Ilda e Ramon - Sussurros de Liberdade

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segunda-feira, 21 de julho de 2014

O banco dos Brics colocou o Nordeste na geopolítica mundial, mas ninguém notou

por : Jura Passos



Emergentes em ação
Num primeiro momento, os jornais brasileiros tentaram ignorar a criação do Banco dos Brics.

Depois tentaram transformá-lo num bric-a-brac – um brechó. Reduziram a quinquilharias o acordo multilateral reunindo o Brasil, a Russia, a China, a Índia e a África do Sul – que sozinhos poderão abrigar, nos próximos dez anos, segundo dados da revista Exame, 1,8 bilhão de consumidores com renda superior a três mil dólares anuais, entre os quais 200 milhões com ganhos acima de 15 mil dólares.

Perderam uma excelente chance de falar mal da presidente Dilma com argumentos mais qualificados. Poderiam dizer, por exemplo, que esse dinheiro seria melhor empregado reduzindo a dívida pública e, portanto, a taxa de juros. Que ele poderia financiar projetos de infraestrutura de que o país tanto necessita. Que poderia pagar salários capazes de fazer os doutores dos Jardins de São Paulo e da Zona Sul carioca trocarem seus consultórios milionários por postos de saúde no Capão Redondo e na Baixada Fluminense.

Mas não, preferiram insinuar que o banco, com capital inicial de 100 bilhões de dólares divididos em partes iguais entre os cinco sócios, será dirigido pela Índia, a sede será na China e o Brasil só ficou com a presidência do conselho de administração.

Os cargos são rotativos…

Todo esse desdém acabou omitindo a cidade que sediou a fundação do banco, poucos dias após sediar alguns dos melhores momentos da Copa e a melhor exibição da seleção brasileira, contra a Colômbia.

Fortaleza!

A Declaração de Fortaleza, da VI Reunião de Cúpula dos Brics, começa assim:

“Nós, os líderes da República Federativa do Brasil, da Federação Russa, da República da Índia, da República Popular da China e da República da África do Sul, reunimo-nos em Fortaleza, Brasil, em 15 de julho de 2014 na VI Cúpula do BRICS.”

A notícia mais surpreendente que a nossa imprensa não deu não foi a fundação, a conveniência, a necessidade ou a importância do banco, uma espécie de BNDES+FMI intercontinental dos emergentes.

Tudo isso eles viram, mas calaram.

O que ninguém quis ver é que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento colocou o nordeste brasileiro na geopolítica mundial, enquanto São Paulo seca.

A declaração de Fortaleza faz críticas às promessas não cumpridas de mudanças no FMI, do qual os Brics também são sócios. A presidente do FMI Christiane Lagarde, no entanto, saudou a criação do Novo Banco.

Depois de assistir a final da Copa entre Alemanha e Argentina no Maracanã, o presidente russo Vladimir Putin seguiu para a Cúpula de Fortaleza. De lá, voou de volta para Moscou.

No caminho o avião de Putin cruzou, perto de Varsóvia, com um atraso de 37 minutos, a rota do Boeing da Malaysian Airlines que pode ter sido abatido por um míssil sobre a Ucrânia.

De acordo com o Guardian, assim que desembarcou em Moscou, proveniente da reunião dos brics no Brasil, Putin ligou imediatamente para informar Obama sobre o incidente.

Como na criação do banco dos Brics, não faltaram especulações: o avião visado no atentado seria o de Putin, não o malaio. Ainda que Varsóvia seja a capital da Polônia e esteja muito longe do leste da Ucrânia, onde o Boeing da Malaysian caiu.


Se quisermos continuar especulando, Fortaleza poderia entrar para a geopolítica mundial não como Sarajevo – onde o assassinato do príncipe Ferdinando teria provocado a primeira guerra mundial – mas como ponto de partida da terceira.

Como nada disso aconteceu, o Ceará estreou muito bem na geopolítica mundial. E chega de especulações.

Sobre o Autor: Jura Passos é jornalista especializado em comunicação do setor público, por enquanto. Foi corretor de imóveis, professor de matemática, fotógrafo, cozinheiro e físico, tendo fracassado em tudo isso. É um eterno aprendiz de capoeira e maracatu e adora viajar de bicicleta por ai, menos em São Paulo

Para a Vivo funcionar só na Justiça!

Peço aos queridos leitores que desculpem a ausência de novas postagens. a culpa total é da incompetência, desleixo, falta de respeito pelos usuários da concessionário de serviços públicos, Vivo. Não tenho alternativa, pois é a única prestadora de telefonia e internet na minha área. Embora eu já tenha feito tudo que está ao alcance dos usuários - reclamações ao PROCON,à ANATEL,e à Ouvidoria da concessionária - nenhum desses órgãos foi capaz de fazer a concessionária de serviços públicos fornecer os serviços para os quais o Estado Brasileiro lhe concedeu o direito. A tal concessionária só é capaz de cobrar pelos serviços, mas não de fornecê-los com o mínimo de qualidade.

No momento, para eu poder publicar esta explicação, estou numa lan house. Entrei na Justiça pedindo uma liminar. A audiência foi marcada para setembro. Assim, tenho a esperança de voltar a publicar normalmente as postagens neste Libertas QUANDO SETEMBRO CHEGAR.
Agradeço a compreensão e até sembro ou a qualquer tempo sendo possível em uma lan house. Obrigada.

Manipulação da informação nacional e internacional

Colunista chama a atenção para a manipulação dos noticiários pela grande imprensa

Por Mário Augusto Jakobskind, do Rio de Janeiro





Curiosamente, menos de 24 horas depois da derrota acachapante do Brasil de 7 a 1 contra a Alemanha, o jornal O Globo dava o ar de sua graça de manipulação da informação nas páginas de economia. E por incrível que pareça, o mais vendido jornal do Rio de Janeiro editava a seguinte matéria com título revelador: “Derrota do Brasil faz Bolsa de SP ter alta de 1,79%%”. Em seguida o complemento “para investidores estrangeiros, resultado vai dificultar reeleição de Dilma”. A Copa do Mundo chegou ao fim, mas as discussões futebolísticas continuam. Como estamos entrando agora na etapa da campanha eleitoral, não custa nada lembrar um fato jornalístico que dá bem a ideia de como serão as próximas semanas e meses até 5 de outubro próximo.

E a manipulação veio ainda acrescida da “informação” sobre aumento de ações da Petrobras e que “a continuidade dessa elevação vai depender dos efeitos nas ruas, em protestos, por exemplo, segundo opinião de uma analista do grupo mexicano GBM”.

Realmente, é o tipo da informação (melhor seria mesmo entre aspas) com o visível intuito de investir contra uma das candidaturas, A elevação da cotação das ações na Bolsa de SP geralmente acontece quando sobe a Bolsa de Nova York. Quando baixa ocorre o mesmo por estas bandas. Mas para as Organizações Globo, a cotação para mais ou para menos depende agora de outros fatores, inclusive eventuais manifestações de rua, que em algum momento a mídia conservadora tentou pautar.

Como O Globo e demais veículos das Organizações com o mesmo nome distorce a informação porque, mesmo sem colocar em seus editoriais, apoia visivelmente uma das candidaturas, exatamente a que mais promessas faz de agrado ao mercado. Não é difícil saber de quem se trata.

Por estas e muitas outras, jornais, rádios e telejornais, na medida em que se aproxima a eleição, o Brasil vem sendo apresentado com um país à beira de uma crise sem precedentes. É óbvio que a mídia conservadora cria um clima nesta antevéspera de eleição para levar o eleitor a se posicionar de acordo com os interesses do mercado.

Como se não bastasse essa investida na área econômica do jornal, a Rede Globo tem noticiado o agravamento da situação no Oriente Médio, visivelmente a partir e a favor de um dos lados, no caso de Israel. Diretamente de uma cidade israelense, a TV Globo mostrava o aparecimento de alguns foguetes lançados sobre território israelense e junto a isso apresentava a movimentação de gente se dirigindo para os abrigos antiaéreos. Flagrantemente dava entender que a agressão partia do Hamas e minimizava os bombardeios que atingiam a população civil com a morte de mais de 200 palestinos, nele incluídos mulheres e crianças.

