das demandas midiáticas e de aliados.
Aécio acumulou mais experiência nacional com a presidência da Câmara e do PSDB, mas restrita aos acordos de cúpula. Campos restringiu-se ao nordeste.
Lula, com mais facilidade, Dilma com menos, conseguiram estabelecer diálogos com movimentos sociais e permitiram avanços em várias áreas ligadas à inclusão. A panela de pressão não explodiu – inclusive porque as condições da economia facilitaram.
Seja qual for o resultado das eleições, 2015 será ano de muitas emoções.
Até agora, nenhum dos três candidatos conseguiu construir sua utopia para apresentar em forma de plano de governo.
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