Um conflito desproporcional, bastando para tanto contabilizar o número de vítimas dos dois lados. Em poucos dias, mais de 200 palestinos morreram e 500 deles ficaram feridos. Já do lado de Israel morreram até agora duas pessoas e uns 15 ficaram feridos. É o resultado concreto de armamentos de última geração por parte de Israel com foguetes quase artesanais do Hamas.

O governo de Israel simplesmente repete o que já tinha feito em outras ocasiões na mesma Faixa de Gaza. Chefiado pelo troglodita político, o Primeiro-Ministro Benyamin Netanyahu, tendo como integrante do governo o não menos troglodita Ministro do Exterior, Avigdor Lieberman, o mesmo que há tempos fez pronunciamentos racistas contra os árabes, a situação na área se agrava e na última quinta-feira se anunciava o início de uma operação terrestre.

Mas a Rede Globo acionou seu correspondente em Israel para colher a versão dos militares do país que ocupa territórios palestinos. Um visível esquema para culpar apenas um dos lados, no caso o Hamas.

No mais, a mesma direita que receia as transformações que acontecem na América Latina, não se conforma com o fortalecimento da unidade dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com o Banco de Desenvolvimento.

A raiva aumenta quando os Brics se reúnem no Brasil com os países integrantes da Unasul (União das Nações Sul Americanas) e a Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe_) se faz presente em Brasília.

Não é à toa que, sem bandeiras, parlamentares do PSDB e Dem investem contra o governo brasileiro por hospedar o Presidente cubano Raul Castro na Granja do Torto.

Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil); preside a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI – seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla (no prelo).

Direto da Redação é editado pelo jornalista Rui Martins com o apoio do Correio do Brasil.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Conversas com Escritores Mortos: Dickens ‘fala’ sobre reis ingleses


Camila Nogueira

A colunista Camila Nogueira de vez em quando nos surpreende com conversas extraordinárias. De um lado, ela mesma. De outro, algum grande escritor — morto. Os diálogos de Camila se valem em parte dela mesma, com suas perguntas agudas, e em parte dos “entrevistados” — de cujas obras ela extrai as respostas.
No presente caso, Camila conversa com Charles Dickens sobre dois reis ingleses que ele perfilou em sua História da Inglaterra para Crianças.
Katharine Hepburn e Peter O'Toole nos papeis de Eleanor da Aquitânia e Henrique II no filme "O Leão no Inverno"
Katharine Hepburn e Peter O’Toole nos papeis de Eleanor da Aquitânia e Henrique II no filme “O Leão no Inverno”

A história de Henrique II e de sua amizade/ inimizade com Thomas Becket é interessantíssima, mas considero que a narrativa mais interessante de seu reinado seja a do relacionamento do rei com os filhos, suas “pequenas águias”. Charlie, você a contaria para nós?

Pretendo resumi-la em umas poucas palavras, para depois explicá-la mais profundamente. Havia um belo aposento no castelo de Winchester, adornado com cenas alegóricas e coloridas que representavam a vida do rei. Algum tempo depois, ele ordenou que fosse retratada uma grande águia, no centro, rodeada por quatro pequenas águias. Enquanto três delas atacavam a maior, a quarta águia a fitava atentamente. Consta que o rei comentou: “As quatro pequenas águias são os meus quatro filhos, que irão perseguir-me até eu morrer. A menor delas, que eu amo ternamente, é quem irá me ferir, e mais gravemente. Está esperando pelo momento de arrancar-me os olhos com o bico”.

Belo começo. E então?

Henrique II tinha quatro filhos. Henrique, o mais velho, tinha agora dezoito anos. Sua coroação, enquanto o pai ainda vivia, havia sido contestada por Thomas Becket, que provou-se correto em suas suposições. Ricardo tinha dezesseis anos, Geofredo quinze e João, seu favorito, era um garotinho apelidado pela corte de “João sem Terra”, porque não teria qualquer herança, mas a quem o rei pretendia ceder o domínio da Irlanda.

Como assim, “Thomas Becket provou-se correto em suas suposições”?

Becket havia sido contra a coroação do jovem Henrique, afirmando categoricamente que era imprudente anunciar um novo rei durante o reinado do antigo. E ele, infelizmente, estava certo, pois foi o jovem príncipe Henrique, estimulado pelo rei da França e por sua mãe, Eleanor da Aquitânia, quem iniciou a história desonrada que irei contar.

Hmmm…

Primeiro, Henrique demandou que sua jovem esposa, Marguerite, filha do rei da França, fosse coroada com ele. Seu pai consentiu, e isso foi feito. Pouco depois, exigiu tomar posse de uma parte dos domínios do pai, durante a vida do mesmo. Quando isso lhe foi recusado, Henrique deixou a propriedade paterna, com o coração repleto de amargura e ressentimento, e refugiou-se na coerte francesa. Um ou dois dias depois, seus irmãos Ricardo e Geofredo também partiram. Eleanor tentou fazer o mesmo, mas foi descoberta pelos homens de Henrique II e aprisionada, merecidamente, por dezesseis anos.

Hmmm…

Esse foi o início de uma guerra entre o pai e os filhos. O rei Henrique II defendeu seus domínios com unhas e dentes e seus exércitos derrotaram os de seus filhos. Os conspiradores, então, propuseram a paz, e Henrique e Geofredo apresentaram seus pedidos de desculpas. O rei os perdoou prontamente.

E Ricardo?

Ricardo resistiu por seis semanas; mas, derrotado, também se entregou, e também foi perdoado pelo pai.

As guerras cessaram?

De modo algum. Perdoar esses príncipes indignos era sinônimo de dar-lhes mais tempo para organizar uma nova conspiração. É com pesar que declaro que os príncipes ingleses eram tão dissimulados, desleais e desonrados que o rei não deveria ter confiado neles mais do que confiaria em qualquer criminoso preso nas galés.

Então, imagino que o rei tenha sido atacado novamente por suas pequenas águias.

No ano seguinte, o príncipe Henrique se rebelou novamente, e seu pai o perdoou mais uma vez. Oito anos mais tarde, o príncipe Ricardo rebelou-se contra o irmão mais velho, e foi então que o príncipe Geofredo declarou, de modo infame, que os irmãos jamais concordariam em qualquer coisa, a não ser quando se uniam contra o pai. Um ano se passou desde o perdão mais recente e o príncipe Henrique se rebelou mais uma vez – e foi perdoado mais uma vez, como de costume, após jurar que estava sinceramente arrependido. Não o suficiente, receio, para deixar de se rebelar uma outra vez, ao lado de Geofredo.

O príncipe Henrique nunca chegou a reinar na Inglaterra, não é mesmo?

Não, porque o fim desse príncipe pérfido estava chegando. Ele adoeceu em uma cidade francesa; sua consciência o reprovava terrivelmente, então pediu que mensageiros chamassem seu pai, implorando que este fosse encontrá-lo e que o perdoasse uma última vez em seu leito de morte. O generoso rei, que sempre foi extremamente nobre e clemente em relação aos filhos amados, teria partido para vê-lo; mas levando em consideração que já havia sido enganado pelos filhos outras vezes, e que esse pedido era anormal à sua natureza perversa, os conselheiros reais suspeitaram de traição e afirmaram que o rei não poderia arriscar sua vida para satisfazer o último desejo de um traidor, ainda que o traidor em questão fosse seu filho mais velho.

Acho que ninguém teria ido.

O rei não foi ao encontro do primogênito, mas mandou um anel que sempre mantinha consigo como símbolo de perdão. E então, o príncipe Henrique, jovem de beleza lendária, charme juvenil, olhos azuis brilhantes e cabelos meio dourados meio ruivos que marcaram a famosa dinastia Plantageneta, morreu miseravelmente. Ao receber o anel, o príncipe rompeu em lágrimas, confessando àqueles que rodeavam sua cama de como havia sido um filho cruel e desleal. Disse aos padres: “Tirem-me dessa cama e deitem-me nas cinzas, para que eu possa morrer em suplício, rezando para que Deus me perdoe”. Assim morreu o príncipe Henrique, aos vinte e sete anos.

E seus irmãos?

Três anos mais tarde, o príncipe Geofredo morreu em um torneio, esmagado por um cavalo. Sobraram os príncipes Ricardo e João. O último já era um jovenzinho, e havia jurado solenemente manter-se fiel ao pai.

Ricardo rebelou-se novamente, como já era de se imaginar?

Sim, encorajado por seu amigo e rei francês, Filipe II. Foi rendido, e o pai o perdoou mais uma vez, após Ricardo jurar sobre o Novo Testamento que jamais se rebelaria novamente; passado um ano, voltou-se contra Henrique II; e, na presença deste, ajoelhou-se perante o rei da França e declarou que, com sua ajuda, ele tomaria todos os bens franceses do rei da Inglaterra.

Qual foi a reação do rei diante de tal infidelidade?

Henrique II estava adoentado, fatigado pela falsidade de seus filhos e pela humilhação atroz a qual Ricardo o expôs. O rei infeliz, que até então se manteve firme, deu início ao seu declínio. Quando seus nobres o desertaram, um por um, o angustiado rei, com o coração partido, consentiu em estabelecer a paz, mas um sofrimento final estava reservado para ele. Levaram-lhe a proposta do tratado de paz, e também lhe passaram a lista deles que o desertaram – que, de acordo com o tratado, deveriam ser perdoados. O primeiro nome na lista era o príncipe João, seu filho favorito. “Meu amado filho”, exclamou o rei, agonizando, “João, aquele que mais amei! João, por quem suportei todas essas desgraças! Ele também me traiu”. Infeliz e desesperado, disse: “Agora, seja o que Deus quiser. Nada mais me interessa!” Pouco depois, expirou.

E foi este o início do reinado de Ricardo Coração de Leão. Não foi um ato muito honrado, para um rei que afirmava defender a vontade de Cristo partindo para as Cruzadas, trair o pai após jurar fidelidade diante do Novo Testamento.

Anos depois, lisonjeando-se, o então rei Ricardo I afirmou ter o coração de um leão. No entanto, penso eu, seria melhor que tivesse um coração humano. O seu coração, do que quer que tenha sido feito, foi sombrio, gelado e desleal, o levou a ferir um pai que o amava e carecia, mais do que o coração de qualquer fera do bosque, de um único toque de ternura e humanidade.


Sobre a Autora: Camila Nogueira, nossa correspondente de literatura, tem a impressionante capacidade de ler romances de 600 páginas em dois dias -- e depois citar frases inteiras da obra. Com apenas 16 anos, ela já leu as obras completas dos maiores mestres da literatura - como Balzac, Dumas, Fitzgerald e Dickens.
Nossa fonte: DCM

Uma democracia que se volta contra o povo


Por Leonardo Boff - do Rio de Janeiro




Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais conservadores se levantou contra a Política Nacional de Participação

Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social.

Apenas procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do século pássado, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo. O Decreto reconhece esta realidade e a estimula para que enriqueça o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo que é a democracia participativa. Esta não tem poder de decisão apenas de consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e nacionais.

Portanto, aqueles analistas que afirmam, ao arrepio do texto do Decreto, que a presença dos movimentos sociais tiram o poder de decisão do governo, do parlamento e do poder público laboram em erro ou acusam de má fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.

Valho-me das palavras de um sociólogo e pedagogo da Universidade de Brasília, Pedro Demo, que considero uma das mentes mais brilhantes e menos aproveitadas de nosso país. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz enfaticamene:”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Políitico (com raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima…Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”(p.330.333). Não faz uma caricatura de nossa democracia mas uma descrição real daquilo que ela sempre foi em nossa história. Em grande parte possui o caráter de uma farsa,. Hoje chegou, em alguns aspectos, a níveis de escárnio.

Mas ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelos centenas de movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Por força da verdade, importa reconhecer, que, entre acertos e erros, ele ganhou outra configuração a partir do momento em que outro sujeito histórico, vindo da grande tribulação, chegou à Presidência da República. Agora esses atores sociais querem completar esta obra de magnitude histórica com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto – democracia sem fim – no dizer do sociólogo português Boaventura de Souza Santos.

Quem conhece a vasta obra de Norberto Bobbio um dos maiores teóricos da democracia no século XX, sabe das infindas discussões que cercam este tema, desde do tempo dos gregos que, por primeiro, a formularam. Mas deixando de lado este exitante debate, podemos afirmar que o ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia como querem os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política: realizar o bem comum através da vontade geral que se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada. Dito de outra forma: é criar as condições para o desenvolvimento integral das capacidades essenciais de todos os membros da sociedade.

Isso no pensar de Bobbio – simplificando uma complexa discussão – se viabiliza através da democracia formal e da democracia substancial. A formal se constitui por um conjunto de regras, comportamentos e procedimentos para chegar a decisões políticas por parte do governo e dos representantes eleitos. Como se depreende, estabelecem-se regras como alcançar a decisões políticas mas não define o que decidir. É aqui que entra a democracia substancial. Ela determina certos conjuntos de fins, principalmente o pressuposto de toda a democracia: a igualdade de todos perante a lei, a busca comum do bem comum, a justiça social, o combate aos privilégios e a todo tipo de corrupção e não em último lugar a preservação das bases ecológicas que sustentam a vida sobre a Terra e o futuro da civilização humana.

Os movimentos sociais e a sociedade organizada, podem contribuir poderosamente para essa democracia substancial. Especialmente agora que devido à gravidade da situação global do sistema-vida e do sistema-Terra se busca de um caminho melhor para o Brasil e para o mundo. Com sua ciência de experiências feita, com as formas de sobrevivência que desenvolveram em 500 anos de marginalização,com suas tecnologias sociais e com seus inventos, com suas formas próprias de produzir, distribuir e consumir, em fim, tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de Brasil no qual tudos possam caber, a natureza inteira incluída.

Uma democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social, tão irrefutavelmente explicada em entrevista na TV e em O Gl0bo (16 de junho de 2014) pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência Gilberto Carvalho.

Leonardo Boff, é teólogo e escritor.
Nossa fonte: CdB

Espanhois ‘querem’ Mujica como presidente

As comparações entre os dois inundaram a Espanha
As comparações entre os dois inundaram a Espanha


O presidente do Uruguai, José Mujica, se transformou em uma espécie de estrela entre os usuários espanhóis do Twitter.

O elogio a políticos no Twitter é algo raro, mas houve na Espanha uma repentina avalanche de mais de 100 mil tweets comparando Mujica, de forma favorável, ao primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, acompanhadas da hashtag #UnPresidenteDiferente (“Um Presidente Diferente”, em tradução livre).

Mujica já foi chamado por veículos internacionais de imprensa de “o presidente mais pobre do mundo”.

Apesar de ser chefe de Estado, ele abre mão de todos os luxos atrelados ao cargo e vive em uma chácara simples, nos arredores de Montevidéu, que é vigiada por apenas dois seguranças oficiais. Quase todo seu salário de presidente (equivalente a R$ 24 mil) é doado a instituições de caridade.

O presidente gosta de cultivar hábitos simples, fazendo pequenos consertos pela casa e dirigindo um Fusca ano 1987.

Desde domingo, quando Mujica deu uma entrevista a um canal de televisão de esquerda da Espanha, as comparações entre o presidente uruguaio e o premiê Rajoy se multiplicaram.

O apresentador do programa, Jordi Évole, que tem mais de um milhão de seguidores no Twitter, contribuiu muito para tornar a hashtag #UnPresidenteDiferente popular. No entanto, o tópico parece ter criado vida própria.

“Humilde, sincero e honrado. De quantos políticos espanhóis você consegue falar isso?” é uma das postagens típicas no Twitter.

“É incrível que um país ‘menos’ desenvolvido que nosso tem mais políticos eficientes e comprometidos do que nós”, escreveu outro usuário.

Alguns compartilharam imagens dos dois líderes, reclamando que, por comparação, Rajoy tem um estilo de vida menos modesto.

O Twitter está longe de ser um representante preciso da opinião pública, mas as conversas entre os usuários parecem apontar para um sentimento de frustração ou apatia de alguns em relação à política.

As pesquisas sugerem que o partido do primeiro-ministro, Partido Popular (PP), e os socialistas da Espanha estão perdendo o apoio popular.

O primeiro-ministro sofreu outro golpe contra sua reputação devido ao chamado “Escândalo Barcenas”, envolvendo supostos pagamentos secretos a membros de seu partido.

Apesar de sempre haver insatisfação com os políticos, é incomum para os espanhóis adotarem a América Latina como inspiração política, segundo a jornalista Noemi Hernandez.

Alguns que estão usando a hashtag compararam o presidente Mujica ao papa Francisco, também considerado um tipo de estrela da mídia.

Mas existe uma grande diferença: em sua entrevista para a televisão espanhola, o presidente Mujica se declarou ateu.

Nossa fonte: DCM

domingo, 22 de junho de 2014

PROMISCUIDADE DA MONSANTO COM PARLAMENTARES E GOVERNOS,




"Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses", explicam Juliana Dias e José Carlos de Oliveira, editora do site “Malagueta – palavras boas de se comer” e professor do Programa de Pós graduação do HCTE/UFRJ em “Ciencia, Tecnologia e Segurança Alimentar”, respectivamente, em artigo publicado por CartaCapital, 10-06-2014.

Deputados agem para nos empurrar transgênicos

A questão de que as novas tecnologias poderão resolver os problemas humanos com que nos defrontamos é controversa. As tecnologias fundadas em aplicação de estudos científicos apresentam incertezas para o bem-estar humano. Apontam para aspectos negativos de difícil solução, pois têm por objetivo questões distintas do que é alardeado como grande vantagem — por exemplo, eficiência e lucro. O detentores dessas novas tecnologias tentam provar a eficácia, defendendo benefícios não inteiramente comprovados para lançar na sociedade seus produtos inovadores. O caso da transgenia serve como exemplo para indicar as implicações e compromissos entre ciência e democracia, no que diz respeito aos direitos civis e sociais dos cidadãos, bem como sua participação deliberativa.
A produção de alimentos geneticamente modificados (GM) em larga escala teve início em 1996, nos Estados Unidos (EUA), com a introdução da soja resistente a herbicidas. Entretanto, o debate a respeito desse modelo produtivo na agricultura industrial é pautado por controvérsias. A área mundial ocupada com cultivos GM atingiu 102 milhões de hectares em apenas 10 anos (SILVEIRA e BUAINAIN, 2007, p.58). Já o diálogo, na sociedade, sobre a positividade ou negatividade de seu uso, avança com dificuldades. Não há consenso entre cientistas, governos, indústrias e associações civis, os protagonistas desse enredo. Na perspectiva de Latour (2007, apud ABRAMOVAY p. 135), descrever controvérsias trata-se da capacidade de acompanhar e expor “um debate que tem por objeto, ao menos em parte, conhecimentos científicos ou técnicos ainda não assegurados”.
A decisão sobre o que colocar na lavoura, ou no prato, sofre pressões em favor da economia e da eficiência do agronegócio. Os defensores da engenharia genética em plantas comestíveis argumentam que, só por esta via, será possível alimentar os 9 bilhões de habitantes previstos para 2050 no planeta. No entanto, quando a indústria assume o compromisso de promover a segurança alimentar, a lógica que se sobrepõe é a do alimento como mercadoria, e não como direito.
As informações disseminadas não parecem conduzir à construção de um diálogo que assegure autonomia e engajamento no processo democrático. O cenário ainda é de incerteza, para prosseguir com um sistema agrícola centrado na biotecnologia. De um lado, as multinacionais prometem a melhoria na qualidade dos alimentos e a garantia da Segurança Alimentar. De outro, os agricultores apontam a perda de autonomia no exercício de plantar; a população sofre com problemas de saúde em relação ao uso de agrotóxicos, produzindo, inclusive, mortes; e o meio ambiente sofre com a deterioração do solo, entre outras ameaças (ROBIN, 2008).
As discordâncias
Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses. A imagem da empresa representa, metaforicamente, o quão controverso é o diálogo com a sociedade. Já existem vários estudos publicados, questionando sua postura corporativa em mais de um século de existência. Desde o suprimento do herbicida conhecido como Agente Laranja para a Guerra do Vietnã à introdução de agrotóxicos para a Revolução Verde (ROBIN, 2008).
Para pontuar aspectos dessa controvérsia, fizemos um recorte cronológico com alguns fatos da trajetória da companhia em 2013, quando completou 50 anos no Brasil. No mesmo ano em que o vice-presidente de Tecnologia e cientista-chefe da Monsanto, Robert Fraley, recebe o World Food Prize (Prêmiohttps://mail.google.com/mail/u/0/h/1911e2x94g2ed/?view=att&th=146c4e5752cd1c54&attid=0.1&disp=emb&zw&atsh=1 Mundial de Alimentação, concedido por iniciativa de um empresário norte-americano) devido ao pioneirismo na área de biotecnologia, a empresa desistiu do desenvolver novas sementes GMs na União Europeia, pois há demora na aprovação de novas variedades modificadas – ela é detentora do maior número de pendências de aprovação no bloco europeu.
A demora na aprovação espelha suspeitas ainda bastante difundidas sobre a segurança, já que grupos da sociedade civil europeia temem seus impactos no ambiente e na saúde1. Pelo menos dez países europeus – Polônia, Alemanha, Áustria, Hungria, Luxemburgo, Romênia, França, Grécia, Suíça, Itália e Bulgária – já proibiram o cultivo do milho transgênico da Monsanto, o MON 8102. A decisão tem base em estudos, segundo os quais a toxina presente no organismo modificado provoca danos à minhocas, borboletas e aranhas. Provas de sua segurança para a saúde são inconclusivas. Os efeitos colaterais para o homem e o meio ambiente ainda carecem de estudos conclusivos independentes (ROBIN, 2008; ZANONI e FERMENT, 2011; VEIGA, 2007; ANDRIOLI E FUCHS, 2012).
A empresa completou cinco décadas no Brasil com o lançamento comercial das sementes da soja Intacta RR2 Pro, primeira tecnologia desenvolvida em solo e para solo brasileiro. No mesmo 2013, mais de 50 países aderiram à “Marcha contra Monsanto” em protesto contra a manipulação genética e o monopólio da multinacional na agricultura e biotecnologia. A campanha teve como estopim o suicídio de agricultores indianos. Essa prática tem se tornado frequente devido ao endividamento para competir na agricultura industrial.
O direito às sementes do agricultor e o direito à informação do cidadão passam por um modelo controverso, dúbio e confuso de controle e regulação, de algum modo referenciados nas leis federais em diversos países da América do Sul, da África e nos Estados Unidos. A indústria da biotecnologia vem avançando por meio da formação de um oligopólio no mercado das sementes, baseado também em um direito, o de propriedade intelectual, que torna privado o que é o público, com a natureza e a produção de conhecimento. Tudo feito em parceria com as agências governamentais. Com isso, quem planta troca a diversidade e a capacidade de selecionar seus grãos por plantas que recebem alteração genética (VEIGA, 2011, ZANONI E FERMENT, 2011).
A transnacional Monsanto está em mais de 80 países, com domínio de aproximadamente 80% do mercado mundial de sementes transgênicas e de agrotóxicos. A empresa acumula acusações em diferentes continentes, por violações de direitos, por omissão de informações sobre o processo de produção de venenos, cobrança indevida de royalties e imposição de um modelo de agricultura baseado na monocultura, na degradação ambiental e na utilização de agrotóxicos.
A quem interessa saber?
O diálogo sobre o presente e o futuro da alimentação diz respeito aos 7 bilhões de habitantes do planeta hoje existentes. De acordo com Paulo Freire (1971b, p. 43, apud Lima 2011, p.90), “dialogar não significa invadir, manipular, ou fazer ‘slogans’. Trata-se de um devotamento permanente à causa da transformação da realidade (…). O diálogo não pode se deixar aprisionar por qualquer relação de antagonismo (…)”. A Monsanto se apresenta como uma empresa comprometida com o diálogo, o qual estabelece como base nos princípios de seu compromisso corporativo: “ouvir atentamente diversos públicos e pontos de vista, demonstrando interesse em ampliar a nossa compreensão das questões referentes à tecnologia agrícola, e a fim de melhor atender as necessidades e preocupações da sociedade e uns dos outros”.
Ao afirmarmos que o diálogo sobre a produção de transgênicos é desencontrado, referimo-nos às ambivalências entre o discurso e a prática das empresas, dos governos, das universidades e da mídia. O processo dialógico é permeado por ruídos, omissões e abordagens unilaterais.
Um ponto flagrante na divulgação das informações para a população é que a pesquisa com transgênicos é realizada quase exclusivamente por aqueles que comercializam os produtos biotecnológicos. A preocupação é elaborar variedades com mais performance, sem se envolver na investigação de seus riscos indiretos ou diretos. A introdução dos GMs em diversas partes do mundo mostra a relação conflituosa entre ciência e democracia (APOTEKER, 2011, p. 89). As implicações vão além da dimensão cientifico-tecnológica. Estão ligadas às decisões políticas dos governos e à ética. Existe uma tensão permanente entre a demanda da sociedade e os interesses envolvidos com o fazer científico.
O direito à informação sempre esteve presente nos debates relacionados com a introdução dos transgênicos no país. Essa reinvindicação foi impulsionada pelas organizações não governamentais(ONGs) e movimentos sociais, em especial os ligados aos direitos do consumidor. “O aumento da produção amplia a importância da informação como meio de garantir aos cidadãos o poder legítimo de escolha”. (SALAZAE, 2011, p. 302).
A rotulagem de alimentos é um meio de assegurar esse direito, mas em contrapartida torna-se uma arena de conflitos entre as indústrias e os consumidores. Nos EUA, utiliza-se o critério de “equivalência substancial”, em que a semente não transgênica é posta em igualdade com a geneticamente modificada. Partindo dessa norma, não há necessidade de informar ao consumidor o tipo de grão que contém um produto alimentício. Assim, a legislação norte-americana não permite estampar o “T” (de transgênico) nos rótulos (ROBIN, 2008).
Entretanto, as associações de consumidores norte-americanas conseguiram o direito de rotular o leite com a informação “ausência de uso”, referindo-se ao hormônio rBGH, responsável por aumentar em até 30% a produção de leite. Este foi o primeiro produto nascido da engenharia genética. Após 15 anos de uso massivo na pecuária leiteira – com índices elevados de mastites nas vacas que recebiam o hormônio, aumento da quantidade de germes no leite, além do crescimento do fator IGF (responsáveis por várias enfermidades) – a população passou a ter acesso a essa informação. (APOTEKER, 2011, p. 90; COHEN, 2005).
No Brasil, o decreto federal 4.680/2003 regulamentou o direito à informação, conforme artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sobre alimentos que contenham acima de 1% de ingredientes transgênicos. A lei vale, inclusive, para alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo GM. Em agosto de 2012, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, acolhendo o pedido da Ação Civil Pública proposta pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Ministério Público Federal (MPF), tornou uma exigência a rotulagem dos transgênicos independentemente do percentual e de qualquer outra condicionante. É possível identificar em diversos produtos um símbolo com a letra T (exige atenção para identificar, pois normalmente aparece com discrição nas embalagens).
Entretanto, o momento atual parece um retrocesso no que diz respeito à informação sobre a fabricação. O Projeto de Lei (PL) 4.148 (2008), de autoria do Deputado Luis Carlos Heinze, pretende retirar essa informação dos rótulos. O PL apresenta as seguintes propostas: (1) não torna obrigatória a informação sobre a presença de transgênico no rótulo se não for possível sua detecção pelos métodos laboratoriais, o que exclui a maioria dos alimentos (como papinhas de bebês, óleos, bolachas, margarinas); (2) não obriga a rotulagem dos alimentos de origem animal alimentados com ração transgênica; (3) exclui o símbolo T que hoje permite a identificação da origem transgênica do alimento (como se tem observado nos óleos de soja); (4) não obriga a informação quanto à espécie doadora do gene.
Em 2013, o PL poderia ir em votação em caráter de urgência, mas a ameaça não se confirmou. Em 29 de abril de 2014, novamente entrou eu pauta por conta de outro projeto que prevê a separação de produtos transgênicos em prateleiras de estabelecimentos comerciais (similar a uma lei estadual de São Paulo). Mas com a mobilização da sociedade civil a votação foi suspensa. Esses são alguns dos desencontros do diálogo sobre a transgenia no Brasil. O Idec está em campanha para impedir o fim da rotulagem dos transgênicos. Para participar, basta enviar uma mensagem para os deputados. É fácil e eficaz.
A soberania do discurso científico pode calar e distanciar os cidadãos de assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento econômico, social e cultural. É necessário construir um debate público com informação e conscientização. O diálogo aprofundado, e interessado em ouvir o que a sociedade realmente tem a dizer, é de responsabilidade do governo, por meio das leis de regulamentação; das universidades públicas, com educação e formação de cidadãos críticos e participativos; dos cientistas, ao respeitar o interesse público; das ONGs, ao trazer informações para a esfera pública; e da mídia e empresas do agronegócio, que devem comunicar com mais clareza e ética.
Como podemos observar, as novas tecnologias envolvem questões que devem ser debatidas pelos mais diversos atores sociais. A produção de alimentos GMs trouxe questões complexas, que urgem por interdisciplinaridade para construir a reflexão e propor soluções. É o caso alarmante da transição da posse das sementes, das mãos dos camponeses às das multinacionais. Outra análise imperativa é em relação aos riscos indeterminados, em longo prazo, na saúde humana e no meio ambiente.
A dificuldade para se fazer pesquisas independentes sobre a produção de transgênicos é um entrave para fundamentar as discussões no campo do direito e da cidadania. O diálogo entre os sujeitos, permeado de múltiplos valores, necessita encontrar caminhos concretos e seguros para transformar a realidade. Nesse sentido, um processo de comunicação dialógico, como nos sugere Paulo Freire, pode nutrir a sociedade com informações consistentes e o mais abrangentes possíveis. Assim, o cidadão poderá conquistar autonomia e engajamento para participar democraticamente, de forma deliberativa, de questões centrais para o presente e o futuro


PROMISCUIDADE DA MONSANTO COM PARLAMENTARES E GOVERNOS,




"Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses", explicam Juliana Dias e José Carlos de Oliveira, editora do site “Malagueta – palavras boas de se comer” e professor do Programa de Pós graduação do HCTE/UFRJ em “Ciencia, Tecnologia e Segurança Alimentar”, respectivamente, em artigo publicado por CartaCapital, 10-06-2014.

Deputados agem para nos empurrar transgênicos

A questão de que as novas tecnologias poderão resolver os problemas humanos com que nos defrontamos é controversa. As tecnologias fundadas em aplicação de estudos científicos apresentam incertezas para o bem-estar humano. Apontam para aspectos negativos de difícil solução, pois têm por objetivo questões distintas do que é alardeado como grande vantagem — por exemplo, eficiência e lucro. O detentores dessas novas tecnologias tentam provar a eficácia, defendendo benefícios não inteiramente comprovados para lançar na sociedade seus produtos inovadores. O caso da transgenia serve como exemplo para indicar as implicações e compromissos entre ciência e democracia, no que diz respeito aos direitos civis e sociais dos cidadãos, bem como sua participação deliberativa.
A produção de alimentos geneticamente modificados (GM) em larga escala teve início em 1996, nos Estados Unidos (EUA), com a introdução da soja resistente a herbicidas. Entretanto, o debate a respeito desse modelo produtivo na agricultura industrial é pautado por controvérsias. A área mundial ocupada com cultivos GM atingiu 102 milhões de hectares em apenas 10 anos (SILVEIRA e BUAINAIN, 2007, p.58). Já o diálogo, na sociedade, sobre a positividade ou negatividade de seu uso, avança com dificuldades. Não há consenso entre cientistas, governos, indústrias e associações civis, os protagonistas desse enredo. Na perspectiva de Latour (2007, apud ABRAMOVAY p. 135), descrever controvérsias trata-se da capacidade de acompanhar e expor “um debate que tem por objeto, ao menos em parte, conhecimentos científicos ou técnicos ainda não assegurados”.
A decisão sobre o que colocar na lavoura, ou no prato, sofre pressões em favor da economia e da eficiência do agronegócio. Os defensores da engenharia genética em plantas comestíveis argumentam que, só por esta via, será possível alimentar os 9 bilhões de habitantes previstos para 2050 no planeta. No entanto, quando a indústria assume o compromisso de promover a segurança alimentar, a lógica que se sobrepõe é a do alimento como mercadoria, e não como direito.
As informações disseminadas não parecem conduzir à construção de um diálogo que assegure autonomia e engajamento no processo democrático. O cenário ainda é de incerteza, para prosseguir com um sistema agrícola centrado na biotecnologia. De um lado, as multinacionais prometem a melhoria na qualidade dos alimentos e a garantia da Segurança Alimentar. De outro, os agricultores apontam a perda de autonomia no exercício de plantar; a população sofre com problemas de saúde em relação ao uso de agrotóxicos, produzindo, inclusive, mortes; e o meio ambiente sofre com a deterioração do solo, entre outras ameaças (ROBIN, 2008).
As discordâncias
Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses. A imagem da empresa representa, metaforicamente, o quão controverso é o diálogo com a sociedade. Já existem vários estudos publicados, questionando sua postura corporativa em mais de um século de existência. Desde o suprimento do herbicida conhecido como Agente Laranja para a Guerra do Vietnã à introdução de agrotóxicos para a Revolução Verde (ROBIN, 2008).
Para pontuar aspectos dessa controvérsia, fizemos um recorte cronológico com alguns fatos da trajetória da companhia em 2013, quando completou 50 anos no Brasil. No mesmo ano em que o vice-presidente de Tecnologia e cientista-chefe da Monsanto, Robert Fraley, recebe o World Food Prize (Prêmiohttps://mail.google.com/mail/u/0/h/1911e2x94g2ed/?view=att&th=146c4e5752cd1c54&attid=0.1&disp=emb&zw&atsh=1 Mundial de Alimentação, concedido por iniciativa de um empresário norte-americano) devido ao pioneirismo na área de biotecnologia, a empresa desistiu do desenvolver novas sementes GMs na União Europeia, pois há demora na aprovação de novas variedades modificadas – ela é detentora do maior número de pendências de aprovação no bloco europeu.
A demora na aprovação espelha suspeitas ainda bastante difundidas sobre a segurança, já que grupos da sociedade civil europeia temem seus impactos no ambiente e na saúde1. Pelo menos dez países europeus – Polônia, Alemanha, Áustria, Hungria, Luxemburgo, Romênia, França, Grécia, Suíça, Itália e Bulgária – já proibiram o cultivo do milho transgênico da Monsanto, o MON 8102. A decisão tem base em estudos, segundo os quais a toxina presente no organismo modificado provoca danos à minhocas, borboletas e aranhas. Provas de sua segurança para a saúde são inconclusivas. Os efeitos colaterais para o homem e o meio ambiente ainda carecem de estudos conclusivos independentes (ROBIN, 2008; ZANONI e FERMENT, 2011; VEIGA, 2007; ANDRIOLI E FUCHS, 2012).
A empresa completou cinco décadas no Brasil com o lançamento comercial das sementes da soja Intacta RR2 Pro, primeira tecnologia desenvolvida em solo e para solo brasileiro. No mesmo 2013, mais de 50 países aderiram à “Marcha contra Monsanto” em protesto contra a manipulação genética e o monopólio da multinacional na agricultura e biotecnologia. A campanha teve como estopim o suicídio de agricultores indianos. Essa prática tem se tornado frequente devido ao endividamento para competir na agricultura industrial.
O direito às sementes do agricultor e o direito à informação do cidadão passam por um modelo controverso, dúbio e confuso de controle e regulação, de algum modo referenciados nas leis federais em diversos países da América do Sul, da África e nos Estados Unidos. A indústria da biotecnologia vem avançando por meio da formação de um oligopólio no mercado das sementes, baseado também em um direito, o de propriedade intelectual, que torna privado o que é o público, com a natureza e a produção de conhecimento. Tudo feito em parceria com as agências governamentais. Com isso, quem planta troca a diversidade e a capacidade de selecionar seus grãos por plantas que recebem alteração genética (VEIGA, 2011, ZANONI E FERMENT, 2011).
A transnacional Monsanto está em mais de 80 países, com domínio de aproximadamente 80% do mercado mundial de sementes transgênicas e de agrotóxicos. A empresa acumula acusações em diferentes continentes, por violações de direitos, por omissão de informações sobre o processo de produção de venenos, cobrança indevida de royalties e imposição de um modelo de agricultura baseado na monocultura, na degradação ambiental e na utilização de agrotóxicos.
A quem interessa saber?
O diálogo sobre o presente e o futuro da alimentação diz respeito aos 7 bilhões de habitantes do planeta hoje existentes. De acordo com Paulo Freire (1971b, p. 43, apud Lima 2011, p.90), “dialogar não significa invadir, manipular, ou fazer ‘slogans’. Trata-se de um devotamento permanente à causa da transformação da realidade (…). O diálogo não pode se deixar aprisionar por qualquer relação de antagonismo (…)”. A Monsanto se apresenta como uma empresa comprometida com o diálogo, o qual estabelece como base nos princípios de seu compromisso corporativo: “ouvir atentamente diversos públicos e pontos de vista, demonstrando interesse em ampliar a nossa compreensão das questões referentes à tecnologia agrícola, e a fim de melhor atender as necessidades e preocupações da sociedade e uns dos outros”.
Ao afirmarmos que o diálogo sobre a produção de transgênicos é desencontrado, referimo-nos às ambivalências entre o discurso e a prática das empresas, dos governos, das universidades e da mídia. O processo dialógico é permeado por ruídos, omissões e abordagens unilaterais.
Um ponto flagrante na divulgação das informações para a população é que a pesquisa com transgênicos é realizada quase exclusivamente por aqueles que comercializam os produtos biotecnológicos. A preocupação é elaborar variedades com mais performance, sem se envolver na investigação de seus riscos indiretos ou diretos. A introdução dos GMs em diversas partes do mundo mostra a relação conflituosa entre ciência e democracia (APOTEKER, 2011, p. 89). As implicações vão além da dimensão cientifico-tecnológica. Estão ligadas às decisões políticas dos governos e à ética. Existe uma tensão permanente entre a demanda da sociedade e os interesses envolvidos com o fazer científico.
O direito à informação sempre esteve presente nos debates relacionados com a introdução dos transgênicos no país. Essa reinvindicação foi impulsionada pelas organizações não governamentais(ONGs) e movimentos sociais, em especial os ligados aos direitos do consumidor. “O aumento da produção amplia a importância da informação como meio de garantir aos cidadãos o poder legítimo de escolha”. (SALAZAE, 2011, p. 302).
A rotulagem de alimentos é um meio de assegurar esse direito, mas em contrapartida torna-se uma arena de conflitos entre as indústrias e os consumidores. Nos EUA, utiliza-se o critério de “equivalência substancial”, em que a semente não transgênica é posta em igualdade com a geneticamente modificada. Partindo dessa norma, não há necessidade de informar ao consumidor o tipo de grão que contém um produto alimentício. Assim, a legislação norte-americana não permite estampar o “T” (de transgênico) nos rótulos (ROBIN, 2008).
Entretanto, as associações de consumidores norte-americanas conseguiram o direito de rotular o leite com a informação “ausência de uso”, referindo-se ao hormônio rBGH, responsável por aumentar em até 30% a produção de leite. Este foi o primeiro produto nascido da engenharia genética. Após 15 anos de uso massivo na pecuária leiteira – com índices elevados de mastites nas vacas que recebiam o hormônio, aumento da quantidade de germes no leite, além do crescimento do fator IGF (responsáveis por várias enfermidades) – a população passou a ter acesso a essa informação. (APOTEKER, 2011, p. 90; COHEN, 2005).
No Brasil, o decreto federal 4.680/2003 regulamentou o direito à informação, conforme artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sobre alimentos que contenham acima de 1% de ingredientes transgênicos. A lei vale, inclusive, para alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo GM. Em agosto de 2012, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, acolhendo o pedido da Ação Civil Pública proposta pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Ministério Público Federal (MPF), tornou uma exigência a rotulagem dos transgênicos independentemente do percentual e de qualquer outra condicionante. É possível identificar em diversos produtos um símbolo com a letra T (exige atenção para identificar, pois normalmente aparece com discrição nas embalagens).
Entretanto, o momento atual parece um retrocesso no que diz respeito à informação sobre a fabricação. O Projeto de Lei (PL) 4.148 (2008), de autoria do Deputado Luis Carlos Heinze, pretende retirar essa informação dos rótulos. O PL apresenta as seguintes propostas: (1) não torna obrigatória a informação sobre a presença de transgênico no rótulo se não for possível sua detecção pelos métodos laboratoriais, o que exclui a maioria dos alimentos (como papinhas de bebês, óleos, bolachas, margarinas); (2) não obriga a rotulagem dos alimentos de origem animal alimentados com ração transgênica; (3) exclui o símbolo T que hoje permite a identificação da origem transgênica do alimento (como se tem observado nos óleos de soja); (4) não obriga a informação quanto à espécie doadora do gene.
Em 2013, o PL poderia ir em votação em caráter de urgência, mas a ameaça não se confirmou. Em 29 de abril de 2014, novamente entrou eu pauta por conta de outro projeto que prevê a separação de produtos transgênicos em prateleiras de estabelecimentos comerciais (similar a uma lei estadual de São Paulo). Mas com a mobilização da sociedade civil a votação foi suspensa. Esses são alguns dos desencontros do diálogo sobre a transgenia no Brasil. O Idec está em campanha para impedir o fim da rotulagem dos transgênicos. Para participar, basta enviar uma mensagem para os deputados. É fácil e eficaz.
A soberania do discurso científico pode calar e distanciar os cidadãos de assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento econômico, social e cultural. É necessário construir um debate público com informação e conscientização. O diálogo aprofundado, e interessado em ouvir o que a sociedade realmente tem a dizer, é de responsabilidade do governo, por meio das leis de regulamentação; das universidades públicas, com educação e formação de cidadãos críticos e participativos; dos cientistas, ao respeitar o interesse público; das ONGs, ao trazer informações para a esfera pública; e da mídia e empresas do agronegócio, que devem comunicar com mais clareza e ética.
Como podemos observar, as novas tecnologias envolvem questões que devem ser debatidas pelos mais diversos atores sociais. A produção de alimentos GMs trouxe questões complexas, que urgem por interdisciplinaridade para construir a reflexão e propor soluções. É o caso alarmante da transição da posse das sementes, das mãos dos camponeses às das multinacionais. Outra análise imperativa é em relação aos riscos indeterminados, em longo prazo, na saúde humana e no meio ambiente.
A dificuldade para se fazer pesquisas independentes sobre a produção de transgênicos é um entrave para fundamentar as discussões no campo do direito e da cidadania. O diálogo entre os sujeitos, permeado de múltiplos valores, necessita encontrar caminhos concretos e seguros para transformar a realidade. Nesse sentido, um processo de comunicação dialógico, como nos sugere Paulo Freire, pode nutrir a sociedade com informações consistentes e o mais abrangentes possíveis. Assim, o cidadão poderá conquistar autonomia e engajamento para participar democraticamente, de forma deliberativa, de questões centrais para o presente e o futuro


PROMISCUIDADE DA MONSANTO COM PARLAMENTARES E GOVERNOS,




"Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses", explicam Juliana Dias e José Carlos de Oliveira, editora do site “Malagueta – palavras boas de se comer” e professor do Programa de Pós graduação do HCTE/UFRJ em “Ciencia, Tecnologia e Segurança Alimentar”, respectivamente, em artigo publicado por CartaCapital, 10-06-2014.

Deputados agem para nos empurrar transgênicos

A questão de que as novas tecnologias poderão resolver os problemas humanos com que nos defrontamos é controversa. As tecnologias fundadas em aplicação de estudos científicos apresentam incertezas para o bem-estar humano. Apontam para aspectos negativos de difícil solução, pois têm por objetivo questões distintas do que é alardeado como grande vantagem — por exemplo, eficiência e lucro. O detentores dessas novas tecnologias tentam provar a eficácia, defendendo benefícios não inteiramente comprovados para lançar na sociedade seus produtos inovadores. O caso da transgenia serve como exemplo para indicar as implicações e compromissos entre ciência e democracia, no que diz respeito aos direitos civis e sociais dos cidadãos, bem como sua participação deliberativa.
A produção de alimentos geneticamente modificados (GM) em larga escala teve início em 1996, nos Estados Unidos (EUA), com a introdução da soja resistente a herbicidas. Entretanto, o debate a respeito desse modelo produtivo na agricultura industrial é pautado por controvérsias. A área mundial ocupada com cultivos GM atingiu 102 milhões de hectares em apenas 10 anos (SILVEIRA e BUAINAIN, 2007, p.58). Já o diálogo, na sociedade, sobre a positividade ou negatividade de seu uso, avança com dificuldades. Não há consenso entre cientistas, governos, indústrias e associações civis, os protagonistas desse enredo. Na perspectiva de Latour (2007, apud ABRAMOVAY p. 135), descrever controvérsias trata-se da capacidade de acompanhar e expor “um debate que tem por objeto, ao menos em parte, conhecimentos científicos ou técnicos ainda não assegurados”.
A decisão sobre o que colocar na lavoura, ou no prato, sofre pressões em favor da economia e da eficiência do agronegócio. Os defensores da engenharia genética em plantas comestíveis argumentam que, só por esta via, será possível alimentar os 9 bilhões de habitantes previstos para 2050 no planeta. No entanto, quando a indústria assume o compromisso de promover a segurança alimentar, a lógica que se sobrepõe é a do alimento como mercadoria, e não como direito.
As informações disseminadas não parecem conduzir à construção de um diálogo que assegure autonomia e engajamento no processo democrático. O cenário ainda é de incerteza, para prosseguir com um sistema agrícola centrado na biotecnologia. De um lado, as multinacionais prometem a melhoria na qualidade dos alimentos e a garantia da Segurança Alimentar. De outro, os agricultores apontam a perda de autonomia no exercício de plantar; a população sofre com problemas de saúde em relação ao uso de agrotóxicos, produzindo, inclusive, mortes; e o meio ambiente sofre com a deterioração do solo, entre outras ameaças (ROBIN, 2008).
As discordâncias
Um principal protagonista do enredo da indústria da biotecnologia é a multinacional Monsanto, fundada há 112 anos em St. Louis, nos EUA. Sua atuação junto aos governos, universidades e organismos internacionais é vigorosamente contestada, igualmente por cientistas, agrônomos, políticos, técnicos e, principalmente, por camponeses. A imagem da empresa representa, metaforicamente, o quão controverso é o diálogo com a sociedade. Já existem vários estudos publicados, questionando sua postura corporativa em mais de um século de existência. Desde o suprimento do herbicida conhecido como Agente Laranja para a Guerra do Vietnã à introdução de agrotóxicos para a Revolução Verde (ROBIN, 2008).
Para pontuar aspectos dessa controvérsia, fizemos um recorte cronológico com alguns fatos da trajetória da companhia em 2013, quando completou 50 anos no Brasil. No mesmo ano em que o vice-presidente de Tecnologia e cientista-chefe da Monsanto, Robert Fraley, recebe o World Food Prize (Prêmiohttps://mail.google.com/mail/u/0/h/1911e2x94g2ed/?view=att&th=146c4e5752cd1c54&attid=0.1&disp=emb&zw&atsh=1 Mundial de Alimentação, concedido por iniciativa de um empresário norte-americano) devido ao pioneirismo na área de biotecnologia, a empresa desistiu do desenvolver novas sementes GMs na União Europeia, pois há demora na aprovação de novas variedades modificadas – ela é detentora do maior número de pendências de aprovação no bloco europeu.
A demora na aprovação espelha suspeitas ainda bastante difundidas sobre a segurança, já que grupos da sociedade civil europeia temem seus impactos no ambiente e na saúde1. Pelo menos dez países europeus – Polônia, Alemanha, Áustria, Hungria, Luxemburgo, Romênia, França, Grécia, Suíça, Itália e Bulgária – já proibiram o cultivo do milho transgênico da Monsanto, o MON 8102. A decisão tem base em estudos, segundo os quais a toxina presente no organismo modificado provoca danos à minhocas, borboletas e aranhas. Provas de sua segurança para a saúde são inconclusivas. Os efeitos colaterais para o homem e o meio ambiente ainda carecem de estudos conclusivos independentes (ROBIN, 2008; ZANONI e FERMENT, 2011; VEIGA, 2007; ANDRIOLI E FUCHS, 2012).
A empresa completou cinco décadas no Brasil com o lançamento comercial das sementes da soja Intacta RR2 Pro, primeira tecnologia desenvolvida em solo e para solo brasileiro. No mesmo 2013, mais de 50 países aderiram à “Marcha contra Monsanto” em protesto contra a manipulação genética e o monopólio da multinacional na agricultura e biotecnologia. A campanha teve como estopim o suicídio de agricultores indianos. Essa prática tem se tornado frequente devido ao endividamento para competir na agricultura industrial.
O direito às sementes do agricultor e o direito à informação do cidadão passam por um modelo controverso, dúbio e confuso de controle e regulação, de algum modo referenciados nas leis federais em diversos países da América do Sul, da África e nos Estados Unidos. A indústria da biotecnologia vem avançando por meio da formação de um oligopólio no mercado das sementes, baseado também em um direito, o de propriedade intelectual, que torna privado o que é o público, com a natureza e a produção de conhecimento. Tudo feito em parceria com as agências governamentais. Com isso, quem planta troca a diversidade e a capacidade de selecionar seus grãos por plantas que recebem alteração genética (VEIGA, 2011, ZANONI E FERMENT, 2011).
A transnacional Monsanto está em mais de 80 países, com domínio de aproximadamente 80% do mercado mundial de sementes transgênicas e de agrotóxicos. A empresa acumula acusações em diferentes continentes, por violações de direitos, por omissão de informações sobre o processo de produção de venenos, cobrança indevida de royalties e imposição de um modelo de agricultura baseado na monocultura, na degradação ambiental e na utilização de agrotóxicos.
A quem interessa saber?
O diálogo sobre o presente e o futuro da alimentação diz respeito aos 7 bilhões de habitantes do planeta hoje existentes. De acordo com Paulo Freire (1971b, p. 43, apud Lima 2011, p.90), “dialogar não significa invadir, manipular, ou fazer ‘slogans’. Trata-se de um devotamento permanente à causa da transformação da realidade (…). O diálogo não pode se deixar aprisionar por qualquer relação de antagonismo (…)”. A Monsanto se apresenta como uma empresa comprometida com o diálogo, o qual estabelece como base nos princípios de seu compromisso corporativo: “ouvir atentamente diversos públicos e pontos de vista, demonstrando interesse em ampliar a nossa compreensão das questões referentes à tecnologia agrícola, e a fim de melhor atender as necessidades e preocupações da sociedade e uns dos outros”.
Ao afirmarmos que o diálogo sobre a produção de transgênicos é desencontrado, referimo-nos às ambivalências entre o discurso e a prática das empresas, dos governos, das universidades e da mídia. O processo dialógico é permeado por ruídos, omissões e abordagens unilaterais.
Um ponto flagrante na divulgação das informações para a população é que a pesquisa com transgênicos é realizada quase exclusivamente por aqueles que comercializam os produtos biotecnológicos. A preocupação é elaborar variedades com mais performance, sem se envolver na investigação de seus riscos indiretos ou diretos. A introdução dos GMs em diversas partes do mundo mostra a relação conflituosa entre ciência e democracia (APOTEKER, 2011, p. 89). As implicações vão além da dimensão cientifico-tecnológica. Estão ligadas às decisões políticas dos governos e à ética. Existe uma tensão permanente entre a demanda da sociedade e os interesses envolvidos com o fazer científico.
O direito à informação sempre esteve presente nos debates relacionados com a introdução dos transgênicos no país. Essa reinvindicação foi impulsionada pelas organizações não governamentais(ONGs) e movimentos sociais, em especial os ligados aos direitos do consumidor. “O aumento da produção amplia a importância da informação como meio de garantir aos cidadãos o poder legítimo de escolha”. (SALAZAE, 2011, p. 302).
A rotulagem de alimentos é um meio de assegurar esse direito, mas em contrapartida torna-se uma arena de conflitos entre as indústrias e os consumidores. Nos EUA, utiliza-se o critério de “equivalência substancial”, em que a semente não transgênica é posta em igualdade com a geneticamente modificada. Partindo dessa norma, não há necessidade de informar ao consumidor o tipo de grão que contém um produto alimentício. Assim, a legislação norte-americana não permite estampar o “T” (de transgênico) nos rótulos (ROBIN, 2008).
Entretanto, as associações de consumidores norte-americanas conseguiram o direito de rotular o leite com a informação “ausência de uso”, referindo-se ao hormônio rBGH, responsável por aumentar em até 30% a produção de leite. Este foi o primeiro produto nascido da engenharia genética. Após 15 anos de uso massivo na pecuária leiteira – com índices elevados de mastites nas vacas que recebiam o hormônio, aumento da quantidade de germes no leite, além do crescimento do fator IGF (responsáveis por várias enfermidades) – a população passou a ter acesso a essa informação. (APOTEKER, 2011, p. 90; COHEN, 2005).
No Brasil, o decreto federal 4.680/2003 regulamentou o direito à informação, conforme artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sobre alimentos que contenham acima de 1% de ingredientes transgênicos. A lei vale, inclusive, para alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo GM. Em agosto de 2012, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, acolhendo o pedido da Ação Civil Pública proposta pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Ministério Público Federal (MPF), tornou uma exigência a rotulagem dos transgênicos independentemente do percentual e de qualquer outra condicionante. É possível identificar em diversos produtos um símbolo com a letra T (exige atenção para identificar, pois normalmente aparece com discrição nas embalagens).
Entretanto, o momento atual parece um retrocesso no que diz respeito à informação sobre a fabricação. O Projeto de Lei (PL) 4.148 (2008), de autoria do Deputado Luis Carlos Heinze, pretende retirar essa informação dos rótulos. O PL apresenta as seguintes propostas: (1) não torna obrigatória a informação sobre a presença de transgênico no rótulo se não for possível sua detecção pelos métodos laboratoriais, o que exclui a maioria dos alimentos (como papinhas de bebês, óleos, bolachas, margarinas); (2) não obriga a rotulagem dos alimentos de origem animal alimentados com ração transgênica; (3) exclui o símbolo T que hoje permite a identificação da origem transgênica do alimento (como se tem observado nos óleos de soja); (4) não obriga a informação quanto à espécie doadora do gene.
Em 2013, o PL poderia ir em votação em caráter de urgência, mas a ameaça não se confirmou. Em 29 de abril de 2014, novamente entrou eu pauta por conta de outro projeto que prevê a separação de produtos transgênicos em prateleiras de estabelecimentos comerciais (similar a uma lei estadual de São Paulo). Mas com a mobilização da sociedade civil a votação foi suspensa. Esses são alguns dos desencontros do diálogo sobre a transgenia no Brasil. O Idec está em campanha para impedir o fim da rotulagem dos transgênicos. Para participar, basta enviar uma mensagem para os deputados. É fácil e eficaz.
A soberania do discurso científico pode calar e distanciar os cidadãos de assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento econômico, social e cultural. É necessário construir um debate público com informação e conscientização. O diálogo aprofundado, e interessado em ouvir o que a sociedade realmente tem a dizer, é de responsabilidade do governo, por meio das leis de regulamentação; das universidades públicas, com educação e formação de cidadãos críticos e participativos; dos cientistas, ao respeitar o interesse público; das ONGs, ao trazer informações para a esfera pública; e da mídia e empresas do agronegócio, que devem comunicar com mais clareza e ética.
Como podemos observar, as novas tecnologias envolvem questões que devem ser debatidas pelos mais diversos atores sociais. A produção de alimentos GMs trouxe questões complexas, que urgem por interdisciplinaridade para construir a reflexão e propor soluções. É o caso alarmante da transição da posse das sementes, das mãos dos camponeses às das multinacionais. Outra análise imperativa é em relação aos riscos indeterminados, em longo prazo, na saúde humana e no meio ambiente.
A dificuldade para se fazer pesquisas independentes sobre a produção de transgênicos é um entrave para fundamentar as discussões no campo do direito e da cidadania. O diálogo entre os sujeitos, permeado de múltiplos valores, necessita encontrar caminhos concretos e seguros para transformar a realidade. Nesse sentido, um processo de comunicação dialógico, como nos sugere Paulo Freire, pode nutrir a sociedade com informações consistentes e o mais abrangentes possíveis. Assim, o cidadão poderá conquistar autonomia e engajamento para participar democraticamente, de forma deliberativa, de questões centrais para o presente e o futuro